INTRODUÇÃO

A pecuária bovina brasileira vem passando por pressões para se ajustar a padrões mais modernos de desempenho socioambiental, sanitário e econômico. O governo brasileiro escolheu o setor para ser um dos pilares das exportações do país e subsidiou a consolidação e modernização de empresas processadoras e exportadoras de carne e ampliou o controle da febre aftosa (Barreto et al, 2008). Tais investimentos e problemas em países concorrentes (como a febre da vaca louca nos EUA e Europa) permitiram a ampliação das exportações (Barreto et al, 2008), que aumentaram 129% considerando as médias de volumes exportados em 2011-2012 em relação a 2000-2001 de acordo com dados da FNP (2001) e InformaEconomics/FNP (2012).
Entretanto, o crescimento do setor foi acompanhado pelo aumento das preocupações e pressões contra os impactos socioambientais e a ineficiência do setor. A Amazônia passou a ser a região preferencial de expansão da pecuária, associada a taxas mais elevadas de desmatamento e trabalho análogo a escravo (Barreto et al, 2008; Fernandes et al, 2008). Fazendas autuadas fazem parte da lista de trabalho escravo do Ministério do Trabalho (Fernandes et al, 2008) e redes de varejo começaram a deixar de comprar de frigoríficos que compravam gado de fazendas envolvidas com trabalho escravo (Repórter Brasil, s.d).
Ao mesmo tempo, constatou-se que o desmatamento era a principal fonte de emissões de gases do efeito estufa (Brasil, 2004). Paralelamente, aumentou a preocupação com as mudanças do clima por causa de eventos extremos no país como duas secas recordes na Amazônia e chuvas extremas no sudeste. O fato de que há uma enorme área desmatada com pastos subutilizados agravou a percepção da ineficiência do setor. Segundo o Inpe e Embrapa, a área de pastos subutilizados (sujo e com regeneração florestal) somava cerca de 12 milhões de hectares em 2010 (Embrapa/Inpe, 2013).
Diante deste contexto, o poder público, Organizações Não Governamentais (ONG) e empresas intensificaram o combate ao desmatamento (Barreto et al, 2008; Barreto et al, 2012), com medidas que incluíram:

  • aumento da fiscalização, inclusive com casos de confisco de gado criado em áreas desmatadas ilegalmente;
  • restrição do crédito rural para fazendas que não iniciaram a regularização; e
  • acordos de frigoríficos para comprar apenas de fazendas que iniciassem a regularização ambiental.

Tais pressões resultaram em reações negativas e positivas. A reação mais negativa foi o Congresso e a Presidência da República enfraquecerem o Código Florestal por meio de anistia de parte do desmatamento ilegal no Brasil (29 milhões de hectares segundo a estimativa de Soares-Filho et al, 2014). Por outro lado, alguns líderes do setor entendem que as cobranças são inevitáveis e que o setor deve melhorar seu desempenho. Grupos que já vinham buscando melhorar suas práticas tiveram a oportunidade de obter apoio para fortalecer suas iniciativas.
Uma dessas iniciativas é o Projeto Pecuária Verde liderado pelo Sindicato de Produtores Rurais de Paragominas, no leste do Pará (SRPRP, 2014). O projeto, iniciado em 2011, visa melhorar o desempenho das fazendas considerando quatro aspectos: i) aumentar a rentabilidade das fazendas por meio do aumento da produtividade; ii) melhorar o bem-estar dos animais, que afeta a produtividade, e a segurança e bem-estar dos funcionários; iii) melhorar o desempenho ambiental, planejando o uso do solo com base no potencial agropecuário e realizando a restauração de áreas desmatadas ilegalmente ou que não têm aptidão agropecuária; e iv) capacitar e valorizar os trabalhadores. Além de testar as melhores práticas, o projeto visa servir de modelo para outros produtores que podem ampliar a adoção de uma pecuária mais moderna (SRPRP, 2014).
Neste trabalho, avaliamos o desempenho financeiro e a satisfação dos trabalhadores das fazendas participantes do projeto e comparamos com fazendas típicas fora do projeto. Esta análise visa contribuir com os debates sobre o potencial e barreiras para a melhoria do desempenho socioeconômico e ambiental da pecuária na Amazônia.
A análise revelou que as fazendas que aumentam a produtividade são mais lucrativas, corroborando outros estudos na região e no Brasil (exemplos em Maya, 2003; Homma et al, 2006; Aguiar, 2012; Rural Centro, 2014). Além disso, as fazendas mais produtivas apresentaram maiores índices de satisfação dos trabalhadores em relação às condições de trabalho em comparação com as fazendas fora do projeto.
Estes resultados são promissores considerando que, segundo Barreto & Silva (2013), seria necessário melhorar a produtividade em aproximadamente 6,6 milhões de hectares de pastos na Amazônia para atender a demanda adicional projetada de carne até 2022, que seria de cerca de 770 mil toneladas, em comparação com a produção de 2010. A vantagem ambiental do aumento da produtividade seria enorme, pois evitaria desmatamento para aumentar a produção. O desmatamento na Amazônia para produzir um quilo adicional de carne aumenta em 26 vezes a poluição pela emissão de gases do efeito estufa em comparação com a produção de um quilo de carne nas áreas já desmatadas no Brasil, segundo avaliação de Cederberg et al (2011).
Entretanto, as vantagens ambientais e financeiras do aumento de produtividade não garantem a rápida evolução da pecuária. De fato, a adoção das melhores práticas na pecuária tem progredido lentamente e o desmatamento continua apesar de existirem enormes áreas desmatadas mal utilizadas. Entre 2011 e 2014, foram desmatados em média 5.432 quilômetros quadrados de floresta na Amazônia por ano, segundo dados do Inpe[1]. Com dados da Embrapa e Inpe (Embrapa/Inpe, 2011; Embrapa/Inpe, 2014), calculamos que entre 2008 e 2012 a área desmatada aumentou 6,2%, enquanto que a de pasto limpo cresceu apenas 2,9%.
Portanto, para expandir a adoção das melhores práticas é necessário entender os desafios e oportunidades. Para isso, resumimos na última seção do trabalho os fatores que têm dificultado a adoção de melhores práticas, bem como aqueles que facilitam o desmatamento ilegal. Descrevemos as oportunidades e alternativas para remover ou reduzir cada barreira.
Por fim, algumas notas de precaução sobre a interpretação dos resultados são necessárias. O modelo de intensificação da pecuária adotado no projeto em Paragominas não é exclusivo e alternativas devem ser consideradas em cada região de acordo com as oportunidades locais, como a integração com a lavoura e floresta e o uso de leguminosas nos pastos.
A rentabilidade encontrada nas áreas de estudo não será necessariamente igual em outras regiões devido a diferenças de condições agroclimáticas, da infraestrutura e da distância para o mercado, que influenciam o potencial produtivo, a necessidade e custos de insumos e as receitas. Além disso, para um mesmo nível de investimento, a rentabilidade pode variar muito dependendo da qualidade da gestão, do treinamento e de assistência técnica. Portanto, a expansão das melhores práticas em outras regiões pode seguir princípios comuns (análise do potencial, eficiência no uso dos recursos disponíveis, capacitação etc.), mas necessitará de outras análises e adaptações locais.
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[1] Dados disponíveis em: http://www.obt.inpe.br/prodes/prodes_1988_2014.htm

CARACTERÍSTICAS DAS FAZENDAS E ANÁLISES

Avaliamos o desempenho financeiro e a satisfação dos trabalhadores em 29 fazendas, das quais cinco são do projeto em Paragominas e 24 são de fora do projeto (14 na região de São Félix do Xingu e nove em Paragominas).
As fazendas do projeto receberam assistência para aumentar a produtividade por uma equipe liderada pelo professor Moacyr Corsi, da Universidade de São Paulo (Esalq/USP). Para melhorar a produtividade foram adotadas técnicas para aumentar a produção de capim e melhorar o aproveitamento deste capim pelo gado. Para melhorar o aproveitamento do capim, a técnica adotada foi o pastejo rotacionado, que consiste em dividir o pasto em piquetes e o gado pastar em cada um até o ponto ótimo (colheita do capim sem deixar material aproveitável se perder). Esses piquetes contêm tanques para que o gado beba água sem ter que se deslocar até as fontes naturais de água como rios e igarapés (Ver detalhes em SPRP, 2014 e em vídeos em: http://bit.ly/1pqLvFn e http://bit.ly/1vnuXgQ). As fazendas do projeto tinham tamanho médio de 2.662 hectares, dos quais 934 hectares eram pasto, e rebanho médio de 2.120 animais. O sistema de produção incluiu fazendas de ciclo completo (que produzem desde o bezerro até o boi gordo), cria e recria (vende bezerros e novilhos gerados na fazenda), recria e engorda (que compra bezerros e novilhos e engorda para vender boi gordo).
Nas 24 fazendas fora do projeto, os sistemas de produção também foram diversos (cria, recria e engorda e completo) e incluíram níveis diferentes de adoção de tecnologias, desde aquelas com pastos mal cuidados até algumas com nível médio de adoção de tecnologias. As fazendas tinham tamanho médio de 1.268 hectares, dos quais 613 hectares eram pastos, e rebanho médio de 655 animais.
Análise financeira. Estimamos a rentabilidade da pecuária com base nos dados de custos (modelo na Tabela 1) e receitas. A coleta de dados envolveu entrevistas e medições diretas no campo. Como muitas das fazendas não possuíam controle financeiro, estimamos o fluxo de caixa baseado na movimentação do rebanho (compra e venda de animais) e também no consumo de insumos observado e anotado. Por exemplo, estimamos os gastos com compra de sal mineral a partir do consumo médio de sal dos lotes de animais. Comparamos essas estimativas com fazendas de mesmo porte e que mantêm o registro desses consumos. Também, coletamos in loco informações como depreciação de pastagens, ganho de peso de animais e qualidade de vida dos funcionários.
Coletamos informações de todas as benfeitorias (casas, currais, caixas d’agua, cercas etc.) e medimos suas quantidades (em metros quadrados, unidades ou quilômetros). Em seguida, aplicamos os preços de mercado coletados em lojas regionais e, em entrevistas com produtores, verificamos seus registros de caixa e consultamos a tabela referencial de preços do Banco da Amazônia para financiamento.
Os dados de receita da fazenda foram obtidos a partir das informações disponíveis sobre venda de gado e leite. Em alguns casos o produtor não anotou os valores, mas conseguimos estimá-los por meio do volume vendido (em arrobas ou litros) e do preço médio praticado na região. Nas cinco fazendas do projeto coletamos dados sistemáticos por três anos para compreender o custo-benefício da intensificação. A coleta de informações nas fazendas fora do projeto foi conduzida com a assessoria do zootecnista Joaquim E. G. Ribeiro, Diretor da empresa Terra Nativa Gestão e Negócios Sustentáveis, para assegurar que os dados disponibilizados fossem compatíveis com as condições observadas nas fazendas.
Gestão de pessoal e satisfação dos funcionários. Pedimos para os funcionários das fazendas (92) darem uma nota quanto à satisfação para indicadores como qualidade de moradia, acesso a educação, salário, segurança. Além disso, coletamos informações sobre salário médio pago aos trabalhadores, rotatividade de pessoal e qualificação dos funcionários.

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Tabela 1. Dados de custos e receitas coletados das fazendas

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RESULTADOS

♦ A pecuária intensiva é mais lucrativa do que a extensiva

Para uma fazenda extensiva migrar para a intensificação, estimamos um aumento médio de R$ 599 por hectare para R$ 1.701 por hectare nos investimentos em benfeitorias, cerca e correção do solo, e atinge até cerca de R$ 3 mil por hectare quando a área necessita de adubação. Esses investimentos são vantajosos quando convertidos em aumento real de produtividade. Como em outras experiências no Brasil e na Amazônia (exemplos em Maya, 2003; Homma et al, 2006; Aguiar, 2012; Rural Centro, 2014), a intensificação da pecuária elevou significativamente o lucro da atividade em fazendas em Paragominas em comparação com fazendas de baixa produtividade (Figuras 1, 2 e 3). Uma fazenda com a produtividade média da região de cinco arrobas por hectare resultou num prejuízo de R$ 38 por cada arroba produzida ou R$ 190 por hectare considerando-se todos os custos de produção; ou seja, incluindo a depreciação de equipamentos e infraestrutura e da própria pastagem. Entretanto, essa sensação de perda não ocorre imediatamente, pois muitos fazendeiros não contabilizam a depreciação (ver página 21). As fazendas passaram a ter lucro a partir de uma produtividade de cerca de 10 arrobas por hectare, como em outras experiências no Brasil (Rural Centro, 2014), porém ainda com margem de lucro pequena de 4%. A produtividade de 15 arrobas por hectare seria lucrativa (R$ 300 por hectare), mas ainda seria menos atrativa do que o arrendamento para produção de grãos ou para reflorestamento. A produtividade de 20 arrobas por hectare resultaria em um lucro atrativo (37%). A rentabilidade por hectare (cerca de R$ 750) seria competitiva com outras culturas agropecuárias e reflorestamento disponíveis atualmente.

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 Figura 1. Lucro (R$ por arroba) produzido em função da produtividade da fazenda considerando a depreciação

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Figura 2. Percentual de lucro da pecuária bovina em relação ao preço de venda do boi em função da produtividade

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Figura 3. Lucro por hectare em função da produtividade da fazenda considerando a depreciação

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A intensificação aumenta o lucro porque reduz fortemente os custos de produção por cada unidade de arroba produzida: de R$ 138 para R$ 63 respectivamente quando a produtividade sobe de cinco para 20 arrobas por hectare (Figura 4). O custo de produção aumenta por hectare, pois a intensificação envolve o uso de mais insumos (como adubação), mais infraestrutura (como mais cercas para dividir o pasto e tanques para água) e melhores condições para os trabalhadores (Figuras 5 e 6). Esses aumentos de custos por área são compensados pelo aumento da produtividade, que permitem diluir os gastos por um volume maior de carne produzida.
Os custos operacionais e os custos de depreciação da pastagem são os mais significativos – juntos atingem cerca de 90% a 95% dos custos totais –, enquanto os investimentos e benfeitorias representam entre 5% e 10% dos custos (Figura 7).

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Figura 4. Custos totais de produção da pecuária bovina de corte por arroba e por hectare em função da produtividade da fazenda

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Figura 5. Custos detalhados de produção da pecuária bovina de corte por arroba em função da produtividade da fazenda

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Figura 6. Custos detalhados de produção da pecuária bovina de corte por hectare em função da produtividade da fazenda

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Figura 7. Distribuição (%) dos custos de produção da pecuária bovina em função da produtividade da fazenda

• Melhorias da gestão de pessoal como base para o aumento da produtividade

O aumento de custos por hectare demanda que os recursos disponíveis na fazenda sejam ainda melhor administrados. Para tanto, os funcionários devem ser bem treinados para executarem tarefas tal como a rotação precisa do gado nos piquetes para melhorar o aproveitamento do capim. Além disso, os funcionários devem estar satisfeitos para se comprometerem com a aplicação das boas práticas. Sem este aumento de capacidade administrativa e satisfação o investimento na intensificação resultaria em risco de prejuízos maiores.
As fazendas do projeto apresentaram melhores indicadores de remuneração, capacitação e outros investimentos na qualidade de vida que, por consequência, resultaram em menor rotatividade e maior satisfação dos trabalhadores (Figura 8). Por exemplo, os salários médios dos funcionários das fazendas foram 15% maiores do que nas outras fazendas. Nas fazendas do projeto o nível de satisfação média com indicadores socioeconômicos foi 21 pontos percentuais acima das outras fazendas avaliadas (65% versus 44%). Os itens de maior satisfação (de 78% a 93%) foram moradia, salário e comunicação e lazer.
Os itens menos satisfatórios para as fazendas dentro e fora do projeto foram educação, saúde e segurança. Embora a satisfação dos funcionários das fazendas do projeto com estes itens (31% a 33%) tenha sido maior do que nas outras fazendas, ainda foi bem abaixo do ideal. É relevante notar que esses itens são providos principalmente por serviços públicos, os quais são ainda mais precários nas zonas rurais. Portanto, para garantir melhorias nesses serviços seria necessário que funcionários e proprietários cobrassem melhorias dos gestores públicos e/ou que os proprietários aumentassem seus investimentos nesses serviços.
A maior satisfação dos funcionários parece favorecer uma maior permanência dos trabalhadores nas fazendas dos projetos (Tabela 2), o que facilita o aprimoramento e aumento de experiência. Em entrevistas, os funcionários foram unânimes em declarar que acreditam nas boas práticas que estão sendo implantadas na fazenda e como isto, somado a melhor comunicação com os proprietários e consultores, tem melhorado os processos na fazenda.

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Figura 8. Satisfação média dos funcionários nas fazendas do projeto e de outras 24 fazendas de pecuária tradicional no ano dois do projeto (ano safra 2012/2013)

Tabela 2. Indicadores de remuneração, permanência no trabalho e treinamento nas fazendas do projeto e nas 24 fazendas de pecuária tradicional no ano dois do projeto (ano safra 2012/2013)

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• Ignorar a depreciação gera a ilusão de lucro

Muitos pecuaristas desconhecem os custos de depreciação da fazenda porque não fazem a manutenção da infraestrutura ou dos pastos ou porque não sabem estimar a perda de valor da infraestrutura e equipamentos. Ao lidar apenas com os custos operacionais, esses produtores pressupõem ou operam como se tivessem lucro. Por exemplo, desconsiderando os custos de depreciação, uma fazenda que produz apenas cinco arrobas por hectare resulta em um lucro operacional de R$ 36 por arroba ou R$ 190 por hectare.
Entretanto, a ausência de manutenção leva à degradação da infraestrutura e dos pastos, o que reduz ainda mais a produtividade. Ao longo do tempo, as receitas caem ainda mais e são insuficientes para custear a restauração dos pastos e da infraestrutura. Este tipo de produtor tende a ser pessimista com a possibilidade de investir para aumentar a produtividade.

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DESAFIOS E OPORTUNIDADES PARA A EXPANSÃO DA PECUÁRIA SUSTENTÁVEL

Se a pecuária mais produtiva é mais rentável, o que explicaria a adoção lenta das melhores práticas? Pesquisas e nossas observações de campo evidenciam muitos limitantes envolvendo desde a motivação e capacidade dos produtores atuais de investirem até barreiras para entrada de novos investidores capitalizados e que dominam o conhecimento das novas técnicas. A infraestrutura e serviços públicos escassos também dificultam a realização dos investimentos. Por exemplo, o diretor de crédito rural do Banco do Brasil no Pará declarou que deixa de investir cerca de R$ 2,5 bilhões por ano no Estado por falta de regularização fundiária e ambiental de imóveis rurais. Esta informação demonstra que são equivocadas as reclamações de que falta crédito para melhorar a agropecuária. O que falta é criar as condições favoráveis para facilitar o acesso ao crédito.
O desmatamento continua por falhas na fiscalização ambiental e das políticas fundiárias. A pecuária especulativa para demonstração de posse da terra pública é inerentemente de baixa produtividade, pois é realizada com baixo investimento e em regiões com infraestrutura precária e longe do mercado. Embora a rentabilidade desta pecuária isoladamente tenda a ser negativa, a apropriação da terra pública pode ser lucrativa pela extração da madeira e depois pela valorização do preço da terra desmatada (Ver Apêndice). A grilagem é vantajosa porque o governo é ineficaz em fazer o posseiro pagar pela terra ocupada e devido à impunidade dos crimes ambientais associados. Por exemplo, o governo federal arrecadou apenas 1,8% do valor de multas ambientais aplicadas no Brasil entre 2009 e 2013 segundo dados do Tribunal de Contas da União (TCU) (Pereira, 2014). Estas falhas ainda permitem que à medida que pastos degradados sejam ocupados por culturas mais competitivas como a soja em regiões de ocupação antiga o desmatamento para pecuária se desloque para novas fronteiras de ocupação, conforme demonstrou Arima et al (2011).
Para estimular uma pecuária mais sustentável será necessário combinar medidas que removam barreiras e promovam o investimento com outras que ampliem e fortaleçam o combate ao desmatamento ilegal. Resumimos tais medidas na Tabela 3. Por exemplo, se o poder público acelerar a regularização fundiária e flexibilizar as regras para facilitar o arrendamento de terras reduzirá os riscos para os produtores atuais já dispostos a investir e para a entrada de novos investidores.
A experiência brasileira já demonstra que os arrendamentos facilitam o aumento de produtividade: a produtividade da pecuária e da agricultura de larga escala são maiores nos municípios brasileiros com maiores níveis de arrendamento de terras; respectivamente 19% e 24% (CPI, 2013). Entretanto, apenas 3,3% das áreas cultivadas participavam do arrendamento ou parceria no último Censo Agropecuário (CPI, 2013), enquanto que na Europa e nos Estados Unidos o arrendamento é pelo menos dez vezes maior: respectivamente 33% e 38%. Segundo CPI (2013), os arrendamentos são menos frequentes no Brasil pela rigidez de regras e por ineficácia para resolver disputas de conflitos legais.
Além de retirar barreiras ao investimento em produtividade, o governo deve coibir o desmatamento ilegal e especulativo. Será necessário ampliar a aplicação das medidas que funcionaram no passado, tal como o confisco de gado em áreas ilegais, e outras medidas promissoras. Por exemplo, em setembro de 2014 a Polícia Federal e o Ministério Público Federal (MPF) processaram membros de quadrilhas envolvidas com a grilagem de terras no oeste do Pará considerando todos os tipos de crimes envolvidos (inclusive lavagem de dinheiro), o que permitirá ampliar as penas (MPF, 2014). Segundo o MPF, após a operação que envolveu prisões preventivas, o desmatamento caiu expressivamente na região de atuação dos grileiros (MPF, 2014). Em novembro de 2014, o Governo do Pará criou a Lista do Desmatamento Ilegal que inclui grandes áreas (em média, 300 hectares), as quais foram identificadas por imagens de satélite e embargadas (PMV, 2014). O governo paraense prometeu que tais áreas perderão o direito de receber título de terra, o que desestimularia a continuação da ocupação ilegal de terras públicas (R7 Notícias, 2014). Esta medida deveria ser ampliada por outros governos estaduais e pelo governo federal e os seus efeitos monitorados.
O setor privado também deve ampliar suas iniciativas para coibir o desmatamento irregular. Por exemplo, vários frigoríficos assinaram acordos para comprar gado apenas dos fazendeiros que iniciaram a regularização ambiental. Entretanto, muitas fazendas de engorda compram bezerros e novilhos de outras fazendas que não são controladas. Assim, há risco de que os fornecedores indiretos continuem desmatando. Portanto, os frigoríficos e supermercados que têm divulgado seus compromissos com compras sustentáveis devem incluir as fazendas de cria e recria nos seus controles contra o desmatamento ilegal.
Os agentes do setor privado mais organizados como os grandes frigoríficos e as redes de varejo também podem ampliar ainda mais suas iniciativas piloto de apoio aos produtores, especialmente a disseminação das melhores práticas de produção e de gestão ambiental.

Tabela 3. Problemas e recomendações e alternativas para facilitar o investimento na pecuária sustentável na Amazônia

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APÊNDICE

♦ A ocupação ilegal de terras é lucrativa

Existem enormes áreas florestadas na Amazônia que pertencem ao poder público. Como o governo não toma conta efetivamente dessas áreas, pessoas buscam lucrar apossando-se ilegalmente delas seja para produzir ou para vender no futuro. Desmatar e plantar capim é uma das formas mais comuns de demonstrar que a terra é ocupada. Como a ocupação tem que ser antecipada para evitar que outros também ocupem a área, este desmatamento é prematuro e desnecessário já que existem outras áreas desmatadas disponíveis para produção.
A pecuária é frequentemente usada para esta ocupação, pois o plantio de capim é uma forma rápida de cobrir o solo e evitar pelo menos parcialmente a regeneração da floresta. Além disso, o gado demanda relativamente pouco cuidado e pode ser transportado a pé para áreas com estradas precárias, que são características nas fronteiras de ocupação. A ocupação especulativa é facilitada por pelo menos três situações.
A ineficácia da cobrança do Imposto sobre Propriedade Territorial Rural (ITR), que foi criado para evitar a especulação. Os preços das terras não são atualizados adequadamente e seus detentores declaram possuir áreas de floresta inexistentes para abater o valor do imposto. Além disso, o nível mínimo de produtividade para a declaração é muito baixo. Isso significa que mesmo com baixa produtividade a área é considerada produtiva e paga alíquotas menores do imposto. Para fins do ITR, manter meia cabeça por hectare é considerado produtivo na Amazônia. Os índices mínimos atuais foram estabelecidos em 1980 com base no Censo Agropecuário de 1975 e, portanto, estão defasados quase 40 anos (Silva & Barreto 2014).
O poder público é lento e confuso na remoção de ocupantes ilegais de terras públicas. Quando o governo tenta retomar suas terras, os processos tendem a ser longos e, pior ainda, há juízes que dizem que o posseiro só pode ser removido se receber uma indenização pelas benfeitorias. Ironicamente, o principal item considerado como benfeitoria é a área desmatada ilegalmente. Além do mais, a regularização fundiária geralmente prevê facilidades, como a doação de terras ou a venda por preços abaixo do mercado.
Apesar das melhorias da fiscalização, a impunidade dos crimes ambientais ainda é comum. O governo federal arrecadou 1,8% do valor das multas ambientais emitidas no país entre 2009 e 2013 segundo dados do TCU (Pereira, 2014). O monitoramento das áreas embargadas ainda é esporádico. Assim, áreas embargadas têm sido alugadas para outros produtores para burlar a lista de áreas embargadas.
Embora a pecuária de baixa produtividade nestas fronteiras tenda a ser pouco lucrativa ou até inviável, quem ocupa a terra pode ganhar com a venda da madeira antes do desmatamento e depois com a venda da terra. Por exemplo, nossa simulação do Valor Presente Líquido (VPL) pela venda da madeira e depois da terra em um período de ocupação entre 2002 e 2013 seria de R$ 1.417 por hectare se a terra estivesse ocupada por pasto de baixa produtividade, enquanto sem a venda da madeira seria de apenas R$ 35 por hectare (Figura A-1). Neste cenário, consideramos que o pagamento do ITR seria com os índices atuais de produtividade mínima, que são muito baixos, e que o valor da terra seria subestimado.
Se a mesma operação ocorresse em um cenário de preços atualizados da terra e com a atualização do índice mínimo de produtividade, o lucro seria reduzido, mas ainda seria lucrativo considerando a venda da madeira (Figura A-2). Se os ocupantes tivessem que pagar o governo pelo menos o valor da madeira explorada, a ocupação seria inviável.
Ademais, a aplicação eficaz de penas ambientais serviria para desencarrar a grilagem. Por exemplo, se o risco de punição por desmatamento fosse de 30%, o valor médio pago por cada hectare desmatado seria de R$ 1.500 considerando que o valor da multa é de R$ 5.000 por hectare. Portanto, o risco de punição de 30% seria mais do que suficiente para inviabilizar a grilagem considerando os ganhos projetados por nossa análise.

fig A 01 pecVerde 300x179 - O aumento da produtividade e lucratividade da pecuária bovina na Amazônia: o caso do Projeto Pecuária Verde em Paragominas

Figura A – 1. Valor presente líquido estimado considerando o valor da venda da terra em cenários com e sem a venda da madeira e a ocupação de 50% da área com pasto de baixa produtividade, em Paragominas, para um período de 12 anos.

fig A 02 pecVerde 300x203 - O aumento da produtividade e lucratividade da pecuária bovina na Amazônia: o caso do Projeto Pecuária Verde em Paragominas

Figura A – 2. Valor presente líquido estimado considerando o valor da venda da terra em cenários com e sem a venda da madeira e a ocupação de 50% da área com pasto de baixa produtividade, em Paragominas, para um período de 12 anos.


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