INTRODUÇÃO

Paula Ellinger & Paulo Barreto¹

O Código Florestal de 1965 visa proteger as florestas e outras formas de vegetação natural, o solo, a água e outros recursos naturais brasileiros. Para isso, estabeleceu a Reserva Legal (RL), que é uma área percentual do imóvel rural que deve ser coberta por vegetação natural e que pode ser explorada sob regime de manejo florestal uma sustentável; e a Área de Preservação Permanente(APP), que se destina a proteger aspectos mais favor sensíveis da paisagem, como o solo e as águas, e cujo uso é limitado a situações autorizadas pelo poder público.

O Código Florestal foi largamente desrespeitado durante muitos anos. Isso tem alimentado um debate de mais de dez anos sobre como revisar a lei. O debate tem se renovado com o aumento da fiscalização ambiental para combater a crescente degradação ambiental e com as restrições de financiamento para quem estiver ilegal. Ao mesmo tempo, o grau avançado de ilegalidade levanta preocupações sobre as implicações socioeconômicas do cumprimento da lei.

Vários fatores contribuíram para que o Código fosse descumprido, como a pouca fiscalização, a morosidade da justiça, a falta de está incentivos econômicos, a corrupção e a própria cultura de descumprimento da lei. A situação de irregularidade piorou à medida que o Congresso aumentou algumas exigências de proteção, que têm sido aplicadas de forma retroativa. A intenção em aumentar a proteção para lidar com novos problemas foi boa, mas os incentivos para a conservação e recuperação que acompanharam essas mudanças não foram suficientes. Atualmente, cerca de 83 milhões de hectares ou 30% da produção agropecuária brasileira (Sparovek et al., 2010a) estão fora da lei. Propriedades que se tornaram irregulares apenas pelas alterações na lei não deveriam ser penalizadas, contudo, na prática, é difícil distinguir o que foi desmatado ilegalmente e o que já estava desmatado de acordo com a lei.

Para lidar com este cenário, uma Comissão Especial na Câmara dos Deputados aprovou uma proposta de novo Código através do substitutivo ao Projeto de Lei (PL)1.876/1999. Apesar de tentar responder a alguns problemas imediatos, a proposta corre o risco de criar outros problemas sérios no futuro. Isso porque apesar de estabelecer uma moratória de cinco anos ao desmatamento de florestas nativas (Rebelo & Micheletto, 2010), favorece a abertura de novas áreas após esse prazo e dá sinais de tolerância ao descumprimento da lei. Assim, a proposta acirrou ainda mais o debate sobre os riscos de uma reforma do Código Florestal.

A perda de florestas compromete o clima, a produtividade agropecuária, a saúde pública e pode ter elevados custos para o cidadão brasileiro. O custo do aquecimento global (em parte causado pelas emissões do desmatamento²) para a produção de alimentos brasileira foi estimado em R$ 7,4 bilhões até 2020 (Assad & Pinto, 2008). O desmatamento pode elevar o preço do tratamento da água de R$ 2,00 ou R$ 3,00 para R$ 250,00 ou R$ 300,00 por mil metros cúbicos de água tratada (Tundisi & Tundisi, 2010). A erosão do solo, que está parcialmente associada à perda de cobertura vegetal, causa prejuízos de R$13,3 bilhões aos brasileiros (ANA, 2009).

Nesta nota, propomos uma abordagem alternativa para tratar do Código Florestal e da conservação florestal em terras privadas. Primeiro, descrevemos diretrizes para a discussão que devem considerar o Código Florestal e outras políticas relevantes. Depois, analisamos os problemas que têm tornado necessária uma reforma do Código Florestal, descrevemos as soluções propostas pelo substitutivo ao PL 1.876/1999 e as críticas a essas propostas. Finalmente, sugerimos estratégias alternativas. As estratégias não tratam apenas do texto da lei, mas incorporam outras medidas que são essenciais para assegurar a conservação florestal no país.

 DIRETRIZES PARA LIDAR COM A CONFUSÃO SOBRE O CÓDIGO

O Código Florestal pode ser revisto, mas a revisão precisa de uma agenda multitemática, ampla, gradual, orientada por uma visão de sustentabilidade e pelo objetivo de fortalecer a boa governança e o estado de direito.

Multitemática

O debate sobre o Código Florestal trata de múltiplos temas e cada um deles requer abordagem distinta. Por isso, é necessário decompor o debate em questões específicas.

Por um lado existem três debates sobre desmatamentos irregulares:

i- Como identificar e tratar desmatamentos feitos de acordo com a lei vigente, mas que devido a alterações legais ficaram irregulares?

ii- Como reparar e punir desmatamentos feitos contra a lei?

iii- Como lidar com a iminência de aumento das irregularidades por causa do prazo de averbação da Reserva Legal e a consequente restrição ao crédito rural?

Por outro lado, há questionamentos sobre as regras atuais referentes ao tipo e grau de proteção e conservação nas propriedades privadas; isto é, sobre a pertinência e a extensão da APP e da RL

Ampla

O debate tem focado em dispositivos da lei, mas muitos dos problemas exigem soluções estruturais, que vinculem políticas públicas e mecanismos de mercado para que sejam efetivamente resolvidos. A revisão do Código Florestal precisa considerar que o Código é descumprido por fatores como falta de incentivos econômicos, fragilidades institucionais e cultura de descumprimento da lei, e não porque protege demais. No Brasil, ainda há mais de 100 milhões de hectares de terra cobertos por vegetação natural que não estão protegidos nem pelo Código Florestal nem através de Unidades de Conservação ou Terras Indígenas (Sparovek et al.,2010a). Áreas cobertas por vegetação natural têm um grande e ainda pouco explorado potencial de geração de renda através do manejo florestal e do pagamento por serviços ambientais. Por exemplo, na cidade de Extrema, em Minas Gerais, os produtores já recebiam cerca de R$ 75 a R$ 169/ha/ano por práticas de conservação em 2009 (Vialli & Balazina, 2009). Ao revisar lei, é importante considerar esse tipo de medida, que forma a base para que o Código seja efetivamente implementado.

Gradual

Para lidar com demandas diferentes, precisamos de horizontes temporais adequados a cada uma. Questões urgentes como tirar proprietários da irregularidade e averbar a RL precisam ser priorizadas e tratadas até junho de 2011. Paralelamente, precisamos de uma agenda de longo prazo e articulada entre diferentes setores do poder público e da sociedade para rever aspectos técnicos da lei, responder aos desafios de fiscalização e incentivar o cumprimento da lei.

Direcionada para a sustentabilidade

Representantes do setor agropecuário, da agricultura familiar, do movimento socioambientalista e o governo têm defendido a agenda da sustentabilidade (CNA, 2010; Via Campesina et al., 2010; Presidência da República Federativa do Brasil, s.d.; SOS Florestas, s.d.). Essa visão compartilhada de equilíbrio entre o social, o econômico e o ambiental indica que, apesar das divergências atuais, há espaço para cooperação em torno de metas de longo prazo.

Fortaleça a boa governança e o estado de direito

Qualquer alteração ao Código Florestal deve levar em consideração o impacto que as mudanças podem ter sobre a credibilidade do estado de direito e da governança no Brasil. A credibilidade da governança na Amazônia brasileira já está seriamente comprometida, entre outras coisas pela impunidade generalizada de crimes ambientais (Barreto, Mesquita & Mercês, 2008; Brito 2009), pela forma como a RL aumentou de 50% para 80%, aumentando o número de produtores rurais na ilegalidade, e pela falta de legislação fundiária eficaz (Barreto et al.,2008). Qualquer alteração ao Código Florestal deve fortalecer a credibilidade da lei e incentivar seu cumprimento.

Uma reforma do Código Florestal direcionada para a sustentabilidade e boa governança deve frear a perda de biodiversidade, a degradação do solo e de recursos hídricos, assim como as mudanças climáticas. Para isso, não deve estimular novos desmatamentos. Ao mesmo tempo, e com urgência, precisa garantir a segurança jurídica no campo. Para isso, não pode penalizar proprietários de áreas abertas que se tornaram ilegais por mudanças na lei, mas precisa garantir que essas áreas sejam recuperadas ou compensadas. Precisa também desenvolver a economia no campo valorizando produtos florestais, aumentando a produtividade e reduzindo a perda de alimentos na logística, além de oferecer apoio aos pequenos proprietários para que consigam cumprir a lei. E, acima de tudo, a reforma precisa garantir que a lei seja cumprida, e para isso precisa responsabilizar quem cometeu infração, fortalecer a fiscalização e criar incentivos para que a lei seja respeitada.

DEBATES SOBRE IRREGULARIDADES

A seguir, apresentamos os três principais debates sobre irregularidades em relação ao código florestal. Para cada um deles, fazemos uma breve introdução e identificamos os problemas que tem levado ao debate. Em seguida, exploramos as soluções que tem sido propostas para esses problemas. Pirmeiro resumimos a proposta do substitutivo ao PL 1876/1999 e as críticas a esse substitutivo. Por fim, apresentamos propostas alternativas, seguindo as diretrizes sugeridas acima sobre uma agenda multitemática, gradual e ampla para reformar o código florestal.

Passivo derivado de mudanças na lei

O Código Florestal foi alterado diversas vezes desde sua primeira versão em 1934 (Brasil, 1934). Por exemplo, o Código de 1934 exigia que todas as propriedades mantivessem 25% de sua cobertura vegetal (art.23). Após muitas mudanças, o percentual atual é 35% em cerrado na Amazônia Legal, 80% em floresta na Amazônia Legal e 20% no restante do Brasil. No caso da RL em áreas de floresta da Amazônia, durante muitos anos o exigido foi 50%, mas passou para 80% em 1996, através da MP 1.511/1996, reeditada 67 vezes e congelada em 2001 pela Emenda Constitucional n° 32 (Brasil, 2001). O aumento foi introduzido para frear o desmatamento na região. As APP também foram alteradas. Um exemplo de alteração no tamanho das APP é a lei 7.511/1986, que aumentou a largura da mata ciliar em resposta a enchentes em Santa Catarina (Schaffer & Medeiros, 2009) e depois foi substituída pela lei 7.830/1989, que alterou outra vez a largura da APP de mata ciliar. As mudanças que aumentaram as exigências de preservação ambiental visaram responder a avanços no conhecimento científico ou evitar desastres. Apesar de necessárias, tornaram ilegais situações que antes eram regulares. Alguns meios e estímulos foram criados para o produtor se adequar às novas regras, como a possibilidade de reduzir para 50% a RL na Amazônia Legal para fins de recomposição mediante Zoneamento Ecológico-Econômico (ZEE) e a possibilidade de plantar árvores frutíferas em sistema intercalar ou consórcio com espécies nativas na RL de pequenas propriedades e posses rurais familiares (art. 16). No entanto, essas medidas foram insuficientes para promover a adequação das propriedades ao Código Florestal.

Problema 1. Ainda não há clareza no judiciário sobre como tratar as áreas que ficaram irregulares por mudanças na lei. Caso seja aceita a tese de que a lei não deve retroagir e que não cabem multas, como deve ser feita a adequação das propriedadesà norma vigente? Em caso de recuperação ou compensação, quem deve arcar com os custos? Que meios podem garantir que o proprietário que cumpriu a lei vigente não seja penalizado?

Problema 2. Uma vez definida a forma como devem ser tratados os desmatamentos que só ficaram irregulares por mudanças na lei, há desafios operacionais para identificar essas situações e distingui-las de desmatamentos feitos contra a lei vigente. Esse processo exigiria identificar com precisão a data em que ocorreram os desmatamentos.

Passivo por desrespeito à lei

Parte dos 10% do território brasileiro que está irregular em relação ao Código (passivo) corresponde a áreas de RL e APP abertas em desacordo com as regras vigentes à época do desmatamento (Sparovek et al., 2010a). Essas áreas estão sujeitas a sanções e devem ser recuperadas segundo a legislação vigente. No caso da RL, a lei prevê três mecanismos de recuperação: recomposição, regeneração ou compensação (Brasil, 1965, art. 44). Já em relação à APP, o Código estabelece que se o proprietário não fizer o florestamento ou reflorestamento necessário, o poder público poderá fazê-lo (Brasil, 1965, art. 18).

Problema 1. Existe uma cultura de desrespeito à lei no país decorrente principalmente de impunidade e corrupção. Embora alguns digam que as leis ambientais são desrespeitadas porque são inviáveis, é necessário lembrar que a cultura da impunidade atinge todos os aspectos da vida nacional. Por exemplo, apenas 10% dos homicídios são resolvidos (Costa, 2010). Na área ambiental, menos de 1% das multas aplicadas pelo Ibama entre 2005 e 2009 foram pagas (TCU, s.d.). Além disso, os escândalos sobre corrupção em órgãos ambientais têm sido frequentes na imprensa. A ilegalidade também está relacionada a problemas estruturais dos órgãos de gestão ambiental e a fragilidades do Poder Judiciário, como morosidade e inacessibilidade (IPEA, 2011; Barreto, Mesquita & Mercês, 2008).

Problema 2. A recomposição do passivo pode ser custosa e envolver desafios técnicos, principalmente nas áreas mais degradadas. Além disso, pode estimular novos desmatamentos em áreas cobertas por vegetação natural, mas não protegidas por lei, se a produção agropecuária que ocupa a área irregularmente desmatada tiver que se deslocar para outro local (Sparovek et al., 2010b). Por fim, há preocupações de que a recuperação de áreas desmatadas ilegalmente reduza a área de agropecuária e encareça os alimentos e outros produtos agropecuários. No entanto, o risco para oferta de alimentos pode ser evitado através de investimentos que aumentam a eficiência na produção e no transporte de alimentos. Atualmente, cerca de 10% da produção se perde no transporte e armazenamento, somando cerca de US$ 4 bilhões por ano (Desteffani, 2010). Além disso, o Brasil possui cerca de 61 milhões de hectares de terras degradadas que poderiam ser usadas na agricultura se fossem recuperadas (ABC e SBPC 2011). No caso da RL, a compensação do passivo com áreas nativas prevista no Código Florestal atual é uma saída mais simples porque não exige que a área desmatada seja recomposta, mas apenas que seja compensada com a proteção de outra área ainda coberta por vegetação natural. Essa abordagem é adequada, porque protege áreas de vegetação natural que, pela lei, poderiam ser suprimidas. No entanto, não assegura necessariamente a recuperação dos serviços ambientais perdidos nos locais já desmatados. Por exemplo, os polinizadores que habitavam uma área que foi aberta não são recuperados com a proteção de uma área distante dali. Além disso, a compensação é difícil de ser implementada em algumas regiões devido à falta de definição fundiária.

Prazo para averbar Reserva Legal & restrição ao crédito rural

A averbação (registro em cartório) da RL é exigida por lei desde 1989 (Brasil 1989). O registro em cartório dá publicidade à RL e é uma forma de controlar a adequação da propriedade à legislação ambiental. A partir de 2008, foi estabelecido um prazo para averbar a RL. Apósesse prazo, o proprietário que não tiver averbado a RL pode receber advertência para que apresente termo de compromisso de averbação e preservação da RL. Se não o fizer no prazo de cento e vinte dias, e a culpa pelo atraso não for do órgão ambiental, o proprietário do imóvel estará sujeito a multa. O prazo inicial para que a advertência e multa começassem a ser aplicadas era janeiro de 2009, mas foi adiado para dezembro de 2009 e depois para junho de 2011 (Brasil, 2008a; Brasil, 2008b; Brasil, 2009). O procedimento para averbação pode ser demorado³ e exige alguns documentos, como título de propriedade ou posse.

Recentemente, alguns bancos começaram a alinhar suas políticas de concessão de crédito à legislação ambiental e passaram a exigir cumprimento do Código Florestal e especificamente da averbação da RL para financiar atividades agropecuárias. A partir de junho de 2011, o principal agente financeiro de crédito rural, o Banco do Brasil, não concederá crédito para quem não tiver averbado a RL ou aderido ao Programa Mais Ambiente, que promove a regularização ambiental de imóveis rurais. O banco está usando a mesma data da legislação ambiental em vigor para garantir que não financiará produtores que não estão de acordo com a lei e com isso evitar de ser corresponsável por danos ambientais (Souza, 2011).

Problema. Em agosto de 2010, a estimativa era que menos de 30% das propriedades rurais tinham RL averbada no Brasil (Safatle, 2010). Esta exigência dificilmente será cumprida até o prazo de junho de 2011. O prazo já foi adiado antes e uma nova prorrogação poderia reduzir ainda mais a credibilidade das instituições nacionais. Ao mesmo tempo, a proximidade do prazo e a política dos bancos de exigir averbação ou adesão ao Mais Ambiente para conceder crédito rural causa a preocupação de que muitos produtores rurais ficarão sem acesso a recursos financeiros. Há argumentos de que isso poderia levar a alta do preço dos alimentos. Sem acesso ao crédito rural subsidiado pelos contribuintes brasileiros4, muitos produtores teriam de buscar crédito no mercado normal que cobra taxa de juros maiores ou de investir capital próprio. Em 2010, o crédito rural concedido a produtores e cooperativas somou R$ 81,3 bilhões e cobriu 58,3 milhões de hectares (Banco Central do Brasil, 2010) ou 20% da área ocupada para produção agropecuária do país (278 milhões de hectares – Sparovek et al., 2010a).
proposta1 - Código Florestal: como sair do impasse?

Proposta do Substitutivo ao PL 1.876/99 para lidar com as irregularidades.

 

 

 

 

 

 

 

proposta2 - Código Florestal: como sair do impasse?

 

 

Proposta Alternativa para irregularidades*

Proposta Alternativa para irregularidades (As propostas foram baseadas nas análises dos autores e coletadas em debates públicos e publicações (SOS Florestas, s.d.; Brito, 2009; Brasil, 1965; Barreto, Mesquita & Mercês, 2008).

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 DEBATES SOBRE PARÂMETROS DE PROTEÇÃO

Esta seção segue uma estrutura análoga à seção anterior. Primeiro apresentamos os dois principais debates sobre os parâmetros de proteção do código florestal: os parâmetros das APP e da RL. Nos dois casos, fazemos uma breve introdução e identificamos os problemas em relação a APP e a RL que tem levado ao debate. Em seguida, exploramos as propostas que tem sido feitos para resolver os problemas envolvendo APP e RL. Primeiro resumimos a proposta do substitutivo ao PL 1876/1999 e as críticas a esse substitutivo. Por fim, apresentamos propostas alternativas, através de um cronograma que propõe medidas de curto, médio e longo prazo.

Questionamentos sobre Área de Preservação Permanente

Os parâmetros para as APP (por exemplo, largura da faixa de vegetação em torno dos rios) são válidos para todo o país (Brasil, 1965). O refinamento dos padrões por unidades menores (por exemplo, biomas ou bacias hidrográficas de primeira ordem) seria mais adequado para garantir o nível ótimo de preservação.

Problema 1. Embora a regionalização seja desejável, a diversidade de situações implica que sempre haverá necessidade de algum recorte legal para definir os parâmetros. Eventuais mudanças devem seguir o princípio da precaução, sem abrir brechas para que haja redução indevida na proteção.

Problema 2. Há dificuldades para se definir a APP na prática. Por exemplo, a APP de mata ciliar é calculada a partir do ‘nível mais alto em faixa marginal do rio’. A resolução 303 do Conama (Conama, 2002) definiu ‘nível mais alto’ como o ‘nível alcançado por ocasião da cheia sazonal do curso d’água perene ou intermitente’. Mas ainda assim existem dúvidas sobre que cheia considerar – a média de um período, o nível alcançado em um evento extraordinário ou outro critério?

Problema 3. Áreas de brejo, que são sensíveis e deveriam ser protegidas, cobrem 17% das áreas de propriedade privada, mas o Código Florestal só protege 6,9% da propriedade privada através de APP ripária. Isso significa que os parâmetros de proteção para áreas ripárias hoje estão aquém do que recomenda o conhecimento científico.

Questionamentos sobre Reserva Legal

A RL é uma proporção do imóvel rural que deve ser coberta por vegetação natural a qual pode ser manejada (por exemplo, manejo florestal para produção de madeira). O percentual exigido de RL depende do tipo de vegetação e localização geográfica do imóvel. Em pequenas propriedades ou posses familiares são aceitos plantios de árvores frutíferas em sistema intercalar ou em consórcio com espécies nativas para manutenção ou compensação de RL. Espécies exóticas também podem ser plantadas como pioneiras e em regime temporário para fins de recomposição em RL de qualquer imóvel rural (Brasil, 1965).

Problema. A RL é vista por muitos produtores rurais como um ônus e as oportunidades de geração sustentável de renda* são incipientes ou menos rentáveis do que a agropecuária. Em alguns casos, a recomposição da RL (sem remuneração) em pequenos imóveis pode tornar a escala da produção agropecuária antieconômica ou com renda abaixo do mínimo necessário para sustentar a família. No caso da Amazônia, a redução comprometeria a continuidade física da floresta e causaria sérias mudanças no clima.

* A RL é frequentemente explorada de forma predatória, como no caso da exploração de madeira na Amazônia.
proposta3 - Código Florestal: como sair do impasse?

 

 

 

proposta4 - Código Florestal: como sair do impasse?Proposta do Substitutivo ao PL 1.876/99 para parâmetros de proteção.

Proposta Alternativa para parâmetros de proteção*

Proposta Alternativa para parâmetros de proteção (As propostas foram baseadas nas análises dos autores e coletadas em debates públicos e publicações (SOS Floresta s.d.; Metzger, 2010; ABC & SBPC, 2011; CMN, 2010, Ribeiro et al., 2007).

 POLÍTICAS EXTRA-AMBIENTAIS

Para incentivar a conservação florestal será essencial também desenhar e executar políticas extra-ambientais que influenciam as decisões dos produtores rurais. A seguir listamos alguns objetivos que deveriam fazer parte destas políticas.

– Desonerar a produção agropecuária e florestal (por exemplo, redução de impostos) de maneira a incentivar o aumento de produtividade e redução de desperdícios da produção nas áreas já desmatadas.

– Investir em infraestrutura nas áreas mais apropriadas para intensificar a produção agropecuária (em torno das regiões mais ocupadas e com potencial agropecuário adequado) em vez de expandir infraestrutura em áreas que estimulem o aumento da produção extensiva (por exemplo, não asfaltar a BR-319).

– Promover regularização fundiária de áreas de ocupação consolidada, sem disputas pela posse e cuja terra não coincida com áreas de interesse público (Barreto et al., 2008).

Finalmente, é essencial reconhecer que essas políticas ajudariam a conservação somente se complementassem as outras políticas de controle ambiental.

 SÍNTESE DO CAMINHO ALTERNATICO

No começo desta nota, destacamos cinco diretrizes fundamentais para uma agenda de revisão do Código Florestal: ela deve ser multitemática, para abordar todos os problemas relativos ao Código; ampla, para que lide com outras políticas que facilitem a aplicação do Código e a conservação; gradual, de forma que permita as adaptações necessárias; guiada pela visão de sustentabilidade; e orientada pelo objetivo de fortalecer a boa-governança e o estado de direito. As duas últimas diretrizes são fundamentais para que a revisão resulte em uma lei equilibrada e respeitada.

A representação dos diversos setores interessados nas mudanças do Código é fundamental para que a revisão seja legítima e aceita. Por fim, o processo deve incorporar o máximo possível o conhecimento científico disponível. Tudo isso pode contribuir para que ao invés de um impasse, a revisão do Código Florestal seja uma grande oportunidade rumo a um modelo sustentável de desenvolvimento.

Agradecemos a revisão e comentários de André Guimarães, Andréia Pinto, Brenda Brito, Elis Araújo, Garo Batmanian, Jamilye Salles, Glaucia Barreto, Paulo Amaral, Priscila Santos e Robert Schneider. A responsabilidade final pelo conteúdo é somente dos autores.

1 Comentários podem ser enviados para [email protected] ou [email protected]
2 Em torno de 57,5% das emissões de gases de efeito estufa no Brasil em 2005 foram derivadas de mudança no uso da terra e florestas (Ministério da Ciência e Tecnologia, 2009).

3 Por exemplo, em Minas Gerais o proprietário ou possuidor da propriedade rural deve apresentar uma série de documentos, incluindo escritura do imóvel ou documento que ateste posse, planta topográfica da propriedade e memorial descritivo da área de RL. Em seguida, o órgão ambiental realiza visita in loco e emite Laudo de Vistoria. Depois, o proprietário paga taxa de vistoria e o órgão ambiental emite Termo de Responsabilidade de Averbação e Preservação da Reserva Legal. Por fim, a averbação da RL pode ser solicitada ao cartório. Para pequenas propriedades e posses familiares, o processo é mais simples (IEF, s.d.).

4 O crédito rural é a concessão direcionada de recursos financeiros para atividades agropecuárias. Os recursos provêm de diversas fontes, inclusive do Tesouro, Fundos Constitucionais, Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) e Poupança Rural. Quando as taxas de juros são controladas e ficam abaixo dos valores praticados no mercado, podem ocorrer dois tipos de subsídio, dependendo da fonte do recurso: subsídio cruzado, quando o banco compensa a taxa baixa para o crédito rural elevando a taxa de juros para operações livres (Costa & Lundberg, s.d.); e subsídio direto, quando o Tesouro paga a diferença entre as taxas de juros pagas pelo produtor rural e os custos de administração e tributação e de captação dos recursos (Toschi, 2006; Bacha, Danelon & Filho, 2005).

SINTESE DO CAMINHO ALTERNATIVO

No começo desta nota, destacamos cinco diretrizes fundamentais para uma agenda de revisão do Código Florestal: ela deve ser multitemática, para abordar todos os problemas relativos ao Código; ampla, para que lide com outras políticas que facilitem a aplicação do Código e a conservação; gradual, de forma que permita as adaptações necessárias; guiada pela visão de sustentabilidade; e orientada pelo objetivo de fortalecer a boa-governança e o estado de direito. As duas últimas diretrizes são fundamentais para que a revisão resulte em uma lei equilibrada e respeitada.

A representação dos diversos setores interessados nas mudanças do Código é fundamental para que a revisão seja legítima e aceita. Por fim, o processo deve incorporar o máximo possível o conhecimento científico disponível. Tudo isso pode contribuir para que ao invés de um impasse, a revisão do Código Florestal seja uma grande oportunidade rumo a um modelo sustentável de desenvolvimento.

Agradecemos a revisão e comentários de André Guimarães, Andréia Pinto, Brenda Brito, Elis Araújo, Garo Batmanian, Jamilye Salles, Glaucia Barreto, Paulo Amaral, Priscila Santos e Robert Schneider. A responsabilidade final pelo conteúdo é somente dos autores.

1 Comentários podem ser enviados para [email protected] ou [email protected]
2 Em torno de 57,5% das emissões de gases de efeito estufa no Brasil em 2005 foram derivadas de mudança no uso da terra e florestas (Ministério da Ciência e Tecnologia, 2009).

3 Por exemplo, em Minas Gerais o proprietário ou possuidor da propriedade rural deve apresentar uma série de documentos, incluindo escritura do imóvel ou documento que ateste posse, planta topográfica da propriedade e memorial descritivo da área de RL. Em seguida, o órgão ambiental realiza visita in loco e emite Laudo de Vistoria. Depois, o proprietário paga taxa de vistoria e o órgão ambiental emite Termo de Responsabilidade de Averbação e Preservação da Reserva Legal. Por fim, a averbação da RL pode ser solicitada ao cartório. Para pequenas propriedades e posses familiares, o processo é mais simples (IEF, s.d.).

4 O crédito rural é a concessão direcionada de recursos financeiros para atividades agropecuárias. Os recursos provêm de diversas fontes, inclusive do Tesouro, Fundos Constitucionais, Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) e Poupança Rural. Quando as taxas de juros são controladas e ficam abaixo dos valores praticados no mercado, podem ocorrer dois tipos de subsídio, dependendo da fonte do recurso: subsídio cruzado, quando o banco compensa a taxa baixa para o crédito rural elevando a taxa de juros para operações livres (Costa & Lundberg, s.d.); e subsídio direto, quando o Tesouro paga a diferença entre as taxas de juros pagas pelo produtor rural e os custos de administração e tributação e de captação dos recursos (Toschi, 2006; Bacha, Danelon & Filho, 2005).


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