Introdução

 

Até 2010, aproximadamente 71 milhões de hectares de floresta amazônica brasileira foram desmatados (Inpe, 2011a); o equivalente a 18% da sua cobertura original (Embrapa & Inpe, 2011; IBGE, 2010). A rápida perda de floresta amazônica tornou o Brasil campeão do desmatamento global, contribuindo com 44% da perda líquida de floresta[1] entre 2000 e 2010 (FAO, 2010)[2].

As preocupações nacionais e internacionais com o desmatamento acelerado da região começaram ainda na década de 1970 por causa do risco de extinção de sua biodiversidade e dos conflitos resultantes com os povos indígenas e moradores tradicionais (Denevan, 1973; Mahar, 1989; Kohlhepp, 1992; Revkin, 2004). Em resposta, o governo brasileiro criou políticas para controlar o desmatamento incluindo regras para o licenciamento agropecuário, a aplicação de penas e o monitoramento por satélite. Mas o efeito dessas políticas foi inexpressivo ou de curta duração, pois foi o mercado que mais influenciou as taxas de desmatamento. Entre 1995 e 2007, por exemplo, os preços de mercadorias agrícolas foi o principal responsável por essa variação (Barreto & Silva, 2010).

Mais recentemente, um conjunto de políticas governamentais e ações da sociedade civil iniciadas em 2004 e reforçadas em 2007 ajudaram o Brasil a reduzir o desmatamento de forma mais consistente. As políticas aliaram comando e controle tradicional (multas, apreensões de bens e produtos de origem ilegal como madeira e embargos), criação de Áreas Protegidas e restrições financeiras e comerciais contra quem desmata ilegalmente. As ações da sociedade civil envolveram contribuições para políticas públicas (monitoramento independente do desmatamento, análise do efeito das políticas) e campanhas como a moratória da compra de produtos oriundos de áreas desmatadas ilegalmente. A combinação dessas ações e um contexto econômico favorável ajudaram na redução do desmatamento na Amazônia em 77,5% entre 2004 e 2011 (Inpe, 2011a; Soares-Filho et al., 2010; Barreto & Silva, 2010).

Além das preocupações tradicionais, o fortalecimento recente das políticas contra o desmatamento foi também influenciado pelos debates sobre as mudanças climáticas. O desmatamento contribuiu para que o país fosse o quarto maior emissor mundial de gases do efeito estufa em 2000 (Parker & Blodgett, 2008), mas contribui pouco para o crescimento econômico nacional. O próprio governo brasileiro estimou (MCT, 2004) que o desmatamento foi responsável por aproximadamente 55% das emis-sões brasileiras de gases do efeito estufa em 1994. Apesar disso, o PIB total agropecuário da Amazônia somava menos de 1,5% do total do PIB brasileiro em 2004[3].

Ademais, o país sofreu eventos climáticos extremos com perdas econômicas e sociais que acirraram o debate. Em 2005 e 2010 secas incomuns na Amazônia atingiram cerca de 300.000 pessoas, que dependeram de assistência médica e alimentos (Sedec, 2005; Folha.com, 2010). Esses eventos foram compatíveis com as previsões de redução de chuvas na região por causa das mudanças climáticas (Nobre et al., 2007). Projeções sobre os impactos negativos das mudanças climáticas na produção agropecuária (Ver Assad Pinto, 2008) e na geração de energia (Schaeffer et al., 2008) no país aumentaram o interesse nas medidas para reduzir as emissões.

O interesse do Brasil em fazer do etanol um produto global para mitigar as emissões também influenciou medidas do governo contra o desmatamento. Algumas análises alertaram para o risco de que o aumento do plantio de cana no Brasil e de milho nos Estados Unidos para produzir etanol levaria ao aumento do desmatamento, mesmo que indiretamente; por exemplo, o plantio de cana em pastos antigos no Centro-Oeste e no Sudeste do Brasil deslocaria a pecuária para a Amazônia (Associated Press, 2007; Laurence, 2007; Lapola et al, 2010). Para tentar evitar este risco o governo brasileiro aprovou em setembro de 2009 um zoneamento que excluiu o plantio de cana na Amazônia[4].

Os debates sobre clima também mobilizaram grandes empresários nacionais contra o desmatamento. Em 2009, antes da 15ª edição da Conferência das Partes da Organização das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP 15), 22 grandes empresas, de vários setores, propusessem a redução do desmatamento e da degradação florestal, inclusive a criação de incentivos, para reduzir as emissões de gases do efeito estufa do país (Ângelo, 2009). Segundo a carta das empresas, para avançar na economia de baixo carbono o setor privado precisa de um sistema previsível e estável de governança das questões das mudanças climáticas (Ângelo, 2009).

Os debates sobre mudanças climáticas resultaram em uma novidade na política contra o desmatamento a partir de 2009: uma meta de redução. O Brasil se comprometeu a reduzir até 2020 o desmatamentoem 80% em relação à média do período de 1996 a 2005 de acordo com o Plano Nacional sobre Mudança do Clima (Lei nº. 12.187/2009 e Decreto nº. 7.390/2010).

Ao mesmo tempo, o argumento de que seria necessário desmatar para a economia crescer perdeu força. Segundo Embrapa & Inpe (2011), em 2008, 15% da área desmatada (quase 11 milhões de hectares) era subaproveitada na forma de pastos sujos e pastos com regeneração florestal. Pesquisadores (Exemplo em Assad & Pinto, 2008) e políticos, como ministros da agropecuária (Ver exemplo em Notícias Agrícolas, 2009), passaram a argumentar que seria possível evitar o desmatamento aumentando a produtividade nas áreas já desmatadas.

Contudo, os avanços contra o desmatamento estimularam reações de políticos e empresários para enfraquecer a proteção ambiental por meio da redução da área ou da classe de proteção de Áreas Protegidas (Unidades de Conservação e Terras Indígenas) e de mudanças na Lei de Crimes Ambientais e do Código Florestal. Assim, é incerto se o sucesso recente do combate ao desmatamento será sustentável. Quais os desafios para continuar avançando?

[1] A perda líquida considera as perdas por desmatamento e os ganhos por reflorestamento.

[2] O Brasil foi responsável por 51% do desmatamento global da última década.

[3] Estimamos este valor considerando que em 2004 o PIB agropecuário do Brasil somou 7,2% do total do PIB nacional de acordo com dados compilados pelo Cepea-USP/CNA (Disponível em http://bit.ly/zyLHM1) e que segundo dados do IBGE, 21% deste valor foram da região Norte, Maranhão e Mato Grosso (que compõem a Amazônia Legal). Assim, multiplicando 7,2% por 21% encontramos que toda a produção agropecuária desses estados, que inclui o total de área desmatada, equivaleu a apenas 1,5% do PIB nacional em 2004.

[4] É notável que o anúncio de exclusão em 2007 tenha ocorrido antes mesmo da conclusão do zoneamento conforme nota do Ministério da Agricultura e Pecuária disponível em http://goo.gl/Dj80r . O Decreto anunciando a exclusão foi publicado em 2009 (Disponível em http://goo.gl/hvFjx).

 

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A imagem de satélite mostra a fumaça decorrente de queimadas no Mato Grosso que encobrem quase toda a cena. Os pontos vermelhos são os focos de aumento de temperatura detectados pelo satélite e indicam os focos das queimadas. As áreas marrons escuras são áreas desmatadas e as mais escuras são florestas. As nuvens são as formas brancas mais densas a direita da imagem.

Fonte: Imagem obtida pelo sistema Moderate Resolution Imaging Spectroradiometer (MODIS) no satélite Aqua da Nasa em 17 de agosto de 2010 (Nasa/GSFC, Rapid Response). Imagem disponível em http://goo.gl/2HX9T. Usamos o programa Picasa para aumentar o contraste na figura entre a cobertura do solo e a fumaça.

Para tentar responder esta pergunta revisamos o histórico de combate ao desmatamento para verificar o que tem funcionado, as limitações e os desafios. Este é um momento propício para esta análise dado que o governo federal está revisando o plano de combate ao desmatamento que será aplicado entre 2012 e 2015.

Além de revisão de literatura, este trabalho incorpora a experiência de 20 anos do primeiro autor em pesquisas e iniciativas contra o desmatamento. Esta experiência envolveu entrevistas e reuniões, bem como audiências públicas com vários dos envolvidos no combate ao desmatamento, incluindo ministros, técnicos de vários órgãos públicos, parlamentares, produtores rurais, funcionários de agências multilaterais e doadores internacionais, ambientalistas, promotores e procuradores.

Para facilitar o entendimento da evolução das políticas começamos com uma introdução sobre o quadro institucional brasileiro para lidar com a proteção ambiental.

 

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Floresta queimada após a extração de madeira para produção de carvão no leste do Pará. Foto: Marcelo Galdino.

 

Legislação ambiental e instituições brasileiras

 

Para facilitar o entendimento da atual política de combate ao desmatamento na Amazônia apresentamos nesta seção as principais leis, instituições e políticas ambientais brasileiras.

Em matéria ambiental, a legislação federal estabelece regras gerais. Estados e municípios podem complementá-las, mas não podem estabelecer regras menos restritivas. São exemplos de normas federais o Código Florestal de 1934 e a Política Nacional de Meio Ambiente de 1981. Somente a legislação federal dispõe sobre direito penal, ou seja, define o que é crime. Os crimes ambientais estão definidos na Lei de Crimes Ambientais de 1998. Os três níveis de governo são responsáveis por ações para assegurar a qualidade e a proteção ambiental, como a fiscalização e o licenciamento de atividades.

O Código Florestal de 1934 foi reformado em 1965 e estabeleceu a obrigação de manter 50% da propriedade rural na Amazônia coberta com vegetação natural, destinada à conservação ambiental e à produção florestal sustentável (Reserva Legal Florestal – RLF). Nas outras regiões, a RLF foi fixada em 20%. O Código Florestal também determinou a preservação da cobertura vegetal em áreas sensíveis (Área de Preservação Permanente – APP), como ao longo dos rios e em topos de morros, cujo uso é restrito a situações autorizadas pelo poder público. Portanto, no início dos grandes projetos de ocupação da Amazônia, no final da década de 1960, já existiam restrições ao desmatamento. No entanto, muitos dos ocupantes da região desobedeceram a essas regras. A fiscalização era escassa ou ineficaz já que as penas eram apenas administrativas e o valor das multas era baixo.

Além da impunidade, o governo estimulava a derrubada da floresta por meio de incentivos fiscais e crédito rural para permitir a rápida ocupação da região. Até o início da década de 1980, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), o órgão federal responsável pelo ordenamento fundiário nacional, estimulava os ocupantes de terras públicas a desmatarem os imóveis rurais até seu limite máximo (50%) para conceder-lhes o título de propriedade (Barreto et al., 2008a).

A partir de meados da década de 1970, os problemas ambientais brasileiros como o desmatamento na Amazônia e os altos índices de poluição de polos de industrialização no Sudeste atraíram a atenção de acadêmicos e jornalistas (exemplos incluem Goodland & Irwin 1974; Hodge, 1980). Somente na década seguinte o país reagiu com algumas leis novas que não tiveram efeito imediato, mas ajudaram a formar a base para medidas posteriores.

A Política Nacional de Meio Ambiente (PNMA) foi aprovada em 1981[5] e a Ação Civil Pública (ACP) foi criada em 1985[6]. A ACP visa à defesa de interesses difusos e coletivos e tem sido utilizada pelo Ministério Público (MP) para prevenir ou indenizar danos ambientais e suspender ou proibir atividades danosas ao meio ambiente. O papel do MP na área ambiental foi reforçado com a nova Constituição de 1988, que dedica um capítulo à proteção ambiental e atribuiu a esta instituição o papel de defender exclusivamente a sociedade na proteção de direitos difusos e coletivos. Antes, o MP era o advogado do Estado. O MP também passou a ser independente dos poderes executivo, legislativo e judiciário. Além disso, tem poder exclusivo para iniciar ações penais ambientais e é o principal responsável por iniciar ACPs por danos ambientais (McAllister, 2008).

Também em 1988, como resposta a pressões nacionais e internacionais sobre os conflitos socioambientais – como o assassinato do seringueiro e ativista ambiental Chico Mendes e a revolta de índios contra a construção da hidrelétrica no rio Xingu e o grande desmatamento na Amazônia –, o governo federal lançou o Programa Nossa Natureza. Este programa visava concentrar os esforços de todos os órgãos governamentais e aumentar a cooperação dos demais segmentos da sociedade para a conservação do meio ambiente com foco na Amazônia Legal. Embora o programa tenha falhado em promover a cooperação entre ministérios, suspendeu os incentivos fiscais e créditos oficiais para implantação de projetos agropecuários em áreas com cobertura florestal nativa da Amazônia. Entretanto, incentivos indiretos ao desmatamento continuaram após o Congresso Nacional constituinte ter criado os Fundos Constitucionais que são usados para crédito rural subsidiado na região. Análises revelam que o crédito rural aumenta o desmatamento (Wood et al., 2001; Da Silva, 2009; Prates, 2008). Por isso, o governo ainda tenta controlar o crédito rural na região como mostramos nas seções 3 e 4.

Outro avanço foi a criação de um programa de monitoramento do desmatamento como resposta a um relatório do Banco Mundial que apontava a grande perda de cobertura florestal na Amazônia brasileira (Mahar, 1989). Em 1989, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) criou o Programa de Cálculo do Desflorestamento da Amazônia (Prodes), que estima a taxa anual (agosto/julho) do desmatamento da Amazônia por imagens de satélite.

Em 1992, o Brasil sediou a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (Conferência do Rio) e obteve recursos internacionais para a proteção ambiental através do Pro-grama Piloto de Proteção das Florestas Tropicais do Brasil (PPG7). O programa investiu US$ 463,1 milhões na implementação e fortalecimento das políticas brasileiras para a proteção do meio ambiente até sua conclusão em 2009 (MMA, 2009). Ainda em 1992, o governo federal criou o Ministério do Meio Ambiente (MMA), influenciado pelas discussões na Conferência do Rio.

Apesar da estruturação de uma política nacional de proteção ambiental, a taxa de desmatamento na Amazônia continuou oscilando principalmente em decorrência da variação dos preços de soja e gado (Barreto & Silva, 2010). Entre 1995 e 2007, 73% da variação das taxas de desmatamento foi associada à variação dos preços (Barreto & Silva, 2010). Quando os preços destas mercadorias subiram ou caíram simultaneamente, a queda ou elevação do desmatamento foi mais acentuada (Figura 1).

O país continuou a criar instrumentos para melhorar a gestão ambiental, geralmente após pressões nacionais e internacionais. Em 1996, após o Inpe (2011a) registrar a maior taxa de desmatamento de sua história (29.000 km2), o governo brasileiro aumentou o percentual de RLF no bioma Amazônia; passou de 50% para 80% do imóvel rural. Outro avanço legal foi a Lei de Crimes Ambientais de 1998 e sua regulamentação em 1999, que descreveram as condutas consideradas infrações e crimes ambientais e estabeleceram multas elevadas – por exemplo, R$1.000/hectare (equi-valente a US$ 588) desmatado de RLF, que depois foi aumentado para R$5.000/hectare em 2005, aproximadamente US$ 3.000. Entretanto, a regulamentação da lei só ocorreu após um megaincêndio florestal em Roraima em 1998. E depois de discutir por mais de sete anos, o Congresso aprovou em 2000 o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (Snuc), que uniformizou as regras para os diversos tipos de Unidades de Conservação criadas no país desde 1937.

Apesar dos avanços legais, tecnológicos e institucionais para proteção do meio ambiente, as políticas públicas voltadas para a região amazônica continuaram fragmentadas e contraditórias. Em geral, apenas o MMA e órgãos que atuavam diretamente na proteção ambiental participavam da elaboração e execução de políticas públicas de combate ao desmatamento na Amazônia. Outros ministérios e órgãos públicos responsáveis por financiar e fomentar atividades agropecuárias não participavam (Grupo Permanente de Trabalho Interministerial para a Redução dos Índices de Desmatamento da Amazônia Legal, 2004).

A fragilidade das políticas de controle ficou ainda mais evidente após um forte aumento dos preços da soja entre 2000 e 2003, que resultou no aumento do desmatamento entre 2001 e 2004. Nesse período, a soja foi plantada em novas áreas desmatadas e em áreas que eram ocupadas por pastos. Em consequência, parte da pecuária foi deslocada para outras regiões de floresta (Barona et al., 2010, Barreto et al., 2008b). Como reação, o governo federal criou um grupo interministerial para elaborar um novo plano de monitoramento e combate ao desmatamento na Amazônia (PP-CDAM), que foi lançado em 2004. Além disso, em 2006, o Greenpeace liderou uma campanha que resultou em um boicote contra a soja oriunda de novos desmatamentos.

[5] Lei nº. 6.938 de 1981.

[6] Lei nº. 7.347 de 1985.

 

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Figura 1. Taxas de desmatamento da Amazônia e os índices de preços de boi gordo e soja. O preço médio do boi em um ano é pareado com o ano do desmatamento no ano seguinte, enquanto o preço médio da soja é pareado com o desmatamento do mesmo ano[7].

Fonte: Desmatamento (Inpe, 2011a); Indice de preço: cálculo do Imazon com dados do Instituto de Economia Aplicada do Estado de São Paulo[8].

[7] A consideração temporal do efeito dos índices de preço das mercadorias agrícolas no desmatamento foi observado por Barreto et al., 2008c.

[8] Para estimar o índice, primeiramente estimamos o preço nominal médio por ano usando os Preços Médios Mensais Recebidos pelos Agricultores, disponibilizados pelo Instituto de Economia Aplicada em <http://goo.gl/ySeO8>. De-pois, deflacionamos os preços nominais usando o índice IGDPI da Fundação Getúlio Vargas.

 

O poder público e a sociedade civil provocam o ponto da virada

 

A primeira fase do PPCDAM

Além de combater o desmatamento, o PPCDAM objetivava promover o desenvolvimento sustentável da região por meio de três componentes: i) monitoramento e controle; ii) ordenamento fundiário; e iii) fomento a atividades sustentáveis. Entre 2004 e 2007, o governo executou principalmente as atividades de comando e controle e parte do ordenamento territorial, especialmente a criação de Áreas Protegidas (MMA, 2008).

Entre 2003 e 2007, o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) aumentou o valor total de multas emitidas em 790% (de R$153 milhões para R$1,4 bilhão) e o número de itens confiscados e embargos de 81 para 7.092. A partir de maio de 2004, a fiscalização foi facilitada com o uso de alertas mensais de desmatamento, obtidos com imagens de satélite pelo Programa de Detecção do Desmatamento (Deter) do Inpe. Este sistema, que usa imagens MODIS (Moderate Resolution Imaging Spectroradiometer) da Nasa (Agência Espacial Americana), permite a detecção de desmatamentos superiores a 25 hectares. Desta forma, foi possível direcionar a fiscalização contra os maiores desmatamentos. Em 2006, o Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) também passou a publicar alertas de desmatamento mensais (SAD) usando o mesmo tipo de imagem. Inicialmente, o SAD detectava desmatamentos nos estados de Mato Grosso e Pará, mas a partir de abril de 2008 foi estendido para toda a Amazônia Legal.

O comando e controle foi reforçado com a colaboração do Ministério da Justiça (por meio da Polícia Federal), em operações que levaram a prisões de praticantes de crimes ambientais e de funcionários públicos envolvidos, e da Força Nacional, que reforçaram as operações de campo. A primeira delas, a Operação Curupira, envolveu a prisão de 85 acusados (Ademi, s/d). Segundo a Ministra do Meio Ambiente, entre 2005 e 2007 mais de 500 pessoas foram presas durante investigações (Portal Amazônia, 2007).

O segundo componente que mais avançou entre 2003 e 2006 foi a criação de Áreas Protegidas, que atingiram 487.118 quilômetros quadrados de novas Unidades de Conservação (Veríssimo et al., 2011) (Figura 2). As novas medidas funcionaram parcialmente. Entre 2004 e 2006, a taxa de desmatamento caiu aproximadamente 50%. Segundo Soares Filho et al. (2010), 56% da redução resultou das novas políticas: i) criação de Áreas Protegidas (37%); ii) monitoramento do desmatamento (Deter); e iii) fiscalização e punição de infratores (18%). O restante da redução (44%) seria associado à queda de preços de mercadorias agrícolas. A influência da queda dos preços agropecuários na queda do desmatamento também foi encontrada por Barreto & Silva (2010) e Da Silva (2009).

 

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Figura 2. Áreas Protegidas ajudam a barrar o desmatamento na Amazônia.

A moratória da soja

Em abril de 2006, o Greenpeace (2006) iniciou uma campanha contra a soja oriunda de áreas recém-desmatadas na Amazônia. A campanha mostrou a grandes consumidores na Europa (por exemplo, à rede McDonalds) que a soja estimulava o desmatamento ilegal na Amazônia. A partir dessa campanha, representantes de associações empresariais (exportadores e produtores de óleo vegetal) e organizações não governamentais (ONG) firmaram um boicote (Moratória da Soja) à compra de grãos de soja oriundos de áreas desmatadas da Amazônia após 24 de julho de 2006 (Abiove & Anec, 2006). A Moratória da Soja exigiu mais que a conformidade legal ambiental dos produtores de soja; exigiu o compromisso com o desmatamento zero. Os participantes da moratória criaram o Grupo de Trabalho da Soja (GTS) para implementar o acordo.

O GTS produziu uma cartilha para informar ao produtor sobre a moratória e as regras do Código Florestal. Além disso, desenvolveu um sistema de mapeamento e monitoramento dos avanços do desmatamento relacionados à produção de soja no bioma amazônico (GTS, 2007). Além de regras ambientais, os empresários assinaram o Pacto pela Erradicação do Trabalho Escravo e incluíram nos contratos de compra de soja cláusulas específicas de rompimento dos mesmos quando da constatação de algum caso, a partir de consulta ao cadastro de empregadores flagrados com mão-de-obra análoga à de escravo do Ministério do Trabalho e Emprego.

 

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A expansão da produção de soja (na foto) estimulou o desmatamento na Amazônia ou pelo desmatamento direto de novas áreas ou porque deslocou a pecuária para novas fronteiras de floresta. Em 2006, a campanha do Greenpeace levou compradores a boicotar a soja oriunda de novos desmatamentos. Foto: Imazon

A segunda fase do PPCDAM

Apesar dos avanços, o desmatamento começou a aumentar novamente em novembro de 2007 influenciado por nova alta de preços de mercadorias agrícolas. Dados do Deter do Inpe e do SAD do Imazon mostraram que o desmatamento havia dobrado em novembro em relação ao mesmo período do ano anterior. O governo, então, agiu rapidamente e publicou decretos com novos instrumentos para combate ao desmatamento na Amazônia[9].

Esses novos instrumentos resultaram de vários diagnósticos e sugestões produzidos por órgãos públicos, pesquisadores e ambientalistas (Ver exemplos em Brito & Barreto, 2006; Barreto et al., 2008c; Greenpeace, 2008; TCU, 2008). Por exemplo, Brito & Barreto (2006) mostraram que o governo arrecadou apenas 2% do valor das multas emitidas entre 1999 e 2002 e que, portanto, seria necessário melhorar a aplicação das penas. O Tribunal de Contas da União (TCU), órgão do Congresso Nacional responsável por avaliar a aplicação de recursos públicos, concluiu que faltava coordenação institucional das ações do governo federal. Um relatório do próprio MMA mostrou que algumas instituições públicas atuavam de forma independente e até contrária aos objetivos do plano (MMA, 2008). Por exemplo, o Serviço Florestal Brasileiro/MMA criou um Distrito Florestal ao longo da Rodovia BR-163, no oeste do Estado do Pará, para promover o manejo florestal em terras públicas. Porém, o Incra criou, na mesma região, assentamentos de reforma agrária que abasteciam o setor madeireiro com madeira proveniente da exploração predatória (Greenpeace, 2008). Além disso, o crédito rural subsidiado continuava a estimular o desmatamento mesmo que indiretamente (Barreto et al., 2008b[10]).

A segunda fase do PPCDAM adotou medidas mais severas e direcionadas para a responsabilização de infratores ambientais, como descrevemos a seguir.

Foco da fiscalização em municípios com maior desmatamento. O MMA publicou a primeira lista de 36 municípios mais desmatados na Amazônia em março de 2008 e a utilizou para restringir autorizações de novos desmatamentos e focar a fiscalização. O Ibama aumentou em 53% o número de áreas embargadas[11] e de bens apreendidos nos 36 municípios em comparação a 2007, enquanto que em outros municípios o aumento foi de 11% (Barreto & Silva, 2010).

Rapidez na aplicação de algumas penas. Além de aplicar as tradicionais multas, que raramente são arrecadadas, o governo simplificou as regras para facilitar as sanções de efeito imediato como a doação e leilão de bens apreendidos. Uma das primeiras operações resultou na apreensão de 20.000 metros cúbicos de toras de madeira, no município de Tailândia, no leste do Estado do Pará. Uma das operações mais espetaculares ocorreu em junho de 2008 e resultou na apreensão e leilão de 3.000 cabeças de gado dentro da Estação Ecológica Terra do Meio, também no Pará. O gado foi leiloado em dois meses, um prazo excepcionalmente rápido.

Transparência sobre as áreas desmatadas ilegalmente. A partir de dezembro de 2007, o governo tornou obrigatório o embargo de atividades em áreas ilegalmente desmatadas ou queimadas e determinou a divulgação dos dados do imóvel rural e de seu proprietário em lista oficial, especificando o local da área embargada (com coordenadas geográficas) e informando se o processo administrativo encontra-se julgado ou pendente de julgamento. A partir do momento em que o Ibama disponibilizou a lista de áreas embargadas por desmatamento ilegal em seu sítio eletrônico na Internet, qualquer pessoa que adquirisse produtos oriundos dessas áreas poderia ser corresponsabilizada por crime ambiental[12]. O Ministério Público Federal (MPF) utilizou essa regra para responsabilizar frigoríficos que continuaram comprando gado de áreas embargadas (Ver subseção seguinte).

Restrição ao crédito a propriedades irregulares. Em fevereiro de 2008, o Conselho Monetário Nacional (CMN) exigiu que bancos públicos e privados parassem de conceder crédito a propriedades rurais sem regularização fundiária e ambiental (Resolução nº. 3.545/2008). A partir de julho de 2008, os bancos deveriam exigir que imóveis rurais iguais ou maiores que quatro módulos fiscais[13](que na Amazônia geralmente são de 200 até 400 hectares) comprovassem que já haviam iniciado o processo de regularização fundiária e ambiental como pré-requisito à obtenção de crédito rural. Os efeitos desta medida ainda são pouco entendidos, mas provavelmente não atingiram todo o seu potencial. Isto porque depois de sua vigência o valor de crédito rural concedido aumentou na região de R$ 3,11 bilhões em 2008 para R$ 3,44 bilhões em 2009 de acordo com dados do Banco Central compilados pelo MPF do Pará[14]. Ademais, em 2009, o crédito continuou a ser priorizado para a agropecuária (98,8%) e apenas 1,2% foi para manejo florestal e reflorestamento[15].

[9] Decreto Presidencial nº. 6.321/2007 e Decreto Presidencial nº. 6.514/2008.

[10] O fato de que o crédito rural estimulava o desmatamento foi manchete da primeira página em um grande jornal de circulação nacional em janeiro de 2008: <http://www.estadao.com.br/noticias/geral,credito-oficial-estimula-desma-tamento-indica-estudo,115464,0.htm>.

[11] Área embargada é aquela em que o órgão de fiscalização paralisou a obra ou atividade por infração ambiental.

[12] A Lei de Crimes Ambientais já previa a corresponsabilização da cadeia produtiva, mas era preciso a regulamentação da regra via decreto, o que ocorreu por meio do Decreto nº. 6.321/2007.

[13] Módulo fiscal é uma unidade de gestão fundiária da política agrária brasileira e se refere ao tamanho da área necessária para o sustento de uma família. As unidades variam por município de acordo com as características biofísicas e de infraestrutura.

[14] O Ministério Público Federal no Pará compilou os dados de crédito rural para a Amazônia como preparação de uma ação civil pública contra bancos acusados de conceder crédito rural para áreas desmatadas ilegalmente. Os dados compilados pelo MPF permitiram avaliar para qual atividade os créditos foram concedidos. Um resumo dos dados está disponível em <http://bit.ly/ysarAe>.

[15] Idem nota 14.

Ações para corresponsabilizar a cadeia da carne pela gestão ambiental das fazendas

O MPF do Pará aproveitou a possibilidade de corresponsabilizar cadeias produtivas por dano ambiental para iniciar ações contra a principal responsável pelo desmatamento ilegal na Amazônia: a pecuária. Em 1º de junho de 2009, O MPF do Pará e o Ibama iniciaram ações judiciais contra os proprietários de 20 fazendas multadas por irregularidades ambientais e contra 11 frigoríficos que compraram gado oriundo dessas fazendas. As ações demandavam o pagamento de R$ 2 bilhões por danos ambientais decorrentes do desmatamento de 157.000 hectares. Além disso, os procuradores recomendaram a 69 redes de supermercados e indústrias que não adquirissem produtos dos frigoríficos que haviam comprado gado das fazendas envolvidas em crimes ambientais (MPF/PA, 2009). Simultaneamente, o Greenpeace lançou uma campanha contra a pecuária ilegal, similar à que originou a moratória da soja (Greenpeace, 2009a).

Como resultado, 35 redes varejistas e indústrias suspenderam seus contratos com os frigoríficos acusados pelo MPF (MPF/PA, 2009). Além disso, a Associação Brasileira de Supermercados (Abras) anunciou em agosto de 2009 que demandaria uma certificação de origem da carne de seus fornecedores (Munhoz & Bonanome, 2009).

Ainda em junho de 2009, o MPF propôs suspender as ações judiciais contra os frigoríficos se estes concordassem em assinar Termos de Ajuste de Conduta (TAC) comprometendo-se a exigir dos fazendeiros comprovações de cumprimento da legislação ambiental. Em virtude do grande número de imóveis rurais (mais de cem mil) e da dificuldade do órgão ambiental estadual em responder à eventual demanda por regularização ambiental, o acordo proposto estabelecia um processo gradual de regularização. A primeira fase visava inibir o desmatamento. A segunda visava cobrar a recuperação de áreas desmatadas ilegalmente. Para cumprir a primeira fase, os fazendeiros deveriam registrar o imóvel no Cadastro Ambiental Rural (CAR) da Secretaria de Meio Ambiente (Sema). O registro envolve apresentar um mapa georreferenciado e os dados do detentor do imóvel, os quais ficam disponíveis na internet. A transparência inibiria novos desmatamentos. Depois, os frigoríficos deveriam exigir dos fazendeiros a Licença Ambiental Rural (LAR). Para obter a LAR, os fazendeiros devem propor um plano de recuperação das áreas desmatadas ilegalmente.

Os detalhes do acordo foram negociados durante um mês, e em julho de 2009 os frigoríficos assinaram o TAC incluindo os seguintes compromissos ambientais: i) a partir de janeiro 2010 só comprar de fazendas registradas no CAR; ii) a partir de julho de 2010 só comprar gado de fornecedores que apresentarem o comprovante de que solicitaram da Sema a LAR; iii) a partir de julho de 2011 só comprar de quem tiver a LAR; iv) imediatamente, deixar de comprar de fazendas em Terras Indígenas e Unidades de Conservação (MPF, 2010b).

O governo do Estado do Pará também assinou um compromisso com o MPF para acelerar a adoção de políticas públicas associadas à gestão ambiental, como o aparelhamento e a capacitação dos órgãos públicos ambientais e fundiários. Ademais, o estado prometeu disponibilizar um montante de até R$ 5 milhões (aproximadamente US$ 3 milhões) anuais para a contratação de uma auditoria independente para a verificação do cumprimento dos TACs.

A ação do MPF do Pará focada no setor da pecuária resultou em vários desdobramentos. Em junho de 2009, o MPF do Estado de Mato Grosso, onde está o maior rebanho bovino da região, anunciou que também estava investigando a cadeia da pecuária, e a Procuradoria Geral da República[16] declarou que replicaria as ações do MPF do Pará em toda a Amazônia (Valor Econômico, 2009). De fato, no primeiro semestre de 2010, o MPF de Mato Grosso conseguiu que os três maiores frigoríficos do estado (Marfrig, JBS e Independência) assinassem um TAC[17] com obrigações similares às estabelecidas no Pará. Entretanto, em Mato Grosso, o prazo para adesão ao programa de regularização foi vinculado ao programa estadual de regularização (Mato Grosso Legal) que já existia. Depois do acordo, o governo estadual, pressionado pelos produtores rurais, adiou o prazo de adesão ao programa sem nenhuma condicionante.

O MPF também lançou uma campanha nacional para conscientizar a população sobre as ilegalidades e para estimulá-la a buscar informações sobre a origem da carne que consome (MPF/PA, 2010a). O MPF do Pará cunhou a campanha da Carne Legal e a veiculou através de rádio, televisão, mídias sociais (Twitter), vídeos na Internete correio eletrônico. A campanha também conta com site próprio – www.carnelegal.mpf.gov.br – informando sobre todos os as-pectos da campanha e os acordos realizados com o setor da carne.

A ação do MPF também estimulou o setor financeiro a prometer mudanças. O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), um dos principais financiadores dos frigoríficos, determinou novas diretrizes socioambientais para financiamento ao setor da pecuária. Os frigoríficos financiados deveriam adotar um sistema de rastreabilidade do gado a partir de 2010 a ser concluído em 2016 (Ver detalhes em BNDES, 2009).

Por sua vez, o Greenpeace continuou sua campanha contra o desmatamento ilegal provocado pela pecuária. Em outubro de 2009, quatro dos principais frigoríficos do país (Marfrig, Bertin, JBS e Minerva) assinaram com o Greenpeace um compromisso voluntário pelo desmatamento zero (Gre-enpeace, 2009b). Além do compromisso de não comprar gado oriundo de áreas desmatadas após a assinatura do acordo, os frigoríficos devem exigir a regularização fundiária e ambiental dos fornecedores em termos similares aos do TAC assinado no Pará.

Procuradores e promotores de outros estados continuaram agindo a partir do exemplo do Pará. Em abril de 2011, pro-curadores e promotores no Acre também iniciaram uma ação civil pública contra 14 frigoríficos acusados de comercializar carne ilegal no estado. A ação resultou em um acordo judicial no qual os frigoríficos só poderão adquirir gado oriundo de fazendas que apresentarem o CAR ou a LAR (ao menos um dos dois, respectivamente a partir de 1º de maio de 2012 e 1º de setembro de 2012 − Ver detalhes deste acordo no Anexo I). Essas ações podem influenciar o desma-tamento nos próximos anos.

O efeito desse conjunto de medidas públicas e privadas foi notável. Entre agosto de 2008 e julho de 2009 o desmatamento medido pelo Prodes caiu 45% em relação ao mesmo período do ano anterior − a mais baixa taxa registrada nos últimos 21 anos (7.008 quilômetros quadrados). É notável que esta queda tenha ocorrido apesar do aumento dos preços de mercadorias agrícolas no período anterior. Com base nesse resultado e devido a pressões da sociedade e de parte de grandes empresas nacionais (BBC Brasil, 2007; ISA, 2009), durante a XV Conferência da Organização das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP-15), o Brasil assumiu a meta voluntária de reduzir em 80% suas taxas anuais de desmatamento até 2020, considerando sua média anual de desmatamento entre 1996 e 2005 (19.625 quilômetros quadrados).

Depois desse período, o desmatamento continuou a cair dada a pressão ambiental e um período de queda de preços do gado (Figura 1). As políticas contra o desmatamento contribuíram também para a redução da exploração ilegal de madeira. O volume total explorado na região caiu de 24,5 para 14,2 milhões de metros cúbi-cos de toras entre 2004 e 2009 (Pereira et al., 2010). A redução da exploração ilegal é essencial, pois evita a expansão de estradas ilegais e o acúmulo de capital ilegal, que facilitam parte do desmatamento.

As medidas contra o desmatamento focadas nos municípios e envolvendo as cadeias produtivas da soja e da carne estimularam iniciativas locais para reforçar a governança ambiental. Porém, ao mesmo tempo estimulou reações. A seguir descreveremos estes desdobramentos e suas implicações para o futuro do controle do desmatamento.

[16] A Procuradoria Geral da República exerce a chefia nacional do MPF.

[17] Ver TACs em <www.prmt.mpf.gov.br>

Governança ambiental local

PARAGOMINAS MUNICÍPIO VERDE

Alguns municípios da Amazônia estão se mobilizando para sair da lista de maiores desmatadores da região. O primeiro a se organizar e a sair da lista foi Paragominas, um município de 19.452 quilômetros quadrados no leste do Pará. O poder público local se juntou com o setor privado e ONGs para reduzir o desmatamento e iniciar a regularização ambiental dos imóveis rurais. Até 2005, o município já havia perdido 42% da cobertura vegetal (Inpe, 2011b), principalmente para a pecuária, e mais recentemente para o plantio de grãos, inclusive soja. O município historicamente foi alvo de fisca-lização ambiental federal contra a exploração de madeira e desmatamento ilegais. Entretanto, denúncias de corrupção de fiscais ambientais e reações contrárias dos empresários locais eram comuns, e a degradação continuava.

A percepção de líderes locais de que a pressão ambiental estava se tornando mais efetiva começou com a Moratória da Soja em 2006. A notícia de que um dos frigoríficos da região iria demandar de seus fornecedores a regularização ambiental também alertou alguns fazendeiros locais em 200718. Esta demanda do frigorífico foi uma das condicionantes de um empréstimo recebido da International Financial Corporation (IFC), o braço financeiro do Banco Mundial. Em 2008, a situação se agravou quando o MMA incluiu Paragominas na lista dos municípios que mais desmatavam e o Ibama realizou uma grande ação contra a exploração ilegal de madeira, produção ilegal de carvão e desmatamento. Alguns madeireiros incendiaram a sede do Ibama local e a partir de então a operação federal se intensificou ainda mais (Globo Amazônia, 2008).

Para sair da lista e se livrar das restrições, o prefeito e líderes empresariais se mobilizaram e assinaram um pacto – Paragominas Município Verde – pelo fim do desmatamento ilegal no município. O pacto recebeu apoio do governo do estado, por meio da Sema, do Imazon e da The Nature Conservancy (TNC). Para reduzir o desmatamento foram adotadas duas estratégias: monitoramento do desmatamento e apoio para o registro das propriedades rurais no CAR. O Imazon passou a enviar alertas mensais de desmatamento (gerados pelo SAD) à Secretaria Municipal de Meio Ambiente. Os agentes municipais locais, treinados pelo Imazon, verificavam e confirmavam em campo os desmatamentos detectados por imagens de satélite. Em seguida, a prefeitura autuava os infratores ou acionava os órgãos ambientais estadual ou federal para tal.

Gradualmente, os fazendeiros dos municípios passaram a registrar seus imóveis no CAR devido às seguintes medidas. Os frigoríficos cobravam dos fazendeiros o registro por causa do acordo que fizeram com o MPF. Além disso, o secretário estadual de meio ambiente e o procurador federal se comprometeram a não iniciar processos por crimes anteriores ao pacto contra quem se inscrevesse no CAR. Isso ajudou a aumentar o registro daqueles que temiam ser punidos. Aqueles que desmataram ilegalmente deveriam recuperar as áreas degradadas conforme a legislação em vigor. Para acelerar o registro no CAR, um técnico da TNC, hospedado no sindicato dos produtores rurais, orientava os produtores e verificava as informações antes de serem submetidas a Sema. Em dois anos de programa o desmatamento caiu 80% e pelo menos 80% da área dos imóveis privados estava registrada no CAR. Assim, o município saiu da lista de municípios críticos do MMA (Brito et al., 2010).

Mesmo tendo saído da lista de municípios mais desmatados, os produtores de Paragominas ainda enfrentavam a restrição ao crédito rural porque a maioria não possuía Certificado de Cadastro do Imóvel Rural (CCIR) – um documento emitido pelo Incra que constitui prova do cadastro do imóvel rural e é indispensável à realização de qualquer negócio formal com terras. O Incra havia cancelado o CCIR de muitos imóveis na Amazônia por dúvidas sobre a legalidade da documentação apresentada pelos detentores dos imóveis em cadastramentos anteriores (Barreto et al., 2008a). A verificação da situação fundiária pelo Incra e a eventual renovação do CCIR tenderia a demorar.

Os líderes da iniciativa Município Verde temeram que a continuidade da restrição ao crédito para quem iniciou a regularização ambiental desestimulasse os detentores de imóveis a continuarem a regularização e o programa fosse enfraquecido. Os fazendeiros questionavam qual seria a vantagem em buscar a regularização. Para facilitar o acesso ao crédito, o prefeito de Paragominas solicitou ao CMN que emitisse uma resolução especial para o município pela qual os produtores que tivessem solicitado o CCIR pudessem obter o crédito. Em novembro de 2010, o CMN abriu uma exceção para Paragominas na documentação exigida para a concessão de crédito rural para as safras 2010/2011 e 2011/2012. Em razão do êxito do pacto pelo desmatamento zero, o município decidiu fazer um novo pacto em 2010 pela produção legal e sustentável, envolvendo os setores florestal, pecuário e agrícola. O sucesso da iniciativa em Paragominas levou o MPF e o governo do Pará a tentarem ampliar a adoção das mesmas medidas em outros municípios do estado. Até 27 de julho de 2011, 89 dos 144 municípios paraenses haviam aderido.

[18] Comunicação pessoal do Presidente do Sindicato dos Produtores Rurais de Paragominas

 

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Para sair da lista de municípios que mais desmatam, o município de Paragominas se comprometeu a reduzir a taxa de desmatamento. Para tanto, passou a fi scalizar o desmatamento ilegal a partir de alertas emitidos pelo Imazon. Na foto, fi scais da prefeitura destroem fornos ilegais usados para produzir carvão vegetal para o polo de produção de ferro gusa em Carajás no Pará. Foto: Marcelo Galdino.

QUERÊNCIA MAIS

Em abril de 2011, Querência, localizado no nordeste de Mato Grosso, foi o segundo município da Amazônia a deixar a lista de municípios que mais desmatam. O município de 17.850 quilômetros quadrados, fundado em 1985, havia perdido 27% de sua cobertura florestal até 2005 (Inpe, 2011b) para a agropecuária. Assim como Paragominas, Querência sofreu com as restrições impostas pela Moratória da Soja (Leão, 2009), com as ações de fiscalização do Ibama (Ibama, 2008) e com restrições financeiras por constar na lista de municípios que mais desmatam em 2008. Semelhante a Paragominas, o governo municipal, o setor privado e ONGs trabalharam juntos durante dois anos para reduzir a taxa de desmatamento no município e cadastrar as propriedades rurais no CAR. A mobilização para a regularização ambiental no município ocorreu através do “Querência Mais”, um programa criado pelo Condema (Conselho de Meio Ambiente) de Querência, Instituto Socioambiental (ISA), Grupo de Restauração e Proteção à Água, Flora e Fauna (GRPAFF), Prefeitura Municipal e Secretaria de Agricultura de Querência (Y Ikatu Xingu, 2011).

A Figura 3 resume as principais ações e resultados contra o desmatamento analisados nesta seção.

 

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Figura 3. As novas políticas de combate ao desmatamento e seus desdobramentos.

 

A deficiência dos incentivos ao desenvolvimento rural sustentável na Amazônia

 

Além das ações de comando e controle, o governo também propôs políticas de incentivos ao desenvolvimento sustentável. Porém, as medidas deste componente do PPCDAM têm sido insuficientes ou ineficazes ou não foram executadas por falhas governamentais ou por barreiras aos investimentos sustentáveis na região.

O PPCDAM estabeleceu metas para estimular o setor florestal e a agropecuária, bem como para melhorar a governança. Entretanto, algumas das ações tiveram baixa ou nenhuma execução. Por exemplo, entre 2007 e 2010, o Ministério da Agricultura e Pecuária não executou o programa de boas práticas pecuárias; o programa de recuperação de áreas degradadas na Amazônia atingiu apenas 25% das metas relacionadas a planejamento e obtenção de recursos; e não foram aprovados projetos de apoio à modernização de órgãos ambientais através do Programa de Modernização da Administração, das Receitas e da Gestão Fiscal, Financeira e Patrimonial e das Administrações Estaduais (PMAE Ambiental) (Maia et al., 2011). Ademais, até o momento foram realizadas apenas duas concessões florestais federais para manejo florestal, que somaram cerca de 145 mil hectares (SFB, 2012) ou apenas 5,7% do que era planejado até 2011 (Brasil, 2009) (Quadro 1).

Avaliadores independentes do PPCDAM (Maia et al., 2011) contratados pelo governo identificaram as seguintes barreiras à execução do fomento a produção sustentável: i) problemas no planejamento; ii) dificuldades de articulação entre instituições; iii) insuficiência de recursos orçamentários e de pessoal; e iv) incapacidade de fazer linhas de crédito criadas para produções sustentáveis serem utilizadas. De fato, o crédito rural para o setor florestal (manejo de florestas nativas e reflorestamento) continuou irrisório por causa de várias barreiras, resumidas no Quadro 2. A baixa implementação da regularização fundiária, uma meta do ordenamento fundiário do PPCDAM, também dificultou a execução de atividades de incentivo ao desenvolvimento sustentável (Quadro 3).

Quadro 1. Barreiras às concessões florestais.

Em 2006, o Congresso Nacional aprovou a Lei de Gestão de Florestas Públicas[19] que visa estimular o uso sustentável de florestas públicas por meio de concessões de uso para empresas e comunidades. Os concessionários podem manejar a floresta para produção de madeira, produtos não madeireiros e turismo e devem pagar pela concessão.

As áreas sujeitas a concessões incluem Unidades de Conservação de uso sustentável como Florestas Nacionais e Estaduais (Flonas e Flotas, respectivamente) ou terras públicas ainda não destinadas. Em 2011, Medeiros et al. (2010) estimaram que a exploração madeireira sustentável por meio de concessões em Flonas e Flotas poderia gerar um receita de pelo menos R$ 1,2 bilhão por ano.

Entretanto, o poder concedente só pode conceder o uso de áreas com a regularidade fundiária plena. A falta de regularidade fundiária foi a principal barreira para as concessões florestais, pois o governo ainda não concluiu a regularização da maioria das Unidades de Conservação da Amazônia (Maia et al., 2011). Ademais, falta preparar os planos de manejo de metade das Unidades de Conservação (Veríssimo et al, 2011) sem os quais o governo não pode realizar as concessões.

[19] Lei nº. 11.284/2006.

Quadro 2. Fatores que levam à baixa aplicação do crédito rural no setor fl orestal.

A partir de dados do Banco Central, compilados pelo MPF do Pará, estimamos que entre 1997 e 2009 apenas 0,84% do total de crédito rural subsidiado (R$ 35 bilhões) foi destinado para reflorestamento e manejo florestal no bioma Amazônia. A baixa participação do crédito para atividades florestais no total de financiamentos parece resultar de uma maior prioridade do crédito público para a agropecuária, de dificuldades estruturais dos bancos para operarem no setor florestal e de barreiras intrínsecas do setor. Primeiro, é revelador o fato de os programas para o setor florestal serem relativamente recentes. Por exemplo, em 2001, o Banco da Amazônia criou o Pro-Floresta, que em 2004 tornou-se FNO floresta. A implementação deste programa enfrentou várias barreiras, que ainda não foram sanadas plenamente. Em 2003, Coslovsky (2004) identificou muitos entraves na obtenção de financiamento para o setor florestal através do Banco da Amazônia, entre eles: i) os programas e linhas de crédito eram muito pouco divulgados; ii) havia indefinição do marco legal florestal, como lei de acesso às florestas; iii) demora da análise/aprovação ambiental dos projetos de manejo (Ibama, Sema); iv) escassez de conhecimento técnico do banco para analisar projetos de manejo de floresta; v) incompatibilidade dos projetos economicamente viáveis segundo o porte e taxa de juros adequada; vi) alto custo de transação gerado pelo fato de que apenas poucas empresas credenciadas podem formular os projetos; vii) garantias subavaliadas. A formulação do Programa FNO floresta, em 2004, tratou de parte desses problemas, como o financiamento do inventário florestal e consequentemente a melhor avaliação das garantias de empréstimo. Porém, outras barreiras continuaram. Assim, entre 2004 e 2006 o Banco da Amazônia aplicou somente 1,6% da meta declarada para o FNO Florestal (Banco da Amazônia, 2010).

Os planos recentes de aplicação de recursos do Banco da Amazônia (2008 a 2010) mostram que os gargalos institucio-nais da região – como a demora para aprovar licenças ambientais e a falta de regularização fundiária – ainda são um desafio para a concessão de crédito florestal (Banco da Amazônia, 2010). Entretanto, é relevante notar que o crédito para o setor agropecuário continuou abundante apesar destes problemas, o que indica que parte do crédito tem sido aplicada em fazendas ilegais. A concessão de crédito rural para fazendas ilegais levou o MPF no Pará a iniciar uma ação contra o Banco do Brasil e o Banco da Amazônia por terem emprestado R$ 26 milhões para 92 fazendas com irregularidades ambientais e trabalhistas. Esta ação considerou apenas uma amostra de fazendas dos 10 municípios campeões de desmatamento no estado (MPF/PA, 2011). A ação aguarda uma decisão definitiva da justiça.

Quadro 3. A insegurança fundiária ainda é um problema.

Em geral, as ações de fomento a atividades sustentáveis, como acesso a crédito e a concessões florestais, também têm baixa execução porque dependem da regularização fundiária, que avança lentamente. Milhares de posseiros ocupam gratuitamente milhões de hectares de terras públicas sem títulos de propriedade. Em 2006, o direito de propriedade era indefinido em 32% da região (Barreto et al., 2008a). Para lidar com essa situação, o governo federal criou o programa Terra Legal[20] para titular cerca de 300.000 posses cobrindo 67 milhões de hectares. O programa previa emitir título em até 60 dias. Contudo, até abril de 2011, havia emitido apenas 611 títulos, isto é, cerca de 1% da área total cadastrada pelo programa (Brito & Barreto, 2011). Há ainda outras situações pendentes de regularização fundiária, como assentamentos, Terras Indígenas e Unidades de Conservação, que não avançaram na segunda fase do PPCDAM (Maia et al., 2011).

[20] Lei nº. 11.952/2009, regulamentada pelo Decreto Presidencial nº. 6.992/2009.

 

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Imagem de pasto sujo e subaproveitado no leste do Pará com floresta ao fundo. A Embrapa e o Inpe estimaram que em 2008 cerca de 11 milhões de hectares desmatados na Amazônia estavam nestas condições; uma área equivalente a cerca de metade do estado de Sergipe. Foto: Paulo Barreto.

 

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A pressāo contra o desmatamento tem estimulado alguns produtores a melhorar o uso dessas áreas como mostra a foto no leste do Pará. Na base da foto aparece o solo sendo preparado para a renovação do pasto, que era mal formado e degradado como no trecho no meio da foto. Na porção superior da foto, a floresta intacta. Foto: Paulo Barreto.

 

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Os pastos reformados, usados em sistema de rotação, podem pelo menos dobrar a produtividade da pecuária na região. O sistema de rotação implica em usar cercas para melhorar a divisão dos pastos, disponibilizar água em cada área, treinar os funcionários e adubar o solo. Sem um título defi nitivo de propriedade da terra, muitos produtores temem realizar esses investimentos. Entretanto, o governo federal atingiu apenas 1% da meta de regularização fundiária do programa Terra Legal em 2010 (Brenda & Barreto, 2011). Foto: Paulo Barreto.

Como tentativa de conter a reação à Operação Arco de Fogo, em novembro de 2009 o governo lançou a Operação Arco Verde propondo priorizar e intensificar as ações de fomento a atividades sustentáveis e de regularização fundiária do PPCDAM nos municípios prioritários para combate ao desmatamento. Contudo, as ações da operação padecem das mesmas falhas e limitações anteriores (Maia et al., 2011).

Na segunda fase do PPCDAM, o governo federal lançou o Plano Amazônia Sustentável (PAS), com diretrizes gerais para coordenar o desenvolvimento da Amazônia brasileira em bases sustentáveis. Entretanto, ainda não há uma implementação coerente e integrada dos planos governamentais estratégicos para a região, e sim uma série de políticas setoriais paralelas, lideradas por diferentes ministérios e órgãos federais (Maia et al., 2011). Por exemplo, o governo não considerou o PAS quando lançou o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), cujas obras de infraestrutura podem estimular o desmatamento na região (Seção 6).

O governo federal também buscou novo apoio internacional para financiar seus objetivos. Em 2006, o governo propôs a criação do Fundo Amazônia (FA) durante a XII Conferência da Organização das Nações Unidas sobre Mudanças Climáti-cas (COP-12). Quem doasse ao fundo receberia diplomas equivalentes ao carbono mantido na floresta (desmatamento evitado) precificado em U$5/tonelada de gás carbônico (CO2) equivalente. O governo da Noruega se comprometeu a doar até U$1 bilhão[21]. Daí, o governo criou o FA no segundo semestre de 2008[22] para realizar doações não reembolsáveis para projetos públicos e privados selecionados cujos objetivos se enquadrem no PPCDAM. Vale notar que o FA não remunera proprietários individuais pelos custos de oportunidade associados ao desmatamento evitado. O BNDES foi nomeado gestor do FA, que começou a operar em outubro de 2008, mas os primeiros financiamentos só começaram em 2010. Até 1º de dezembro de 2011, o fun-do havia contratado 17 projetos (R$218,5 milhões) e desembolsado R$66,8 milhões (Fundo Amazônia, 2011). A dificuldade em aumentar o desembolso seria ocasionada pela baixa qualidade das propostas (incluindo a falta de enquadramento de projetos aos objetivos do FA) e pela burocracia excessiva (Ribeiro, 2012).

[21] O BNDES também assinou contratos de promessas de doações com o governo alemão (até 21 milhões de euros) e com a Petrobrás (4,21 milhões de dólares), respectivamente em dezembro de 2010 e outubro de 2011 (Fundo Amazônia, 2011).

[22] Decreto Presidencial nº. 6.527/2008.

 

A reação aos avanços da governança ambiental

 

O sucesso das medidas contra o desmatamento e a baixa execução ou inexistência dos incentivos para o desenvolvimento sustentável (regularização fundiária, capacidade dos órgãos ambientais etc.) favoreceram reações contra as leis e instituições. A reação mais ampla é a proposta em andamento no Congresso Nacional de reforma do Código Florestal, cujo objetivo principal é anistiar parte dos desmatamentos ilegais. Se as anistias forem concedidas, parte dos detentores de terras se sentirá encorajada a continuar desmatando ilegalmente, esperando por novos perdões no futuro.

O Congresso Nacional vinha discutindo várias propostas para mudar o Código Florestal, mas sem muitos avanços. Porém, as medidas recentes mais duras – especialmente a restrição ao crédito, o embargo e um prazo para a averbação da RLF[23] – permitiram consolidar as reações em torno de uma proposta (Projeto de Lei nº. 1876/1999) que foi aprovada pela Câmara dos Deputados[24] em maio de 2011 e pelo Senado em dezembro de 2011[25]. O projeto anistia parte do desmatamento ilegal até 22 de julho de 2008 como os desmatamentos da RLF em propriedades de até quatro módulos fiscais (o que pode chegar a 400 hectares em alguns municípios) e parte do desmatamento da APP ao longo de pequenos rios e de nascentes. No caso das nascentes, a APP deveria ser de 50 metros, mas quem desmatou ilegalmente até julho de 2008 teria que recuperar apenas 30 metros, e no caso da faixa de floresta em torno de rio de até 10 metros de largura, a APP foi reduzida de 30 para 15 metros de largura de floresta. Há indícios de que as promessas de anistia ajudaram a aumentar o desmatamento em alguns estados como trataremos no fim desta seção.

A manutenção de anistias no texto final da lei é incerta, mas a ameaça é significativa. Como o Senado fez algumas mudanças na proposta original da Câmara, os deputados ainda terão de avaliá-la antes de enviar para a sanção presidencial. Alguns deputados ainda querem ampliar as anistias na votação que está marcada para março de 2012 (Souza & Macedo, 2011). Depois disso, o projeto teria que ser sancionado pela Presidente da República. Durante a campanha eleitoral em 2010, a então candidata a presidência prometeu vetar eventuais itensda lei que reduzissem as RLFs e APPs e que anistiassem desmatadores. Porém, mesmo que a presidente cumpra sua promessa, o Congresso Nacional pode rejeitar o veto presidencial.

É notável que o Congresso tenha insistido nas anistias apesar dos alertas e manifestações de vários setores. Ao longo do ano de 2011, cientistas, ambientalistas, técnicos do governo e juristas criticaram duramente a proposta mostrando a falta de base científica das mudanças e os riscos de a anistia incentivar novos desmatamentos. (ABC & SBPC, 2011; MPF, 2011; AJD, 2011; G1, 2011; MMA/Conama, 2010; ANA, 2010). Ademais, uma pesquisa de opinião revelou, em junho de 2011, que 79% dos entrevistados em todo o país eram contra a anistia para quem havia desmatado ilegalmente (Datafolha, 2011). Finalmente, um movimento em defesa das florestas, composto por mais de 200 instituições, obteve, via internet e eventos públicos, cerca de 1,5 milhão de assinaturas da população contra a proposta de mudança do Código Florestal. O movimento entregou as assinaturas ao Presidente do Senado e da Presidência da República em Brasília (Comitê Brasil em Defesa das Florestas e do Desenvolvimento Sustentável, 2011).

A reação antiambiental inclui também a Lei Complementar nº. 140, sancionada em dezembro de 2011, que retirou a competência do Ibama para lavrar autos de infração em áreas licenciadas pelos estados ou municípios. Assim, o órgão, que atualmente é o mais equipado para fiscalizar, ficará impedido de agir, enquanto que governos estaduais e municipais mais sujeitos às pressões locais dificilmente investirão para aumentar a fiscalização.

Ademais, políticos e empresários iniciaram medidas judiciais e mudanças legais para reduzir o tamanho, o grau de proteção ou extinguir Áreas Protegidas. Segundo Araújo e Barreto (2010), até julho de 2010 quase 50.000 quilômetros quadrados de florestas perderam proteção legal por decisão dos poderes legislativo e executivo (estadual e federal). Outros 87.000 quilômetros quadrados estão na mira de projetos de leis federais. As Áreas Protegidas mais visadas são aquelas próximas a áreas de ocupação antiga.

Em 2010, alguns estados da Amazônia se destacaram na aprovação de leis que enfraquecem as medidas de proteção ambiental. O governo de Rondônia desafetou onze Unidades de Conservação (10.825 quilômetros quadrados) – algumas motivadas pela construção de hidrelétricas no rio Madeira – e o governo federal reduziu uma Unidade de Conservação no estado (1.826 quilômetros quadrados) a pedido do governo do estado, em troca da desafetação de Unidades de Conservação estaduais que seriam inundadas pela construção de hidrelétricas no rio Madeira (Araújo & Barreto, 2010).

No Estado de Mato Grosso, em outubro de 2010, o governo adiou para novembro de 2012 o prazo para a adesão ao programa estadual de regularização ambiental (cadastro e licenciamento ambiental) de propriedades rurais (MT Legal)[26]. Esse adiamento enfraqueceu o acordo assinado pelos frigoríficos com o MPF de Mato Grosso, que de modo semelhante ao do Estado do Pará, obriga-os a comprar gado apenas de fazendas que iniciaram a regularização ambiental. Como o acordo do MPF de Mato Grosso vinculou o frigorífico ao prazo de adesão ao MT legal, o seu adiamento desobrigou os frigoríficos a exigirem o cadastramento dos fazendeiros (MPF/MT, 2010). Além disso, em novembro de 2010, a Assembleia Legislativa de Mato Grosso aprovou um Zoneamento Econômico Ecológico (ZEE) que ampliou em 156.000 quilômetros quadrados a área para ocupação agropecuária em zonas que anteriormente seriam dedicadas à conservação (Salomon, 2011). O governo do estado sancionou o ZEE em abril de 2011, mês que coincide com o período de maior desmatamento (Inpe, 2011c).

No início de dezembro de 2011, o governo anunciou estimativa de queda de 11% no desmatamento de 2011 em relação a 2010 (6.238 quilômetros quadrados) (Inpe, 2011a). Porém, houve diferenciação nas taxas dos estados líderes em desmatamento, que indicam o efeito da diferenciação de políticas estaduais. Nos estados em que houve medidas que enfraquecem a proteção ambiental, o desmatamento au-mentou: Rondônia (100%) e Mato Grosso (29%). Segundo o secretário de meio ambiente de Mato Grosso, os proprietários rurais desmataram mais porque esperam ser anistiados e porque acreditam que a reforma do Código Florestal proibirá desmatamentos posteriores (Lourenço, 2011; Salomon, 2011). Por outro lado, no Pará, onde o MPF liderou acordos e aplicação das regras, o desmatamento caiu 24%.

O monitoramento da Moratória da Soja também revelou aumento do cultivo de soja em áreas desmatadas após julho de 2006. No primeiro ano de monitoramento, o Inpe detectou soja em 6.295 hectares desmatados no ano safra 2009/2010. Na safra seguinte (2010/2011), o monitoramento revelou aumento de 86% no cultivo de soja em áreas desmatadas, provavelmente devido ao aumento da área monitorada e a uma conjuntura do mercado favorável (GTS, 2011), além da expectativa de reforma do Código Florestal.

[23] Desde 1989 os proprietários de imóveis rurais eram obrigados a averbar a RLF no registro de imóveis nos cartórios (Lei nº. 7.803/1989), mas faltava estabelecer penas para o descumprimento desta regra. Para forçar a averbação da RLF, o governo estabeleceu multa diária de R$ 50,00 a R$ 500,00 por hectare ou fração da área de RLF para os imóveis sem averbação (Decreto nº. 6.514/2008).

[24] Ver detalhes das principais questões que levaram as propostas de mudança do código florestal em Ellinger & Barreto, 2011.

[25] Parecer nº 1.358/2011 da Comissão Diretora do Senado. Disponível em <http://www.senado.gov.br/atividade/materia/getPDF.asp?t=100771&tp=1>.

[26] Lei Complementar nº. 412/2010, artigo 6º.

Ameaças, limitações e desafios

A meta que o Brasil assumiu no Plano Nacional sobre Mudança do Clima de reduzir 80,5% do desmatamento considerando a média entre 1996 e 2005 (19.625 km2 de acordo com o Inpe) implicaria que em 2020 a taxa deveria atingir no máximo cerca de 3.800 quilômetros quadrados (Brasil, 2009). O reforço das políticas públicas e do mercado permitiu reduzir a taxa para cerca de 7.000 quilômetros quadrados nos últimos três anos. Portanto, para atingir a meta, ainda será necessário intensificar e aperfeiçoar as medidas bem sucedidas e executar outras. Entretanto, as fortes reações em curso e as falhas e insuficiências do PPCDAM deixam dúvida se o país conseguirá cumprir sua meta. A seguir discutiremos as principais ameaças, limitações e desafios para continuar a redução do desmatamento da Amazônia.

Permanência de ameaças. Algumas ameaças à floresta tenderão a continuar expressivas nos próximos anos por causa do mercado e de políticas públicas anunciadas. O mercado e, consequentemente, o preço de mercadorias agrícolas tendem a aumentar pelo menos até 2020 por causa do crescimento de países emergentes segundo a OECD/FAO (2010). Por exemplo, a OECD/FAO (2010) estima um crescimento de 23% no consumo mundial de carne bovina até 2019 em comparação com 2007-2009.

As obras em andamento e projetadas do PAC como hidrelétricas e asfaltamento de rodovias na Amazônia estimulam a imigração que tem sido associada ao desmatamento (Ver Barreto et al. (2011) para o caso da hidrelétrica de Belo Monte e Hayashi et al. (2011) para o desmatamento na região das hidrelétricas de Jirau e Madeira em Porto Velho, Rondônia). Até 2016, o governo prevê construir 15 hidrelétricas na região (Brasil, 2010). Além da imigração, essas obras podem estimular ainda mais o desmatamento considerando que o governo tem reduzido Unidades de Conservação para facilitar sua implementação (Brasil, 2012). Embora o governo tenha prometido compensar a redução dessas áreas com a criação de outra Unidade de Conservação (ICMBio, 2012), até a conclusão desta análise a compensação não ocorreu. Da mesma forma, ainda não foram criadas as Áreas Protegidas propostas (Ver Barreto et al., 2011) para mitigar o desmatamento na região da hidrelétrica de Belo Monte.

O desmatamento associado a pequenos produtores. A participação percentual dos desmatamentos menores tem aumentado no total. Por exemplo, em 2002, os pequenos polígonos perfaziam 20% do corte raso; em 2009, concentravam mais de 60% do mesmo (Maia et al., 2011). Esta situação era esperada, pois o governo tem isentado a maioria dos pequenos proprietários e posseiros da fiscalização e das restrições de crédito. Essas exceções são plausíveis considerando os custos sociais e políticos de impor restrições a populaçõespobres, mas aumentam o risco de desmatamento acima da meta. Uma simulação simples ilustra o risco. Em 2006, havia cerca de 460 mil pequenos produtores rurais na Amazônia Legal (desde cinco até menos de 200 hectares) segundo o IBGE (2006)[27]. Se cada um deles desmatasse um hectare anualmente, o desmatamento anual atingiria pelo menos 4.600 quilômetros quadrados, que equivalem a 65% da taxa atual e percentual 21% acima da meta para 2020. Dados os custos políticos e sociais de impor o controle, a redução do desmatamento realizado pelos pequenos produtores depende de incentivos que até agora têm sido limitados, como discutido na seção 4. Entretanto, o governo ainda não demonstrou que está disposto a criar novos incentivos robustos. Por exemplo, o governo ainda não se manifestou sobre os itens da proposta de reforma do Código Florestal que autorizam o executivo a criar incentivos à preservação e recuperação ambiental.

O risco moral e a impunidade. Caso o governo federal sancione a proposta do novo Código Florestal que perdoa parte dos desmatamentos ilegais realizados até julho de 2008 criará uma situação de risco moral. Parte dos detentores de terras se sentirá encorajada a continuar desmatando ilegalmente, esperando por novos perdões no futuro. Para evitar esse risco, a Presidente teria que vetar os perdões, ou se sancioná-los, deveria estar pronta para punir rapidamente novos desmatamentos ilegais. Entretanto, apesar das melhorias no controle, a capacidade de aplicar penas é ainda limitada. Entre 2008 e 2010, o Ibama recolheu 0,3% do valor das multas, tornando o instituto o campeão de ineficácia neste item entre 17 instituições federais de regulação e fiscalização (TCU, 2011).

Os custos de transação da regularização ambiental. A pressão ambiental fez com que parte dos produtores buscasse a regularização ambiental e fundiária como no exemplo do aumento do cadastramento no CAR no Pará. Entretanto, a baixa capacidade dos órgãos públicos para responder a essas demandas e procedimentos complexos de regularização aumenta os custos de transação para os produtores rurais. Por sua vez, esses custos reforçam as iniciativas para enfraquecer as leis ambientais (por exemplo, as mudanças no Código Florestal). Para reduzir os custos de regularização seriam necessários investimentos e melhoria na gestão (simplificação de procedimentos, transparência etc.). Como é improvável que o governo invista pesadamente nos órgãos ambientais diante de tantas outras prioridades como saúde e educação, será essencial aumentar rapidamente a eficiência da gestão ambiental e fundiária na região. O governo do Pará está discutindo como simplificar os procedimentos de regularização. Contudo, inexiste um esforço regional e nacional para avançar nesta direção.

A falta de um acordo global sobre mudanças climáticas. Há vários anos tem sido discutido no âmbito das negociações climáticas o apoio internacional para compensar os países em desenvolvimento pela redução de emissões de desmatamento e degradação florestal (REDD). Entretanto, um eventual acordo global com recursos definidos, se ocorrer, tende a demorar até 2020[28]. Outras iniciativas nacionais e subnacionais podem apoiar REDD, como a do Estado da Califórnia (Califórnia, 2006) nos Estados Unidos e a da Austrália (Austrália, 2011), além da Noruega que apoia o Fundo Amazônia. No entanto, essas iniciativas pontuais são insuficientes para custear REDD globalmente[29]. Assim, é improvável que o Brasil conte com ajuda internacional suficiente para cobrir todos os custos de atingir sua meta de redução do desmatamento até 2020. Portanto, para atingir suas metas, o Brasil terá que usar mais eficientemente os recursos próprios, como por exemplo, evitar que o crédito rural subsidiado para a agropecuária da região (que somou R$3,5 bilhões em 2009) estimule o desmatamento.

[27] Segundo o IBGE, havia outros cerca de 180 mil pequenos imóveis rurais abaixo de cinco hectares. Desconsideramos o risco de desmatamento nessas áreas considerando que a maior parte desses imóveis provavelmente já está totalmente desmatada.

[28] Em Dezembro de 2011, na XVII Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP-17), em Durban, os países prorrogaram o Protocolo de Kyoto até 2017 e decidiram negociar um novo acordo até 2015 que estabeleça metas de redução de gases de efeito estufa para países desenvolvidos e em desenvolvimento, com vínculo legal, e que se torne operacional até 2020. Os países acordaram também a estrutura administrativa do Fundo Verde do Clima, que faz parte do compromisso assumido na COP-16 pelos países desenvolvidos de mobilizar U$ 100 bilhões anuais até 2020 para ações de mitigação e adaptação em países em desenvolvimento. Entretanto, as fontes específicas dos recursos ainda são indefinidas (UNFCCC, 2011).

[29] Por exemplo, Eliasch (2008) compilou estimativas de que para reduzir 50% das emissões florestais globais até 2030 usando mercado de carbono seria necessário gastar entre 17-33 bilhões de libras esterlinas por ano (equivalentes a 26,4 e 51,4 bilhões de dólares, respectivamente).

 

Conclusão

 

O Brasil vem tentando controlar o desmatamento da Amazônia desde a década de 1980. Porém, as políticas iniciais foram falhas, insuficientes e muitas vezes contraditórias. Como resultado, a taxa de desmatamento continuou muito influenciada pela variação de preços de gado e soja e por incentivos do próprio governo (como o crédito rural).

À medida que a devastação aumentou e outras preocupações ambientais entraram em cena na última década, especialmente as mudanças climáticas, o governo foi pressionado a melhorar suas políticas contra o desmatamento (criação de Áreas Protegidas, confisco de bens, prisões, embargos econômicos). Além disso, a sociedade civil e o Ministério Público realizaram ações contra os principais agentes das cadeias de negócios envolvidas no desmatamento, como os frigoríficos e comerciantes de soja. Tais agentes passaram a restringir o mercado para produtos oriundos de áreas desmatadas ilegalmente. Esses fatores, associados à redução de preços de mercadorias agrícolas entre 2005 e 2006, contribuíram para o início da tendência de queda. Em 2008, o desmatamento continuou a cair apesar do aumento de preços da soja e gado, mostrando que o aperfeiçoamento das políticas públicas e a continuação da pressão do mercado foram efetivos (especialmente o envolvimento dos setores da soja e da carne). Depois, o desmatamento caiu ajudado pela continuação das políticas e da redução de preços agropecuários entre 2009 e 2010.

Contudo, a taxa de desmatamento nos últimos três anos se estabilizou em torno de 7.000 quilômetros quadrados revelando que os fatores de risco continuam. Ainda há estímulos à derrubada de florestas (como o crédito subsidiado e a demanda por produtos agropecuários e madeira sem restrições ambientais), amplas áreas de floresta continuam legalmente desprotegidas e as medidas de controle ainda são insuficientes e falhas. Ademais, as reações às políticas recentes (como anistias a parte do desmatamento da proposta de novo Código Florestal) e os investimentos do PAC podem tornar as florestas ainda mais vulneráveis. A situação tem sido agravada pela incapacidade do governo de reorientar os investimentos públicos para atividades mais sustentáveis em florestas e nas áreas já desmatadas (Seção 4).

Para reduzir o desmatamento para cerca de 3.800 quilômetros quadrados/ano conforme a meta até 2020, o Brasil teria que concomitantemente barrar as propostas de enfraquecimento das leis ambientais e corrigir as falhas das políticas atuais e implementar outras. A revisão que fizemos neste trabalho indica que estas duas tarefas tenderão a ser mais difíceis do que o que foi feito até agora. Por exemplo, uma parte substancial do desmatamento restante está associada a pequenos produtores contra os quais é difícil impor controles sem as contrapartidas de incentivos. Será necessário criar esses incentivos e aplicá-los adequadamente. Ao mesmo tempo será necessário acelerar a regularização fundiária sem a qual será difícil fazer uma transição para uma economia mais sustentável. A revisão do PPCDAM mostra que setores chaves para realizar esta transformação, como o Ministério da Agricultura e Pecuária, o Ministério do Desenvolvimento Agrário e os aspectos de fomentos associados ao Ministério do Meio Ambiente, têm sido incapazes de cumprir satisfatoriamente boa parte das suas tarefas estabelecidas no plano.

Caberá às autoridades que coordenam o plano, à Casa Civil da Presidência da República, e em última instância, à Presidente, fazer as metas serem cumpridas. É relevante lembrar que a experiência recente do Brasil mostra que o atingimento de metas governamentais complexas, como foi o exemplo do controle da inflação, demandam um forte compromisso das autoridades de alto nível, como o presidente. Tais autoridades formais precisam de apoio para vencer as resistências.

De onde viria o apoio para continuar as políticas contra o desmatamento? Como mostramos nesta revisão, as justificativas e compromissos para combater o desmatamento têm sido vocalizados por amplos setores no Brasil, como cientistas, diretores de grandes empresas e entidades de classe empresarial (por exemplo, a associação dos supermercados), políticos, importantes investidores (BNDES, seja via suas regras para o financiamento de frigorífico, seja pela gestão do Fundo Amazônia) e por iniciativas da sociedade civil e pesquisas de opinião pública. Até mesmo o Congresso Nacional, que está propondo anistias a parte do desmatamento ilegal no Código Florestal, autorizou, na sua proposta de reforma, que o Poder Executivo crie incentivos econômicos à conservação e restauração florestais, um dos itens que menos avançaram no plano federal de combate ao desmatamento (PPCDAM).

As manifestações de vários setores indicam que tem se consolidado a compreensão de que o desmatamento é negativo em termos econômicos e ambientais. Ademais, indicam que se consolidou a compreensão de que o desmatamento pode ser zerado ao mesmo tempo que a produção agropecuária pode aumentar nos milhões de hectares desmatados subutilizados – em 2008 eram 11 milhões de hectares de pasto subutilizados somente na Amazônia (Embrapa/Inpe, 2011). Portanto, os responsáveis pelas políticas contra o desmatamento podem mobilizar uma ampla base de apoio nacional para atingir a meta até 2020 e até atingir o desmatamento próximo de zero. A meta é para 2020, mas decisões devem ser tomadas agora. As decisões dos líderes do Executivo e do Congresso na fase final de revisão do PPCDAM (previsto para abril deste ano) e do Código Florestal (previsto para março deste ano) indicarão se o compromisso brasileiro contra o desmatamento será sustentável.

 

Anexo I. Ação civil pública contra a pecuária ilegal no Acre.

 

Em abril de 2011, o Ministério Público Federal no Acre (MPF/AC), o Ministério Público do Estado do Acre (MPE/AC) e o Ministério Público do Trabalho no Acre (MPT/AC) entraram com ação civil pública (ACP nº 2212-64.2011.4.01.3000) na Justiça Federal contra 14 frigoríficos e o Ibama para impedir o comércio de carne ilegal no estado. A ação visa cobrar R$ 2 bilhões – entre multas e dano moral ambiental e social – dos frigoríficos e obrigar o Ibama a fiscalizar as áreas embargadas por desmatamento ilegal e a impor aos frigoríficos e matadouros as multas previstas na legislação. Até outubro 2011, oito frigoríficos já haviam assinado acordos judiciais comprometendo-se a não adquirir gado de fazendas com irregularidades socioambientais (MPF/AC, 2011a). Pelo acordo judicial, entre o dia 1º de maio de 2012 e o dia 1º de setembro de 2012, os frigoríficos só poderão adquirir gado oriundo de fazendas que apresentarem o CAR ou a LAR (ao menos um dos dois). A partir do dia 2 de setembro de 2012, as fazendas serão obrigadas a apresentarem o CAR e a LAR (cumulativamente) para negociarem com os frigoríficos (MPF/AC, MPT/AC, MPE/AC, 2011).

Em abril de 2011, o MPF no Acre também oficiou aos maiores supermercados e redes varejistas que comercializam carne no Estado, além de redes nacionais de supermercados potenciais compradoras de carne da região, para que informem se são abastecidos por algum dos 14 frigoríficos recentemente acionados por comercializarem carne oriunda de áreas embargadas por desmatamento ilegal ou com processo por prática de trabalho semelhante ao escravo. No ofício, as empresas são alertadas que comercializar carne oriunda de área embargada por órgão ambiental sujeita o comprador ou vendedor à multa prevista no art. 54 do Decreto nº. 6.514/2008, no valor de R$ 500,00 por quilo de produto comercializado indevidamente (MPF/AC, 2011a).

 

 


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