Resumo
As Unidades de Conservação cobrem 22% da Amazônia Legal e são uma estratégia eficaz para conservar animais, plantas e serviços ambientais, conter o desmatamento e manter o equilíbrio climático do Planeta. Contudo, as taxas de desmatamento em UCs vêm aumentando – em 2015 já superava a de 2012 em 79% –, assim como sua participação no desmatamento total da Amazônia, que passou de 6% em 2008 para 12% em 2015. Como consequência do desmatamento de 237,3 mil hectares em UCs entre 2012 e 2015, que equivalem a R$ 344 milhões em terras apropriadas, aproximadamente 136 milhões de árvores foram destruídas, causando a morte ou o deslocamento de aproximadamente 4,2 milhões de aves e 137 mil macacos. Ademais, estimamos que a queima da vegetação nessa área desmatada tenha emitido 119 milhões de toneladas de gás carbônico equivalente por ano – que se compara às emissões de 80% da frota de automóveis do Brasil em setembro de 2016; e que esse desmatamento tenha gerado uma renda bruta de R$ 300 milhões com a venda da madeira (valor da madeira em pé), criando um enorme potencial de investimento no desmatamento.
Nesse contexto, identificamos as 50 UCs mais desmatadas entre 2012 e 2015 na Amazônia Legal, que representam apenas 16% do total de UCs da região. Juntas, elas perderam 229,9 mil hectares de floresta, isto é, 97% da área desmatada em UCs entre 2012 e 2015. Essas UCs críticas em desmatamento estão em área de expansão da fronteira agropecuária e sob influência de projetos de infraestrutura, como rodovias, hidrovias, portos e hidrelétricas. Os estados do Pará e de Rondônia concentraram a maior parte do desmatamento detectado no período, 49,8% e 38,9%, respectivamente. As UCs federais estão em maior número no ranking (27), mas as estaduais apresentaram maior área desmatada (68%).
As 10 primeiras posições do ranking concentraram 79% do total desmatado dentro de UCs da Amazônia Legal entre 2012 e 2015 e 82% do total desmatado no ranking. As Áreas de Proteção Ambiental (APA) ocupam cinco das 10 primeiras posições. Elas visam conciliar a ocupação humana com a proteção ambiental, mas isso não é possível sem instrumentos de gestão. Entre as UCs estaduais, destacamos a APA Triunfo do Xingu, que é a UC mais desmatada da Amazônia Legal. Entre as UCs federais, a Flona Jamanxim é a mais desmatada e está na 3ª posição do ranking.
A vulnerabilidade dessas áreas decorre de falhas sistêmicas do poder público, que tem o dever de protegê-las. Entre essas vulnerabilidades, destacamos: i) a estratégia errática e limitada do governo, que consiste em mudar regras e enfraquecer a legislação ambiental conforme interesses de momento e em tolerar o desmatamento ilegal até 2030; ii) os escassos recursos humanos para gestão e a preocupante tendência de redução no número de analistas ambientais federais lotados na Amazônia, de 40% no ICMBio (2010-2016) e de 33% no Ibama (2009-2015); iii) os recursos financeiros insuficientes para realizar os investimentos necessários à implementação das UCs – somente as 16 UCs federais críticas deste estudo precisariam de R$ 10,6 milhões anuais, valor 3,26 vezes maior do que a média de recursos de investimento do ICMBio entre 2014 e 2016 para todo o país e 3,42 vezes maior do que o projetado para 2017; iv) a ineficácia na execução, que se revela na baixa aplicação de recursos financeiros disponíveis. Por exemplo, entre 2009 e 2014, o ICMBio executou apenas 35% dos R$ 218 milhões recebidos para compensação ambiental; na morosidade no combate a ocupações irregulares, que causa danos ambientais e sociais; e na baixa punição de criminosos ambientais e fundiários.
Para zerar o desmatamento e garantir uma proteção efetiva dessas áreas no longo prazo, será necessário construir uma estratégia consistente, aportar recursos humanos e financeiros e melhorar a eficácia da sua execução. Mas é improvável que a liderança para executar essas tarefas venha isoladamente do poder público, pois parte dele age claramente contra o interesse público. A proteção e uso sustentável das UCs demandará também um envolvimento vigoroso e contínuo de vários setores da sociedade, setor privado e comunidade internacional. Há potencial para um envolvimento mais forte pela conservação no Brasil, pois 91% dos brasileiros são favoráveis à conservação florestal e outros 91% dos brasileiros se orgulham do país, motivados, em grande medida, pelas riquezas e belezas naturais. Concluímos explorando oportunidades para esse engajamento em torno de três objetivos:
Garantir proteção imediata das áreas mais críticas e de suas populações. É necessário proteger as populações locais da Amazônia, como indígenas e seringueiros, que lutaram e lutam pela criação e manutenção de áreas protegidas. Vários atores, além da polícia, poderiam contribuir para isso. ONGs socioambientais, governos e doadores internacionais e nacionais poderiam ampliar o apoio a essas populações e à implementação das áreas com base nas experiências do PPG7 (Programa de Proteção das Florestas Tropicais do G7) e do Arpa (Programa Áreas Protegidas da Amazônia), que permitiram a criação de dezenas de milhões de hectares de áreas protegidas na Amazônia. Além disso, também poderiam apoiar a implementação de longo prazo de UCs, como o Arpa visa fazer. Líderes religiosos e seus seguidores poderiam intensificar o apoio à conservação com base na Carta Encíclica do Papa Francisco, que clama pela conservação da floresta como parte do esforço para cuidar da casa comum (o Planeta). Forças militares poderiam intensificar sua atuação no combate ao desmatamento e à grilagem de terras públicas nas áreas de maior conflito. Além disso, o Ministério Público e os Tribunais de Contas poderiam responsabilizar os gestores públicos que reduzem a área ou o grau de proteção de UCs para atender a demandas de ocupantes ilegais que esbulham o patrimônio público, com base na Lei de Responsabilidade do Presidente da República e dos Ministros de Estado e na Lei de Improbidade Administrativa.
Bloquear a demanda e o financiamento do desmatamento ilegal. É preciso aumentar a pressão contra as empresas para que elas melhorem e ampliem seus compromissos em favor da sustentabilidade. Para isso, o Ministério Público e os órgãos ambientais poderiam ampliar a responsabilização das empresas que compram produtos oriundos de áreas desmatadas ilegalmente e das que financiam tais atividades; também poderiam monitorar a implementação da Resolução nº 4.327/2014, que demanda que instituições financeiras estabeleçam e implementem a Política de Responsabilidade Socioambiental (PRSA). Campanhas de ONGs e reportagens investigativas sobre empresas que descumprem as leis poderiam fortalecer essas ações de responsabilização e proteger da competição injusta as empresas que cumprem as leis e os acordos. Além de boicotar a produção ilegal, é essencial estimular a produção sustentável nas áreas já desmatadas fora das UCs. Contudo, o crédito público direcionado exclusivamente para as práticas mais sustentáveis no Brasil (Programa ABC – agricultura de baixo carbono) representará apenas 1,6% do total do crédito rural do país no Plano Safra 2016-2017. Mas o setor financeiro poderia ajudar a ampliar a escala das iniciativas de produção sustentável ao se engajar mais fortemente com governos, produtores e parceiros das cadeias de suprimento (como traders, frigoríficos, redes de supermercados) para identificar as oportunidades e eliminar as barreiras.
Assegurar a sustentabilidade no longo prazo das Unidades de Conservação. Várias abordagens poderiam sustentar a conservação no longo prazo. O envolvimento tenderá a ser mais forte quando envolver experiências sensoriais e emocionais, como o turismo, expedições educacionais, eventos artísticos e esportivos. Tais atividades poderiam fortalecer a economia regional e criar um ciclo virtuoso – as UCs aumentariam o turismo que, por sua vez, aumentaria o desejo de conservar. Estima-se que o turismo em UCs já movimenta aproximadamente R$ 4 bilhões por ano, gera 43 mil empregos e agrega R$ 1,5 bilhão ao Produto Interno Bruto (PIB). Essa abordagem poderia juntar interesses ambientais, culturais e comerciais, de modo semelhante à experiência norte-americana com a criação de parques nacionais. Além de benefícios locais, a pesquisa científica mostra que conservar a Amazônia é estratégico para o desenvolvimento do país por causa das suas contribuições para a formação de chuvas que abastecem a agricultura, as hidrelétricas e o consumo industrial do Centro Sul do país. Para engajar líderes nacionais que desconhecem a Amazônia, cientistas, educadores e outros profissionais poderiam desenvolver programas que combinam a apresentação das evidências científicas sobre a Amazônia com as experiências sensoriais e emocionais por meio de visitas de campo e outros meios (espetáculos, filmes etc.).
1. Introdução
Em 2015, havia na Amazônia Legal 315 Unidades de Conservação (UCs), cobrindo 112,6 milhões de hectares[1] ou 22% da região (ISA, 2015a). Essas áreas, juntamente com as Terras Indígenas e o restante de florestas públicas e privadas da região, contribuem para a formação de chuvas no Centro Sul do país, que são essenciais para a geração de energia, a produção agropecuária e para o consumo industrial e doméstico de grandes cidades (Nobre, 2014). Essas UCs, associadas às Terras Indígenas (TIs) reconhecidas, foram responsáveis pela redução de 37% no desmatamento verificado entre 2004 e 2006 (Soares-Filho, B. et al, 2010) na Amazônia Legal. As UCs também contribuíram para reduzir em 84% o desmatamento em 2012 comparado a 2004, ano de início do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAM)[2]. O desmatamento evitado nesse período reduziu 56% das emissões de gases do efeito estufa (GEE) (SEEG/OC, 2016). Além disso, estima-se que entre 2001 e 2012 até 1.700 vidas foram salvas por ano na América do Sul, graças à redução de poluentes na atmosfera pela redução do desmatamento e de queimadas associadas na Amazônia brasileira (Reddington et al, 2015).
Apesar da importância das UCs para o Brasil, em 2013, uma auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU) e dos Tribunais de Contas dos Estados (TCEs) da Amazônia Legal revelou que 96% das UCs da região tinham baixo ou médio grau de implementação. Isto significa que as UCs não possuíam os instrumentos necessários e os recursos suficientes para sua gestão e não eram utilizadas para as finalidades previstas, como pesquisa e turismo (TCU, 2013). Os Tribunais de Contas então recomendaram aos governos estaduais e federal que apresentassem planos de ação para implementar as UCs. Todavia, uma análise recente desses planos indicou que são fracos e insuficientes para solucionar o problema (Araújo et al, 2016).
A baixa implementação, sobretudo no que se refere a questões territoriais, deixa as UCs vulneráveis às ameaças. Ocupantes ilegais exploram a madeira e a terra de forma predatória e lutam pela revogação ou redução de tamanho ou de grau de proteção de algumas UCs via ações judiciais ou pressão política (Araújo & Barreto, 2010; Martins et al, 2014). Entre 1995 e 2013, os poderes Executivo e Legislativo reduziram 2,9 milhões de hectares de UCs na Amazônia (Martins et al, 2014). Ocupações irregulares e planos para a construção de hidrelétricas têm sido as razões mais frequentes para a alteração de UCs na Amazônia e no Brasil (Pack et al, 2016; Martins et al, 2014; Bernard et al, 2014).
Diante desse quadro, realizamos este estudo com o objetivo de demonstrar a situação crítica de desmatamento de algumas UCs da Amazônia e, assim, contribuir com informações relevantes que possam ajudar o Brasil a proteger esse patrimônio que vem sendo dilapidado. Inicialmente, apresentamos a tendência de desmatamento nas UCs desde 2008 e atualizamos o ranking das 50 UCs mais desmatadas na Amazônia Legal entre 2012 e 2015. Em seguida, identificamos as causas imediatas do desmatamento e as pressões e riscos de redução, recategorização (para menor proteção) ou revogação para as 10 primeiras posições no ranking, que, juntas, concentram 79% do total desmatado em UCs no período. Por fim, identificamos os atores e as medidas que podem garantir a proteção efetiva das UCs e sua sustentabilidade no longo prazo, considerando as boas práticas e lições nacionais e internacionais.
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[1] Para o cálculo da área coberta por UCs na Amazônia Legal, descontamos as sobreposições entre UCs estaduais e federais e entre estas e TIs.
[2] O PPCDAm tem como objetivos reduzir de forma contínua e consistente o desmatamento e criar as condições para se estabelecer um modelo de desenvolvimento sustentável na Amazônia Legal. As ações do plano estão articuladas em três eixos temáticos: i) ordenamento fundiário e territorial; ii) monitoramento e controle ambiental; e iii) fomento às atividades produtivas sustentáveis (MMA, 2013).
2. Tendência do desmatamento nas Unidades de Conservação da Amazônia
A participação percentual do desmatamento em UCs no total desmatado na Amazônia Legal dobrou de 6% para 12% entre 2008 e 2015 (Figura 1). Essa tendência indica um declínio mais severo dos esforços contra o desmatamento nas áreas que deveriam receber mais atenção.
De acordo com o Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite (Prodes), o desmatamento em UCs em 2015 foi 79% maior do que em 2012, ano em que o Brasil atingiu a menor taxa de desmatamento de sua série histórica (Figura 1). Entre 2012 e 2015, 237,3 mil hectares foram desmatados em UCs na Amazônia (Inpe, 2016), destruindo aproximadamente 136 milhões de árvores e causando a morte ou o deslocamento de aproximadamente 4,2 milhões de aves e 137 mil macacos[3]. Estimamos que nesse período a queima da vegetação nessa área desmatada tenha resultado na emissão de 119 milhões de toneladas de gás carbônico equivalente por ano. Esse valor se compara às emissões anuais de gás carbônico por 41 milhões de automóveis ou 80% da frota de automóveis do Brasil[4].
Os ocupantes das áreas desmatadas entre 2012 e 2015 podem ter obtido uma renda bruta de R$ 300 milhões com a venda da madeira, considerando o valor da madeira em pé[5], o que criou um enorme potencial de investimento no desmatamento. Além disso, eles se apossaram de um patrimônio em terras no valor de R$ 344 milhões, somente considerando o valor de mercado das áreas desmatadas nesse período[6].
Figura 1. Taxas de desmatamento nas Unidades de Conservação da Amazônia Legal entre 2008 e 2015 e sua participação (%) no total do desmatamento na região
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[3] Estimativa com base nas médias de densidade de árvores e animais compilados por Vieira et al (2005).
[4] Nossa estimativa considerou a emissão média de gases do efeito estufa na queima de um hectare de floresta e a emissão média dos veículos leves e o tamanho da frota brasileira. A frota de automóveis no Brasil em setembro de 2016 era de 50.902.511 de acordo com o Departamento Nacional de Trânsito (Fonte: http://www.denatran.gov.br/index.php/estatistica/261-frota-2016).
[5] Para esta estimativa consideramos o potencial de explorar em média 25 metros cúbicos de madeira por hectare e o preço médio da madeira em pé (árvore na floresta) de R$ 41,47, encontrado por Santana et al (2012), e a correção do valor total pelo IGP-M (FGV) para o período de dezembro de 2012 a dezembro de 2015.
[6] Obtivemos o valor de mercado das terras em Agrianual (2015).
2.1 As 50 Unidades de Conservação mais desmatadas da Amazônia Legal
Para ajudar a concentrar os esforços de fiscalização e combate ao desmatamento em UCs da Amazônia Legal, identificamos as 50 mais desmatadas entre 2012 e 2015, que representam apenas 16% do total de UCs da região. Juntas, elas perderam 229,9 mil hectares de floresta, o equivalente a 97% da área desmatada em UCs da Amazônia nesse período (Figura 2). Essas 50 UCs críticas em desmatamento estão em área de expansão da fronteira agropecuária e sob influência de projetos de infraestrutura como rodovias, hidrovias, portos e hidrelétricas. Veja o ranking na Figura 3.
Figura 2. Mapa das 50 Unidades de Conservação mais desmatadas da Amazônia Legal entre 2012 e 2015
Figura 3. Ranking das 50 Unidades de Conservação mais desmatadas na Amazônia Legal entre 2012 e 2015
As 50 UCs críticas estão em oito dos nove estados da Amazônia Legal. Os estados do Pará e de Rondônia concentraram a maior parte do desmatamento detectado: respectivamente 49,8% e 38,9% (Figura 4). As UCs sob gestão federal estão em maior número no ranking (27), mas as estaduais apresentaram a maior área desmatada (68%), conforme mostra a Figura 5.
Figura 4. Distribuição percentual do desmatamento, por estado, nas 50 Unidades de Conservação críticas da Amazônia Legal entre 2012 e 2015
Figura 5. Distribuição do desmatamento (ha), por gestão e estado, nas 50 Unidades de Conservação críticas da Amazônia Legal entre 2012 e 2015
Noventa e quatro por cento do desmatamento se concentrou em 42 UCs de uso sustentável – que permitem atividades extrativas, como exploração de madeira e até a presença de imóveis rurais. Nesse grupo, as categorias que mais sofreram desmatamento foram: APA, com 42,4%; Floresta Nacional/Estadual (Flona/Flota), com 21,1%; e Reserva Extrativista (Resex), com 16,6% (Figura 6). No grupo de proteção integral – que permite apenas atividades com uso indireto dos recursos naturais, como pesquisa e turismo – estavam oito UCs, que responderam por apenas 6% do total desmatado.
Entre as UCs críticas, somente APAs e Áreas de Relevante Interesse Ecológico (Arie) permitem ocupantes não tradicionais em propriedades privadas, como fazendas de gado. Já as Flonas, Flotas, Florex e Resex permitem apenas populações tradicionais[7] em seu interior, pois as terras são de domínio público. Os Parnas e Parques Estaduais (PES), as Reservas Biológicas (Rebio) e as Estações Ecológicas (Esec) não permitem qualquer ocupação humana[8]. Contudo, várias UCs de diferentes categorias enfrentam ocupações irregulares, seja porque foram criadas em áreas previamente ocupadas ou porque foram invadidas.
A maioria das UCs críticas apresenta baixo (42%) ou médio (44%) grau de implementação na avaliação dos Tribunais de Contas (TCU, 2013) e apenas quatro possuem alto grau de implementação. Dentre as 50 UCs mais desmatadas, 28% não possuem conselho gestor e 56% não possuem plano de manejo.
Figura 6. Categorias de Unidades de Conservação mais desmatadas da Amazônia Legal no ranking 2012 – 2015
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[7] Por populações tradicionais nos referimos aos povos e comunidades tradicionais que são grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, possuem formas próprias de organização social, ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição. Definição do art. 3º do Decreto
nº. 6.040/2007, que instituiu a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais.
[8] O Ministério Público Federal defende a permanência de populações tradicionais nas categorias de UC de proteção integral e propõe a gestão compartilhada de territórios e recursos que são comuns aos interesses dessas populações e aos da conservação ambiental (MPF/6ªCCR, 2014).
3. As 10 UCs mais desmatadas da Amazônia Legal (2012-2015)
As 10 primeiras posições no ranking concentraram 79% do total desmatado dentro de UCs da Amazônia Legal entre 2012 e 2015 e 82% do total desmatado no ranking das 50 UCs (Figura 7). Oito delas apresentaram tendência de aumento da taxa anual de desmatamento e duas, de redução, conforme demonstram os gráficos nas subseções dedicadas a cada UC. É interessante notar que essas UCs se mantiveram nas dez primeiras posições em relação ao ranking anterior (2012-2014), sendo que cinco subiram, duas caíram e três mantiveram suas posições.
Todas as 10 UCs são de uso sustentável e estão distribuídas em três categorias de proteção, considerando que Florex e Resex têm a mesma finalidade: cinco APAs, que visam disciplinar o processo de ocupação não tradicional e assegurar a sustentabilidade do uso dos recursos naturais; três Florex/Resex, que visam assegurar o território utilizado por populações extrativistas tradicionais, as quais manejam os recursos florestais madeireiros e não madeireiros; e duas Flonas, que visam ao manejo sustentável de florestas nativas. A baixa governança para atingir os objetivos de criação dessas UCs explica suas altas taxas de desmatamento.
A seguir, apresentamos mapas e gráficos de desmatamento entre 2012 e 2015 para cada uma das 10 UCs mais críticas, por ordem decrescente no ranking, e avaliamos as causas do desmatamento, as pressões e os riscos a que estão sujeitas para redução no tamanho ou no grau de proteção. Também apresentamos mapas do Cadastro Ambiental Rural (CAR) para as UCs do estado do Pará, conforme dados disponíveis em fevereiro de 2016.
Figura 7. As 10 Unidades de Conservação mais desmatadas da Amazônia Legal entre 2012 e 2015
3.1 Área de Proteção Ambiental Triunfo do Xingu
A APA Triunfo do Xingu é a UC mais desmatada da Amazônia, concentrando 20% do total desmatado nas 50 UCs críticas (Figura 8). Desde 2012, sua taxa de desmatamento vem aumentando (Figura 9). A ocupação irregular de terra pública é uma das principais causas de desmatamento na UC, pois este é usado para caracterizar a posse. Ocupações irregulares já se espalham por toda a extensão da UC (Figura 10), pois não existe um plano de manejo que indique as áreas que devem ser destinadas à preservação de recursos e serviços ambientais e que, portanto, não podem ser ocupadas; e nem um levantamento fundiário para orientar a regularização fundiária da UC e de suas ocupações. Por outro lado, o fato de mais de 80% do seu território estar registrado no CAR (Figura 10) deveria inibir o desmatamento ilegal, uma vez que o CAR permite a identificação de quem se diz dono da área e o monitoramento remoto da cobertura florestal. Entretanto, é importante ressaltar que existem muitos registros fraudulentos no CAR, realizados com CPF de pessoas que não estão na área[9], o que dificulta a responsabilização por desmatamentos ilegais.
O órgão estadual de terras no Pará (Iterpa) se recusa a regularizar as ocupações da UC porque alega não poder intervir sem um plano de manejo ou outro instrumento de gestão que regule seu uso e ocupação[10]. Ademais, em 2015, numa reunião do conselho gestor da UC, ficou claro que os ocupantes de grandes extensões de terra não estavam interessados na regularização, pois não estavam dispostos a pagar pela terra pública que ocupavam (Ideflor-bio, 2015a). Este é o caso do representante do Sindicato dos Produtores Rurais de São Félix do Xingu, que afirmou que não pretendia pagar pelos 125 mil hectares que ocupava na área.
A UC possui uma equipe gestora de quatro pessoas, que também gere outras três UCs, totalizando 2,1 milhões de hectares. Segundo a equipe[11], a fiscalização da UC é precária, realizada apenas uma vez ao ano ou quando existe denúncia, e os ocupantes acreditam na impunidade e pretendem desmatar 100% de suas terras. Esses ocupantes incluem agricultores familiares e pequenos, médios e grandes fazendeiros, cuja atividade predominante é a pecuária (Romier et al, 2016).
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[9] Informação obtida em conversa com a equipe gestora da APA Triunfo do Xingu, em 3 de agosto de 2016.
[10] Informação obtida em conversa com representante do departamento jurídico do Iterpa, em 31 de agosto de 2016.
[11] Idem nota 9.
Figura 8. Mapa do desmatamento na Área de Proteção Ambiental Triunfo do Xingu entre 2012 e 2015
Figura 9. Desmatamento na Área de Proteção Ambiental Triunfo do Xingu entre 2012 e 2015
Figura 10. Imóveis registrados no Cadastro Ambiental Rural na Área de Proteção Ambiental Triunfo do Xingu até 23 de fevereiro de 2016
3.2 Floresta Estadual Extrativista do Rio Preto-Jacundá
A Florex Rio Preto-Jacundá apresentou tendência de aumento do desmatamento entre 2012 e 2015 (Figuras 11 e 12). Em 2015, sua área desmatada foi 57% maior do que no ano anterior, atingindo aproximadamente 11 mil hectares. As principais pressões e ameaças à UC estão associadas a interesses fundiários e de pecuária. A Florex é bastante vulnerável às pressões e ameaças porque não é reconhecida pelo órgão ambiental e não está sendo gerida. Isso ocorre porque seis anos após sua criação, o governo de Rondônia, por meio de um decreto, criou uma Resex de mesmo nome sobreposta a 95,3 mil hectares (9% de sua área) da Florex. O governo alegou que o Decreto nº 7.336/1996 de criação da Resex teria revogado o Decreto
nº 4.245/1989 de criação da Florex. A Secretaria de Desenvolvimento Ambiental (Sedam) de Rondônia mantém esse entendimento e enfatiza que o Sistema Estadual de Unidades de Conservação[12] (Seuc) não reconhece a Florex como uma categoria de UC.
Contudo, o Ministério Público Estadual de Rondônia (MPE-RO) entende que a Florex só poderia ter sido revogada por lei específica, aprovada pelo Poder Legislativo para essa finalidade, conforme exigência constitucional (Art.225, §1º, III)[13]. No caso, o decreto que criou a Resex é ato do Poder Executivo e não menciona a Florex. Portanto, do ponto de vista legal, não houve redução implícita, pois tal alteração seria inconstitucional. Aproximadamente 35% da área da Florex estão sobrepostos a três UCs: Flona Jacundá (19,55%), Esec Samuel (5,72%) e Resex Rio Preto-Jacundá (9,57%) (ISA, 2016). Descontando essas sobreposições, a área “esquecida” da Florex é de 686 mil hectares, e é nesta área que o desmatamento está aumentando. Ainda não existe uma ação do MPE-RO cobrando a gestão da Florex.
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[12] O Decreto Lei nº 1.144/2002 criou o Sistema Estadual de Unidades de Conservação da Natureza de Rondônia (Seuc/RO).
[13] Resposta encaminhada pelo Centro de Apoio Operacional-Meio Ambiente do Ministério Público do Estado de Rondônia, em e-mail de 18 de maio de 2015.
Figura 11. Mapa do desmatamento na Floresta Estadual Extrativista do Rio Preto-Jacundá entre 2012 e 2015
Figura 12. Desmatamento na Floresta Estadual Extrativista do Rio Preto-Jacundá entre 2012 e 2015
3.3 Floresta Nacional do Jamanxim
A Flona Jamanxim é a UC federal mais desmatada da Amazônia (Figura 13); e apresentou tendência crescente de desmatamento entre 2012 e 2015 (Figura 14). Em 2015, a Flona perdeu mais de 9,2 mil hectares de floresta, área 87% maior do que em 2014. As principais pressões e ameaças à UC estão associadas a interesses fundiários e de pecuária. A Flona não admite ocupação não tradicional. Contudo, levantamento socioeconômico de 2009 demonstra que as ocupações existentes se caracterizavam por alta concentração fundiária, baixa empregabilidade e baixa produtividade (pecuária extensiva de corte) (ICMBio, 2009). Não havia proprietários com terras registradas em cartório dentro da Flona, mas apenas detentores, especuladores de terras públicas. Nesse contexto, o desmatamento crescente é usado para descaracterizar a UC, pressionar por sua redução e mostrar “ocupação produtiva da terra” para futura regularização fundiária. O desmatamento ocorre dentro de ocupações registradas no CAR (Figura 15).
A UC não possui uma equipe gestora exclusiva. Segundo o seu gestor[14], que também é responsável pela Flona Altamira e pela Rebio Nascentes da Serra do Cachimbo, a Flona Jamanxim está na área de atuação da Coordenação Regional do ICMBio em Itaituba (CR-3), que conta com 25 analistas e três técnicos para gerir 12 UCs, em um total de 9,2 milhões de hectares. A fiscalização é realizada por apenas seis pessoas na CR-3, que em 2015 sofreu corte de 50% nos recursos financeiros. Oficialmente, a Flona tem plano de manejo e conselho gestor, mas estes são inviabilizados pelos ocupantes, que pressionam pela redução da UC.
Os ocupantes da Flona lutam no Judiciário[15] e no Legislativo[16] por sua revogação desde a criação. Eles possuem forte articulação política e são referidos como “produtores” em discursos de deputados e senadores (Senado, 2008). Até 2015, tramitava na Câmara dos Deputados um Projeto de Decreto Legislativo (PDC nº 1.148/2008) para sustar os efeitos do decreto de criação da UC, isto é, para revogá-la. Embora esse projeto tenha sido arquivado em janeiro de 2015, os ocupantes continuaram pressionando no Executivo, pois a Casa Civil da Presidência da República tomou para si as negociações para resolver os conflitos na Flona. Em julho de 2016, em encontro com organizações da sociedade civil, o Ministro do Meio Ambiente, Sarney Filho, disse que o ICMBio estaria trabalhando em uma proposta para transformar a parte mais preservada da Flona em Parna e a parte mais ocupada em APA.
O Ministério Público Federal no Pará (MPF-PA) tentou impedir a alteração da Flona. Em agosto de 2016, recomendou ao ICMBio que suspendesse imediatamente o trâmite de qualquer processo administrativo ou requerimento que tivesse por objeto recategorizar ou revogar a Flona Jamanxim (MPF-PA, 2016b). Em novembro, diante da recusa do ICMBio em seguir essa recomendação, o MPF em Itaituba iniciou uma ação civil pública para impedi-lo de alterar a UC[17]. Entretanto, no dia 20 de dezembro, o governo publicou a Medida Provisória (MP) nº 756/2016, que reduziu a Flona em 57%. Dos 743.540 hectares excluídos, o governo destinou 59% ao Parna Rio Novo e 41% à recém-criada APA Jamanxim. Os 305 mil hectares destinados à APA permitem a existência de propriedades privadas e, portanto, a regularização fundiária e ambiental de quem agia na ilegalidade. Essa área é 8,7 vezes maior do que a área indicada para alteração por estudo do ICMBio
(ICMBio, 2009). Agora, caberá ao Congresso Nacional confirmar a alteração da Flona, ao transformar a MP em lei.
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[14] Informação obtida por mensagem de e-mail em 25 de novembro de 2016.
[15] Mandado de Segurança (MS) nº 2.6012, protocolado no Supremo Tribunal Federal em junho de 2006.
[16] Projeto de Decreto Legislativo da Câmara dos Deputados (PDC) nº 2.224/2006 e PDC nº 1.148/2008.
[17] Ação Civil Pública nº 0001990-15.2016.4.01.3908.
Figura 13. Mapa do desmatamento na Floresta Nacional do Jamanxim entre 2012 e 2015
Figura 14. Desmatamento na Floresta Nacional do Jamanxim entre 2012 e 2015
Figura 15. Imóveis registrados no Cadastro Ambiental Rural na Floresta Nacional do Jamanxim até 23 de fevereiro de 2016
3.4 Reserva Extrativista Jaci-Paraná
A Resex Jaci-Paraná já perdeu mais de 30% de suas florestas (ISA, 2015b) e apresentou tendência crescente de desmatamento entre 2012 e 2015 (Figuras 16 e 17). Ela vem sofrendo exploração ilegal de madeira e invasão de terras (Figura 16). Veríssimo & Ribeiro (2007) já apontavam como principais causas para o maior desmatamento nas UCs estaduais de Rondônia a falta de ação do governo do estado para a proteção dessas áreas e a sua proximidade de polos madeireiros e de centros de pecuária.
A UC é marcada por alterações de limites e omissão da gestão. Ela sofreu redução onze meses após sua criação, em 1996, quando perdeu aproximadamente 14 mil hectares de sua área original. Em 2011, a UC foi novamente alterada, com exclusão de 2.240 hectares para a formação do lago da hidrelétrica (UHE) Santo Antônio e inclusão de 6.130 hectares em relação à área anterior (191.234 hectares). A Resex não possui conselho gestor e nem plano de manejo. Como as 36 UCs de uso sustentável de Rondônia não possuem equipe gestora exclusiva[18], os 52 servidores da Coordenadoria de Unidades de Conservação dividem as atividades de gestão das UCs.
O MPE-RO e o MPF vêm lutando contra a invasão da Resex desde 2004, quando as invasões começaram a se intensificar e abriram cerca de 8 mil hectares (4% da área da UC). A primeira ação foi contra o Incra, Ibama, Estado de Rondônia e municípios de Porto Velho, Nova Mamoré e Buritis, objetivando coibir invasões e desmatamentos na Resex e em outras três áreas protegidas[19]. A Justiça Federal em Rondônia concedeu decisão liminar favorável em 2004 e sentença favorável em 2013. Entretanto, os governos federal, estadual e municipais não cumpriram as decisões judiciais. Ao contrário, políticos locais incentivaram a invasão dessa e de outras UCs ao longo dos anos (GTA, 2008; Escada et al, 2012). Em 2007, a UC já estava entre as mais desmatadas do estado (Cavalcante et al, 2011; Veríssimo & Ribeiro, 2007).
Em 2014, dez anos após a primeira decisão judicial, 34% da UC já estavam desmatados e a principal atividade dos invasores era a pecuária, com um rebanho estimado em 44 mil cabeças (Rondônia, 2014). Naquele ano, em cumprimento à decisão judicial de 2013, a Sedam publicou instrução normativa para notificar os ocupantes a deixarem a UC, mas a Assembleia Legislativa aprovou decretos legislativos para extinguir a Resex e outras três UCs ocupadas ilegalmente (O Eco, 2016). Novamente, o MPE-RO agiu e o Tribunal de Justiça de Rondônia suspendeu os efeitos dos decretos em abril de 2014, por decisão liminar, e por decisão final em maio de 2016, declarando-os inconstitucionais[20]. Portanto, a Resex Jaci-Paraná continua existindo.
Atualmente, o MPE-RO luta para retirar com força policial os ocupantes que se recusam a sair e obrigá-los a demolir construções e a restaurar as áreas desmatadas, conforme decisões do Superior Tribunal de Justiça[21]. Em Porto Velho, o MPE-RO obteve decisão favorável em maio de 2016[22]. Mas, a batalha judicial contra um invasor individualmente e não contra o conjunto de invasores não assegura a proteção da UC. Além da demora em se obter uma decisão judicial irrecorrível, estas nem sempre favorecem a proteção ambiental. Por exemplo, em abril de 2016, a juíza de Buritis decidiu pela improcedência de ação para retirada de um ocupante[23]. A ação sobre a constitucionalidade do decreto que revogou a Resex ainda não havia sido julgada e a juíza entendeu que deveria esperar essa decisão, pois poderia resultar em prejuízo ao ocupante. Além disso, a juíza argumentou que já teria transcorrido tanto tempo entre a posse indevida da área e o início da ação judicial, que a improcedência da ação naquele momento não traria prejuízo às partes. Enquanto isso, o desmatamento segue aumentando na UC, chegando a mais de 9 mil hectares em 2015 (Figura 17).
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[18] Informação obtida em conversa telefônica com servidora da Coordenadoria de Unidades de Conservação, da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Ambiental (Sedam), em 30 de novembro de 2016.
[19] Ação Civil Pública nº 2004.41.00.001887-3.
[20] Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 0003755-58.2014.822.0000.
[21] Ver decisões de 2008 e 2009 em recurso especial (Resp): REsp 863.939 – RJ (DJe 24.11.2008) e REsp 945.055 – DF (DJe 20.8.2009).
[22] Ação Civil Pública nº 0016894-74.2014.8.22.0001.
[23] Ação Civil Pública nº 0002747-46.2015.8.22.0021.
Figura 16. Mapa do desmatamento na Reserva Extrativista Jaci-Paraná entre 2012 e 2015
Figura 17. Desmatamento na Reserva Extrativista Jaci-Paraná entre 2012 e 2015
3.5 Área de Proteção Ambiental e Floresta Estadual do Rio Pardo
A APA e a Flota Rio Pardo já tiveram cerca de 60% de sua área desmatada (ISA, 2015b) (Figura 18). Suas taxas de desmatamento têm reduzido nos últimos três anos, mas continuam altas (Figura 19). As UCs foram criadas em 2010, a partir da redução do grau de proteção da parte invadida e mais antropizada da Flona Bom Futuro (Figura 18). Essa redução resultou de um acordo entre o governo estadual de Rondônia e o governo federal para o licenciamento das UHEs de Jirau e Santo Antônio (Rondônia, 2009). Pelo acordo, o governo de Rondônia se comprometeu a revogar e reduzir UCs estaduais atingidas pelas UHEs e o governo federal, a paralisar a operação para a retirada de invasores da Flona Bom Futuro e a excluir a área ocupada (144 mil hectares) de seu território. Assim, além de criar a APA e a Flota Rio Pardo sem estabelecer os limites entre elas, o estado de Rondônia revogou outras quatro UCs[24]. Uma cláusula do acordo também previa que a área alterada fosse utilizada para realocação das “famílias que ocupam atualmente as áreas das UCs estaduais” (Rondônia, 2009), mas isso não aconteceu. A APA e a Flota Rio Pardo não possuem equipe gestora exclusiva, nem conselho gestor ou plano de manejo.
Na prática, o governo do estado tem tratado apenas como APA a área destinada à APA e à Flota Rio Pardo (Rondônia, 2013). Por esse motivo, em 2014, o MPE-RO iniciou uma ação civil pública[25] para cobrar a definição dos limites dessas UCs e das atividades permitidas em cada uma delas, bem como a retirada de ocupantes que não possuem perfil de pequeno produtor rural ou de população tradicional. O objetivo é combater a especulação fundiária, os latifúndios, a apropriação de terras públicas por servidores públicos e agentes políticos (como prefeitos e vereadores) e a pecuária extensiva, atividade incompatível com os objetivos de conservação e preservação ambiental das UCs. Em julho de 2015, houve sentença favorável e, atualmente, tanto a APA quanto a Flota Rio Pardo estão sendo reformuladas e passarão por redefinição de limites. De acordo com o MPE-RO[26], a parte que deveria ser Flota retornará ao território da Flona Bom Futuro. Para isso, o órgão ambiental (Sedam) já finalizou o levantamento fundiário da área, mas ainda não concluiu o processo de redefinição de limites. Entretanto, em reação a essa ação judicial, ocupantes e políticos locais já pressionam pela revogação da APA e da Flota Rio Pardo. Eles propõem uma permuta: revogar estas UCs e criar outra de mesmo tamanho, em área a ser obtida junto ao Incra (ALE-RO, 2016).
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[24] Flota do Rio Madeira A, Flota Rio Vermelho A, Flota Rio Vermelho B e Esec Antônio Mugica Nava.
[25] Ação Civil Pública nº 0017310-42.2014.8.22.0001, Comarca de Porto Velho.
[26] Informação obtida em conversa por telefone com a Promotora de Justiça Aidee Maria Moser Torquato Luiz, em 6 de outubro de 2016.
Figura 18. Mapa do desmatamento na Área de Proteção Ambiental e Floresta Estadual do Rio Pardo entre 2012 e 2015
Figura 19. Desmatamento na Área de Proteção Ambiental e Floresta Estadual do Rio Pardo entre 2012 e 2015
3.6 Floresta Nacional de Altamira
A Flona Altamira vem sendo desmatada em sua parte sul (Figura 20). Todavia, há uma tendência de redução de suas taxas de desmatamento (Figura 21). As principais pressões e ameaças à UC estão associadas a interesses fundiários, minerários e de pecuária, que se intensificam com a abertura de estradas. O mapa do CAR da Flona mostra grandes pretensões sobre áreas de floresta (Figura 22). A situação fundiária da UC a torna vulnerável a ocupações irregulares e a grilagem. Até a conclusão do seu plano de manejo, a análise de sua situação fundiária ainda não havia sido concluída. Porém, uma análise preliminar constatou que não existiam terras públicas arrecadadas, federais ou estaduais, nos limites da UC. Segundo o Incra, a região da Flona seria um espaço vazio, sem informações sobre dominialidade (ICMBio, 2012). Além disso, a Flona possui uma área territorial maior do que a declarada em seu decreto de criação. Até abril de 2011, o ICMBio trabalhava com um polígono de 760 mil hectares. Em 2012, provocado pelo conselho consultivo da UC, o ICMBio reinterpretou seu memorial descritivo e excluiu aproximadamente 37 mil hectares ao sul da Flona. Coincidentemente, a área removida é justamente a com maior ocupação e desmatamento (Figura 20).
O decreto de criação da Flona ainda não foi alterado, mas o ICMBio já utiliza essa alteração e já divulgou o novo polígono da UC em seu sítio na internet. Entretanto, o processo de retificação de limites que visa à publicação de novo memorial descritivo ainda está tramitando no ICMBio e pode resultar ou não na exclusão de novas áreas[27]. A retificação dos limites da Flona implicará no ajuste de áreas limítrofes de UCs e TIs, que utilizaram o seu memorial descritivo como referência[28], como a Flota Iriri e a TI Kuruáya. Considerando a existência desse processo, o fato de que ainda não houve alteração do decreto de criação da Flona e que há dúvida sobre a legalidade desse processo de revisão de limites, utilizamos o mapa original da UC, com cerca de 760 mil hectares, para a análise das 50 UCs mais desmatadas entre 2012 e 2015.
De acordo com o gestor da UC[29], que também é responsável pela Flona Jamanxim e pela Rebio Nascentes da Serra do Cachimbo, ela está na área de atuação da Coordenação Regional do ICMBio em Itaituba (CR-3), que conta com 25 analistas e três técnicos para gerir 12 UCs, que totalizam 9,2 milhões de hectares. A fiscalização é realizada por apenas seis pessoas na CR-3, que em 2015 sofreu corte de 50% no orçamento. A redução do desmatamento na Flona pode ser explicada pelo fato de existir um conselho gestor atuante e um plano de manejo em execução e porque cerca de 50% do seu território já estão sob concessão florestal (MMA, 2015b).
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[27] Informação obtida por meio de mensagem de e-mail da Divisão de Consolidação de Limites – DCOL/CGTER/DISAT/ICMBio, em 4 de novembro 2016.
[28] Informação obtida por meio de mensagem de e-mail da Divisão de Consolidação de Limites – DCOL/CGTER/DISAT/ICMBio, em 25 de novembro de 2016.
[29] Informação obtida por meio de mensagem de e-mail, em 25 de novembro de 2016.
Figura 20. Mapa do desmatamento na Floresta Nacional de Altamira entre 2012 e 2015
Figura 21. Desmatamento na Floresta Nacional de Altamira entre 2012 e 2015
Figura 22. Imóveis registrados no Cadastro Ambiental Rural na Floresta Nacional de Altamira até 23 de fevereiro de 2016
3.7 Área de Proteção Ambiental do Tapajós
A APA Tapajós está na área de influência da BR-163 e apresentou tendência de aumento do desmatamento entre 2012 e 2015 (Figuras 23 e 24). A APA é dividida pela estrada Crepori (Transgarimpeira) em duas áreas (Figura 23). Atualmente, as principais pressões são os garimpos irregulares e a ocupação desordenada. O mapa do CAR da UC mostra ocupações dispersas e algumas grandes pretensões fundiárias (Figura 25). A UC está localizada na Reserva Garimpeira do Tapajós[30] e mais de 90% do seu território possui processos minerários de empresas e empreendedores individuais (ISA, 2015b). Praticamente 100% dos garimpos da APA não são licenciados[31]. Essas pressões comprometem seu grande potencial madeireiro para concessões florestais. O Serviço Florestal Brasileiro (SBF, 2007) identificou a APA como área prioritária para concessão em 2007 por causa dos estoques disponíveis de madeira e de sua localização, que possibilitariam atender à demanda do município de Novo Progresso e do distrito de Moraes de Almeida (SFB, 2007). Porém, deficiências na gestão da UC ainda não permitiram o aproveitamento desse potencial.
Segundo o gestor[32], a UC conta com apenas três analistas ambientais para geri-la, possui conselho gestor formado, mas não atuante, e ainda não tem plano de manejo. A UC também não possui recursos financeiros suficientes para sua gestão e há dificuldade de acesso a vários locais em sua área. O gestor disse ainda que o ICMBio está buscando recursos e parcerias para a elaboração do plano de manejo até 2018 e que um recurso possível seria o da compensação ambiental proveniente do licenciamento dos garimpos. O gestor atribui o descontrole sobre a ocupação e a atividade garimpeira irregulares a deficiências em diretrizes institucionais e na articulação interinstitucional para tratar desses temas. Contudo, existem algumas ações para mudar essa situação. Por exemplo, em maio de 2016, o governo do Pará criou o Grupo de Trabalho do Tapajós (GT-Tapajós) para a mineração e o fomento a ações sustentáveis na região do rio Tapajós. Em julho de 2016, O MPF e o MPE-PA expediram recomendação a vários órgãos públicos para que adotem medidas a fim de legalizar as atividades minerárias na bacia do rio Tapajós (MPF-PA, 2016a).
Se as causas do desmatamento não forem combatidas, a situação da APA tende a se agravar com os investimentos em infraestrutura na região, considerando os impactos diretos das obras e os indiretos ocasionados pelos movimentos migratórios gerados. Os limites da APA já vêm sendo alterados por algumas obras planejadas para a região. Em 2012, a APA foi reduzida em aproximadamente 20 mil hectares para viabilizar a construção da UHE Jatobá[33]. Em dezembro de 2016, 51.131 hectares foram excluídos da APA e anexados ao Parna Jamanxim, como forma de compensar a área retirada do Parna para a construção de uma ferrovia[34].
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[30] Portaria do Ministério de Minas e Energia nº 882/1983.
[31] Informação obtida durante reunião com o comitê gestor do ICMBio em 28 de julho de 2016.
[32] Informação obtida por mensagem de e-mail, em 3 de agosto de 2016.
[33] Medida Provisória nº 558/2012, transformada na Lei nº 12.678/2012.
[34] Medida Provisória nº 758 de 19 de dezembro de 2016.
Figura 23. Mapa do desmatamento na Área de Proteção Ambiental do Tapajós entre 2012 e 2015
Figura 24. Desmatamento na Área de Proteção Ambiental do Tapajós entre 2012 e 2015
Figura 25. Imóveis registrados no Cadastro Ambiental Rural na Área de Proteção Ambiental do Tapajós até 23 de fevereiro de 2016
3.8 Área de Proteção Ambiental Leandro (Ilha do Bananal/Cantão)
A APA Leandro ou Ilha do Bananal/Cantão é a maior UC do estado do Tocantins e apresentou tendência de aumento do desmatamento entre 2012 e 2015 (Figuras 26 e 27). Situa-se na região do Cantão, que faz a transição entre os biomas Amazônia e Cerrado e funciona como zona de amortecimento para o PES Cantão e o Parna Araguaia. O processo de ocupação está acelerado na região, e a APA sofre com caça e pesca predatórias, extração ilegal de madeira e queimadas, principalmente nos assentamentos[35]. O ano de maior desmatamento na APA foi 2013 (Figura 27), por duas razões[36]: o aumento no fluxo migratório para a UC entre 2012 e 2013; e a aprovação da Lei
nº 2.713/2013, que instituiu o Programa de Adequação Ambiental de Propriedade e Atividade Rural (TO Legal) e dispensou o licenciamento ambiental para todos os empreendimentos classificados como atividades agrossilvipastoris (lavoura, pecuária e floresta). Entre 2014 e 2015, a unidade foi campeã em número de focos de queimadas entre todas as UCs do país (Vieira, 2015).
De acordo com o seu gestor, a APA é ocupada principalmente por pequenos produtores e pescadores[37]. O plano de manejo da APA foi elaborado em 2000, mas nunca foi implementado porque o conselho gestor ficou inativo até 2015, e quando retomou, se recusou a aprová-lo por causa dos dados desatualizados. Ainda segundo o gestor, a Fundação Natureza do Tocantins (Naturatins) já teria contratado uma empresa especializada para revisar o plano de manejo. A fiscalização na UC ocorre conforme programação estabelecida e quando há denúncia, mas a falta de fiscais impede ações periódicas.
O MPF-TO e a Procuradoria Geral da República (PGR) entenderam que o estado do Tocantins, ao dispensar o licenciamento ambiental para empreendimentos classificados como atividades agrossilvipastoris, violou a Constituição Federal e extrapolou sua competência legislativa (MPF-TO, 2015). Assim, a PGR propôs uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI nº 5.312) e pediu liminar para suspender os efeitos do dispositivo até o julgamento final da ação. Apesar de requerida medida de urgência, o processo ainda aguarda decisão do Supremo Tribunal Federal desde janeiro de 2016. Enquanto isso, o Congresso Nacional pode resolver a questão mais cedo, pois está prestes a votar um projeto de lei (PL nº 3.729/2004) que dispensa o licenciamento para atividades agropecuárias e de florestas plantadas.
Essa não é a primeira vez que o estado do Tocantins tenta se desincumbir de uma obrigação de proteção ambiental. Em 2005, o governo do estado propôs à Assembleia Legislativa a redução da APA Leandro alegando que não tinha condições de fiscalizar as fronteiras agrícolas e que isso também atenderia a solicitações de líderes de municípios envolvidos (MPF-TO, 2005). A UC foi reduzida para 11% de sua área original (Lei nº 1.558/2005). Todavia, o MPF-TO conseguiu reverter a redução por decisão judicial[38], que suspendeu os efeitos da lei alteradora. O juiz federal fundamentou a sentença na ausência de estudos técnicos e de audiências públicas com ampla participação da sociedade, bem como em princípios como o da precaução. O Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) confirmou essa decisão, reconhecendo que era sólida e em harmonia com o princípio da precaução[39].
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[35] Informação obtida por meio de conversa telefônica com o gestor em 28 de julho de 2016.
[36] Idem nota 35.
[37] Idem nota 35.
[38] Ação Civil Pública nº 2005.43.00.000669-5.
[39] Agravo de Instrumento nº 2005.01.00.028975-5.
Figura 26. Mapa do desmatamento na Área de Proteção Ambiental Leandro ou Ilha do Bananal Cantão entre 2012 e 2015
Figura 27. Desmatamento na Área de Proteção Ambiental Leandro ou Ilha do Bananal Cantão entre 2012 e 2015
3.9 Área de Proteção Ambiental do Lago de Tucuruí
A APA Lago de Tucuruí já teve cerca de 60% de sua área desmatada (ISA, 2015b) e apresentou tendência de aumento do desmatamento entre 2012 e 2015 (Figuras 28 e 29). Entre 2014 e 2015, a taxa de desmatamento aumentou 273% na APA, chegando a quase 3 mil hectares (Figura 29). A UC é formada pelas margens do lago da hidrelétrica (UHE) de Tucuruí, construída em 1984, e pelas mais de 1.600 ilhas que surgiram a partir da inundação da área do lago (Figura 28). As principais pressões e ameaças à UC são a pesca predatória, retirada ilegal de madeira e desmatamento para formação de lavoura e pasto (Ideflor-bio, 2015b). A criação de gado tem levado ao desmatamento de áreas às margens do lago e, dependendo do tamanho, nas ilhas também (Jatobá, 2006).
De acordo com a equipe gestora[40], a questão fundiária da área está descontrolada e ainda não há previsão de realização do levantamento fundiário. A gestora da APA estima que aproximadamente 30 mil famílias residam na UC (Ideflor-Bio, 2015b), ademais, há muitos imóveis registrados no CAR (Figura 30). Durante reunião extraordinária do conselho gestor da APA, em abril de 2015, a gestora da UC atribuiu o alto desmatamento a limitações da gestão: i) ausência de plano de manejo; ii) quadro de pessoal insuficiente, considerando quantitativo e capacidade técnica; e iii) deficiência de equipamentos para realizar ações de fiscalização, monitoramento e educação ambiental (Ideflor-bio, 2015b).
Surpreende o fato de a APA Lago de Tucuruí enfrentar tais problemas de gestão, uma vez que conta com recursos de compensação ambiental. Em julho de 2015, possuía cerca de R$ 13 milhões em recursos financeiros provenientes da compensação ambiental da construção da UHE e de suas eclusas (Ideflor-bio, 2015c). A gestão afirma que enfrenta dificuldades para executar esses recursos, pois, uma vez depositados em conta do Estado, eles são considerados públicos e devem seguir as regras da lei de licitações. Contudo, informou que atualmente a prioridade de gestão é a elaboração do plano de manejo até o final de 2017. Também afirmou que no final de 2015 foram adquiridos caminhonetes, lanchas e outros equipamentos para auxiliar na fiscalização.[41]
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[40] Informação obtida por meio de conversa por telefone com técnica da equipe gestora da APA Lago de Tucuruí em 12 de agosto de 2016.
[41] Idem nota 40.
Figura 28. Mapa do desmatamento na Área de Proteção Ambiental do Lago de Tucuruí entre 2012 e 2015
Figura 29. Desmatamento na Área de Proteção Ambiental do Lago de Tucuruí entre 2012 e 2015
Figura 30. Imóveis registrados no Cadastro Ambiental Rural na Área de Proteção Ambiental do Lago de Tucuruí até 23 de fevereiro de 2016
3.10 Reserva Extrativista Chico Mendes
A Resex Chico Mendes foi uma das primeiras reservas extrativistas federais a serem criadas e é a maior do Brasil (Figura 32). A UC apresentava tendência de redução do desmatamento entre 2012 e 2014, mas em 2015 o desmatamento cresceu 50% em relação ao ano anterior (Figura 31). A proximidade da BR-317 favorece a ocupação irregular, a exploração ilegal madeireira e a pecuária dentro da UC. A Resex abriga cerca de 10 mil pessoas, mas a associação de moradores estima que 10% dessa população sejam ocupantes ilegais (Globo Rural, 2015). É possível que o aumento do desmatamento na UC em 2015 seja resultado das atividades realizadas nas ocupações irregulares.
A equipe de gestão da UC[42] é formada por apenas três pessoas e o plano de manejo está defasado, sem previsão para atualização. O conselho gestor é ativo, no entanto, não houve reuniões em 2016. As fiscalizações ocorrem periodicamente, quando há denúncias e em algumas grandes operações, porém, a falta de pessoal e de recursos financeiros dificulta a execução dessa e de outras ações no interior da UC. Existem quase 90 processos para o julgamento de infrações na reserva, dez desses para a retirada de ocupantes ilegais.
Figura 31. Desmatamento na Reserva Extrativista Chico Mendes entre 2012 e 2015
Figura 32. Mapa do desmatamento na Reserva Extrativista Chico Mendes entre 2012 e 2015
4. Vulnerabilidade sistêmicas
As UCs críticas, principalmente as 10 primeiras do ranking, são as mais acessíveis e vulneráveis às ameaças decorrentes da expansão da fronteira agropecuária e de projetos de infraestrutura. A vulnerabilidade dessas áreas decorre de falhas referentes a quatro fatores necessários para o sucesso de qualquer empreendimento: estratégia, pessoal, recursos financeiros e execução.
4.1 Estratégia errática e limitada
Para assegurar a proteção das UCs e o alcance de seus objetivos, o governo teria que ter uma visão clara e consistente de seu papel no desenvolvimento e proteção da região. Por falta de compromisso com a proteção, o governo cede às pressões para mudar regras e enfraquecer a legislação ambiental conforme interesses de momento. As alterações de áreas protegidas, a anistia a desmatamentos ilegais anteriores a julho de 2008 (reforma do Código Florestal) e o compromisso de acabar com o desmatamento ilegal só em 2030 passam a mensagem de tolerância e impunidade para quem desmata e se apropria de bens públicos. Além disso, as ações do governo para a proteção das UCs têm focado na fiscalização, mas falta integrar outros componentes como regularização fundiária e geração de receitas.
Os governos estaduais e o federal ainda não têm um plano para a regularização fundiária das UCs da Amazônia. Enquanto isso, ocupantes irregulares de áreas protegidas ganham poder econômico e político e passam a pressionar por alterações. Atualmente, há centenas de projetos de lei no Congresso Nacional para alterar e enfraquecer o grau de proteção de UCs e TIs em todo o país (Ortiz, 2013; Martins et al, 2014). Recentemente, parlamentares do Amazonas enviaram um projeto de lei ao Palácio do Planalto com a proposta de reduzir em 65% a área de cinco UCs criadas no sul desse estado em 2016 (Estadão, 2017). Esses projetos e as reduções de UCs já realizadas dão esperança a ocupantes irregulares nas UCs e estimulam novas invasões e desmatamento. É notável o aumento do desmatamento na Rebio Nascentes da Serra do Cachimbo em 2015, vizinha à Flona Jamanxim, 355% maior em relação a 2014. Os ocupantes da Rebio acreditam que podem pegar carona nas negociações para alterar a Flona Jamanxim ou que serão os próximos a serem beneficiados por alteração semelhante. Alterações de UCs aumentam a taxa de desmatamento da Amazônia, pois esta tende a crescer 50% nas áreas que perdem status de UC ou têm seu grau de proteção reduzido para favorecer ocupações (Martins et al, 2014).
4.2 Recursos humanos escassos
As UCs da Amazônia contam com recursos humanos insuficientes às necessidades de gestão efetiva. Em 2013, o TCU alertou sobre a carência de pessoal nas UCs da Amazônia, constatando a prevalência de UCs federais com apenas um ou dois servidores (TCU, 2013). Em agosto de 2016, havia 241 analistas (Figura 33), 40% menos do que 2010 (ICMBio, 2016b). De acordo com servidores, muitos deixam suas posições na Amazônia por razões como: i) dificuldade de adaptação; ii) falta de condições para o trabalho, incluindo segurança física; iii) carência ou precariedade na prestação de serviços públicos básicos nas localidades, como saúde e educação; iv) sentir-se obrigado a exercer funções para as quais não tem perfil, como fiscalização; v) acúmulo de funções inconciliáveis, como de educação ambiental e fiscalização etc. Cada analista ambiental atuando no Norte do país deve cuidar de 309.625 hectares, área 35 vezes maior que a gerida por um analista no Sudeste. Para igualar as regiões Norte e Sudeste, seriam necessários 7.140 analistas ou 35 vezes a quantidade atual. Veja a quantidade de analistas ambientais em todas as regiões do país no Apêndice. Se a situação em âmbito federal é difícil, nos estados ela é ainda mais crítica, pois estes possuem cada vez menos recursos orçamentários para dotar as UCs dos recursos humanos de que necessitam (TCU, 2013).
O Ibama na Amazônia Legal também possui menos analistas ambientais, que auxiliam na fiscalização das UCs, em comparação com o restante do Brasil (Ibama, 2015). Entre 2009 e 2015, o Ibama reduziu em 33% o número de analistas ambientais na região (Figura 34). Isso ocorreu porque o órgão fechou vários escritórios regionais a partir de 2011. É importante ressaltar que a partir da publicação da Lei Complementar nº 140/2011, que especificou as atribuições dos entes federativos para o licenciamento ambiental, o governo federal passou a cobrar mais a ação de estados e municípios na fiscalização de desmatamentos ilegais (Nublat & Miranda, 2013; MMA, 2015a). Recentemente, fiscais do Ibama atribuíram o aumento do desmatamento nos últimos dois anos a sucessivos cortes de investimentos, ao enfraquecimento da legislação ambiental e à ausência de concursos para recompor o quadro de servidores (Chefias de fiscalização do Ibama, 2016). Essa situação pode ser agravada uma vez que em 2016 três portarias do Ibama[43] determinaram o fechamento de 89 bases em todo o país, sendo 48% na Amazônia Legal.
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[43] Portaria Ibama nº 11/2016, publicada no Diário Oficial da União (DOU) de 02 de maio de 2016; Portaria Ibama nº 31/2016, publicada no DOU de 30 de setembro de 2016; e Portaria Ibama nº 36/2016, publicada no DOU de 08 de dezembro de 2016.
Figura 33. Número de analistas ambientais do ICMBio lotados na Amazônia Legal entre 2008 e agosto de 2016
Figura 34. Número de analistas ambientais do Ibama lotados na Amazônia Legal entre 2008 e 2015
4.3 Financiamento e geração de receitas insuficientes
As UCs da Amazônia carecem de recursos para investimento em infraestrutura, equipamentos e consolidação territorial (regularização fundiária, demarcação e sinalização). Para executar essas tarefas (exceto regularização fundiária) nas 16 UCs federais com baixa e média implementação identificadas neste estudo seriam necessários R$ 10,6 milhões anuais[44]. Esse valor é 3,26 vezes maior que a média de recursos de investimento do ICMBio entre 2014 e 2016 para todo o país e 3,42 vezes maior do que o projetado para 2017 (Figura 35).
Além disso, os esforços para a arrecadação de receita via instrumentos alternativos como visitação, concessão florestal, ICMS Ecológico, entre outros, têm sido insuficientes (Muanis et al, 2009). Por exemplo, o governo federal está realizando a concessão de serviços de apoio à visitação em algumas UCs, mas nenhuma das UCs priorizadas para 2016-2018 é do bioma Amazônia (ICMBio, 2016d). Entre os critérios de prioridade para a concessão desses serviços estão plano de manejo elaborado e situação fundiária regularizada (ICMBio, 2016c). Outro exemplo é a concessão florestal, que ocorre em apenas seis das 32 Flonas da Amazônia (SFB, 2016).
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[44] Consideramos a necessidade de investimento médio de R$ 3,3 milhões, em um período de cinco anos, ou R$ 660.000 por ano para consolidar uma UC sem visitação, conforme estimado por Muanis et al (2009).
Figura 35. Recursos orçamentários do ICMBio para investimento entre 2008 e 2017
4.4 Ineficácia na execução
Além de recursos escassos, a gestão das UCs tem sido marcada por uma execução ineficaz, que resulta em baixa execução financeira, morosidade na solução de conflitos fundiários e ambientais e baixa aplicação de penas a criminosos ambientais, os quais detalhamos a seguir.
4.4.1 Baixa aplicação de recursos financeiros disponíveis
Entre 2009 e 2014, o ICMBio executou apenas 35% dos R$ 218 milhões recebidos para compensação ambiental[45] (Oliveira et al, 2015). A baixa aplicação desses recursos se deve à falta de prioridade política para regulamentar os processos técnicos, administrativos e operacionais para destinação do recurso; e ao número e à capacitação insuficientes de recursos humanos (Oliveira et al, 2015; Muanis et al, 2009). Ademais, Oliveira et al (2015) destacam que a baixa execução dos recursos de compensação ambiental reflete a morosidade e complexidade dos processos de regularização fundiária de UCs, uma vez que os recursos são prioritariamente investidos nesse tema. Outra situação que pode dificultar a aplicação desses recursos é a recente decisão do TCU que proibiu o ICMBio de receber e executar os recursos oriundos de compensação ambiental e que determinou que todo recurso já repassado ao poder público deve integrar a Conta Única do Tesouro Nacional e seguir as mesmas regras de execução dos recursos públicos (TCU, 2016). Assim, a execução dos mais de R$ 200 milhões já depositados deve ficar ainda mais lenta devido às regras e procedimentos de licitação pública a serem observados, o que prejudica o pagamento de ações já contratadas com base na utilização desses recursos.
4.4.2 Morosidade no combate a ocupações irregulares causa danos ambientais e sociais
A omissão e/ou morosidade de governos e do Judiciário em lidar com a ocupação irregular de terras públicas estimula e perpetua o problema. As regras sobre posses de terras públicas no Brasil são confusas e o Judiciário é moroso e não uniforme em suas decisões (Barreto et al, 2008; Araújo & Barreto, 2015). Isso ainda ocorre apesar de o Superior Tribunal de Justiça já ter decidido que quem ocupa área pública não tem direito à indenização por benfeitorias que tenha construído, mesmo que a ocupação tenha ocorrido de boa-fé[46]. De outro modo, o governo poderia resolver o problema de forma mais rápida ao optar pela retomada e desocupação de terras públicas. Mas, essa decisão é evitada devido ao alto custo político em áreas em que a população é muito dependente da economia gerada pelas atividades ilegais e ao potencial descontentamento entre eleitores e financiadores de campanha. Diante disso, os ocupantes ilegais de terras públicas acreditam que não serão retirados. Em reportagem recente do Globo Rural (2016), um grileiro afirmou que a ocupação de terra pública é um jogo que vale a pena, pois “no Brasil ninguém toma nada de ninguém”, e que se considera vencedor, pois trabalhou na terra por bastante tempo, sem sofrer nenhum prejuízo, e até lucrou.
4.4.3 Baixa punição de criminosos ambientais e fundiários
Fiscalização sem posterior punição efetiva não é capaz de deter o desmatamento nas UCs. O poder público fiscalizou o desmatamento nas 10 UCs mais desmatadas da Amazônia, conforme mostram os embargos nos mapas das UCs. Contudo, a falta de aplicação das penas enfraquece o efeito da fiscalização. Segundo Shmitt (2015)[47], a eficácia da fiscalização é baixa, pois: i) o julgamento dos processos administrativos é lento – somente 26,3% dos processos analisados haviam sido julgados em primeira instância, dentro de um período médio de 2,9 anos, o que pode levar à prescrição de crimes ambientais; ii) a arrecadação dos valores de multas é baixa – apenas 10,1% foram pagas e corresponderam a apenas 0,2% do valor total aplicado; iii) os bens apreendidos permanecem com os próprios infratores ambientais como fiéis depositários em cerca de 75% dos casos; e iv) as áreas embargadas podem ser desrespeitadas, uma vez que não existe um procedimento sistematizado para monitorá-las.
A impunidade reforça o poder dos criminosos, que passam a intimidar e até matar defensores de direitos ambientais e agrários, como comunitários, ambientalistas e até agentes públicos (CPT, 2015; Ibama, 2016b). Em 2015, o Brasil foi o país com maior número de mortes de ativistas ambientais e agrários no mundo (Global Witness, 2015). Além disso, a impunidade gera uma dependência econômica local de atividades ilegais que torna ainda mais difícil o combate à ilegalidade (Globo Rural, 2016).
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[45] Esses valores são arrecadados de empresas para compensar os danos decorrentes de grandes projetos que recebem a licença ambiental.
[46] Ver decisões de 2008 e 2009 em recurso especial (Resp): REsp 863.939 – RJ (DJe 24.11.2008) e REsp 945.055 – DF (DJe 20.8.2009).
[47] Ele analisou aproximadamente 12 mil autuações realizadas pelo Ibama relacionadas a infrações contra a flora na Amazônia entre 2008 e 2013.
5. Quem pode proteger as Unidades de Conservação da Amazônia?
O desmatamento da Amazônia aumentou por causa de ações e omissões dos poderes público e privado. Portanto, para zerar o desmatamento e garantir uma proteção efetiva das UCs no longo prazo, será necessário construir uma estratégia consistente, aportar recursos humanos e financeiros e melhorar a eficácia da sua execução. Mas é improvável que a liderança para executar essas tarefas venha isoladamente do poder público, pois parte dele age claramente contra o interesse público, o que resulta em indicadores sofríveis não somente na área ambiental (Quadro 1).
A experiência internacional mostra que a conservação no longo prazo, seja por meio de UCs ou de outras medidas, decorreu do envolvimento vigoroso e contínuo de movimentos populares, conservacionistas, políticos, de artistas, empresários, jornalistas, religiosos, profissionais liberais, entre outros. O engajamento envolveu motivos diversos, como reduzir impactos ambientais, proteger recursos estratégicos para o desenvolvimento socioeconômico e manter a fonte de experiências emocionais associadas, por exemplo, às belezas cênicas e ao pertencimento a um lugar (patriotismo, nacionalismo).
Há potencial para um envolvimento mais forte pela conservação no Brasil. Pesquisas de opinião mostram que 91% dos brasileiros são favoráveis à conservação florestal (MMA, 2012) e que outros 91% se orgulham do país, motivados, em grande medida, pelas riquezas e belezas naturais (Agência Estado, 2007). O exemplo da campanha do Greenpeace que conseguiu 1,4 milhão de assinaturas para apoiar um projeto de lei em favor do desmatamento zero (Greenpeace, 2016) atesta o potencial de mobilização.
A seguir, exploramos exemplos de oportunidades para intensificar o engajamento de diversos atores a favor das UCs e da redução do desmatamento em geral. A Tabela 1 apresenta o resumo das oportunidades.
Quadro 1.
O desafio de lidar com o Estado Predador
O Estado que tira da sociedade mais do que retorna é predatório, segundo analistas. Evans (1989), por exemplo, argumenta que o estado brasileiro apresenta um nível intermediário de comportamento predatório em comparação com outros países (Japão, Estado que apoia o desenvolvimento, e Zaire, Estado altamente predatório). Vários indicadores evidenciam o desinteresse de parte da elite do poder público pelo desenvolvimento do Brasil. Em 2013, dentre os 30 países com maiores cargas tributárias, o Brasil foi o pior em retorno dos impostos em bem estar (G1, 2015), o que contribui para a falta de saneamento básico para metade das moradias, para o alto índice de violência e baixo desempenho da educação, entre outros.
Ainda segundo Evans, a característica de estado predador no Brasil está associada à forte presença no poder público de sujeitos que buscam benefícios no curto prazo, uma vez que não têm incentivos de longo prazo na carreira (por exemplo, o grande número de funcionários que são nomeações políticas). Mas, ao mesmo tempo, Evans (1989) analisa que existem alguns núcleos de eficiência no setor público compostos por funcionários que são recrutados por mérito, são relativamente autônomos, bem pagos e possuem plano claro de carreira. Por isso, o sucesso de iniciativas para promover o bem público no longo prazo dependerá, em grande medida, do apoio da sociedade para os núcleos de eficiência no setor público, por exemplo, ações do Ministério Público, Ibama, Polícia Federal e Receita Federal (Ver McAllister, 2008; Arima et al, 2014).
5.1 Garantir proteção imediata das áreas mais críticas e de suas populações
Populações locais da Amazônia, como indígenas e seringueiros, lutaram e lutam para a criação de áreas protegidas, assim como em outros países (Calegare et al, 2014). Porém, parte destas populações têm sofrido intimidações e até violência, inclusive assassinatos (Global Witness, 2015). Dessa forma, é necessário protegê-las para que possam assegurar a proteção de suas áreas. Além de ações policiais, ONGs socioambientais, governos e doadores internacionais e nacionais poderiam ampliar o apoio a essas populações e à implementação das áreas com base nas experiências do PPG7 (Programa de Proteção das Florestas Tropicais do G7), que permitiu a homologação de 29 milhões de hectares de Terras Indígenas e o estabelecimento de 2,1 milhões de hectares de Reservas Extrativistas, e do Programa Áreas Protegidas da Amazônia (Arpa) (MMA, [200-?]), que possibilitou a criação de 32,3 milhões de hectares de UCs na Amazônia (Arpa, [2016?]) e apoia a implementação de longo prazo (Funbio, 2015; Brasil, 2015; Fundo Amazônia, [2016?]).
Movimentos religiosos têm participado de várias inciativas de apoio a povos da floresta (Calegare, 2014; Catholic News Service, 2009). Líderes religiosos e seus seguidores poderiam intensificar o apoio à conservação com base na Carta Encíclica do Papa Francisco (Igreja Católica, 2015), que clama pela conservação da floresta como parte do esforço para cuidar da casa comum (o Planeta), juntamente com a Comissão Episcopal para a Amazônia da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB, 2015).
A atuação das forças militares no combate ao desmatamento e à grilagem de terras públicas poderia ser intensificada nas áreas de maior conflito, dentro do planejamento de implementação da Política de Defesa Nacional (Brasil, 2005). Elas fazem parte do Conselho Nacional de Meio Ambiente e cooperam com órgãos ambientais, fornecendo apoio logístico em atividades de fiscalização ambiental (Menin, 2007). A aprovação do Projeto de Lei
nº 7.422/2014, que visa reconhecer as Polícias Militares como órgão seccional do Sistema Nacional do Meio Ambiente (Sisnama) (Xavier, 2016), poderia aumentar a eficácia dessa atuação ao permitir que todas as Polícias Militares possam lavrar autos de infração ambiental.
Além disso, os órgãos de controle como o Ministério Público e os Tribunais de Contas poderiam adotar medidas que tivessem um efeito sistêmico amplo na defesa das UCs como patrimônio público. Por exemplo, seria plausível que os Ministérios Públicos e os Tribunais de Contas buscassem a responsabilização dos gestores públicos que reduzem a área ou o grau de proteção de UCs para atender a demandas de ocupantes ilegais que esbulham o patrimônio público (caso das Flonas Jamanxim e Bom Futuro e da Resex Jaci-Paraná), com base na Lei de Responsabilidade do Presidente da República e dos Ministros de Estado[48] e na Lei de Improbidade Administrativa[49]. De fato, é surpreendente que isso ainda não tenha acontecido[50].
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[48] Ver art. 11, inciso 5 da Lei nº 1.079 de 10 de abril de 1950.
[49] Ver art. 10 da Lei nº 8.429 de 02 de junho de 1992.
[50] Uma analogia com outro patrimônio público ilustra a incoerência da falta de defesa das terras públicas na Amazônia: Se empresas estivessem saqueando os poços do pré-sal, o governo ficaria inerte e até criaria, por medidas provisórias, meios para que os saqueadores continuassem explorando os poços? Se o Presidente da República deixasse de proteger os poços, os órgãos de controle (MPF e TCU) deixariam de responsabilizá-lo diretamente?
5.2 Bloquear a demanda e o financiamento do desmatamento ilegal
Algumas empresas boicotaram produtos da Amazônia associados ao desmatamento quando pressionadas por medidas legais (TAC da Pecuária) e campanhas ambientais (Moratória da Soja), o que resultou na redução do desmatamento em áreas diretamente afetadas (Gibbs et al, 2015; Barreto & Gibbs, 2015). Além disso, bancos reduziram o financiamento que estimulava o desmatamento após determinação do Conselho Monetário Nacional (CMN) (Assunção et al, 2013). Todavia, o desmatamento continua por causa de falhas dessas iniciativas (Gibbs et al, 2015; Barreto & Gibbs, 2015) e porque apenas uma parte das empresas assinou compromissos. Por exemplo, 50% dos frigoríficos com registros estaduais (SIE) e federal (SIF) na região não assinaram compromissos contra o desmatamento (Pereira et al, no prelo). Além disso, em outubro de 2016, o Ibama multou o banco Santander, acusado de ter financiado plantio de soja em área desmatada ilegalmente (Rodrigues, 2016), o que demonstra que o financiamento ainda pode estar estimulando o desmatamento apesar de bancos terem declarado compromissos com a sustentabilidade (MMA, [2009?]). Portanto, é oportuno aumentar a pressão contra as empresas para que elas melhorem e ampliem seus compromissos em favor da sustentabilidade. Para isso, o Ministério Público e os órgãos ambientais poderiam ampliar a responsabilização das empresas que compram produtos oriundos de áreas desmatadas ilegalmente, como frigoríficos, e das que financiam tais atividades, como os bancos e as traders de grãos. Outra oportunidade é monitorar a implementação da Resolução nº 4.327/2014 (Bacen, 2014), que demanda que instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil estabeleçam e implementem a Política de Responsabilidade Socioambiental (PRSA).
Campanhas de ONGs e reportagens investigativas sobre empresas que descumprem as leis poderiam fortalecer as ações do Ministério Público e dos órgãos ambientais e proteger da competição injusta as empresas que cumprem as leis e os acordos.
Além de boicotar a produção ilegal, é essencial estimular a produção sustentável nas áreas já desmatadas fora das UCs. A pressão contra o mercado para produtos oriundos de áreas desmatadas ilegalmente começa a estimular o mercado e o financiamento para produção sustentável (TFA 2020 & WEF, 2017). Entretanto, o crédito público direcionado exclusivamente para as práticas mais sustentáveis no Brasil (Programa ABC – agricultura de baixo carbono) representará apenas 1,6% do total do crédito rural do país no Plano Safra 2016-2017 (Mapa, 2016). Segundo TFA2020 & WEF (2017), o setor financeiro poderia ajudar a ampliar a escala das iniciativas de produção sustentável ao se engajar mais fortemente com governos, produtores e parceiros das cadeias de suprimento (como traders, frigoríficos, redes de supermercados) para identificar as oportunidades e eliminar as barreiras.
5.3 Assegurar a sustentabilidade no longo prazo das Unidades de Conservação
Várias abordagens poderiam sustentar a conservação no longo prazo. O envolvimento tenderá a ser mais forte quando envolver experiências sensoriais e emocionais, como o turismo, expedições educacionais, eventos artísticos e esportivos. Tais atividades poderiam fortalecer a economia regional e criar um ciclo virtuoso – as UCs aumentariam o turismo que, por sua vez, aumentaria o desejo de conservar. Estima-se que o turismo em UCs já movimenta aproximadamente R$ 4 bilhões por ano, gera 43 mil empregos e agrega R$ 1,5 bilhão ao Produto Interno Bruto (PIB) (Portal Brasil, 2017). A oportunidade econômica é promissora, pois a riqueza de recursos naturais do Brasil é o item mais valorizado do país no ranking do Índice de Competitividade de Viagem e Turismo, produzido pelo Fórum Econômico Mundial (WEF, 2015).
Essa abordagem poderia juntar interesses ambientais, culturais e comerciais, de modo semelhante à experiência norte-americana com a criação de parques nacionais (Quadro 2). O ICMBio, o Ministério do Meio Ambiente e o Ministério do Turismo estão no caminho certo, buscando fortalecer a visitação às UCs, incluindo concessões para melhorar os serviços prestados (MTur, 2017; MMA, 2016), mas ainda com pouca capacidade na Amazônia. A região demandaria uma abordagem muito mais ousada, envolvendo outros setores, como foi a experiência norte-americana (Quadro 3).
Além de benefícios locais, a pesquisa científica mostra que conservar a Amazônia é estratégico para o desenvolvimento do país por causa das suas contribuições para a formação de chuvas que abastecem a agricultura, as hidrelétricas e o consumo industrial do Centro Sul do país (Nobre, 2014). Para engajar líderes nacionais que desconhecem a Amazônia, cientistas, educadores e outros profissionais poderiam desenvolver programas que combinam a apresentação das evidências científicas sobre a Amazônia com as experiências sensoriais e emocionais por meio de visitas de campo e outros meios (espetáculos, filmes etc.). Alguns casos ilustram a força dessas abordagens. Vários executivos e empresários internacionais que têm liderado iniciativas de sustentabilidade revelam que se interessaram pelo tema por causa de experiências diretas significativas. Em São Paulo, defensores públicos se engajaram mais na defesa sistêmica de melhorias de moradia em vez de tratar de casos isolados, após visita às favelas, guiada por um ativista local (Coslovsky, 2015). O presidente americano Theodore Roosevelt foi um dos mais ativos defensores do papel estratégico da conservação para o EUA, tendo criado parques nacionais e o Serviço Florestal Americano (Todd, 2013). Seu compromisso e capacidade de lidar com esses temas decorreram de sua ligação emocional com a conservação, cultivada por sua interação com a natureza desde criança e estudos, e de seu relacionamento próximo com especialistas (Ver relato de sua liderança em Todd, 2013).
Quadro 2.
Conservação como um dever nacional: envolvendo a elite na conservação norte-americana
O presidente Theodore Roosevelt liderou várias iniciativas para a conservação no longo prazo nos EUA[51]. Ele fez 25 grandes pronunciamentos sobre o tema e organizou, em 1908, a primeira Conferência da Casa Branca sobre Conservação. A conferência foi sugerida pelo secretário da Comissão de Águas Interiores para determinar a infraestrutura necessária para o abastecimento de água da população. Roosevelt convidou seus ministros, governadores e representantes de 70 organizações nacionais, desde empresários até a líder da Federação Geral dos Clubes de Mulheres. Sua palestra Conservação como um Dever Nacional foi baseada em estudos de sua equipe e em um discurso de engajamento: a necessidade de conservar as riquezas naturais como um dever patriótico e de garantia do progresso do país. Para reforçar o engajamento, os convidados dormiram, jantaram e almoçaram na Casa Branca. A partir da conferência, no ano seguinte foi criado um grupo que publicou o inventário dos recursos naturais do país.
Quadro 3.
Veja Primeiro a América: a campanha que intensificou o turismo e a conservação nos EUA[52]
Nos EUA, a criação e a proteção de UCs foi ajudada por uma campanha iniciada por um publicitário da Associação Comercial da cidade de Salt Lake City (Utah) para impulsionar o turismo no Oeste americano. A campanha Veja Primeiro a América, que durou dez anos, envolveu empresários, políticos, conservacionistas, artistas para mobilizar a criação de áreas, infraestrutura e serviços. A beleza cênica das áreas foi usada como o ponto central de atração e a justificativa da proteção e incluiu vários elementos retóricos, como o patriotismo. Em 2014, os parques nacionais norte-americanos geraram 277 mil empregos, contribuíram com cerca de US$ 30 bilhões para a economia do país, com seus 330 milhões de visitantes (Greenberg, 2015).
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[51] Baseado em Todd (2013).
[52] Idem nota 51.
Tabela 1. Exemplos de necessidades e oportunidades para proteger as Unidades de Conservação para diversos atores governamentais, privados e da sociedade civil
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[53] Eventualmente, o assassinato de líderes amplamente conhecidos constrange o poder público a fortalecer a proteção ambiental, como ocorreu com Chico Mendes e Dorothy Stang (Lemos & Roberts, 2008).
[54] Por exemplo, 1,4 milhão de pessoas assinaram iniciativa popular pelo desmatamento zero (Greenpeace, 2016).
[55] Por exemplo, os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e a Declaração de Florestas de Nova York.
Apêndice – Desequilíbrio na distribuição de analistas ambientais do ICMBio e do Ibama entre as regiões do país
Em agosto de 2016, o ICMBio contava com 1.069 analistas ambientais para gerir mais de 77 milhões de hectares de UCs federais em todo o Brasil. Comparando as regiões do país, observamos que a tendência de redução no número de analistas ambientais do ICMBio ocorreu apenas nas regiões Centro-Oeste e Norte brasileiras, mas a situação é mais grave no Norte (Figura 1), que abriga a maioria dos estados da Amazônia Legal e 82% da área total de UCs federais do país. O desequilíbrio entre as regiões fica mais evidente quando dividimos a quantidade de hectares de UC existente em cada região pelo número de analistas de que dispõem. A região Norte é a que possui a pior relação área de UC/analista ambiental, 309.625 hectares, área 35 vezes maior que a gerida por um analista no Sudeste (Figura 2).
Figura 1. Número de analistas ambientais do ICMBio lotados por região do Brasil entre 2008 e agosto de 2016
Figura 2. Relação entre número de analistas ambientais do ICMBio e área de Unidade de Conservação por região do Brasil
A região Norte também vem perdendo analistas ambientais do Ibama, que auxiliam na fiscalização das UCs. A comparação entre as regiões brasileiras evidencia que as únicas que apresentaram redução no número de analistas ambientais entre 2009 e 2015 foram o Norte e o Nordeste, com 32% e 19%, respectivamente (Figura 3).
Figura 3. Número de analistas ambientais do Ibama lotados por região do Brasil entre 2008 e 2015