Brito, B., Barreto, P. 2020. Nota técnica sobre Medida Provisória n.º 910/2019. Belém: Imazon.
O Congresso Nacional começa 2020 com a tarefa de decidir sobre a Medida Provisória (MP) n.º 910/2019, que visa mudar, novamente, a Lei de Regularização Fundiária, apenas dois anos após sua última modificação (Lei n.º 11.952/2009). O governo federal argumenta que essa MP é necessária para fazer justiça aos que aguardam, há anos, a regularização de suas posses legítimas. Porém, a legislação atual já prevê a regularização de tais posses (ocorridas até 2011) com várias facilidades, como cobrança de baixos valores na titulação de médios e grandes imóveis. Na prática, a MP beneficiará casos recentes de grilagem, que é o roubo de terra pública, pois:
– Possibilita a anistia ao crime de invasão de terra pública àqueles que o praticaram entre o final de 2011 e 2018, além de permitir a titulação de áreas públicas desmatadas ilegalmente nesse período;
– Regulariza sem licitação quem ocupou terra pública entre o final de 2011 e 2018, criando uma barreira à livre concorrência, já que dispensa a competição para determinar quem teria as melhores propostas para uso da terra;
– Amplia a concessão de subsídios custeados pela sociedade brasileira que, só na Amazônia, podem chegar a R$ 88 bilhões (1/4 do valor de mercado da Petrobras) pelo baixo valor cobrado na venda da terra pública (até 98% abaixo do valor de mercado de terras); 
– Promove um “Refis fundiário” ao conceder uma terceira prorrogação de prazo de renegociação aos titulados que descumpriram regras, e acaba estimulando a inadimplência, uma vez que cria a expectativa de que as obrigações nunca serão cobradas;
– Contraria uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), pois amplia a regra de emissão de títulos com dispensa de vistoria sem criar um procedimento robusto de checagem de banco de dados já disponíveis.
Do ponto de vista ambiental, a medida vai na contramão do que precisa ser feito para reduzir o desmatamento na Amazônia, que em 2019 atingiu a maior taxa anual dos últimos dez anos (9.762 km2). Isso, porque parte da destruição que ocorre na floresta amazônica é causada por pessoas que visam lucrar com a terra pública, pois invadem as nossas florestas e as desmatam esperando que o governo emita o título de terra cobrando valores abaixo do mercado. Essa prática garante altos lucros com a venda do imóvel após a titulação. 
Assim, se aprovada, essa MP premiará com um título as invasões recentes (2011-2018) e poderá estimular um novo ciclo de ocupação, apostando que novas invasões também possam ser anistiadas no futuro. A continuidade desse ciclo de legalização de invasões na Amazônia pode levar ao desmatamento adicional de até 16 mil km2 até 2027, caso uma área pública federal de 19,6 milhões de hectares na região seja privatizada. Além disso, a MP pode aumentar o risco já existente de perda de investimentos no Brasil por conta da degradação ambiental na Amazônia.
Por isso, recomendamos que o Congresso Nacional rejeite a MP n.º 910/2019. Para contribuir com a solução para a falta de clareza fundiária na Amazônia, o Congresso deveria demandar e propor medidas que aumentem a capacidade limitada do governo para: i) atender às demandas de titulação que cumprem os requisitos legais; ii) retomar terras públicas invadidas ilegalmente, nos casos em que os invasores não cumprem os requisitos de regularização, ou quando as áreas pleiteadas possuem outras prioridades legais de destinação; e iii) cumprir a prioridade legal de reconhecimento territorial de territórios indígenas, de populações quilombolas, de populações tradicionais e de conservação. 
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