Mudanças propostas pioram a legislação atual e incentivam a continuidade do ciclo de roubo e destruição de florestas públicas

 

Desmatamento em Rondonia Greenpeace - Relatório dos PLs da Grilagem aumenta retrocessos e mantém possibilidade de anistiar desmatamentos futuros, aponta análise do Imazon
Área de floresta desmatada em Rondônia (Foto: Greenpeace)

 

Imagine alguém roubando uma viatura de polícia, vendendo as peças para justificar o uso e ainda solicitando a posse legalizada do carro ao governo. Parece absurdo? E o que você acharia se o governo ainda incentivasse a transferência da posse da viatura para o ladrão, a vendendo por um preço muito menor do que no mercado? É inimaginável?

Pois com as florestas públicas é exatamente isso que acontece: roubo, desmatamento para justificar o uso da terra e obtenção de título a preço de banana. Situação que ainda pode ficar pior caso flexibilizações na lei atual sejam aprovadas, como as contidas no relatório dos PLs da Grilagem, apresentando no Senado nesta quarta-feira (08).

De autoria do senador Carlos Fávaro (PSD-MT), o texto agrega elementos das duas propostas legislativas sobre o tema que tramitam na Casa: a 2.633/2020, já aprovada na Câmara, e a 510/2021, criada no próprio Senado. Ambos foram apelidados de “PLs da Grilagem” por reunirem uma série de retrocessos na principal lei de regularização fundiária federal (11.952/2009).

O texto do relatório permite que terras públicas invadidas e desmatadas até 2017 possam ser privatizadas sem licitação, o que seria uma extensão de seis anos em relação à lei atual. Além disso, autoriza a venda via licitação áreas ocupadas ilegalmente após essa data e até mesmo após a publicação da nova lei, caso aprovada. Ou seja: na prática, possibilita anistiar até os desmatamentos que vierem a ocorrer no futuro, assim como as redações dos PLs.

Outros incentivos à apropriação e à devastação do nosso patrimônio ambiental também foram transferidos dos projetos para o relatório. Entre eles, estão a permissão para a reincidência na invasão de terras públicas e a criação de mais benefícios a médias e grandes áreas ocupadas ilegalmente, incluindo a redução de preço a quem já é proprietário de um imóvel rural e pretende obter um título da União.

A redação do relatório ainda aumenta o risco de titular imóveis que estão sob conflito, pois dispensa a vistoria prévia para a privatização de áreas com até 1.500 hectares. Atualmente, essa dispensa é permitida excepcionalmente para imóveis da agricultura familiar, de até 400 hectares. Outro risco é a ampliação da possibilidade de extinção de projetos de assentamento para promover a privatização de áreas ocupadas ilegalmente, o que pode colocar em risco áreas destinadas às populações agroextrativistas.

Lei atual já permite reconhecer ocupações iniciadas até 2011

As análises são do documento “Avaliação do relatório do senador Carlos Fávaro sobre projetos de lei de regularização fundiária”, publicado nesta quarta-feira pelo Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon). De autoria da pesquisadora Brenda Brito, que estuda as relações entre direito e meio ambiente há mais de 18 anos, a publicação reitera a necessidade do Congresso de barrar essas propostas. Argumento que ganha ainda mais força em um cenário de desmatamento recorde e crises hídrica, energética e econômica, todas relacionadas com a destruição da floresta e o aumento do aquecimento global.

“Os textos dos PLs e do relatório têm como objetivo legalizar áreas públicas da União invadidas e desmatadas ilegalmente depois de 2011, que é a data limite da legislação atual. Não estamos falando de fornecer a posse das terras àquelas famílias que foram incentivadas pelos governos do passado a ocuparem áreas públicas, pois essas já possuem previsão legal e facilidades para obterem os títulos das áreas”, explica Brenda.

Segundo a pesquisadora, também é importante ressaltar que já é possível identificar os autores de desmatamento ilegal de florestas públicas em 70% dos casos. Isso ocorre por meio do cruzamento de imagens de satélites das áreas destruídas com os registros no Cadastro Ambiental Rural (CAR), documento autodeclaratório necessário para obtenção de um título de terra.

“Se quiser realmente responsabilizar os desmatadores, o governo já pode fazer isso usando dados disponíveis no Cadastro Ambiental Rural. Até mesmo os Tribunais de Justiça têm considerado esse tipo de dado válido para punir desmatadores. Ou seja: o governo já poderia multar quem desmata ilegalmente. Mudar a lei para titular esses imóveis desmatados será um prêmio, e não uma punição”, alerta.

Essa análise desmente afirmações de parlamentares que se dizem a favor das mudanças na lei pelo fato de que é preciso conhecer os donos das terras para cobrar a responsabilização pelo desmatamento. Apresentado nesta quarta-feira por Fávaro às Comissões de Meio Ambiente (CMA) e de Agricultura (CRA) do Senado, o relatório está, a princípio, sob vistas coletivas até a próxima quarta-feira (15).


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