BARRETO, Paulo; PEREIRA, Ritaumaria; ROCHA, Arthur José da Silva; Da “escassez” à abundância: O caso da pecuária bovina na Amazônia. Belém: Amazônia 2030/Imazon, 2024.
É necessário e possível gerar mais benefícios socioeconômicos nas áreas já desmatadas da Amazônia. Um caminho é triplicar a produtividade dos pastos que ocupam 80% da área em uso agropecuário na região
Em 2022, a pecuária bovina na Amazônia Legal ocupava cerca de 75 milhões de hectares ou o equivalente a 80% da área agropecuária na região (total de 95 milhões de hectares), segundo dados do Mapbiomas (Mapbiomas Brasil, 2023). Porém, 54% dos pastos (40 milhões de hectares) estavam com algum grau de degradação, o que equivalente a duas vezes o território do Paraná.
A ineficiência do uso da terra resulta em baixos indicadores socioeconômicos. O rendimento médio dos trabalhadores do setor é de R$1.118/mês, equivalente a 34% menor do que o rendimento médio dos trabalhadores da região. Além disso, apenas 23% dos trabalhadores da pecuária eram formalizados em comparação com a média de 41% de todos os trabalhadores da região (Gonzaga et al., 2021).
Embora existam tecnologias e crédito rural para uma pecuária mais produtiva, o desperdício continua por causa de políticas que incentivam o desmatamento e pela escassez, baixa eficácia e impermanência de outros fatores que induziriam o uso mais produtivo da terra. Por exemplo, a regularização de terras ocupadas ilegalmente incentiva o desmatamento especulativo e desestimula a manutenção e melhoria dos pastos. Apesar da maioria dos pastos estarem degradados, quase todo crédito rural usado na região para a pecuária (quase R$ 10 bilhões em 2021) foi para a aquisição de gado. Uma parte ínfima foi para a melhoria dos pastos. Ao mesmo tempo, são escassas as outras condições para melhorar a produtividade como infraestrutura, educação rural e assistência técnica.
Recomendamos neste artigo políticas parar tornar a pecuária mais produtiva com benefícios socioeconômicos e redução do impacto ambiental.
Estudos mostraram que o plano de combate ao desmatamento entre 2003 e 2012 induziu os fazendeiros a aumentar a produtividade do uso das terras (Garrett et al., 2018b; Gil et al., 2016; Koch et al., 2019; Veríssimo et al., 2022. Portanto, é essencial assegurar a execução do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAM) que foi retomado com sucesso em 2023 (Brasil, 2023ª)(1). O eventual enfraquecimento do PPCDAM desestimularia o uso mais produtivo das terras, agravaria os extremos climáticos como secas e enchentes (Lawrence et al., 2022) e aumentaria os boicotes aos produtos agropecuários e de financiamento, tanto para a região quanto para o país (Ver análise em Barreto & Brito, 2023). A cobrança efetiva do Imposto Territorial sobre a Propriedade Rural (ITR) que é largamente sonegado também induziria o uso mais produtivo das fazendas.
Para aumentar a produtividade os fazendeiros devem melhorar o cultivo e manejo do pasto (pastejo rotacionado), o cuidado sanitário dos animais e o treinamento de pessoal. A adoção destas tecnologias já disponíveis pode aumentar a produtividade média do gado bovino de 80 kg/hectare/ano para 300 kg por hectare/ano (Silva e Barreto (2014)(2). Este ganho de produtividade permitiria atender o aumento de demanda projetada até 2030 e ainda reduzir 37 milhões de hectares de pastos (Veríssimo et al., 2022). As áreas que sobrariam poderiam gerar receitas com outros usos como a restauração florestal para produzir madeira e serviços ambientais. O crescente mercado para a captura de carbono por meio de restauração florestal (World Economic Forum, 2021) possibilitaria receitas adicionais para os proprietários rurais.
Para facilitar e acelerar a adoção das melhores práticas o governo deve focar suas políticas. Em dezembro de 2023, o Governo Federal instituiu o Programa Nacional de Conversão de Pastagens Degradadas que visa a recuperação e conversão de até 40 milhões de hectares de pastagens de baixa produtividade. Esse e outros planos devem ser concentrados nas zonas próximas dos frigoríficos existentes, pois estudos mostram que os fazendeiros mais próximos do mercado são mais propensos a adotar inovações. Em grande medida isso acontece por que nestas zonas os custos são menores para a aquisição de insumos e provisão de serviços como educação e assistência técnica. Estimamos que os pastos necessárias para abastecer a demanda projetada até 2030 estão localizadas até 60 km dos atuais frigoríficos na Amazônia. Portanto, o governo deveria focar nestas zonas o
crédito rural e os outros fatores necessários como assistência técnica e educação que são escassas na região. Além disso, o governo deveria direcionar o crédito rural prioritariamente para a melhoria de pastagens. Com o crédito rural contratado na região (R$ 9,5 bilhões em 2021), seria possível reformar em cinco anos os 15 milhões de hectares de pastos degradados nas zonas até 60 km dos frigoríficos.
PRINCIPAIS MENSAGENS
— Em 2022, a pecuária bovina na Amazônia Legal ocupava cerca de 75 milhões de hectares, o que equivale a 80% da área agropecuária na região. No entanto, 54% dos pastos estavam em algum grau de degradação.
— A ineficiência do uso da terra resulta em baixos indicadores socioeconômicos. O rendimento médio dos trabalhadores do setor é de R$1.118/mês, 34% menor do que o rendimento médio dos trabalhadores da região.
— Apesar da existência de tecnologias e crédito rural para uma pecuária mais produtiva, o desperdício persiste devido a políticas que incentivam o desmatamento e à escassez de outros fatores que induziriam o uso mais produtivo da terra.
— O artigo recomenda políticas para tornar a pecuária mais produtiva com benefícios socioeconômicos e redução do impacto ambiental. É essencial assegurar a execução do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAM) para induzir a adoção de práticas mais produtivas.
— Para aumentar a produtividade, os fazendeiros devem melhorar o cultivo e manejo do pasto, o cuidado sanitário dos animais e o treinamento de pessoal. A adoção dessas tecnologias pode aumentar a produtividade média do gado bovino de 80 kg/hectare/ ano para 300 kg por hectare/ano.
— O governo deve focar suas políticas para facilitar e acelerar a adoção das melhores práticas na pecuária. Os planos do governo devem ser concentrados nas zonas próximas dos frigoríficos existentes, pois os fazendeiros mais próximos do mercado são mais propensos a adotar inovações.
— Os pastos necessários para abastecer a demanda projetada até 2030 estão localizados até 60 km dos atuais frigoríficos na Amazônia. Portanto, o governo deveria focar nestas zonas o crédito rural e os outros fatores necessários como assistência técnica e educação. O governo deveria direcionar o crédito rural prioritariamente para a melhoria de pastagens. Assim, seria possível reformar em cinco anos os 15 milhões de hectares de pastos degradados nas zonas até 60 km dos frigoríficos.