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A Ameaça à Biodiversidade na Amazônia Oriental (n° 6)

RESUMO

Após trinta anos de desenvolvimento agressivo, está claro para nós que a Amazônia Oriental é rica em recursos naturais e que o homem está determinado a explorá-los. O objetivo desse trabalho é discutir os impactos do uso dos recursos naturais na biodiversidade animal e vegetal dessa região. Para isso, iremos considerar as principais atividades econômicas que afetam os ecossistemas terrestres e aquáticos do Pará. No caso dos ecossistemas terrestres, iremos nos concentrar na extração seletiva de madeira, a qual representa uma alteração significativa da estrutura da floresta, e nas aberturas de floresta para a implantação de pastagens, que representam a remoção completa da estrutura do ecossistema florestal. No caso dos ecossistemas aquáticos, nossa atenção estará voltada para as alterações significativas da sua estrutura, ocasionadas pelo processamento de sedimentos dos rios para extrair ouro, bem como para a sua remoção completa, causada pela construção de barragens de usinas hidrelétricas. Ao analisar os impactos dessas quatro atividades na biodiversidade, consideramos os impactos diretos sobre espécies no local da atividade e também os impactos biológicos que podem se estender através do ar ou da água a ecossistemas ainda intocados. Concluiremos este artigo considerando o que pode ser feito para reconciliar os objetivos de desenvolvimento e conservação na Amazônia Oriental.

INTRODUÇÃO

A Amazônia esta transbordando de vida. Porém, as atividades humanas estão cada vez mais em conflito com a saúde e a longevidade dessa vida natural. As tensões começaram séculos atrás com a chegada de comerciantes e caçadores de fortuna. Atualmente continuam com a ocupação da Amazônia por colonos, fazendeiros, madeireiros, garimpeiros e grandes empresas hidroelétricas. A abundância de espécies das florestas e ambientes aquáticos servem como meio de vida para alguns colonizadores e como fonte de riqueza e poder para outros.

A exploração e colonização da Amazônia está concentrada na parte sul e leste da Bacia. Em nenhum outro lugar da Amazônia esse avanço humano é mais aparente do que no Estado do Pará. Embora o Pará ocupe apenas um terço da área da Amazônia brasileira, é responsável por mais da metade da produção de madeira, gado e minerais da região (IBGE, 1987).

No Estado do Pará, as atividades econômicas de uso da terra (por exemplo, pecuária e extração madeireira) estão associadas aos sistemas de estradas, enquanto as atividades baseadas em ambientes aquáticos (por exemplo, garimpo e construção de barragens) estão associadas aos tributários que fluem a partir do escudo da Guiana, ao norte, e do escudo Brasileiro ao sul do rio Amazonas (Figura 1). O Pará é conhecido por sua diversidade geológica, topográfica e climática (Daly e Prance, 1989), abrigando muitos tipos de vegetação e comunidade de animais. Florestas sempre-verdes de terra firme ocupam áreas significativas abaixo do rio Amazonas até a parte central do Estado do Pará. Florestas semidecíduas, florestas de palmeiras e florestas de cipós estão concentradas em regiões de transição, onde as florestas altas gradualmente se misturam na vegetação de cerrado. Formações isoladas de florestas de montanhas baixas ocorrem na região dos depósitos de ferro de Carajás. Vegetações tipo savana são comuns no norte do rio Amazonas, na parte oriental da ilha do Marajó e nas cabeceiras do rio Tocantins (Prance e Brown, 1987). Enquanto isso, o baixo Amazonas e seu estuário contêm uma rica mistura de ecossistemas aquáticos que incluem florestas sazonalmente ou diariamente inundadas (influência das marés), campos naturais e lagos de várzea.

Figura 1. O estado do Pará na Amazônia Oriental. O mapa mostra a localização das atividades de exploração madeireira, pecuária, garimpos e construção de hidrelétricas

RESULTADOS E DISCUSSÕES

Impactos das atividades no meio terrestre sobre a biodiversidade

Uma alteração significativa na estrutura dos ecossistemas terrestres – o caso da atividade madeireira

A extração de madeira tem sido praticada em pequena escala por vários séculos na Amazônia em áreas de floresta acessíveis por água. Entretanto, um grande salto na exploração de madeira ocorreu no final da década de 70, com a implantação de uma rede confiável de estradas no leste do Pará. Essas estradas, como a rodovia Belém-Brasília (Figura 1), ligaram imensas áreas de floresta de terra firme a regiões densamente povoadas e com escassez de madeiras, como o Nordeste e a região industrializada do Sudeste do Brasil. O avanço na Amazônia ocorreu justamente quando os estoquesmadeireiros no restante do Brasil estavam quase esgotados.

Atualmente, existem quatro padrões distintos de exploração madeireira na Amazônia Oriental, cada qual com sua própria razão de ser, benefícios econômicos e impactos potenciais sobre a biodiversidade regional. Em regiões de novas fronteiras, onde estradas foram abertas recentemente (por exemplo, ao longo da rodovia PA-150, Figura 1), a extração madeireira é extremamente seletiva. Apenas poucas dezenas de espécies são procuradas e apenas os indivíduos maiores e com boa formação de fuste são removidos (2-3 indivíduos extraídos/ha) (Uhl et al., 1991). Em áreas de fronteiras mais antigas (por exemplo, ao longo da rodovia Belém-Brasília), a extração madeireira é mais intensiva (5-10 indivíduos extraídos/ha). Por exemplo, na cidade de Paragominas, cerca de 115 serrarias processam mais de 100 espécies diferentes. A extração de madeira é feita com maquinaria pesada, e os impactos na floresta são grandes, com dois metros cúbicos de madeira danificados para cada metro cúbico extraído (Veríssimo et al., 1992).

Ambas as formas de extração de madeira, seletiva e não seletiva, também ocorrem nas florestas de várzea da Amazônia Oriental. A extração seletiva é feita nas áreas mais remotas do baixo Amazonas. A principal espécie de interesse é a Virola surinamensis. Os impactos desse tipo de extração são poucos, pois geralmente a extração é feita manualmente e apenas 1 a 3 indivíduos são extraídos por hectare. Ao mesmo tempo, com a recente implantação de milhares de pequenas serrarias familiares no baixo Amazonas, iniciou-se um novo sistema de atividade madeireira na várzea. Essas serrarias familiares fornecem madeira para a indústria da construção civil regional e sãoespecializadas em toras de pequeno diâmetro (15 cm – 60 cm). Conseqüentemente, as florestas que foram intensamente exploradas para suprir essas serrarias são deixadas abertas e com pouca madeira.

Impactos da exploração madeireira na biodiversidade local. Recentemente, analisamos cerca de 350 espécies arbóreas que estão sendo extraídas atualmente na Amazônia brasileira para uso madeireiro. Sabendo as características ecológicas dessas espécies, podemos distinguir entre as espécies que podem estar ameaçadas pela exploração madeireira, assim como aquelas que podem estar sendo favorecidas por essa atividade (Figura 2). Por exemplo, as espécies madeireiras que estão limitadas geograficamente à Amazônia Oriental, as que são fracamente representadas na regeneração da floresta, as que não se regeneram bem em clareiras, as que não brotam, e as que têm casca fina (i.e., são sensíveis ao fogo) podem estar sendo ameaçadas pela atividade madeireira. Por outro lado, as espécies que ocorrem por toda a Amazônia, que estão bem representadas na regeneração da floresta, que crescem rapidamente, brotam bem após o corte, e que têm casca grossa (i.e., são resistentes ao fogo) provavelmente podem resistir à pressão da exploração madeireira, podendo até ocorrer um aumento de suas populações em resposta a essa atividade.

Figura 2. As espécies potencialmente ameaçadas pelas atividades de extração de madeira na Amazônia possuem características tais como extensão geográfica limitada, casca fina (i. e., sensível ao fogo), incapacidade para brotar, e baixa representação na regeneração da floresta (por exemplo, em clareiras). Enquanto as espécies favorecidas pela exploração madeireira apresentam características opostas.

De acordo com esse raciocínio, desenvolvemos um sistema simples de pontos para classificar a flora madeireira atual da Amazônia, distinguindo as espécies com a maior e a menor probabilidade de experimentar a redução de população como resultado da pressão madeireira (Martini, Rosa e Uhl, 1994) (Figura 2). Nesse sistema, as características ecológicas que seriam desvantajosas (por exemplo, população esparsa, regeneração fraca, crescimento lento, alta sensibilidade ao fogo) têm valor de ponto “um”, enquanto as características que podem conferir vantagem têm valor de ponto “três”. As características intermediárias, por sua vez, recebem valor de ponto “dois”. A soma dos pontos das várias características de uma dada espécie fornece uma indicação da sensibilidade da espécie à pressão madeireira. Utilizando esse sistema, encontramos que 59 das 330 espécies madeireiras que estão sendo atualmente extraídas na Amazônia possuem características biológicas que as deixam suscetíveis à redução de população frente à intensa pressão madeireira.

Esse exercício é importante primeiro porque mostra que as informações adequadas para começar a predizer quais são as espécies vegetais mais sensíveis às atividades humanas estão agora disponíveis em coleções e na mente dos biólogos. O mesmo exercício pode ser feito no caso do garimpo, construção de barragens e pecuária. Segundo, essa lista é um modo pragmático de desenvolver prioridades para a pesquisa vegetal na Amazônia Oriental. Em nosso ponto de vista, a prioridade deveria ser dada ao estudo das espécies madeireiras com características que as tornam vulneráveis à pressão madeireira.

A exploração de madeira pode também afetar outros organismos, além das próprias espécies madeireiras. De fato, muitas espécies de pássaros e mamíferos dependem das espécies madeireiras para se alimentar. Estimamos que 42% da flora de espécies madeireiras servem de alimento aos mamíferos e 41% aos pássaros (Martini, Rosa e Uhl, 1994). É possível que populações de animais que dependem fortemente das espécies madeireiras experimentem reduções populacionais e erosão genética à medida que as espécies da qual elas dependem sejam eliminadas. Além disso, grupos animais com pouca capacidade de regulação de temperatura, como os anfíbios, poderão começar a evitar as florestas exploradas por causa do ambiente quente e seco dessas áreas. Por outro lado, outros grupos de animais podem também ser beneficiados pelas novas condições presentes após a extração madeireira. Por exemplo, os decompositores, como o besouro da madeira, podem experimentar explosões populacionais.

Impactos da exploração madeireira na biodiversidade regional. A exploração madeireira pode também causar impactos mais abrangentes na paisagem da Amazônia. De fato, nas áreas de fronteira, a extração seletiva de madeira freqüentemente é um catalisador que leva ao desmatamento total. Por exemplo, equipes de madeireiros, nos arredores do rio Xingu (Figura 1), abrem centenas de quilômetros de estradas madeireiras por ano na extração de apenas uma espécie, Switenia macrophilla (mogno). Essas estradas servem como avenidas dentro da floresta: a extração seletiva de mogno freqüentemente precede ao completo desmatamento de larga escala por agricultores de subsistência ou pecuaristas.

Mesmo quando a extração não está diretamente ligada ao desmatamento, ela pode, principalmente quando é mais intensa, afetar ecossistemas regionais. Resultados preliminares de Paragominas, no leste do Pará, indicam que a evapotranspiração nas áreas recentemente exploradas pode ser significativamente menor que na floresta intacta (D.Nepstad e P.Jipp, comunicação pessoal). Considerando que uma parte significativa das chuvas da Amazônia são derivadas de fontes locais (Salati, 1987), a extração de madeira pode contribuir para reduções nas precipitações regionais, causando efeitos ainda desconhecidos em sua biodiversidade.

Além disso, áreas intensivamente exploradas, por serem mais abertas, são mais suscetíveis ao fogo. Com base em entrevistas com proprietários de florestas, estimamos que até a metade da área de floresta explorada no município de Paragominas poderia experimentar incêndios florestais (Uhl e Buschbacher, 1985). Devido ao fato de que muitas das espécies madeireiras têm casca fina, a mortalidade e, portanto, a perda de carbono podem ser altas nesses incêndios. Essa perda de carbono é uma entre um complexo de fontes que contribuem para o aquecimento global com possíveis efeitos na biodiversidade.

A remoção completa da estrutura dos ecossistemas terrestres – o caso da conversão da floresta em pastagens

No curto intervalo de tempo de 1965 a 1990, cerca de 13% do Pará foi desmatado. A maioria dessa área foi convertida em pastagem. Embora a conversão da floresta em pastagem tem sido rotineiramente criticada como não-econômica e ecologicamente danosa, o rebanho bovino na Amazônia Oriental continua a aumentar. No decorrer da década de 90, a pecuária continua a se expandir nos ecossistemas de terra firme e de várzea. Atualmente, a pecuária é parte integrante da paisagem tanto nas áreas de coloni-zação recente quanto nas mais antigas; e é o uso da terra preferido entre pequenos agricultores e grandes proprietários. Tudo indica que a pecuária irá aumentar em importância na Amazônia nos próximos anos.

Impactos da pecuária na biodiversidade local. Quando um hectare de floresta é convertido em pastagem, um complexo ecossistema planta-animal-ar-solo-água é transformado. O resultado é um ecossistema simplificado. Ao invés de milhares de espécies animais e vegetais formando centenas de toneladas de biomassa espalhadas intrincadamente em mais de 40 m de espaço vertical, forma-se um campo contendo poucas dezenas de espécies com cerca de 10 toneladas de biomassa/ha compactadas num espaço vertical de 1 m. As condições físicas nas pastagens diferem dramaticamente daquelas encontradas na floresta. A estrutura aberta e baixa das pastagens resultam numa maior variação extrema da temperatura do solo e do ar e num maior déficit de pressão de vapor, comparado com o sub-bosque da floresta (Nepstad, 1989).

Algumas espécies florestais conseguem persistir nas pastagens. Num estudo em treze pastagens abandonadas, localizadas nos arredores de Paragominas, Uhl, Buschbacher e Serrão (1988) encontraram 94 espécies arbóreas presentes como brotamentos. Muitas dessas espécies estavam presentes na floresta original e rebrotaram nas pastagens. Algumas espécies de animais volantes também ocorrem na pastagem e na floresta. Por exemplo, 14 das 387 espécies de pássaros e 10 das 22 espécies de morcegos encontradas na região de Paragominas foram observadas movendo-se entre ambientes de floresta e áreas abertas (J. M. Cardoso da Silva, não publicado). Apenas uma pequena minoria das muitas espécies animais e vegetais existentes na floresta consegue tolerar as condições abertas presentes nas áreas desmatadas.

Esse subgrupo de espécies tolerantes, juntamente com um grupo de espécies exóticas invasoras, irão formar a fauna e flora futura da Amazônia. No caso das plantas, a flora futura será composta por aquelas espécies que persistem nas áreas abertas e/ou aquelas que conseguem se estabelecer nessas áreas. Portanto, as espécies que brotam rapidamente, resistem ao fogo, têm sementes e folhagem não atrativas aos herbívoros, são resistentes à seca, poderão predominar nessas paisagens alteradas. No caso dos animais, poderão prevalecer as espécies tolerantes que possuem hábitos alimentares e habitat extremamente flexíveis. Essa biota futura, composta de espécies rústicas e generalistas, pode conter apenas uma pequena parte da biodiversidade existente atualmente.

Impactos da pecuária na biodiversidade regional. Quando consideramos os impactos da conversão da floresta em pastagem na biodiversidade, ficamos tentados a ressaltar apenas a área de solo que foi desmatada, e considerar como perda de biodiversidade apenas a diferença na riqueza de espécies entre a floresta virgem e a área aberta. Entretanto, a conversão da floresta em pastagem na Amazônia Oriental pode também estar afetando ecossistemas ainda intocados, localizados distantes da área de pastagens. Por exemplo, a conversão em pastagem leva à perda de cerca de 1.600 kg/ha de nutrientes (NPK), os quais são lixiviados do ecossistema (cálculo baseado em dados de Buschbacher et al., 1988). Esses nutrientes eventualmente são levados para rios e igarapés e podem causar um aumento de produtividade, levando ao domínio de certos grupos aquáticos e à eliminação de outros.

Em segundo lugar, o carbono existente no ecossistema de pastagem, após 10 anos de uso, é de apenas 10% do encontrado na floresta original (Nepstad, 1989). Portanto, cerca de 160 toneladas de carbono são liberados para a atmosfera quando as florestas são convertidas em pastagens. Essa emissão de carbono pode contribuir para o aquecimento global com possíveis efeitos na biodiversidade regional.

E, finalmente, a conversão de florestas em pastagens pode afetar a precipitação regional. A rede radicular nas pastagens é mais superficial que na floresta. Desta maneira, os ecossistemas de pastagem podem ter menos acesso à água do solo e uma menor evapotranspiração anual do que os ecossistemas de floresta (Nepstad et al., 1991). Isso poderia levar à diminuição na precipitação regional (Salati, 1987). Por sua vez, reduções na precipitação regional, podem levar a secas prolongadas, aumento de incêndios florestais e a modificações na vegetação. Além disso, à medida que a evapotranspiração é reduzida nas pastagens, aumenta a erosão hídrica e a probabilidade de inundações regionais.

Considerando esse raciocínio, é fácil, ao menos, imaginar como essas modificações nos ecossistemas terrestres provocados pela conversão de floresta em pastagens poderiam representar uma ameaça mais ampla à biodiversidade regional. Os nutrientes liberados nas pastagens podem ser levados aos igarapés próximos, aumentando a produtividade primária e simplificando as relações tróficas; a perda de carbono e baixa taxa de evapotranspiração nas pastagens podem conduzir de forma lenta, mas inexorável, a um clima regional mais seco e quente.

Relação entre pecuária e exploração madeireira

Nós já mostramos como as atividades madeireiras e pecuária podem afetar a biodiversidade local e regional. Está claro que os impactos ecológicos da pecuária são muito mais severos do que os da atividade madeireira. O que é menos aparente são as ligações entre essas duas atividades.

A maior parte das terras na Amazônia Oriental, com floresta ou desmatada, pertence aos pecuaristas. Uma fazenda típica pode desmatar um terço da sua área e manter dois terços de floresta. Os fazendeiros vendem o direito de exploração das suas matas para as empresas madeireiras. Assim, a atividade madeireira e pecuária ocorrem lado-a-lado (Figura 1). A pecuária pode afetar indiretamente as áreas de florestas existentes nos arredores. Por exemplo, os pecuaristas geralmente usam o fogo para combater as plantas daninhas arbustivas e favorecer as gramíneas nas pastagens. Entretanto, durante períodos excepcionalmente secos, o fogo adentra nas florestas exploradas causando muitos danos, principalmente para as espécies de plantas e animais sensíveis a ele (Uhl e Buschbacher, 1985).

Observações sobre o uso do capital gerado pela atividade madeireira revelam uma outra interação importante entre as duas atividades em questão. Os pecuaristas estão usando os lucros obtidos com a venda do direito de exploração de suas florestas para reformar as pastagens altamente degradadas (Veríssimo et al., 1992). Esse processo de restauração da pastagem é caro, o pecuarista precisa vender o direito de exploração de aproximadamente 2 ha de mata para obter capital suficiente (US$ 260) para reformar 1 ha de pasto.

Essa é a terceira vez que a pecuária está sendo subsidiada na Amazônia Oriental. O primeiro subsídio veio com a derrubada inicial da floresta, quando os nutrientes contidos na sua biomassa foram utilizados para ajudar no estabelecimento da pastagem (Buschbacher et al., 1988). O segundo subsídio veio do governo na forma de capital para o estabelecimento da infra-estrutura das fazendas (Browder, 1988). O terceiro subsídio para reformar as pastagens degradadas, assim como o primeiro, vem da natureza. Enquanto a extração madeireira, do modo que vem sendo praticada, leva ao empobrecimento genético da biodiversidade local e regional, a perda da biodiversidade pode ter um custo oculto nesse processo de reforma de pastagem.

Impactos das atividades realizadas no meio aquático sobre a biodiversidade

Uma alteração significativa da estrutura de ecossistemas aquáticos – o caso do garimpo de ouro

A Amazônia Oriental é o sonho dos garimpeiros, contendo ricos depósitos de bauxita, cassiterita, minério de ferro, manganês, diamante, níquel, cromita, cobre e ouro. Destes, o ouro é o mais procurado. A explosão do ouro na Amazônia começou nos anos 80 como resultado da convergência de 5 fatores: 1) alto preço do ouro no mercado mundial; 2) desenvolvimento de infra-estrutura na Amazônia, incluindo redes de estradas, campos de pouso e rádio-comunicações; 3) suprimento constante de mão-de-obra barata vindo do Nordeste do Brasil; 4) desenvolvimento de equipamentos de mineração de baixo custo; e 5) aceitação oficial do garimpo (Dourojeanni e Pádua, não publicado).

No período de 1980-88, a produção de ouro no Pará representava 60% da produção nacional (Ramos e Silva, 1990). No final da década de 80, havia cerca de 1.000 garimpos ativos no Pará com cerca de 700 pistas de pouso e 300.000 pessoas envolvidas nessa atividade (Ramos e Silva, 1990).

Impactos da garimpagem de ouro na biodiversidade local. O ouro se apresenta em forma de pequenas partículas nos sedimentos dos rios (Lacerda e Salomons, 1991). A maioria das atividades de garimpo está concentrada em pequenos igarapés e rios que fluem a partir do escudo das Guianas e escudo Brasileiro localizados nos lados sul e norte do rio Amazonas. O garimpo geralmente envolve a extração e lavagem de depósitos sedimentares com mangueiras equipadas com bico a jato. A morfologia dos rios pode ser severamente alterada escavando as suas margens e criando labirintos de sedimentos que formam poças barrentas nas partes laterais. Uma área abandonada de garimpo assemelha-se com a paisagem lunar.

Há, em média, 2 gramas de ouro por metro cúbico de sedimento. Portanto, a produção de 100 toneladas de ouro no Pará em um ano (provavelmente a produção atual) poderia lançar cerca de 50 bilhões de metros cúbicos de sedimentos nos rios. Esses sedimentos podem afetar a biodiversidade aquática, aumentando a turbidez e reduzindo a entrada de luz na água, afetando, por sua vez, a produtividade do ecossistema. Os sedimentos e partículas suspensas também afetam os processos respiratórios. Primeiro, sufocando os organismos bênticos do fundo dos rios. Segundo, grudando nas bráquias dos peixes e, assim, interferindo na troca gasosa. A turbidez da água também diminui a visibilidade e pode, portanto, afetar o relacionamento predador-presa. Esse fato pode ser particularmente verdadeiro para peixes predadores como os ciclídeos que possuem filtros oculares amarelos e que requerem um alto nível de luz para caçar efetivamente (Huntz, 1981). E, finalmente, considerando que até agora os garimpos estão concentrados nas cabeceiras dos rios, as espécies de peixes que dependem desse habitat para desova e criação de seus alevinos podem sofrer redução.

A atividade do garimpo tem também o potencial de afetar severamente a vida silvestre ao redor dos rios. Os garimpeiros vivem na floresta durante a maior parte do ano e, freqüentemente, estão envolvidos na caça de subsistência de macacos, pacas, cotias, veados, tatus, capivaras, tucanos, araras, etc. Redford (1992) estima que 57 milhões de animais podem estar sendo mortos na caça de subsistência na Amazônia todos os anos. Muitas dessas espécies caçadas são frugívoras (Robinson e Redford, 1986). Tais espécies têm um importante papel na dispersão de sementes, predação de sementes, herbivoria e polinização. Redford (1992) notou que à medida que o tamanho da população de uma determinada espécie de caça diminui, a espécie atinge um ponto onde já não realiza sua “função ecológica”. Esse ponto pode ocorrer antes mesmo da população ser considerada como ameaçada, baseado apenas em considerações sobre o seu tamanho.

E por fim, o garimpo de ouro também está afetando a diversidade biológica e cultural de nossa própria espécie. Dezenas de milhares de garimpeiros já entraram em territórios indígenas provocando o alastramento de doenças (malária, sarampo e tuberculose), fome e empobrecimento cultural.

Os impactos da garimpagem na biodiversidade regional. Nos ambientes aquáticos, a dispersão dos efeitos dos distúrbios afeta muito além do local da alteração. O impacto regional mais sério na biodiversidade causado pelo garimpo é a poluição pelo mercúrio (vide Lacerda e Salomons, 1991, para um excelente resumo). No garimpo, após a separação dos sedimentos por gravidade, adiciona-se o mercúrio ao ouro para separá-lo de outros materiais. Neste processo, o ouro adere ao mercúrio formando um amálgama. Em seguida, queima-se o amálgama para que o mercúrio seja liberado como vapor e o ouro permaneça como resíduo. As estimativas da liberação de mercúrio no garimpo variam mas, em geral, a quantidade de mercúrio adicionado excede a quantidade de ouro produzido. Por exemplo, Pfeiffer e Lacerda (1988) estimaram que 1,32 kg de mercúrio são perdidos na produção de 1 kg de ouro. Cerca de 55% desse mercúrio são perdidos para a atmosfera e o restante para os rios (Malm et al., 1990).

Os garimpeiros não tomam precauções para evitar contaminações. Vários estudos confirmam que os garimpeiros da Amazônia têm altos níveis de mercúrio nos tecidos corporais. (Martinelli et al., 1988; Silva 1988; Fernandes et al., 1990). O mercúrio também contamina os organismos aquáticos. Nos ambientes fluviais, o mercúrio pode se transformar em compostos solúveis na água e em lipídios como o monometilmercúrio, que pode entrar na cadeia alimentar. Através do processo de bioacumulação, o mercúrio atinge altas concentrações em predadores (Martinelli et al., 1988; Malm et al., 1990). Entre os peixes predadores que ocorrem nos pequenos rios, as traíras (Hoplias malabaricus, Erithrinidae) e o pirarucu (Boulengerella spp, Ctenoluciidae) são os mais suscetíveis à contaminação pelo mercúrio. Em rios maiores, os peixes predadores mais sensíveis a esse tipo de contaminação são os surubins e caraparis (Pseudoplastystoma spp, Pimelodidae), douradas (Brachyplatystoma flavicans, Pimelodidae) e jaús (Paulicea lutkeni, Pimelodidae). Enquanto, nos lagos, os tucunarés (Cichla spp, Cichlidae) são os mais suscetíveis à contaminação pelo mercúrio devido ao seu habitat predatório (Barthem, comunicação pessoal).

Essas espécies são importantes para a dieta da população humana da região, além de serem as mais procuradas pelos pescadores comerciais. O homem, na medida em que se alimenta desse grupo de peixes predadores, também corre o mesmo risco de contaminação. Em particular, as mil famílias que praticam a pesca de subsistência e atividades de extrativismo vegetal no ecossistema de várzea. Estes habitantes nativos da várzea consomem, em média, 200g de peixe por dia. (Petrere, comunicação pessoal). Sabemos que nenhum dos casos de contaminação levou as espécies à extinção, entretanto a intoxicação pelo mercúrio pode levar a reduções significativas das populações (através da morte ou emigrações) de muitas espécies, incluindo a humana.

Em resumo, a garimpagem do ouro é uma atividade que causa alterações que podem reduzir tanto a biodiversidade local como a regional. Os garimpeiros são caçadores agressivos capazes de reduzir severamente as populações de grandes mamíferos e de espécies de pássaros. Os sedimentos liberados durante o garimpo são como uma cortina de fumaça que desce e permanece sobre redes fluviais, afetando profundamente as características físicas da água e, sem dúvida, simplificando a estrutura biológica das cabeceiras dos rios. Enquanto isso, o mercúrio se espalha na cadeia alimentar concentrando-se em carnívoros e, eventualmente, atingindo populações humanas situadas em locais mais distantes.

A remoção completa da estrutura de ecossistemas aquáticos – o caso das barragens hidrelétricas

Os rios que fluem dos escudos da Guiana e Brasileiro no norte e sul do rio Amazonas ocupam locais ideais para a construção de barragens hidrelétricas, pois carregam um grande volume de água, fluem sobre leitos duros e têm uma queda significativa em direção ao rio Amazonas. Os locais preferidos para a construção de hidrelétricas na Amazônia Oriental estão situados ao longo da parte central e superior dos rios Tocantins, Xingu, Araguaia, Tapajós e Trombetas. A lista completa das barragens hidrelétricas contempladas na Amazônia chega a 80 (Brasil Eletronorte, 1985). A construção dessas barragens inundaria cerca de 100.000 km2.

No Pará, uma grande barragem já foi construída e 32 estão planejadas. A maior barragem do Pará, Tucuruí, tem uma área inundada de 2.430 km2, e produz 2.310 megawatts de energia. Quarenta porcento dessa produção é consumida no Pará. O restante é levado para o Nordeste.

Impactos das barragens na biodiversidade local. O estabelecimento de reservatórios das barragens hidrelétricas é semelhante ao estabelecimento de pastagens, considerando que o ecossistema pré-existente é completamente erradicado. Na construção da barragem de Tucuruí, uma imensa área de floresta foi inundada para criar o reservatório.

As barragens afetam a biodiversidade na medida em que eliminam essas grandes áreas de floresta. As barragens também afetam a biodiversidade aquática local ao impedir o movimento migratório dos peixes, interrompendo a migração rio acima dos adultos em reprodução e rio abaixo de alevinos. As espécies mais afetadas são os grandes peixes migratórios como o curimatá (Prochilodus nigricans), piramutaba e dourada (Brachyplatystoma vaillanti) (Barthem et al., 1991) e maperé (Hypophthalmus marginalus) (Merona, 1990). Essas espécies são de grande importância comercial. O uso de técnicas como escadas migratórias para peixes pode não ser possível devido ao tamanho projetado das barragens na Amazônia. Por exemplo, a barragem de Tucuruí tem 70 m de altura. Devido a essa altura e à força da água, as escadas para peixes não são uma opção em Tucuruí (Petrere, comunicação pessoal).

Os efeitos das barragens na biodiversidade ainda estão sendo estudados. A composição química da água nos reservatórios é muito diferente daquela do rio pré-existente. Milhões de toneladas de matéria orgânica (florestas) foram inundadas. A dispersão de óxido sulfúrico e ácidos orgânicosnos processos de decomposição, a formação de nitratos e a baixa concentração de oxigênio dissolvido fazem do fundo do lago um ambiente difícil de ser habitado pela fauna aquática. Petrere (1989) observou que algumas espécies parecem ser menos comuns nos reservatórios do que nos rios. Espécies de rio antes comuns, como o curimatá, jaú e surubim encontram-se agora com suas populações em declínio. Ao mesmo tempo, as espécies que são predadoras em ambientes tais como os lagos de várzea, como a pescada (Plagioscion spp, Sciaenidae) e o tucunaré (Cichla spp, Cichlidae), podem aumentar em quantidade no ambiente do reservatório (Petrere, 1989).

Ainda é muito cedo para predizer os impactos totais da construção de barragens nos rios da Amazônia, pois o ambiente de reservatório precisa de um período de tempo para se estabilizar. Nesses anos iniciais, a floresta submersa está atuando como um substrato para muitos tipos de macrófilas e invertebrados, bem como abrigo para muitas espécies de peixes. Além disso, a floresta submersa funciona como um tipo de fertilizante que libera lentamente nutrientes para a água durante o processo de decomposição. À medida que essa biomassa desaparece, a disponibilidade de nutrientes diminuirá, e a produtividade, composição das espécies e química da água modificar-se-ão.

Em qualquer consideração sobre a biodiversidade em reservatórios, há a possibilidade de invasão por espécies exóticas. Ainda que não tenham sido documentadas invasões até agora, pode ser fácil para peixes como a tilápia invadir os reservatórios da Amazônia e afetar a composição biótica (Petrere, comunicação pessoal).

Impacto das barragens na biodiversidade regional. Assim como as outras atividades, os impactos da construção de barragens hidrelétricas estendem-se para além das fronteiras do reservatório. Em um ecossistema típico de rio, os ambientes rio abaixo são nutridos pelo material em suspensão carregados pelas águas que se espalham pela várzea no inverno. As barragens interrompem esse fluxo. Quando o rio aproxima-se da barragem, a velocidade da água diminui e uma quantidade de sedimentos precipita. Até 90% dos sedimentos suspensos do rio Tocantins podem se precipitar no reservatório da barragem de Tucuruí (Petrere, comunicação pessoal). Portanto, a água que passa rio abaixo é relativamente estéril. Isso é particularmente verdadeiro durante a estação chuvosa, quando a maior parte da água que passa pela barragem vem da superfície do reservatório. Essas águas que se espalham para a várzea do baixo rio Tocantins já não carregam sedimentos suspensos ricos em nutrientes.

Espécies de peixes e agricultores têm dependido dessa dádiva anual de nutrientes. Muitas espécies de peixes movem-se lateralmente do canal principal do rio para a várzea na época de águas altas para se alimentar e desovar (Junk, 1989). Quando as águas retraem, essa terra é usada para plantar culturas alimentares. Com a interrupção desse ciclo, os colonos e pescadores que habitam a parte baixa do rio Tocantins observaram que a produtividade de pesca e da agricultura diminuiu.

Por ser a água um meio que facilita o movimento e troca de populações, pode se imaginar que os impactos das atividades humanas na biodiversidade são menos severos nos ambientes aquáticos que nos terrestres. No caso do canal principal do rio Amazonas isso pode ser verdade na medida em que muitos vertebrados estão distribuídos desde o estuário amazônico através do médio Amazonas até o alto Amazonas no Peru. Entretanto, o isolamento e a especialização, aparentemente, são processos comuns nos tributários do Amazonas que fluem ao norte e sul do canal principal. A limnologia do canal principal do rio Amazonas é distinta da dos tributários, agindo como uma possível barreira à troca de fauna. Apesar de ainda serem necessárias muitas pesquisas, parece plausível que algumas, ou talvez muitas espécies vertebradas, sejam específicas de bacias hidrográficas individuais. E é exatamente nesses tributários que as alterações humanas nos ambientes aquáticos (como garimpo e construção de barragens) estão concentradas.

Relação entre garimpagem e barragens

Como já foi observado no caso terrestre, atividades antropogênicas podem também influenciar uma à outra no ambiente aquático. As mesmas bacias fluviais onde são construídas barragens são também, freqüentemente, os locais onde os garimpos operam. A liberação de sedimentos e mercúrio do garimpo pode comprometer severamente a efetividade dos projetos das barragens. A carga de sedimentos nos igarapés nas áreas de garimpo pode aumentar significativamente. Se isso ocorrer, o tempo de vida operacional das barragens pode sofrer uma redução significativa.

Ao mesmo tempo, o mercúrio liberado nos garimpos pode contaminar os reservatórios das barragens. Há dois caminhos para isso. Primeiro, o mercúrio lançado nos rios pode ser transportado a longas distâncias em associação com partículas suspensas (Lacerda e Salomons, 1992). Segundo, uma importante fração (>50%) do mercúrio usado no garimpo é evaporada durante o processo de refino. Essa fração pode ser oxidada a Hg++ e ser, posteriormente, removida da atmosfera pelas chuvas. O trabalho de Lacerda e Salomons (1991) no Estado do Mato Grosso fornece um exemplo dessa dispersão a longa distância e deposição de mercúrio.

Os reservatórios das barragens fornecem um ambiente ideal para a conversão do mercúrio no altamente tóxico metil-mercúrio. Essa transformação ocorre via bactéria e é favorecida pelo ambiente quente, ligeiramente ácido e rico em matéria orgânica do reservatório (Lacerda e Salomons, 1992). Essas possíveis interações entre a poluição de mercúrio em garimpos e contaminação de reservatórios podem comprometer o valor econômico do recurso pesqueiro do reservatório. Em resumo, esse exemplo reforça a necessidade de se observar cuidadosamente as interações entre atividades antropogênicas na avaliação dos impactos ambientais na biodiversidade.

O futuro da Amazônia Oriental

Se perguntados para indicar um uso da terra que mais provavelmente ameaçaria a biodiversidade na Amazônia nos anos vindouros, escolheríamos a pecuária. Muito da riqueza extraída da paisagem como a madeira e o ouro está sendo canalizada para a pecuária. Os madeireiros usam seus lucros para formar fazendas de gado. Os pecuaristas usam os lucros da venda de madeira para restaurar a produtividade das pastagens degradadas. Os garimpeiros e os comerciantes utilizam os lucros obtidos com o ouro para comprar fazendas ou melhorar as pastagens em seus estados natais na Amazônia Oriental (Maranhão e Pará). Enquanto isso, os colonos se esforçam para acumular capital para comprar sua primeira vaca e transformar em pastagens as terras já utilizadas com agricultura. Todos esses atores usam a pecuária como uma forma de reivindicar a terra, manter uma poupança viva ou acumular capital. A pecuária parece ser o estágio final para a paisagem de grande parte da Amazônia Oriental, com conseqüências desastrosas para a biodiversidade regional.

Embora a pecuária seja atualmente rentável na Amazônia Oriental, existem outros valores, além das considerações econômicas, que devem ser levados em consideração ao avaliar a viabilidade da conversão de florestas em pastagens (Figura 3). As florestas contêm muitas espécies madeireiras que podem suprir madeira por tempo indeterminado. No entanto, quando ocorre a remoção completa da floresta essa opção é perdida. As madeiras contidas na floresta na época da conversão em pastagem têm um valor pós-processamento de US$ 1300/ha (Veríssimo et al., 1992). Geralmente essa madeira não tem sido extraída, mas queimada. Ao mesmo tempo, durante o período de uso da pastagem, uma porção significativa dos nutrientes existentes na biomassa da floresta cortada é liberada do ecossistema (num valor de US$ 1.600/ha, considerando os valores de mercado de fertilizantes NPK no Brasil1). Além disso, cerca de 170 toneladas de carbono são liberadas para a atmosfera durante a queimada e decomposição. Norhaus (1991) desenvolveu um raciocínio empírico para estimar o custo social da liberação de carbono. Ele considera que a liberação de carbono pode reduzir o PIB mundial em torno de $7,33. Usando este valor, o custo da conversão da floresta para pastagem, relacionada diretamente com emissões de carbono, é aproximadamente $1.250 (170t x $7,33). Considerando apenas esses três valores (madeira, nutrientes e carbono), aproximadamente US$ 7.000 são perdidos diretamente ou indiretamente cada vez que um hectare de floresta é convertido em pastagem. Considerando que a renda líquida das pastagens é de cerca de US$ 10-25/ha/ano, seria necessário no mínimo 300 anos para as pastagens pagarem estes custos ambientais.

Figura 3. Acima. Em ecossistemas de florestas da Amazônia Oriental, a fixação e liberação de carbono estão em equilíbrio, e a maior parte da água que entra como chuva sai como evapotranspiração. Quando a floresta é convertida em pastagem, há uma grande perda de carbono para a atmosfera e menor quantidade de água é reciclada. Embaixo. Uma primeira tentativa de avaliar valores econômicos aos serviços que a floresta realiza como produtora de madeira, recicladora de água, barreira à expansão do fogo e reservatório de nutrientes, carbono e espécies.

Há pelo menos outros três custos, também importantes, embora mais difíceis de quantificar, que estão implícitos na conversão de florestas em pastagens (Figura 3). Primeiro, as florestas, com seu dossel folhoso acima do solo e seu sub-bosque com temperatura amena, fornecem um microambiente úmido que previne contra incêndios. O valor desse serviço ainda não foi calculado. Segundo, o sistema de raízes profundas das florestas é considerado um importante fator de estabilização do clima regional (Nepstad et al., 1991). Novamente, não existem dados disponíveis do custo desse serviço. E, finalmente, as florestas abrigam espécies que possuem valor. A medida que regiões de florestas são convertidas em pastagens, serão perdidas espécies que poderiam beneficiar a sociedade e que talvez realizem funções ecológicas insubstituíveis. Esses fenômenos ainda são pouco compreendidos para permitir uma avaliação monetária, mas os custos podem ser consideráveis (Figura 3).

1 Não queremos sugerir que esta seria a quantidade de fertilizante necessária para recuperar a fertilidade dos pastos degradados De fato, a quantidade necessária é muito menor do que esta. Isto também não indica que pastos são sistemas fechados com relação a nutrientes, uma vez que os mesmos entram nesses ecossistemas através da deposição atmosférica e temperismo. O que gostaríamos de ressaltar é que podemos quantificar a perda de nutrientes na conversão de floresta em pasto, e que, dado os preços atuais, o valor destes nutrientes é aproximadamente $3.500. Ainda que esta não seja uma estimativa satisfatória, ela representa um ponto inicial para pensar sobre como determinar o valor da perda de nutrientes na conversão de floresta em pasto.

Manejando a Amazônia Oriental para conciliar os ideais de desenvolvimento e conservação

Três etapas básicas

O que poderia ser feito para conciliar os objetivos de desenvolvimento e conservação na Amazônia Oriental? Para começar, deve-se reconhecer que o Brasil atualmente não tem uma política coerente em relação à Amazônia. É verdade que existem algumas leis feitas para proteger a floresta, mas muitas dessas leis estão cheias de falhas e aparentemente não são fiscalizadas. Também é verdade que existem entidades governamentais para promover o desenvolvimento da Amazônia (Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia – SUDAM), disciplinar o uso da terra (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis – IBAMA), proteger os direitos dos índios (Fundação Nacional do Índio – FUNAI), levantar áreas e distribuir títulos de terra (Instituto de Colonização e Reforma Agrária – INCRA), planejar o uso de energia (Centrais Elétricas do Norte do Brasil – ELETRONORTE), além de programas de crédito (através do BASA) para encorajar certas atividades econômicas. Entretanto, nenhuma dessas entidades funciona de maneira realmente efetiva. Nenhuma delas tem objetivos claros a longo prazo nem condições de ir em busca desses objetivos. Além disso, há pouca troca de informações entre essas instituições. Conseqüentemente, existem poucas ações coordenadas. Portanto, o ponto inicial em qualquer análise sobre como remediar a ocupação desordenada e destrutiva da Amazônia é admitir que o Brasil não tem uma política coerente em relação à Amazônia.

A exploração destrutiva e sem cuidado continuará, a menos que o governo brasileiro tome um papel ativo na região. Uma primeira etapa seria o governo brasileiro atuar no controle efetivo da grande parte (cerca de 80%) do território da Amazônia brasileira que não está titulada. As atividades nessas terras deviam ser permitidas apenas através de contratos com o governo (por exemplo, concessão para explorar a madeira, licenças para o pastoreio em campos naturais, licenças de uso a longo prazo para extratores, etc.).

As imagens abrangentes de satélites da Bacia Amazônica, conjuntamente com os dados do INCRA, FUNAI e IBAMA sobre a situação agrária, Reservas Indígenas e Parques Nacionais são os mecanismos para determinar onde o governo poderia legitimamente reestabelecer o controle. Todas as terras sem sinais claros de ocupação humana (baseado em análises de imagens de satélites); que não tem títulos (baseado nos dados do INCRA); e que não são consideradas Reservas Indígenas (dados da FUNAI) ou Parques Nacionais (dados do IBAMA), poderiam ser transformadas em florestas de produção sob a jurisdição estadual e federal. Essas terras poderiam ser usadas em benefício do bem comum.

O segundo passo para conciliar os objetivos de desenvolvimento e conservação na Amazônia é desenvolver critérios de zoneamento do uso da terra para a região. Pesquisadores têm repetidamente enfatizado que a Amazônia não é uma expansão homogênea de floresta (Moran, 1989), e que as áreas aquáticas da Amazônia não são apenas cursos d’água (Goulding, 1989). Mesmo a designação de dezenas de tipos florestais, associações vegetais ou subsistemas aquáticos é uma simplificação grosseira da complexa paisagem da Amazônia. O objetivo do zoneamento é entender essa complexidade e assim, determinar onde atividades específicas de uso da terra poderiam ser permitidas. A base de informações para fazer o zoneamento está disponível: mapas de solo, informações climáticas, dados sobre cobertura vegetal e informações sobre o desempenho da cultura e pecuária. Também é importante para o trabalho de zoneamento a demarcação das áreas que são ricas em biodiversidade. O encontro “Workshop 90” (Rylands, 1990), com a missão de fornecer um mapa da riqueza biológica da Amazônia foi um primeiro passo nesse processo.

Uma vez que o governo tiver o controle da Amazônia e tiver uma visão clara de como essa paisagem poderia ser utilizada (baseado no trabalho de zoneamento), o terceiro passo seria tomar medidas concretas para promover os usos da terra desejáveis. Em geral, esses usos desejáveis devem ser intensivos e não extensivos. Nos usos extensivos, a produtividade é baixa, e a produção só é possível por um período de tempo limitado. Nos usos intensivos, a produtividade é maior, e o período de uso se estende indefinitivamente. As abordagens intensivas da agricultura na Amazônia Oriental, envolvendo a plantação de frutas perenes e castanha-do-pará, são mais lucrativas que a abordagem tradicional de corte-e-queima, apesar de requererem investimentos de capital significativos. Métodos intensivos da pecuária envolvendo forragens melhor adaptadas; maiores cuidados com o manejo; e saúde dos animais fornecem uma produção e rendimento duas vezes maior que os obtidos com a atividade tradicional de pecuária extensiva ( Mattos e Uhl, 1994). E, ainda, o manejo da floresta para a produção de madeira, envolvendo o planejamento da extração e intervenções silviculturaisapós a extração para promover o crescimento, poderia reduzir o período entre os ciclos de corte pela metade e garantir a saúde a longo prazo da floresta (Verissimo et al., 1992). Portanto, existem alguns conhecimentos técnicos adequados para indicar usos da terra intensivos e sustentáveis na Amazônia.

O ingrediente final para o manejo inteligente da Amazônia – um público conscientizado

As atividades que enfocamos ou geram capital – extração madeireira, pecuária, garimpo-, ou atraem capital (por exemplo, construção de barragens via empréstimos). Em muitos casos, esse capital está altamente concentrado. Os lucros dos proprietários de serrarias podem chegar a centenas de milhares de dólares por ano (Veríssimo et al., no prelo). Os lucros dos proprietários de garimpos podem ser ainda maiores. E os pecuaristas obtêm lucros substanciais devido ao grande tamanho das pastagens e do rebanho, bem como de modo secundário, pela especulação de terra. Esses lucros ou são retirados da região, usados para adquirir terra, ou usados para se obter uma maior capacidade de extração (por exemplo, comprando caminhões e tratores de esteira no caso dos madeireiros). Cada vez mais, a nova elite capitalizada da Amazônia usa sua influência para estender o controle sobre novas fronteiras e, ao mesmo tempo, unem-se aos pecuaristas para segurar as fronteiras mais antigas. De fato, o processo de ocupação da Amazônia tem vida própria, com a extração das riquezas ocorrendo sem o controle das autoridades federais e estaduais. O meio ambiente e a população da Amazônia não estão bem servidos por esse modelo desigual de desenvolvimento. A degradação ambiental e perda de biodiversidade estão ligadas à cobiça humana (Quadro 1).

Quadro 1. A Amazônia é rica em terras, madeiras e minerais. Entretanto, o governo desempenha um papel passivo na região. A atual ocupação caótica da Amazônia deriva de um modelo de desenvolvimento desigual, onde madeireiros, pecuaristas, garimpeiros e comerciantes acumulam riquezas. As fortes distorções em acúmulo de capital podem levar ao empobrecimento da sociedade que, residiria em uma paisagem também empobrecida.

Considerando essa situação atual, a simples prescrição 1-2-3 que oferecemos pode não funcionar se não for acompanhada com uma grande vontade política. Felizmente, estamos cada vez mais conscientes de assuntos ambientais e das ligações entre a decisão de desenvolvimento e o bem-estar do meio ambiente. Também com a emergência de centenas de ONGs com fortes agendas na área ambiental e a consciência de que a opinião pública possa servir como uma ferramenta forte, é possível que a cidadania do país possa forçar o governo a assumir suas responsabilidades para promover um desenvolvimento racional na Amazônia.

O capital também está emergindo como o principal instrumento para direcionar responsavelmente os usos da terra na Amazônia. Freqüentemente, têm surgido problemas na aplicação de capital na região amazônica. Mas se o governo tiver sucesso em formular uma política clara para a Amazônia, incluindo o planejamento dos locais onde o desenvolvimento deve ocorrer (zoneamento) e a definição dos tipos de desenvolvimento mais apropriados para cada região, o capital poderá ser aplicado para estimular a finalidade desejada. O papel da comunidade internacional poderia ser grande ao fornecer o capital necessário para ajudar o Brasil a desenvolver uma política amazônica sólida, bem como ajudar a implementá-la. Organizações não-governamentais também podem ter o papel-chave de fiscalizadores e de implementadores das novas iniciativas, uma vez que esses grupos são geralmente bem informados e trabalham próximos aos problemas locais.

Mas a principal responsabilidade recai sobre o povo brasileiro, que não deve continuar em uma situação passiva. Ao invés disso, ele deve receber educação sobre questões do homem e meio ambiente. A população informada e reunida poderá então pressionar os processos políticos, inclusive procurando líderes com integridade e seriedade.

CONCLUSÃO

Gostaríamos de reforçar quatro conclusões. Primeiro, existe um conhecimento adequado das características ecológicas das espécies vegetais e animais da Amazônia para começar a predizer quais dessas espécies estão aptas a serem ameaçadas por diferentes tipos de atividades de uso do recurso. Usando essa abordagem, identificamos cerca de 30 espécies madeireiras que podem experimentar o declínio de suas populações se sujeitas à pressão madeireira severa. Essa consideração das características ecológicas das espécies animais e vegetais também nos permite começar a imaginar como poderá vir a ser a fauna e flora futura da Amazônia se as atividades agressivas de uso da terra continuarem. Essa biota seria composta de espécies rústicas e generalistas, contendo apenas uma pequena fração da atual biodiversidade da Amazônia.

Segundo, reforçamos a necessidade de incluir uma consideração de efeitos secundários na análise dos impactos das atividades humanas na biodiversidade. Na Amazônia Oriental, os impactos da alteração da floresta se espalham além das fronteiras do ecossistema. Modificações da estrutura (por exemplo, perda de carbono ou nutrientes) ou função (diminuição na evapotranspiração) do ecossistema em uma região podem influenciar a produtividade e o clima em outras regiões próximas.

Em terceiro lugar, ao avaliar as ameaças atuais e futuras na biodiversidade na Amazônia Oriental, é fundamental uma compreensão das interações entre as atividades individuais de uso dos recursos. Práticas associadas com um determinado uso do recurso podem se espalhar para outras atividades próximas com conseqüências prejudiciais. Por exemplo, o fogo usado para limpar o pasto pode escapar e prejudicar severamente as florestas exploradas. O mercúrio e sedimentos, por sua vez, movem-se da área de garimpo para os reservatórios das barragens podendo comprometer o recurso pesqueiro no reservatório. Da mesma forma, no âmbito econômico, o capital gerado no garimpo e na atividade madeireira pode ser aplicado numa terceira atividade, a pecuária, com possíveis efeitos negativos na biodiversidade regional.

E em quarto lugar, a expansão progressiva da pecuária na Amazônia, com a conseqüente eliminação da biodiversidade amazônica, provavelmente continuará até que o Brasil desenvolva uma política coerente para a região, baseada no zoneamento do uso da terra, e inclua programas parapromover os usos intensivos e sustentáveis (ou seja, continuará até que outras atividades tornem-se mais atrativas que a pecuária como alternativa de investimento). Como um primeiro passo necessário, o Estado precisaria reassegurar sua posse na paisagem da Amazônia. Se isso for feito, o acesso a terras da Amazônia poderia ser permitido somente através de contratos com o governo (concessões para a extração madeireira, licença para pastoreio nos campos naturais, etc). Desta maneira, o Estado serviria como uma barreira entre a ganância humana e a natureza para promover o bem-comum e proteger a biodiversidade.

AGRADECIMENTOS

Gostaríamos de agradecer a Flávio Figueiredo por criar as figuras. No desenvolvimento das idéias expressas nesse trabalho nos beneficiamos grandemente das discussões com Dan Nepstad, David MacGrath, Adalberto Veríssimo, Rui Rocha, Oriana Almeida, Marli Mattos, Nelson Rosa, Patricia Shanley, Peter Jipp, Gordon MacMillan, Ronaldo Barthem, Miguel Petrere e Luiz Drude de Lacerda. C. Uhl agradece a Fundação Memorial John Simon Guggenheim pelo apoio durante o período necessário para escrever este trabalho.

This post was published on 2 de julho de 2013

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imazon

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