Este artigo foi publicado originalmente em outubro de 2008 como um capítulo do livro Recursos naturais e crescimento econômico editado pelos professores Alexandre B. Coelho, Erly C. Teixeira e Marcelo J. Braga da Universidade Federal de Viçosa. No artigo destacamos que os debates sobre mudanças climáticas resultariam em pressões para reduzir as emissões de carbono derivadas do desmatamento na Amazônia. Por sua vez, essas pressões afetariam a pecuária, que tem sido o principal uso das áreas desmatadas na região.
De fato, no início de dezembro de 2008 a pressão ficou mais clara, pois o governo brasileiro anunciou (Mendes, 2008) a meta de reduzir o desmatamento na Amazônia em 72% até 2017 como parte do Plano Nacional sobre Mudança no Clima. Segundo o plano, o total da redução seria escalonado em três quadriênios até 2017: 40%, 30% e 30%. Assim, a compreensão sobre os fatores que têm influenciado e poderão influenciar a decisão dos pecuaristas em desmatar ou não se tornam ainda mais relevantes. Por isso, para ampliar o acesso ao material publicado no livro, publicamos esta versão no formato de relatório para distribuição na internet e impresso.
Agradecemos ao professor Erly Teixeira da Universidade Federal de Viçosa pelo convite para apresentar o trabalho no XX Seminário Internacional de Política Econômica no qual o livro foi publicado[1]. Além disso, somos gratos às seguintes pessoas por várias contribuições ao nosso trabalho: Gláucia Barreto e Adriana Fradique pela revisão do texto; José Vicente Caixeta Filho (Esalq-USP) pela ajuda na preparação do questionário; e Rodney Salomão, que preparou os mapas. As seguintes pessoas ajudaram na coleta de dados por meio de entrevistas com representantes dos frigoríficos: Ana Maria Kefalás e Denys Pereira no Mato Grosso; Aloysio Cavalcanti (Pesquisador da Embrapa no Acre) no Acre e Amazonas; e João Paulo Amaral Scigliano no Pará, Maranhão, Tocantins, Mato Grosso e Rondônia. Finalmente, agradecemos o apoio financeiro para a pesquisa da Fundação Ford, da Agência Norte-Americana para o Desenvolvimento Internacional (USAID) e da Fundação Betty & Gordon Moore.
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1 A programação do seminário está disponível em: http://www.ufv.br/DER/eventos/index.htm.
Entre 1990 e 2005 o rebanho bovino brasileiro aumentou cerca de 40% (de 147 milhões para 207 milhões de cabeças – IBGE, 2006). Isso possibilitou que em 2004 o Brasil se tornasse o maior exportador mundial de carne bovina (USDA, 2006). Entretanto, grande parte desse aumento vem ocorrendo na Amazônia a partir do desmatamento de novas áreas que, por sua vez, tem resultado em preocupações ambientais crescentes (Margulis, 2003; Arima et al., 2005). Uma das principais preocupações são as emissões de Gases do Efeito Estufa – GEE resultantes das queimadas para limpar o solo antes do plantio de pastagens. Os GEE emitidos por todos os países vêm causando o aquecimento do planeta e desequilíbrios climáticos como o aumento de chuvas e secas. Além disso, cientistas projetaram que a continuação das emissões causará catástrofes neste século, como secas, extinção de espécies, colapso de produção agrícola e migrações (IPCC, 2007).
Essas projeções fizeram com que a comunidade internacional aprovasse, em dezembro de 2007, um calendário de negociações (Plano de Ação de Bali) para evitar uma crise climática global. No Plano de Ação de Bali, a comunidade internacional reconheceu que serão necessários “profundos cortes de emissões” dos GEE[2] e um acordo para reduzir as emissões decorrentes de desmatamento e degradação florestal nos países em desenvolvimento (detalhes das decisões em UN, 2007).
O Plano de Bali prevê que as negociações serão concluídas até 2009 para que seja possível iniciar sua execução após 2012 – prazo de validade do acordo atual para redução de emissões (Protocolo de Quioto). A responsabilidade dos países quanto à redução das emissões será um dos pontos-chave das negociações. Países em desenvolvimento como o Brasil, China e Índia podem continuar sem metas de redução ou podem ser obrigados a assumi-las. Contudo, é plausível que um novo acordo global sobre clima só se desenvolva com algum comprometimento dos países em desenvolvimento em reduzir também suas emissões.
A redução dos desmatamentos será essencial para reduzir as emissões brasileiras, pois as queimadas contribuíram com mais de 50% (em equivalente CO2) das emissões nacionais em 1994 segundo o Ministério de Ciência e Tecnologia – MCT[3]. Qual será o futuro da pecuária na Amazônia em um contexto de pressões para reduzir as emissões de GEE? Os fazendeiros da região continuarão a ser os principais responsáveis pelas emissões desses gases no Brasil aumentando a produção a partir do desmatamento? Ou se tornarão mais eficientes aumentando a produção com aumento de produtividade em áreas já desmatadas em resposta a pressões do mercado e das políticas públicas? Para responder essas perguntas é necessário entender que fatores de política ou do mercado têm influenciado e influenciarão as decisões dos fazendeiros sobre aumentar ou não a produtividade das fazendas. Este trabalho avalia esses fatores com base em revisão de literatura, em levantamentos de dados inéditos no campo e em dados secundários.
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2 De fato, os cientistas já alertaram que seria necessário reduzi-las em até cerca de 50% do total que é projetado para 2030 a fim de evitar mudanças drásticas do clima (Stern, 2006). Essa redução equivaleria ao total das emissões anuais atuais.
3 Tem sido amplamente citado que os desmatamentos na Amazônia são responsáveis por aproximadamente 75% das emissões de CO2 com base no relatório do Ministério de Ciência e Tecnologia (Brasil, 2004b). Entretanto, o balanço de emissões inclui outros gases que – embora sejam emitidos em menor quantidade – têm um maior poder relativo de contribuição para o efeito estufa. Ao considerar essa diferença, os desmatamentos e mudanças de uso do solo correspondem a pouco mais de 50% das emissões em equivalente CO2. Globalmente, os desmatamentos e a degradação de pastagens associados à criação de animais contribuem com 18% das emissões de GEE (em equivalente CO2 – FAO, 2006).
Avaliamos o mercado para entender eventuais pressões para que a pecuária na região se torne mais sustentável. O gado produzido na Amazônia é comercializado por várias vias seja como gado vivo seja como carne (Figura 1). Estimamos que a produção total de carne a partir de gado da Amazônia ficou em torno de 2,8 milhões de toneladas em 2005[4]. Destes, dois milhões de toneladas, ou 71%, foram processados por 65 frigoríficos inspecionados pelo Serviço de Inspeção Federal – SIF conforme nosso levantamento de campo realizado em 2005[5](Figura 2). O restante, cerca de 800 mil toneladas equivalentes em carcaça, foi comercializado como boi vivo e carne processada por frigoríficos com inspeção estadual e por matadouros informais.
Estimamos que os frigoríficos com SIF destinaram 95% da produção para o mercado nacional e 5% para outros países, considerando os dados do nosso levantamento com os frigoríficos e dados secundários (MDIC, 2007 e Anualpec 2006). Do total destinado ao mercado nacional, 88% foram consumidos fora da Amazônia e 12% na região (Figura 3); distribuição similar a que encontramos em nosso levantamento de 2001 (Arima et al., 2005).
A participação da Amazônia nas exportações de carne brasileiras cresceu expressivamente entre 2000 e 2006 de 6% (10 mil toneladas) para 22 % do total (263,7 mil toneladas). As exportações cresceram mais rapidamente depois de 2005 (Figura 4), pois a região ganhou parte do mercado que deixou de ser abastecido pelos Estados do Mato Grosso do Sul, São Paulo e Paraná em decorrência de casos de febre aftosa em Mato Grosso do Sul e Paraná.
O controle da febre aftosa nos principais pólos produtores da região facilitou as exportações (ver seção 4.5) e pode facilitar um crescimento ainda maior. Em 2005, conforme nossas entrevistas, cerca de 30% dos frigoríficos no Mato Grosso, Tocantins, Rondônia e Pará estavam autorizados a exportar carne esubprodutos animais (farinhas de carne e osso, miúdos congelados e produtos agregados diversos). Entre 2000 e 2006 o Mato Grosso foi o principal exportador e o maior responsável pelo crescimento das exportações da Amazônia (Figura 5)[6].
Os principais importadores de carne da Amazônia entre 2000 e julho de 2006 foram europeus e sul-americanos, consumindo respectivamente 54% e 35% do volume total exportado. A União Européia comprou 48% do volume total exportado, o que correspondeu a US$ 123 milhões, 71% do valor total.
A distribuição do mercado de gado e carne, excluindo o mercado dos frigoríficos inspecionados pelo governo federal, é pouco conhecida. Em 2007, aproximadamente 110[7] frigoríficos inspecionados pelos governos estaduais e matadouros informais forneciam principalmente carne para os mercados locais. Gado vivo tem sido comercializado entre os Estados da região, para outros Estados (Arima et al., 2005) e, em menor número, para outros países. O Pará é o único exportador de boi vivo para outros países – inicialmente para o Líbano, em 2005, e também para a Venezuela, em 2007. O Pará exportou 18,6 mil e 47 mil toneladas de gado vivo, respectivamente em 2005 e 2006, segundo dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior – MDIC. Em resumo, estimamos que as exportações internacionais diretas da Amazônia, considerando boi vivo e carne, somaram cerca de 4% e 10% do total da produção da região, respectivamente em 2005 e 2006.
Até o momento, nem o mercado nacional, nem o internacional demandaram o controle do desmatamento associado à produção de carne na região. Uma eventual demanda internacional por esse controle teria efeito limitado, pois as exportações da região ainda são pequenas. Entretanto, pressões de financiadores e do governo sobre os frigoríficos podem mudar esse cenário no médio prazo, como mostraremos na seção 5.
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4 Estimativa considerando que o rebanho da Amazônia equivaleu a 36% do rebanho nacional e que a produção nacional foi de 7,8 milhões de toneladas.
5 Para analisar a origem e destino da carne produzida na Amazônia, entre fevereiro e maio de 2005 amostramos 47 (77%) dos 61 frigoríficos operando na região. O questionário, elaborado por nossa equipe junto com pesquisadores do Sistema de Informações de Fretes da Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” – ESALQ, incluiu questões sobre a origem do gado, destino da carne, preço do gado e do frete, mercados consumidores e cortes comercializados. Obtivemos a lista do total de frigoríficos com registro no SIF nos escritórios regionais do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento – MAPA. Entrevistamos também quatro representantes de escritórios de comercialização de gado e oito frigoríficos com inspeções estaduais (SISE) e municipais (SIM) com o objetivo de consolidarmos os resultados referentes a preços e abastecedores. Obtivemos os dados de exportações de carne da Amazônia entre 2000 e 2006 do banco de dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC, 2007).
6 Em 2005, conforme nossas entrevistas, cerca de 30% dos frigoríficos no Mato Grosso, Tocantins, Rondônia e Pará estavam autorizados a exportar carne e subprodutos animais (farinhas de carne e osso, miúdos congelados e produtos agregados diversos).
7 Considerando a estimativa de Smeraldi & May (2008) de que mais de 200 frigoríficos e matadouros operavam na região em 2007, mas que somente 87 teriam registro no SIF.
Figura 1. Cadeia de comercialização de gado vivo e carne oriundos da Amazônia.
Figura 2. Distribuição do desmatamento e dos frigoríficos instalados na Amazônia registrados no Sistema de Inspeção Federal em 2005[8].
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8 A localização dos frigoríficos conforme o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento – MAPA (2005). Desmatamento conforme Inpe, 2007.
Figura 3. Destino nacional em 2005 da carne oriunda de frigoríficos na Amazônia registrados no SIF. Fonte: Levantamento do Imazon junto aos frigoríficos.
Figura 4. Evolução das exportações de carne bovina da Amazônia Legal e do restante do Brasil entre 2000 e 2006. Fonte: Elaborado pelos autores com dados do MDIC, 2007.
Figura 5. Evolução das exportações de carne bovina dos Estados da Amazônia Legal entre 2000 e 2006. Fonte: Elaborado pelos autores com dados do MDIC, 2007.
O rebanho bovino nacional cresceu de 147 milhões de cabeças para 206 milhões entre 1990 e 2006. Oitenta por cento deste crescimento ocorreu na Amazônia Legal cujo rebanho saltou de 26 milhões (18% do total nacional) para 73 milhões de cabeças (Figura 6), o equivalente a 36% do total nacional.
Mato Grosso e Pará somaram cerca de 60% do total do rebanho da região. Rondônia dobrou sua participação relativa de 7% para 16% do total do rebanho regional, passando de quinto para terceiro maior rebanho entre 1990 e 2006 (Figura 7). O rebanho cresceu em um grande número de municípios da Amazônia, avançando de leste para oeste e de sul para o centro da região (Figura 8). Entre 2005 e 2006 o rebanho caiu no Mato Grosso (2,2%), Pará (3,1%) e Tocantins (2,5%), enquanto ficou estável ou cresceu nos demais Estados (Figura 7).
Figura 6. Evolução do rebanho bovino (milhões de cabeças) amazônico e nacional entre 1990 e 2006. Fonte: Elaborado pelos autores com dados do IBGE, 2007.
Figura 7. Evolução do rebanho bovino (milhões de cabeça) nos Estados da Amazônia Legal entre 1990 e 2006. Fonte: Elaborado pelos autores com dados do IBGE, 2007
Figura 8. Distribuição do rebanho bovino na Amazônia em 1990 e 2006. Fonte: Elaborado pelos autores com dados do IBGE, 2007.
Entender como os fazendeiros têm aumentado o rebanho na Amazônia é essencial para avaliar o potencial de reduzir os desmatamentos na região. Nesta seção, mostramos que o rebanho bovino aumentou na Amazônia em virtude do aumento da área de pastos (desmatamento), dos ganhos de produtividade da pecuária e do sucesso do controle da febre aftosa, além de subsídios públicos.
O aumento de pastos
As pastagens fora da Amazônia estão diminuindo por causa da substituição de pastos por culturas mais rentáveis como cana-de-açúcar, algodão e grãos (Nehmi Filho, 2005). Por outro lado, na Amazônia, onde o rebanho mais cresce, a área de pastos aumentou expressivamente. Entre 1990 e 2006 foram desmatados 30,6 milhões de hectares na região conforme estimativas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – Inpe (Inpe, 2007). Descontando desta área 5,3 milhões de hectares destinados à agricultura e reflorestamento (IBGE, 2007), estimamos que aproximadamente 25,3 milhões de hectares foram potencialmente ocupados por pastos entre 1990 e 2006. Porém, a área precisa de novos pastos pode variar para mais ou para menos em torno deste número. O total de pastos pode ser maior considerando que a área agrícola foi reduzida em 2,2 milhões de hectares entre 2005 e 2006, mas é incerto se essa área foi transformada em pastos em 2006. Por outro lado, o pasto pode ser menor, pois parte do aumento da área de culturas agrícolas na Amazônia Legal ocorreu no cerrado, cujo desflorestamento não é medido pelo Inpe. De qualquer forma, essa estimativa revela que a pecuária continua como a principal ocupação das áreas desmatadas na Amazônia, ocupando de 75% a 81% do total desmatado entre 1990 e 2005. Essa estimativa é compatível com a estimativa do IBGE de que 70% das áreas desmatadas eram ocupadas por pastos em 1995.
Outra análise corrobora a influência da pecuária no desmatamento. Nossa análise de regressão (Anexo I) revela que 73,4% da variação da área desmatada anualmente entre 1995 e 2007 decorreu da variação do índice de preço do boi gordo (IGP em São Paulo) no ano anterior (entre 1994 e 2006)[9]. A Figura 9 mostra que na maioria dos anos o desmatamento subiu e desceu, respectivamente conforme a subida e queda do preço do gado no ano anterior. Em alguns anos ocorreu o contrário, mas esse fato é explicável pela influência do preço da soja no desmatamento. Isso ajuda a explicar o fato de que entre 2001 e 2003 o desmatamento subiu, seguindo um padrão similar à subida do preço da soja, enquanto o preço do gado caiu (Figura 9). Nos anos em que os preços do gado e soja caíram juntos, as taxas de desmatamento caíram mais rapidamente como no início e fim dos períodos analisados na Figura 9.
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9 A correlação entre o preço do gado de um ano e o desmatamento no mesmo ano foi nula.
Figura 9. Variação dos preços do boi gordo e soja entre 1994 e 2006 e a taxa de desmatamento na Amazônia nos anos posteriores (de 1995 a 2007).
Crédito subsidiado
Os subsídios financeiros públicos para a pecuária continuam e há indícios de que eles estimulam o desmatamento. O empréstimo subsidiado fornecido pelo Fundo Constitucional do Norte – FNO deveria ser usado apenas para melhorar a qualidade e produtividade da pecuária, pois o FNO proíbe investimentos em desmatamento. Entretanto, como o FNO constitui um subsídio, ele tende a aumentar o investimento nessa atividade mais do que seria o normal (usando taxas de juros de mercado) e pode até estimular indiretamente o desmatamento. Por exemplo, um fazendeiro pode desmatar novas áreas sem empréstimo, pois sabe que obterá bons rendimentos usando o empréstimo subsidiado para comprar o rebanho. Dois estudos indicam que o efeito perverso do crédito está ocorrendo. Na Transamazônica pequenos produtores em assentamentos rurais desmataram mais do que aqueles fora dos assentamentos e sem crédito (Wood et al., 2003). Outro estudo mais abrangente mostrou que a taxa de desmatamento em 343 assentamentos na Amazônia foi quatro vezes maior do que fora deles entre a data de criação e 2004 (Brandão Jr. e Souza Jr., 2006). Os assentados são elegíveis para créditos com os maiores subsídios.
O nível de subsídio do FNO é expressivo. O Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar – PRONAF do governo federal, que é incorporado ao FNO na Amazônia, empresta recursos a taxas de juros que variam de 1% a 4% ao ano conforme a escala do empreendimento e tipo de empréstimo (custeio ou investimento – detalhes em Bacen, 2007). Além disso, o governo federal concede outros subsídios via PRONAF como um desconto de 40% sobre o principal para os empréstimos até R$ 12 mil (PRONAF A) e bônus de adimplência de 25% na taxa de juros de parcelas de empréstimo de custeio (PRONAF C). Na Amazônia, esses fundos (chamados FNO Especial) são concedidos pelo Banco da Amazônia. Este banco também empresta recursos do FNO para produtores rurais não-familiares (FNO Normal) com taxas de juros subsidiadas – variando de 5% a 9% conforme a escala do empreendimento. O FNO Normal oferece ainda um desconto de 15% sobre os encargos financeiros para aqueles que pagam em dia suas dívidas.
As taxas de juros do FNO Normal e FNO Especial estiveram muito abaixo das taxas de juros livres anuais, as quais variaram de dezembro de 2003 a dezembro de 2006 entre 26% e 34% para pessoas jurídicas e entre 57% e 62% para pessoas físicas, respectivamente, segundo o Banco Central (Bacen, 2006).
Com essas condições atrativas, os pecuaristas receberam R$ 1,89 bilhão em empréstimos entre 2003 e outubro de 2007 (Figura 10), distribuídos em 14.500 contratos. Do total do financiamento, 45% foram para pequenos produtores (FNO Especial) e 55% para produtores médios e grandes (FNO Normal). Nesse período, o pico de empréstimo ocorreu em 2004, coincidentemente um ano de pico de desmatamento, e declinou nos anos seguintes (Figura 11). É relevante notar que desde 2005 a proporção de empréstimos para o FNO Especial – que tem taxas de juros menores – tem aumentado, chegando a dois terços do total em 2007. Isso parece indicar que com a queda dos preços do gado (ver seção 5.1), somente os empréstimos com maiores subsídios continuaram atraentes.
Figura 10. Valores de empréstimos do FNO para pecuária bovina na Amazônia Legal entre 2003 e outubro de 2007.
Figura 11. Proporção do FNO Especial (Agricultura familiar) e FNO Normal do total de empréstimos para pecuária bovina entre 2003 e outubro de 2007.
O uso gratuito de terras públicas
A expansão da pecuária na Amazônia tem sido facilitada pelo uso gratuito de terras públicas. Fazendeiros que se apossam de terras públicas ganham mais do que o normal, pois não compraram a terra nem pagam um aluguel pelo seu uso. As terras apropriadas ilegalmente se tornam um patrimônio privado, pois os imóveis são comercializados informalmente ou no mercado formal (com registro em cartório) com a utilização de documentos falsos.
Segundo o próprio governo, a área privatizada gratuitamente e ilegalmente na região é enorme. Em 2001, o governo federal suspeitava da ilegalidade de títulos (grilagem) de dois mil imóveis rurais, equivalentes a 70 milhões de hectares. Além disso, em 2003, a área de posses ilegais sem documentos somava 42 milhões de hectares; o que equivale a soma dos Estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Paraíba e Sergipe (Barreto et al., 2008). O governo federal vem tomando várias medidas para tentar retomar ou regularizar a propriedade dessas terras, mas não tem conseguido concluir o trabalho (Barreto et al., 2008). Em junho de 2008, o Instituto Nacional de Colonização de Reforma Agrária – Incra revelou (Escolese, 2008) desconhecer a situação de ocupação de 71 milhões de hectares de terras públicas sob sua jurisdição (ou seja, excluindo as terras sob jurisdição dos governos estaduais).
A apropriação de terras públicas também resulta em outro subsídio não-contabilizado. Os fazendeiros exploram a madeira sem remunerar o governo e, portanto, acumulam capital gratuitamente para investir na pecuária.
Aumento de produtividade
Além da abertura de novas áreas, parte do crescimento da pecuária na Amazônia tem ocorrido por meio do aumento da produtividade resultante de novos desmatamentos ou de investimentos em tecnologia. Porém, o investimento em produtividade tem sido limitado, pois o retorno não tem compensado.
Os dados preliminares do Censo Agropecuário do IBGE de 2006 indicam que a lotação média dos pastos nos Estados da Amazônia aumentou 32% (de 0,7 para 0,96 cabeça por hectare) entre 1995 e 2006. Parte desse aumento de lotação deve ter decorrido do maior vigor de pastos novos que recebem uma fertilização natural oriunda da queima da floresta (ver Hecth, 1985). O efeito dos pastos novos no aumento da lotação média nesse período é desconhecido, mas pode ser substancial, pois a área de pastos aumentou em 20% entre 1995 e 2006 segundo o IBGE e os pastos novos podem ter até o dobro da lotação de pastos antigos não renovados.
Ao mesmo tempo, a produtividade da pecuária aumentou por causa de investimentos em tecnologias. Segundo Arima et al. (2005), a lotação média dos pastos nas principais regiões produtoras da Amazônia aumentou cerca de 10% entre 1995 e 2000. Os 85 produtores entrevistados informaram ter aumentado a produtividade por meio da rotação de pastos (16%), do cruzamento industrial (praticado por 21% dos produtores) e da inseminação artificial (27% dos produtores). De fato, o investimento em melhoramento genético cresceu até 2003 no Brasil. A comercialização de doses de sêmen de gado de corte dobrou no Brasil entre 1996 e 2004 de 2,14 milhões para 4,89 milhões de doses por ano[10]. Entretanto, ficaram estáveis entre 2003 e 2004 e caíram até 2006. A participação de bezerros potencialmente gerados com inseminação artificial no total de bezerros gerados no Brasil anualmente seguiu uma tendência similar, oscilando de 10% a 17% entre 1996 e 2004[11].
A produção em confinamento e semi-confinamento cresceu, mas ainda é ínfima. A participação desse rebanho no total do rebanho brasileiro subiu de 1,5% em 1996 para 2,3% em 2005[12]. Dos Estados da Amazônia, Mato Grosso e Tocantins são os que possuem maior rebanho em algum tipo de confinamento, mas seguiram o mesmo padrão do total do Brasil.
A estabilização e queda do confinamento e da inseminação em anos recentes corroboram as estimativas do Anualpec 2008 de que sistemas mais intensivos de produção foram menos rentáveis do que a criação extensiva na Amazônia em 2007 (Figura 12).
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10 Dados de doses de sêmen compilados pela Associação Brasileira de Inseminação Artificial – Asbia. 2006. Relatório estatístico de produção, importação e comercialização de sêmen. Disponível em: <http://www.asbia.org.br/download/mercado/relatorio2006.pdf>. Acesso em: 20/09/2007. Dados para anos anteriores a 2003 disponíveis em: <http://www. asbia.org.br/download/mercado/relatorio2004.pdf>.
11 O percentual de bezerros gerados com inseminação artificial foi estimado em duas etapas. Primeiro, estimamos o número de bezerros potencialmente gerados por inseminação artificial considerando a média de geração de 1,5 bezerro por cada dose conforme comunicação pessoal de Viktor Alexander Andrade (veterinário, Ms em Economia Aplicada pela UFV). Depois, dividimos esse valor pelo número total de bezerros gerados no país conforme estimativa de Anualpec 2001 para os anos de 1995 a 1998 e de Anualpec 2007.
12 Estimado pelos autores com dados de rebanho confinado e semi-confinado do Anualpec 2006 e do Anualpec 2007 e de rebanho total do IBGE (2006).
Figura 12. Retorno sobre o patrimônio (%) da recria/engorda de gado em sistemas de produção extensivo, semi-intensivo e intensivo em lotes de 500 unidades de animais em quatro municípios da Amazônia em 2007. Fonte dos dados: Anualpec 2008.
O papel do controle da febre aftosa para expandir as exportações
O aumento do controle da febre aftosa com vacinação foi um dos fatores mais importantes para que o Brasil e a Amazônia pudessem aumentar as exportações de carne bovina e, conseqüentemente, estimular a produção. Em 1998, somente 10% do rebanho brasileiro estavam em Estados livres para exportar conforme reconhecimento da Organização Internacional de Epizootias – OIE (Brasil, 2004a). Outros Estados foram liberados nos anos seguintes, incluindo os amazônicos Mato Grosso (2000), Tocantins (2001), Rondônia (2003), Acre e dois municípios do Amazonas (Boca do Acre e Guajará) em 2005 e o sul do Pará em 2007 (Figura 13). Em 2007, aproximadamente 76% do reba-nho nacional e 78% do rebanho da Amazônia Legal estavam em zonas livres da aftosa[13].
Desde o início do reconhecimento internacional do controle da aftosa em partes da Amazônia, em 2000, o rebanho regional cresceu a taxas mais elevadas do que antes [1990 até 2000 conforme dados do IBGE (2007)]. Além disso, nosso levantamento de campo mostra que entre 2000 e 2005 27 frigoríficos se instalaram na região, aumentando a capacidade diária de abate em 160% em relação aos anos 1990. Parte desses frigoríficos passou a abastecer o mercado do Sudeste, enquanto os Estados do Centro-Sul ampliavam suas exportações. Esse tipo de operação é facilitado pelo fato de que parte dos frigoríficos pertence a grupos que operam em todo o país.
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13 Estimativa dos autores com dados de Brasil (2004a) e IBGE (2007).
Figura 13. Situação do controle da febre aftosa[14] no Brasil em 1998 e 2005.
14 Mapa conforme classificação da OIE em maio de 2005. A zona livre com reconhecimento internacional pode exportar carne. A zona livre com reconhecimento do MAPA pode comercializar gado vivo para regiões livres, mas não pode exportar para outros países que exigem reconhecimento internacional. O corredor sanitário é uma zona especial que permite que uma zona tampão – que ainda não poderia vender gado vivo para uma região livre – possa fazê-lo desde que o gado siga diretamente para abate na zona livre.
Instituições públicas e privadas vêm tomando medidas para reduzir o desmatamento ilegal na Amazônia, que corresponde a mais de 80% do desmatamento total (ver estimativas da ilegalidade em Souza et al., 2006). A pecuária, que é a maior responsável pelo desmatamento, tem sido foco cada vez mais freqüente dessas medidas. Até 2006 o peso de tais medidas na queda do desmatamento parece ter sido pequeno, pois a redução da taxa de desmatamento foi concomitante à queda de preços do gado e/ou da soja (Seção 4.1). O aumento do desmatamento no fim de 2007, associado ao aumento de preço do gado e soja, levou o governo federal a reforçar medidas contra o desmatamento em 2008. A seguir revisamos essas medidas e suas implicações.
A fiscalização contra o desmatamento ilegal
O governo federal vem aumentando os esforços contra o desmatamento e a exploração ilegal de madeira na Amazônia com base na Lei de Crimes Ambientais e no Código Florestal. Após o desmatamento recorde em 1995, em 1996 o governo federal reduziu de 50% para 20% a área que poderia ser legalmente desmatada nos imóveis rurais da Amazônia (Quadro 1). Além disso, aumentou a emissão de multas contra a exploração de madeira e desmatamento ilegais de pouco mais de R$ 200 milhões em 2001 para R$ 1,4 bilhão em 2005 (Figura 14). O governo também aumentou em 2005 a investigação contra a corrupção para o licenciamento ambiental, principalmente envolvendo a exploração ilegal de madeira. As investigações envolveram a prisão de funcionários públicos e madeireiros para a coleta de provas.
Contudo, o efeito do aumento da emissão de multas na taxa de desmatamento parece ter sido pouco expressivo, pois entre 2001 e 2004 o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – Ibama aumentou em 180% o valor total de multas emitidas contra a flora na Amazônia, mas a taxa de desmatamento nesse período cresceu 51% acompanhando o aumento de preço de mercadorias agrícolas (de 18.165 Km2/ano para 27.429 Km2/ano). O desmatamento caiu apenas quando os preços da soja e gado caíram, e ao mesmo tempo em que aumentaram as prisões investigativas a partir de 2005. A ineficácia da fiscalização para reduzir o desmatamento é plausível, pois a arrecadação das multas continuou ínfima como mostra a Figura 14. Além disso, na maioria dos casos os acusados de crimes ambientais têm continuado a usufruir dos bens que o Ibama apreende (Barreto et al., 2008).
Quadro 1. As mudanças e incertezas sobre o Código Florestal.
Em 1996, o governo federal aumentou a exigência de Reserva Legal na Amazônia de 50% para 80% por meio de uma Medida Provisória – MP. A Reserva Legal deve ser constituída de vegetação nativa para promover a conservação da biodiversidade nativa e de processos ecológicos. Seu uso é restrito a atividades extrativas como a produção de madeira por meio de manejo florestal.
O aumento da Reserva Legal gerou incertezas e polêmica, pois os fazendeiros que anteriormente desmataram 50% estariam obrigados a recompô-la até 80%. Por causa das reações dos agropecuaristas, a MP foi modificada em 2001 estabelecendo que o poder executivo pode reduzir a Reserva Legal na Amazônia Legal de 80% para até 50% nas áreas que devem ser recompostas[15]. Desta forma, quem respeitou o Código Florestal antes da edição da MP de 1996 não precisaria recuperar a área desmatada além de 50%. Porém, essa flexibilização só é aplicável onde seja indicado pelo Zoneamento Ecológico-Econômico – ZEE e Zoneamento Agrícola e após consulta ao Conselho Nacional de Meio Ambiente – Conama, ao MMA e ao MAPA. Por outro lado, com base no ZEE, o poder executivo poderá ainda ampliar as áreas de Reserva Legal em até 50% dos índices previstos no Código em todo o território nacional, em áreas especiais como corredores biológicos, entre outros.
Rondônia é o único Estado da Amazônia que concluiu o ZEE e obteve a autorização para reduzir a Reserva Legal de 80% para 50%. Segundo o MMA (Perpetuo, 2007), o Conama vai recomendar que o Acre possa reduzir a Reserva Legal até 50% na Zona I do seu ZEE. Nos outros Estados, a falta do ZEE e, conseqüentemente, a indefinição sobre a flexibilização da Reserva Legal continua desestimulando o licenciamento ambiental, pois os proprietários rurais não querem se comprometer a recuperar a Reserva Legal até 80% em áreas que talvez possam ser reduzidas para 50% após o ZEE.
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15 Segundo a MP nº. 2.166-67, para contabilidade da Reserva Legal devem ser excluídas “em qualquer caso, as Áreas de Preservação Permanente, os ecótonos, os sítios e ecossistemas especialmente protegidos, os locais de expressiva biodiversidade e os corredores ecológicos”. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/MPV/2166-67.htm#art1§1> Acesso em: 27/12/ 2004.
Figura 14. Valor emitido e arrecadado de multas por crimes contra a flora na Amazônia entre 2001 e 2005. Fonte de dados: Ibama, 2007.
A criação de áreas protegidas
Desde o início da década de 1990, os governos federal e estaduais vêm ampliando expressivamente as áreas protegidas na Amazônia, cujo total atingiu aproximadamente 40% do território da região em 2006. A criação dessas áreas tem reduzido o risco local de desmatamento. Por exemplo, uma análise considerando as áreas protegidas (terras indígenas e unidades de conservação) criadas até 1997 mostrou uma redução de 33% do risco de queimadas – um indicador de desmatamento – nessas áreas mesmo isolando o efeito de outros fatores determinantes das queimadas como a distância até as estradas (Arima et al., 2007). Porém, algumas das novas áreas protegidas – especialmente a partir do ano 2000 – foram criadas em zonas com ocupação de posseiros, muitos dos quais ainda não foram removidos. Além disso, cerca de 5 milhões de hectares das áreas criadas após 2000 foram Áreas de Proteção Ambiental, que permitem a regularização fundiária de ocupantes legítimos. Essa situação favoreceu que em 2008 o desmatamento tenha continuado em unidades de conservação (ver análises em www.imazongeo.org.br).
Medidas integradas contra o desmatamento em 2007 e 2008
O aumento do desmatamento mensal no final de 2007, associado ao aumento dos preços do gado e soja, levou o governo federal a lançar um pacote de medidas para reduzir o desmatamento, que incluíram:
• O embargo de licenciamento de desmatamentos em 36 municípios com maior área desmatada e com maiores taxas de desmatamento recentes (Decreto nº. 6.321/07 e Portaria n º. 28/2008 do MMA).
• A convocação para o recadastramento de 15,4 mil imóveis rurais maiores do que 320 hectares em seis Estados da região (Instrução Normativa nº. 44/2008 do Incra).
• A restrição à concessão de crédito público e privado para produtores em situação ambiental e fundiária irregulares (Resolução nº. 3.545/2008 do Conselho Monetário Nacional).
• O embargo de áreas ilegalmente desmatadas e a possibilidade de co-responsabilização de compradores de produtos oriundos dessas áreas como frigoríficos, madeireiras e processadoras de grãos (Instrução Normativa nº. 01/2008 do MMA). Para facilitar o monitoramento dessas áreas, o Ibama divulgou na internet a lista de áreas embargadas e o nome dos respectivos acusados de ações ilegais.
• A campanha de fiscalização denominada Operação Arco de Fogo, que incluiu a apreensão, de fato, de bens dos acusados em algumas localidades, como 23 mil metros cúbicos de tora em Tailândia, no leste do Pará, e 3.046 cabeças de gado na Estação Ecológica da Terra do Meio, no Pará. Esse gado foi leiloado em agosto de 2008 (MMA, 2008a). Além disso, segundo o MMA (MMA, 2008a), outros fazendeiros ainda retiraram mais 36 mil cabeças de gado da estação ecológica e outras 20 mil de outra unidade de conservação, também na região da Terra do Meio.
• A edição de decreto federal que permite acelerar a conclusão de processos administrativos contra criminosos ambientais, a partir da redução das instâncias de defesa de quatro para duas e da possibilidade de venda dos bens apreendidos mais facilmente (Decreto nº. 6.514/2008).
Estimativas iniciais demonstram que essas medidas parecem ter sido efetivas, pois o desmatamento caiu 6% no período de agosto de 2007 a julho de 2008, com a maior queda (71%) em julho de 2008 (Souza et al., 2008). Nas áreas protegidas o desmatamento caiu ainda mais (25%) nesse mesmo período, indicando que, além das multas, a apreensão e leilão do gado podem ter sido um forte desincentivo a novos desmatamentos nessas áreas. Contudo, essas medidas têm levado a duras reações de políticos e empresários da região (ver exemplo em Jornal Nacional, 2008).
Campanhas e acordos privados contra o desmatamento
Parte do setor privado também está se engajando contra o desmatamento por conta de pressões do mercado. A iniciativa privada contra o desmatamento mais avançada é a moratória da soja. Em 2006, a Associação Brasileira de Óleos Vegetais – Abiove e a Associação Nacional dos Exportadores de Cereais – Anec decidiram não comprar, por dois anos, soja oriunda de novas áreas desmatadas no bioma[16] Amazônia. Elas se comprometeram ainda a colaborar durante a moratória para a criação de normas de como operar na região e inclusive cobrar o ZEE (Abiove, 2006). A moratória resultou de uma campanha do Greenpeace que demonstrou a ligação entre o consumo de fastfood na Europa com o desmatamento ilegal (Greenpeace, 2006). Em julho de 2008, a moratória foi renovada por mais um ano depois da análise de que áreas desmatadas entre agosto de 2006 e junho de 2007 não foram usadas para o plantio de soja (Greenpeace, 2008).
As iniciativas privadas contra o desmatamento no setor da pecuária ainda são incipientes, mas podem crescer. Por exemplo, atendendo a um convite da International Finance Corporation – IFC, do grupo Banco Mundial, no fim de 2007, os principais frigoríficos atuantes na Amazônia, algumas organizações não-governamentais e alguns bancos públicos e privados formaram um grupo para discutir acordos de como promover a sustentabilidade da pecuária[17]. Paralelamente, o novo Ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, anunciou que está negociando com representantes dos frigoríficos exportadores um pacto contra o desmatamento que seria similar ao assumido pelos grandes compradores de soja (MMA, 2008b).
Além disso, o risco de punições pelo descumprimento do embargo de áreas desmatadas ilegalmente poderá reforçar as salvaguardas ambientais que alguns bancos já estavam impondo ou considerando para os empréstimos aos frigoríficos. Por exemplo, a IFC exigiu um plano socioambiental da empresa Bertin antes de aprovar um financiamento de US$ 90 milhões destinados à ampliação de um frigorífico em Marabá, no sudeste do Pará, entre outros investimentos. Segundo a IFC (IFC, 2007), o empréstimo deverá garantir que o gado utilizado seja oriundo de fazendas sem novos desmatamentos. O mesmo grupo estava buscando um empréstimo de US$ 250 milhões do Banco Interamericano de Desenvolvimento – BID a serem investidos, entre outros projetos, na construção de uma nova unidade no município de Sorriso, no centro de Mato Grosso. O BID (BID, 2007) informou que a decisão de investir levaria em conta o risco de novos potenciais desmatamentos.
Finalmente, em outubro de 2008, 15 instituições, incluindo organizações não-governamentais e empresas, assinaram um pacto pela não comercialização de carne oriunda de áreas desmatadas ilegalmente embargadas pelo Ibama[18]. Entre os assinantes do pacto estavam as redes varejistas Pão de Açúcar, Wal-Mart e Carrefour e os frigoríficos Marfrig e JBS Friboi. Um comitê incluindo membros das empresas e das ONGs acompanharão o cumprimento do acordo[19]. O pacto foi assinado no seminário “Conexões Sustentáveis: São Paulo – Amazônia” que visou sensibilizar os paulistanos sobre a responsabilidade da sociedade paulistana com a preservação e valorização da floresta (Movimento Nossa São Paulo, 2008).
Apesar de essas iniciativas serem positivas, a credibilidade e eficácia delas dependerão em grande parte de um monitoramento eficaz e transparente das operações. No caso da pecuária, ainda será necessário melhorar o monitoramento, pois o atual rastreamento do gado é reconhecidamente falho (Ver Macedo, 2008).
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16 O bioma Amazônia ocupa a totalidade de cinco unidades da federação (Acre, Amapá, Amazonas, Pará e Roraima), grande parte de Rondônia (98,8%), 54% do Mato Grosso, 34% do Maranhão e 9% do Tocantins.
17 O grupo inclui os frigoríficos Bertin, Frigol, Independência, JBS-Friboi, Mercosul e Quatro Marcos e instituições financeiras como a IFC do Banco Mundial, o Banco Real, o Rabobank e o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social.
18 O texto completo do pacto está disponível em: http://www.amazonia.org.br/arquivos/289437.doc. Os signatários são: Carrefour Comércio e Indústria Ltda, Frigol Comercial Ltda, Grupo Pão de Açucar, IFC – International Finance Corporation, Instituto Akatu, Instituto de Conservação Ambiental – TNC, Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social, Instituto São Paulo Sustentável, ISA – Instituto Socioambiental, JBS-Friboi, Marfrig, Organização Internacional do Trabalho –Washington, Repórter Brasil, Vale Grande Indústria e Com. de Alimentos S/A e Wal-Mart.
19 Segundo reportagem de Bonanome 2008, as seguintes instituições participam do comitê: Instituto Ethos, Instituto Akatu, Instituto socioambiental (ISA), Amigos da Terra – Amazônia Brasileira, Imaflora, Wal-Mart, Grupo Pão de Açúcar, Associação Brasileira das Indústrias de Óleo Vegetal, Grupo Orsa.
Segundo a FAO (2003), a demanda por carne bovina tenderá a crescer, puxada pelo crescimento populacional e pelo aumento da renda em países em desenvolvimento. No Brasil, uma maior demanda poderia agravar a pressão de desmatamento se a produção seguisse os padrões atuais. Entretanto, é incerto se a pecuária vai se tornar mais produtiva ou continuará sua expansão baseada principalmente em novos desmatamentos.
Do lado do controle do desmatamento, as inovações e reforço das políticas públicas parecem ter sido mais eficazes em 2008. As medidas de controle, por sua vez, causaram perdas de curto prazo como a restrição ao crédito e levou a fortes reações empresariais e políticas e indicações de recuo do Ministro do Meio Ambiente (ver exemplos em O Globo Online, 2008 e Assessoria de Imprensa de Luis Carlos Heinze, 2008). Isso deixa dúvidas quanto à manutenção dessas políticas públicas. Ao mesmo tempo, outras políticas-chave e ações do mercado ainda são incipientes para estimular o aumento da produtividade da pecuária. Apesar dessas incertezas, a continuidade de pressão para reduzir emissões de carbono e o risco de pressão do mercado contra o desmatamento, como já ocorreu com a soja, podem incentivar uma transição para uma pecuária mais sustentável. A seguir resumimos as políticas públicas e acordos necessários para acelerar essa transição.
Eliminar subsídios
As técnicas para aumentar a produtividade estão disponíveis em fazendas que adotam as melhores práticas e em centros de pesquisa como a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária – Embrapa[20]. Entretanto, o investimento em produtividade dependerá da eliminação de subsídios que estimulam o uso extensivo (FAO, 2006). Na Amazônia, o subsídio mais importante para a pecuária é o uso gratuito de milhões de hectares de posses irregulares e terras ilegalmente documentadas (terras griladas). Apesar dos avanços recentes, políticas essenciais para eliminar esse subsídio continuam frágeis e insuficientes. Portanto, é necessário um plano mais amplo para a regularização fundiária na Amazônia. Em 2008, o Ministro Extraordinário de Assuntos Estratégicos, Mangabeira Unger, corretamente elegeu esse tema como prioridade para o Plano Amazônia Sustentável e iniciou debates sobre como avançar (Radiobras, 2008). É essencial que a regularização elimine de fato os subsídios – por exemplo, demandando o pagamento à vista pelas terras ocupadas e não um pagamento parcelado de longo prazo, como foi anunciado pelo Incra (ver análise em Barreto et al., 2008) e que não sejam doados lotes até 400 hectares como tem sido proposto pelo governo.
O crédito rural subsidiado para a Amazônia deveria excluir a agropecuária, pois indiretamente estimula o desmatamento. Se for para manter algum tipo de subsídio para a região, que seja direcionado para atividades que produzam benefícios públicos como os serviços ambientais e ecológicos – por exemplo, o reflorestamento que estimula a conservação da biodiversidade e o seqüestro de carbono (ver item 5.3).
Reforçar o combate ao desmatamento ilegal
O governo já aumentou expressivamente o esforço de fiscalização contra crimes ambientais na Amazônia. Porém, falta torná-lo mais efetivo aplicando as penas (Brito e Barreto, 2006 e Barreto et al., 2008). Pelo menos duas medidas poderiam melhorar a aplicação das penas. Primeiro, enfocar a cobrança dos maiores casos (por exemplo, 20% do total de casos) que correspondem a cerca de 80% do valor total de multas e dos danos. Isso ajudaria a acelerar a conclusão dos casos e, conseqüentemente, aumentaria o efeito preventivo do controle. Segundo, é crucial aumentar o pessoal do setor jurídico dos órgãos ambientais para acelerar a condução desses casos nas esferas judicial e administrativa. Atualmente, esses órgãos gastam muito nas operações de campo, mas deixam pilhas de processos nos escritórios sem continuidade por escassez de pessoal jurídico.
Para restringir o desmatamento será também necessário fazer cumprir o Código Florestal; tarefa que demandará o aumento de escala de outras políticas e uma maior integração institucional. É preciso concluir os ZEE dos Estados da região (exceto Rondônia e Acre – Quadro 1) para definir as regras sobre a recuperação da Reserva Legal (onde seria de 50% ou de 80% do imóvel). Isso facilitaria a cobrança mais segura do cumprimento do Código Florestal e poderia reduzir a resistência sobre a exigência do licenciamento ambiental. O licenciamento, por sua vez, facilitaria a monitoração do desmatamento por meio do cruzamento dos polígonos dos imóveis rurais com mapas de cobertura vegetal.
Finalmente, é essencial enfocar a responsabilização dos frigoríficos pela compra de gado de origem ilegal – ou seja, oriundos de fazendas sem licença ambiental. O plano atual de punir quem compra das áreas embargadas pelo Ibama é positivo, mas difícil de aplicar, pois falta o rastreamento do gado. O controle poderia ser facilitado trocando-se o foco de verificação, ou seja, verificar nos frigoríficos a entrada do gado de origem legal (de fazendas com licenças ambientais). Para isso, o governo deveria divulgar para os frigoríficos a lista das fazendas com licenças ambientais. Depois, deveria verificar se os frigoríficos compraram apenas destas fazendas. Considerando que a grande maioria das fazendas não é licenciada e que se pode facilmente estimar a produção das fazendas licenciadas, seria fácil detectar a fraude potencialmente mais comum: tentar comercializar gado de origem ilegal via fazendas legais. Além disso, a fiscalização seria facilitada pelo fato de que um número pequeno de frigoríficos processa e comercializa grande parte do gado da região (Seção 2). Essa abordagem causaria restrições econômicas em municípios com alta dependência da pecuária, mas seria uma forma eficaz de estimular um acordo mais amplo para transformar a pecuária em uma atividade baseada na legalidade e sustentabilidade.
Estabelecer incentivos corretos
Os fazendeiros poderiam ser estimulados a aumentar a produtividade da pecuária e a respeitar a legislação ambiental por meio de subsídios e pagamentos pela conservação e reflorestamento. Essas medidas estão se tornando plausíveis dado que o reflorestamento e a conservação de florestas (desmatamento evitado) estão entre as alternativas mais baratas para, respectivamente, seqüestrar carbono e evitar novas emissões de GEE[21](Chomitz, 2006 e Enkvist, 2007). Um passo já foi dado nessa direção: o consenso entre países, no fim de 2007, de que será necessário melhorar as ações, inclusive com incentivos para reduzir as emissões oriundas de desmatamento em países em desenvolvimento (UN, 2007). Entretanto, ainda é incerto se os incentivos vão ser de fato estabelecidos e se serão suficientes. Um novo acordo deverá ser negociado até 2009 para definir as ações e tipos de incentivos.
Ambientalistas brasileiros estão também se movimentando para apoiar a conservação em áreas privadas. Por exemplo, em outubro de 2007 nove organizações não-governamentais ambientalistas lançaram a proposta de um “Pacto pela Valorização da Floresta e pelo Fim do Desmatamento na Amazônia”, que considera que além da fiscalização e punição, será necessário apoiar a conservação com investimentos que compensem os serviços ambientais prestados pelas florestas. Essas compensações seriam condicionadas ao atendimento de metas de redução do desmatamento e seriam direcionadas para governos e detentores de áreas florestais como fazendeiros, populações tradicionais e indígenas. A proposta foi lançada na Câmara dos Deputados com apoio de alguns deputados, ambientalistas, governadores (Blairo Maggi, do Mato Grosso e Waldez Góes, do Amapá) e secretários de Meio Ambiente (Amazonas e Acre) de Estados da Amazônia. Além disso, o presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES manifestou interesse em contribuir com a criação de fundos para a compensação ambiental.
A criação de incentivos para o aumento da produtividade da pecuária e da conservação ambiental poderia avançar mais rapidamente por meio de um maior engajamento dos produtores rurais nas negociações nacionais e internacionais sobre mudanças climáticas. Por exemplo, os produtores poderiam argumentar pelo uso de subsídios já existentes (como o FNO) para fins prioritários de conservação. Além disso, eles poderiam tentar garantir que os acordos internacionais favoreçam a conservação de florestas e reflorestamento em suas propriedades.
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20 A Embrapa desenvolve o programa de boas práticas para produção de bovinos de corte cujas informações estão disponíveis em: http://www.cnpgc.embrapa.br/produtoseservicos/bpa/index.php.
21 Isso significa que o pagamento para seqüestrar ou evitar novas emissões de carbono por meio do reflorestamento e da prevenção do desmatamento seria suficiente para cobrir os custos de oportunidade do fazendeiro que deixaria de criar gado nas áreas que seriam recuperadas ou não desmatadas.
Testamos a hipótese de que a área desmatada (variável dependente) em um ano dependeu dos preços médios da soja, milho e gado (variáveis independentes) no mesmo ano e no ano anterior ao desmatamento. Os anos do desmatamento considerados foram 1995 a 2007 (Tabela 1).
A hipótese foi testada analisando-se o melhor ajuste de curvas de regressão entre os preços e a área desmatada. Antes disso, analisamos a normalidade da distribuição dos dados considerando a análise de valores extremos com base nos desvios. Dado que o preço do boi apresentou um dado extremo em 1995, calculamos o logaritmo do índice de preço que estabilizou a variação. Assim, realizamos o teste de regressão com o logaritmo do índice de preço do boi. O preço extremo do boi em 1995 não foi eliminado dado que a subida de preço de fato ocorreu depois da edição do plano Real em 1994, que elevou o consumo no Brasil.
As análises revelaram que a variação da área desmatada em um ano não dependeu do preço médio do boi no mesmo ano do desmatamento, mas do preço do boi no ano anterior (Tabela 2 e Figura 15). Além disso, essa variação dependeu da variação dos preços da soja e do milho no mesmo ano e no ano anterior ao desmatamento. As regressões para os preços de milho e soja nos anos anteriores ao desmatamento estão nas Tabelas 3 e 4, respectivamente.
Todas as curvas que melhor ajustaram a relação entre as variáveis (aquelas com maiores coeficientes de determinação nas Tabelas 2, 3 e 4 e ilustradas nas Figuras 15, 16 e 17) foram estatisticamente significativas. Isto é indicado pela baixa probabilidade (p na última linha das tabelas 2, 3 e 4) de que as variáveis não são relacionadas.
O coeficiente de determinação das regressões estima quanto da variação da variável dependente (área desmatada) dependeu da variação da variável independente (preços). Os coeficientes de determinação encontrados mostram que a variação da taxa de desmatamento entre 1995 e 2007 dependeu mais da variação dos preços do boi (73,4%) seguido dos preços do milho (33,8%) e soja (27,4%) nos anos anteriores ao ano do desmatamento.
Tabela 1. Área desmatada entre 1995 e 2007 e os preços[22] médios da soja, milho e boi gordo usados na análise de regressão.
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22 Coletamos os preços deflacionados do milho e soja em Agrianual 2007 para o período 1997 e 2006 e Agrianual 2006 para os anos de 1995 e 1996. O Agrianual deflacionou os preços usando o IGP-DI (Índice Geral de Preços – Disponibilidade Interna) da Fundação Getúlio Vargas. Os preços do boi gordo foram obtidos de Anualpec 2007 e Anualpec 2008.
Tabela 2. Ajustamento de curvas entre o logaritmo do IGP do preço do boi gordo (variável independente) em São Paulo e a taxa de desmatamento (variável dependente) na Amazônia no ano seguinte ao valor do IGP.
Figura 15. Curva de regressão geométrica da relação do preço do boi gordo em um ano e a taxa de desmatamento no ano seguinte (1995 a 2007).
Figura 16. Curva de regressão geométrica da relação do preço médio do milho em São Paulo (deflacionado) em um ano e a taxa de desmatamento no ano seguinte (1995 a 2007).
Tabela 3. Ajustamento de curvas entre o preço médio do milho (variável independente) em São Paulo e a taxa de desmatamento (variável dependente) na Amazônia no ano seguinte.
Tabela 4. Ajustamento de curvas entre o preço médio da soja (variável independente) em Mato Grosso e a taxa de desmatamento (variável dependente) na Amazônia no ano seguinte.
Figura 17. Curva de regressão exponencial da relação do preço médio da soja em Mato Grosso em um ano e a taxa de desmatamento na Amazônia no ano seguinte (1995 a 2007).
This post was published on 5 de março de 2013
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