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Análise da legislação para o manejo florestal por produtores de pequena escala na Amazônia Brasileira.

PRÓLOGO

Projeto ForLive “Manejo Florestal por Pequenos Produtores Rurais na Amazônia: uma oportunidade para melhorar a estabilidade ambiental e os meios de vida na área rural” é uma proposta de pesquisa que iniciou em meados de 2005 com o propósito de identificar e estudar as estratégias de uso da floresta por parte dos pequenos produtores na Amazônia, para analizar e valorar sua viabilidade local e possível contribuição à estabilidade ecológica dos ecossistemas florestais e meios de vida da população rural. No total, nove organizações de sete países (quatro na bacia amazônica e três na Europa) colaboraram para a implementação deste Projeto, atuando em áreas pré-selecionadas da região amazônica na Bolívia, Brasil, Equador e Peru[1].

O presente estudo foi desenvolvido como parte do componente do Projeto que foca na análise do marco institucional das iniciativas de manejo florestal por pequenos produtores, tendo por base o marco legal operando nos distintos níveis (local, regional e nacional) que afetam diretamente os pequenos produtores, associando-se também a interação que se estabelece entre as diferentes normas e regulações e os níveis mencionados. O estudo tem como foco as normas florestais, embora outras regulações fora do setor florestal (como as relacionadas à posse da terra, ao setor agrário, ou ao desenvolvimento rural e conservação) também são consideradas.

O estudo foi realizado desde o início de 2007 até meados de 2008 nos quatro países de atuação do Projeto anteriormente mencionados. Os objetivos foram: (1) identificar e comparar os marcos legais que impactam o manejo florestal feito por pequenos produtores; (2) avaliar as implicações dos marcos legais no sentido de promover ou restringir as atividades de manejo florestal pelos pequenos produtores; e (3) propor recomendações para melhorar e, ou, harmonizar os marcos legais para o manejo florestal por pequenos produtores.

O termo pequeno produtor usado neste estudo inclui todos os atores, organizados ou não, que vivem numa comunidade ou localidade onde realizam uma atividade relacionada ao uso e o manejo de recursos florestais (produção, extração ou aproveitamento de quaisquer produtos florestal madereiro ou não madeireiro). Esta ampla definição compreende um grupo muito diverso de agricultores de pequena escala ou familiares, colonos, assentados, extratores florestais, ribeirinhos e comunidades indígenas ou campesinas.

Como produtos do estudo, o Projeto ForLive está publicando além de quatro documentos com os resultados ao nível de cada país, um que traz a análise comparativa dos estudos nacionais e um resumo de políticas. Espera-se que esses produtos contribuam aos atuais processos de reflexão que estão ocorrendo nos países da região destinados a melhorar os marcos legais e institucionais para o desenvolvimento de um setor florestal mais sustentável e com resultados mais justos e equitativos para os diferentes usuários da floresta. Isto somente será possível se as realidades e a diversidade de situações dos atores locais forem consideradas adequadamente.

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1 Maiores informações sobre o projeto podem ser obtidas a través do site: http://www.waldbau.uni-freiburg.de/forlive/Home_es.html.

RESUMO

O Manejo Florestal por Pequenos Produtores tem crescido em importância nos últimos anos na Amazônia brasileira, bem como o cerco do governo para coibir a extração ilegal de madeira e, conseqüentemente, a demanda do mercado por madeira legal. Calcula-se que 75% das terras públicas da Amazônia estão sob controle de pequenos produtores, o que os torna potencialmente significativos fornecedores de madeira legal. Apesar deste cenário favorável, os desafios para o estabelecimento do Manejo Florestal por Pequenos Produtores (MFPP) são ainda muito grandes.

Este estudo busca contribuir para esta discussão identificando a legislação que impacta o manejo florestal, avaliando as implicações desta legislação com respeito a promover ou restringir as atividades de MFPP e, por fim, propondo recomendações para melhorar e/ou harmonizar essa legislação.

A legislação analisada foi sistematizada aqui em três grandes temáticas: 1) Questões Institucionais e de Políticas Públicas; 2) Questões Fundiárias, e 3) Questões Técnicas e Normativas. As questões institucionais e de políticas públicas atingem diretamente as outras duas questões, fundiárias e técnicas e normativas, permeando as diferentes etapas do MFPP, que vão desde questões básicas como acesso a informações e atendimentos iniciais dos processos de regularização fundiária e do manejo, perpassando por razões orçamentárias de investimento em ações e pessoal capacitado, e situações de impunidade. Essas deficiências acabam por incentivar indiretamente a informalidade e ilegalidade da exploração florestal.

Em geral a legislação mostrou-se bastante extensa e complexa, Por outro lado, a situação fundiária na Amazônia brasileira ainda é um grande entrave para o MFPP, com a grande maioria dos pequenos produtores fora do sistema legal de posse da terra, e a minoria que busca esse processo encontrando um sistema burocrático e muito lento, portanto pouco eficiente.

Mas porquanto que a questão fundiária seja chave para o MFPP, uma vez que é pré-requisito, nos casos onde esta foi resolvida, a legalidade do manejo florestal ainda é distante, pois se cai em outro grande entrave, que são as exigências técnicas e normativas. A principal normativa que regulamenta o manejo florestal atualmente em vigor, a Instrução Normativa do MMA N° 05, de 11 de dezembro de 2006, classifica dois tipos de manejo florestal, baixa intensidade e pleno, segundo duas condições: 1) a intensidade de exploração e 2) o uso ou não de máquinas de arraste. O tipo baixa intensidade, por ser mais simplificado em estudos e detalhes de procedimentos, é menos oneroso e, portanto, mais apropriado para os pequenos produtores, os quais além do manejo florestal exercem também outras atividades produtivas. Contudo, assume-se, por este procedimento, que o MFPP deve ter baixa volumetria de exploração de até 10 m3, independente do potencial de sustentabilidade resultante do inventário florestal e da capacidade de manejo dos produtores. E também que pequeno produtor não deve usar máquinas de arraste, mesmo que sua área de manejo se localize em terra-firme, mesmo que as árvores estejam distantes de um pátio de estocagem. Se os pequenos produtores decidem por manejar uma volumetria maior, e/ou com o uso de máquinas, eles devem seguir os mesmos trâmites que os empresários, independentemente de que seu plano de manejo traga benefícios sociais extras para as famílias e comunidades onde vivem.

Atualmente, discute-se uma política nacional para o Manejo Florestal Comunitário e Familiar, e prevê-se a discussão de procedimentos socioambientais para o MPFF. Trata-se de grandes desafios, pois deve se conseguir que governo e técnicos: (a) simplifiquem as exigências técnicas e burocráticas para os pequenos, sem com isso criar-se facilidade indevida a mal-intencionados, tanto para questões fundiárias quanto técnico-normativas, (b) incorporem o saber local ao saber científico, e (c) invistam massivamente com assistência técnica, informação e incentivos financeiros no MFPP.

INTRODUÇÃO

O Projeto ForLive e o Manejo Florestal por Pequenos Produtores

Vários países da bacia amazônica apresentam avanços importantes no setor florestal nesta última década, em grande parte através de reformas institucionais, abertura de espaços para o diálogo intersetorial e novas oportunidades para promover os bens e serviços da floresta. Em alguns desses países – notadamente a Bolívia, o Brasil, Equador e Peru– o manejo florestal aparece cada vez mais como uma alternativa necessária no contexto de uso do território amazônico e, por tanto, vem se figurando cada vez mais nas agendas de políticos, empresários, investidores, pesquisadores e movimento social.

Neste cenário, a legislação ambiental nos países dessa região têm se caracterizado por serem complexas e rigorosas, muito prescritivas e nem sempre claras e objetivas. Essas normas, com freqüência, são alheias à realidade dos atores locais que vivem ou dependem da floresta, em particular os pequenos produtores[2], e mostram incompatibilidade com outras normas setoriais. De outro lado, há sérios problemas de cumprimento ou falta total de aplicação da legislação, em parte devido à limitada capacidade operativa das instituições governamentais para promoção, monitoramento e controle das atividades. Este quadro facilita a significativa persistência de atividades ilegais, pois acaba gerando um forte desestímulo para as “boas” práticas, pelo longo tempo e alto custo e burocracia dos processos. Outro desestímulo aos produtores que buscam a legalização é sua maior exposição para ações de fiscalização, uma vez que passam a fazer parte do cadastro do governo, aumentando o controle do mesmo sobre esta unidade, enquanto que os que estão na ilegalidade conseguem, a curto prazo, burlar o sistema com mais facilidade.

Embora existam estudos que analisem e mesmo comparem a situação da legislação florestal em países da região, estes não oferecem uma análise que considerem quais as implicações desta legislação para os atores sociais diretamente envolvidos no uso e manejo dos recursos florestais. Outra lacuna refere-se a estudos que enfoquem este tema sobre outra ótica: como as normas poderiam de fato apoiar os pequenos produtores para efetivamente usarem suas florestas através de modalidades de acesso às florestas públicas, que em vários países vêm sendo outorgadas a empresas, através de concessões. Estudos dessa natureza ajudariam a melhorar os instrumentos legais vigentes, por levar em conta as realidades e a diversidade de situações dos atores locais e as oportunidades para uma implementação mais efetiva e justa das normas.

O Projeto ForLive “Manejo Florestal por Pequenos Produtores Rurais na Amazônia: Uma oportunidade para melhorar a estabilidade ambiental e os meios de vida na área rural” é uma proposta de pesquisa que vem sendo desenvolvida desde meados de 2005, com atuação em área seletas da Amazônia boliviana, brasileira, equatoriana e peruana. No projeto colaboram nove organizações de sete países (os quatro já mencionados na bacia amazônica e três na Europa), contando com o financiamento da União Européia[3]. Os objetivos do projeto ForLive são: (1) identificar e classificar as estratégias de uso florestal pelos pequenos produtores na Amazônia; (2) entender os fatores chaves para decisões em favor ao manejo florestal; (3) avaliar o papel da floresta para o desenvolvimento rural; (4) avaliar a viabilidade do manejo florestal para o pequeno produtor e identificar opções para sua promoção; e (5) fortalecer redes entre os parceiros dos projetos nacionais e internacionais.

O presente estudo é parte do componente institucional do projeto e vem se realizando desde 2007 nos quatro países de atuação (Bolívia, Brasil, Equador e Peru). Os objetivos são: (1) identificar e comparar a legislação que impacta no manejo florestal por pequenos produtores; (2) avaliar as implicações da legislação com respeito a promover ou restringir as atividades de manejo florestal por pequenos produtores; e (3) propor recomendações para melhorar e/ou harmonizar a legislação para o manejo florestal por pequenos produtores.O estudo em geral pretende contribuir na melhoria dos instrumentos legais vigentes a fim de equacionar a complexidade das realidades dos atores locais e as oportunidades para uma implementação mais efetiva e justa das normas legais nos países analisados. O propósito último é contribuir para uma discussão pragmática sobre como a legislação poderia apoiar os pequenos produtores a usarem eficientemente suas florestas, inserindo-se de forma mais eficaz no setor florestal dos países.

Este relatório é dividido em cinco capítulos. Após esta introdução, ainda como parte do capítulo 1, é apresentado o estudo realizado na Amazônia brasileira. No capítulo 2 é feita uma contextualização do estudo com relação à legislação atual relativa aos pequenos produtores e manejo florestal na Amazônia, bem como das modalidades de gestão da terra. A metodologia seguida no estudo é descrita no capítulo 3. No capítulo 4, são apresentados os resultados, primeiramente com relação às principais normas legais que se aplicam para o manejo florestal por pequenos produtores (MFPP). Em seguida, é feita uma síntese dos principais problemas e propostas sobre o MFPP, os quais foram levantados através do processo de consultas, organizados em três grandes questões temáticas (a) Institucionais e de Políticas Públicas, (b) Técnico-Normativas e (c) Fundiárias. Outras Questões Relevantes são discutidas. As principais lições aprendidas neste estudo são finalmente apresentadas no capítulo 5.

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2 Para este estudo, o termo Pequeno Produtor compreende os agricultores familiares, os extrativistas, os ribeirinhos e os quilombolas, como explicado na seção 3.3.

3 Maiores informações sobre o projeto podem ser obtidas a través do site: http://www.waldbau.uni-freiburg.de/forlive/Home_es.html.


O Estudo no Brasil

Na Amazônia brasileira, desde o início da década de 1990, os pequenos produtores têm buscado a legalização da exploração madeireira, impulsionados pelas experiências do Programa de Proteção das Florestas Tropicais do Brasil-PPG7, que investiu em projetos demonstrativos. O marco legal nesse período foi a Instrução Normativa Nº 04, de 28 de dezembro de 1998, primeira normativa que estabeleceu as regras para o manejo florestal comunitário. A organização das diferentes experiências de manejo florestal comunitário (MFC) culminou com a criação de um Grupo de Trabalho Manejo Florestal Comunitário (GT MFC) em 2002. Trata-se de um grupo da sociedade civil, composto por representantes de experiências de manejo florestal e de instituições assessoras destas experiências na Amazônia brasileira.

Desde então, a legislação pertinente ao Manejo Florestal por Pequenos Produtores (MFPP) evoluiu consideravelmente, bem como o número de projetos de manejo. Passou de 17 Planos de Manejo Florestal Sustentável (PMFS), no final da década de 1990, para 1.742 em 2006, beneficiando 5.459 famílias em aproximadamente 851.103 hectares (Amaral et al. 2007). Estes mesmos autores indicam que os estados da Amazônia que apresentam o maior número de planos de manejo comunitário são o Estado do Acre, seguido do Pará e do Amazonas[4].

Atualmente está em discussão uma Política Nacional de Manejo Florestal Comunitário, impulsionada pelo GT-MFC que, em julho de 2007, entregou uma carta à então ministra do Meio Ambiente em que se expunha a necessidade de uma política para o MFC. As repercussões desta carta foram imediatas, com a formalização de outro GT MFC pelo governo, a discussão da necessidade da política para o MFC na Comissão Nacional de Florestal (CONAFLOR) e na Comissão de Gestão de Florestas Públicas (CGFLOP).

Apesar deste avanço, muitos são os desafios para que o manejo florestal legalizado seja a regra da extração madeireira em áreas de pequenos produtores. O modelo de manejo florestal para pequenos produtores baseia-se na experiência desenvolvida para o setor madeireiro empresarial, com bases científicas. Aliando-se as bases científicas à preocupação ambiental com a Amazônia, o resultado é um modelo de manejo florestal complexo, com enorme gama de regulamentações e exigências de estudos. Medina e Pokorny (2008), após analisar oito experiências de manejo florestal de pequenos produtores, concluíram que o modelo adotado implica em custos relativamente altos, e são pouco adaptados às condições sócio-culturais das comunidades.

Assim, este trabalho tem como objetivos: (1) analisar a legislação pertinente ao manejo florestal por pequenos produtores, (2) levantar junto a diferentes atores-chave suas percepções sobre o manejo florestal, e (3) especificar recomendações para os problemas identificados. Como exposto acima, trata-se de tema complexo, e este estudo não tem a pretensão de oferecer soluções definitivas ou esgotar o tema, mas antes contribuir para o amadurecimento de estratégias para a viabilização do manejo florestal na Amazônia.

Este estudo teve uma série de limitações, que devem ser consideradas no entendimento dos seus resultados, comparação com outros estudos, e para sua reprodução em outra região ou outro momento. Essas limitações foram: (a) amostra restrita de entrevistados, principalmente de representantes de pequenos produtores; (b) abrangência restrita ao Estado do Pará e, de forma mais limitada, aos estados de Acre e Amazonas; (c) equipe de estudo com especialidade concentrada na área ambiental, sem formação em direito; (d) época de realização do estudo coincidiu com a fase de transição causada pela criação do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade e transferência de atribuições do IBAMA às Organizações Estaduais de Meio Ambiente (OEMA´s), o que limitou o aprofundamento deste estudo no nível dos estados por estes se encontrarem numa fase de adaptação e elaboração de suas políticas e estratégias; e (e) o estudo concentrou sua análise somente nos produtos florestais madeireiros.

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4 Amaral et al. (2007) diferenciam Plano de Manejo Comunitário (PMC), de Plano de Manejo de Pequena Escala (PMPE), onde o primeiro se refere a planos envolvendo várias famílias, representadas por uma pessoa jurídica, enquanto o PMPE diz respeito a uma família individual que maneja uma área de até 500 ha.

CONTEXTUALIZAÇÃO

Produtores de Pequena Escala na Amazônia e a Legislação Brasileira

A discussão sobre Manejo Florestal Comunitário na Amazônia começa com o seu próprio conceito. Para analisar esta complexidade, iniciaremos pelos termos em si, discutindo inicialmente cada um separadamente e depois conjuntamente.

MANEJO é um termo popular, que comumente pode ser utilizado como sinônimo de USO. O comum entre estes dois termos é que diz respeito a pessoas fazendo uso de algo, no caso específico, a floresta. Por pessoas, podemos distinguir técnicos, populações rurais e madeireiros. Os técnicos de formação florestal, por sua vez, fazem uma clara distinção entre estes dois termos: manejo implica na utilização de técnicas científicas de estudo, planejamento, execução e monitoramento dos recursos florestais a fim de que a floresta seja corretamente manejada, garantindo sua sustentabilidade econômica e ambiental. A exploração florestal sem a aplicação destes conhecimentos científicos refere-se a uso dos recursos. Já para as populações rurais que vivem próximas às florestas, o termo uso ou manejo da floresta podem ser utilizados como sinônimo, pois não implica necessariamente em conhecimentos científicos, mas principalmente empíricos, adquiridos pela experiência, pela prática, e transmitido e adaptado ao longo das gerações e entre seus pares. Os empresários madeireiros em geral utilizam o termo manejo da mesma forma que os técnicos, seja porque são apoiados por estes na elaboração e aprovação dos planos de manejo, seja por estarem em contato direto com o mercado que valoriza a madeira legalizada, que deve ser proveniente de PMFS aprovados pelos órgãos ambientais.

FLORESTAL, na Amazônia brasileira, neste contexto do manejo, distingue-se principalmente em dois ambientes: terra-firme e várzea. A diferença marcante entre estas duas categorias é a influência das águas sobre as áreas de várzea, com alterações do nível das águas diariamente (influência das marés) e/ou sazonalmente (estação das chuvas/seca), com a água avançando sobre a florestas por centenas de metros.

PRODUTORES DE PEQUENA ESCALA é o termo mais complexo dos três. Neste termo são incluídos uma vasta gama de populações rurais, com diferentes classificações, como: produtores em pequena escala (que, por similaridade de características gerais, pode incluir agricultores familiares, camponeses, colonos, sem-terras e lavradores), extrativistas (que pode incluir ribeirinhos, seringueiros e populações tradicionais) quilombolas e indígenas. Reconhecendo a complexidade deste conceito, muitas vezes externos às próprias populações a que eles se referem, adotaremos aqui os conceitos legais utilizados nas legislações fundiárias e ambientais, a fim de que possam ser analisados à luz do contexto deste estudo.

PEQUENA PROPRIEDADE, segundo o Art. 3º da Instrução Normativa (IN) do INCRA Nº 11, de 4 de abril de 2003, é o imóvel rural com área compreendida entre um e quatro módulos rurais[5]. Já a IN do INCRA Nº 31, de 17 de maio de 2006, em seu Art. 5º, dispõe sobre procedimentos específicos de legitimação fundiária de posse de até 100 hectares em áreas públicas da União, caracterizando como beneficiários “os ocupantes de áreas contínuas de até cem hectares, passíveis de legitimação, que as tenham tornado produtivas com seu trabalho e de sua família, desde que preencham os seguintes requisitos:

– não sejam proprietários de imóvel rural;

– comprovem morada permanente, cultura efetiva e exploração direta, contínua, racional e pacífica, pelo prazo mínimo de 01 (um) ano e;

– mantenham exploração de acordo com a legislação ambiental vigente (…).”

Este modelo do INCRA de dividir as terras das populações rurais em lotes individuais foi largamente adotado na Amazônia em projetos de assentamentos onde as famílias eram originárias de outras regiões do país, ficando por isso conhecidos como colonos, pequenos produtores ou simplesmente agricultores familiares.

O Decreto 6.040/07 instituiu a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais, o PNPCT, que define POVOS ECOMUNIDADES TRADICIONAIS como “grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição”, e especificando suas terras como Territórios Tradicionais[6].

Outro conceito neste sentido é o de COMUNIDADES LOCAIS, adotado na Lei de Gestão de Florestas Públicas[7], que as conceitua como “populações tradicionais e outros grupos humanos, organizados por gerações sucessivas, com estilo de vida relevante à conservação e à utilização sustentável da diversidade biológica.” Os critérios utilizados nesta conceituação incluem claramente as populações extrativistas, os ribeirinhos e os quilombolas. Nestas comunidades as famílias estabelecem áreas individuais delimitadas por limites de respeito entre suas benfeitorias e áreas específicas de produção, e áreas coletivas, de uso comum das comunidades. São os modelos coletivos de gestão da terra, e incluem os Projetos de Assentamento sob responsabilidade dos Institutos de Terra federal e estaduais (PAE, PAF e PDS)[8] e as Unidades de Conservação de Uso Sustentável (RESEX, RDS)[9].

Dentro dos pequenos produtores e comunidades locais, os quilombolas possuem ainda uma legislação específica, onde são conceituados como “grupos étnico-raciais, segundo critérios de auto-atribuição, com trajetória histórica própria, dotados de relações territoriais específicas, com presunção de ancestralidade negra relacionada com a resistência à opressão histórica sofrida”[10].

Pelo exposto acima, quando relacionamos o manejo florestal com as diferentes populações rurais, arranjadas em diferentes formas de gestão de suas terras, recursos e cultura, incluindo-se ainda as questões de gênero e de ordem política, temos um leque bem amplo de situações e possibilidades, cada um com seus valores e especificidades.

Considerando tamanha complexidade, torna-se sempre incompleto qualquer termo que procure representar todas as populações rurais amazônicas. Mesmo reconhecendo essa complexidade e limitações da adoção de um termo único, este estudo utilizará o termo “pequenos produtores” para designar as populações acima descritas, independente da forma de gestão da terra.

Os grupos indígenas não foram incluídos diretamente neste estudo, por apresentarem questões legais específicas quanto ao manejo de seus recursos. Não há consenso entre os juristas, instituições governamentais e não-governamentais se os índios podem ou não explorar madeira em suas terras para fins comerciais. Tal situação se deve principalmente à falta de interpretação clara da legislação pertinente[11]. As experiências de manejo florestal madeireiro são de caráter piloto, como o caso dos Xicrins, no Território Indígena Trincheira Bacajá, no Pará, Acompanhados de perto pelo Ministério Público Federal, Fundação Nacional do Índio (FUNAI), Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA), entre outros parceiros[12].

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5 Segundo o Art. 1º da Instrução Normativa do INCRA Nº 11, de 4 de abril de 2003, “Módulo Fiscal expresso em hectares será fixado para cada município de conformidade com os fatores constantes do art. 4.º do Decreto n.º 84.685, de 06 de maio de 1980.”

6 Decreto Nº 6.040, de 07 de fevereiro de 2007, Art. 3o, incisos I e II.

7 Lei Nº 11.284, de 2 de março de 2006, Art. 3°, item X.

8 PAE: Projeto de Assentamento Agro-Extrativista, PAF: Projeto de Assentamento Florestal; e PDS: Projeto de Desenvolvimento Sustentável.

9 RESEX: Reservas Extrativistas; RDS: Reserva de Desenvolvimento Sustentável.

10 Decreto N° 4.887, de 20 de novembro de 2003, Art. 2°.

11 A Lei N° 4.771/65, Código Florestal, em seu Art. 3º, letra “G” e § 2º, submeteu ao regime de preservação permanente “as florestas e demais formas de vegetação natural destinadas a manter o ambiente necessário à vida das populações silvícolas”. Já o Estatuto do Índio (Lei Nº. 6001/73), em seu Art. 46, modificou o Código Florestal preconizando que “o corte de madeira nas florestas indígenas consideradas em regime de preservação permanente, de acordo com a letra ´G´ e § 2º do Código Florestal, está condicionado à existência de programas ou projetos para o aproveitamento das terras respectivas na exploração agropecuária, na indústria ou no reflorestamento.”

12 Ver em: http://noticias.pgr.mpf.gov.br/noticias-do-site/indios-e-minorias/mpf-indios-xikrins-e-funai-tratam-de-projeto-de-manejo-florestal-em-terra-indigena/, publicado em 14/5/2008.

Definições Adotadas

LEIS, NORMAS E REGULAMENTAÇÕES FORMAIS são aquelas regras criadas e aprovadas conforme o trâmite oficial do governo brasileiro, as quais passaram pelas vias formais, ou seja, aprovadas pelos representantes governamentais (federal, estadual ou municipal) e publicadas em Diário Oficial do Estado ou da União.

NÍVEIS DE INSTRUMENTOS LEGAIS vão do federal, ao estadual e municipal, de maneira hierárquica, ou seja, as leis federais predominam sobre as estaduais que por sua vez predominam sobre as municipais. Assim, as normais de hierarquia mais baixa (municipal e depois estadual) só podem ser mais restritivas que a de hierarquia mais alta (federal), nunca mais liberais. Quanto ao tipo de norma, também se segue uma hierarquia. Leis e Decretos possuem a mais alta autoridade, seguidos do Decreto Presidencial. Os que têm menos autoridade são as Instruções Normativas e Normas de Execução.

REGRAS OU ACORDOS LOCAIS são normas não-formais, ou seja, que normalmente não passaram pelas vias legais governamentais. Acontece quando determinado grupo ou comunidade decide por bem instituir uma série de critérios e restrições ao uso de determinado produto florestal, por exemplo. Tais acordos são em geral coordenados pelas lideranças locais e aprovados em assembléia pelo grupo. Não tem valor de lei, mas podem vir a ser bons exemplos para adequação das leis e normais formais.

EXPLORAÇÃO FLORESTAL ILEGAL é toda retirada de um produto florestal que descumpra qualquer aspecto das leis e normas formais, em qualquer das etapas da exploração, incluindo questões burocráticas, fundiárias, técnicas, trabalhistas, ambientais e da comercialização dos produtos.

EXPLORAÇÃO FLORESTAL INFORMAL diferencia-se da exploração ilegal quando refere-se a pequenos produtores que fazem uso de seus recursos florestais com base em práticas empíricas e que, por uma série de razões, não cumprem/são excluídos de leis e procedimentos formais de manejo florestal. Criteriosamente, porém, pela lei são considerados ‘ilegais’.


Produtores de Pequena Escala e Modalidades de Gestão da Terra

Historicamente, várias modalidades de gestão da terra foram sendo criadas para se enquadrar a categoria de pequenos produtores. A principal delas é a de projetos de assentamento, sob responsabilidade do INCRA ou de Institutos de Terras dos Estados – ligados ao Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) –, que variam desde projetos individuais, conhecidos como PA’s, aos projetos de ordenação coletiva, como os projetos de assentamento agroextrativistas (PAE’s), projetos de desenvolvimento sustentáveis (PDS’s) e os projetos de assentamentos florestais (PAF’s). Outra grande categoria inclui as Unidades de Conservação (UC) de Uso Sustentável, sob responsabilidade do Instituto Chico Mendes ou Organizações Estaduais de Meio Ambiente (ligadas ao Ministério do Meio Ambiente), principalmente as Reservas Extrativistas (RESEX) e as Reservas de Desenvolvimento Sustentável (RDS’s). Ainda devem-se considerar as terras de marinha e várzea, sob responsabilidade da Secretaria de Patrimônio da União, e as áreas particulares, adquiridas através de compra.

Toda modalidade fundiária deve seguir a legislação ambiental, mas as UC’s devem ainda seguir também a Lei 9.985, de 18 de julho de 2000, que institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação, o SNUC. Cada Estado na Amazônia tem suas especificidades em modalidades fundiárias. Alguns estados, como o Amazonas[13], instituíram regulamentos estaduais para as unidades de conservação. O Estado do Acre tem Projeto de Assentamento Florestal Estadual. O Estado do Pará tem Projetos de Assentamentos Estaduais Agroflorestais bem como Territórios Quilombolas. A Tabela 1 apresenta um resumo das diferentes formas de gestão da terra por pequenos produtores e suas características básicas.

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13 Lei Complementar Nº 53, de 05 de junho de 2007, que institui o Sistema Estadual de Unidades de Conservação – SEUC.

METODOLOGIA

A coleta de dados para este estudo, a qual se realizou no período entre maio de 2007 a abril de 2008, deu-se através de:

– Revisão dos marcos legais (legislação e regulamentações relevantes ao MFPP na Amazônia);

– Entrevistas com informantes-chaves (governo estadual e federal, ministério público, movimentos sociais, ONG´s de pesquisa e/ou assessoria técnica, lideranças de produtores, acadêmicos);

– Acompanhamento de dois eventos de regularização fundiária no Estado do Pará, sendo um promovido pelo movimento social, em Porto de Moz, Pará e outro pelo ITERPA;

– Promoção de uma Oficina sobre o Marco Legal do MFPP, com participação de diferentes atores-chaves referentes ao manejo florestal;

– Revisão de fontes secundárias de informação (publicações, mídia e reuniões técnicas).

A revisão dos marcos legais foi feita em fontes oficiais em publicações e sites dos órgãos governamentais e também pelo apoio de profissionais da área, que disponibilizaram seus bancos de dados. As entrevistas, o acompanhamento dos seminários e a Oficina sobre o Marco Legal são descritas em maiores detalhes a seguir.

Entrevistas e Acompanhamento de Seminários

Realizaram-se 27 entrevistas individuais, entre representantes de ONG´s de pesquisa e extensão, governo federal e estadual (Pará e Acre), ministério público, acadêmicos, pesquisadores, lideranças de produtores; 01 entrevista coletiva com pequenos produtores e documentou-se as narrativas de pequenos produtores em dois seminários de regularização fundiária no Estado do Pará.

As entrevistas foram gravadas com permissão dos entrevistados. Foram dirigidas de forma semi-estruturadas, dividindo-se em duas abordagens, (i) para produtores rurais e movimentos sociais e (ii) para representantes de instituições de pesquisa e assistência técnica. Cada abordagem seguiu seu roteiro de tópicos, como apresentado a seguir:

• Roteiro de Entrevista com Produtores Rurais e Movimentos Sociais

– Apresentação de breve síntese do projeto ForLive e do estudo sobre o Marco Legal, enfatizando-se que não se buscava testar os conhecimentos do entrevistado ou avaliar sua atuação dentro das normas legais, mas sim seu conhecimento atual e sua crítica sobre as regras oficiais do MFPP;

– O que conhecem das leis do MFPP;

– Como avaliam essas leis;

– Regras locais;

– Informalidade x legalidade;

– Recomendações,

– Considerações gerais.

• Roteiro de Entrevista com Instituições de Pesquisa e Assistência Técnica

– Apresentação de breve síntese do projeto ForLive e do estudo sobre o Marco Legal, enfatizando-se que não se buscava testar os conhecimentos do entrevistado ou avaliar sua atuação dentro das normas legais, mas sim seu conhecimento atual e sua crítica sobre as normas que regulam o MFPP;

– Histórico profissional do entrevistado e atuação recente em relação ao MFC;

– Regulamentações/leis que impulsionam e/ou que inibem o MFPP, e avaliação das causas de cada situação apresentada;

– Variações conforme a forma de gestão da terra (se for o caso de mais de uma forma);

– Informalidade x legalidade na extração e comércio da madeira;

– Recomendações,

– Considerações finais.

A Tabela 2 apresenta o resumo das pessoas entrevistadas e dos dois seminários de discussão de regularização fundiária com pequenos produtores no Estado do Pará. O primeiro seminário, intitulado “II Seminário de Regularização Fundiária na Margem Direita do Baixo Rio Xingu”, deu-se nos dias 06 e 07 de agosto de 2007, no município de Porto de Moz, promovido pelo Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais (STTR) de Porto de Moz, pelo Comitê de Desenvolvimento Sustentável de Porto de Moz (CDS), pela Fundação Viver Produzir e Preservar (FVPP) e pelo Consórcio Florestas e Comunidades, coordenado pelo Instituto do Homem e do Meio Ambiente da Amazônia (IMAZON), em parceria com CIFOR, o Instituto Internacional de Educação do Brasil (IEB) e a Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (FASE), apoiado pelo ITERPA e com participação de vários convidados. Participaram representantes de 17 comunidades de ribeirinhos e quilombolas da região, num total aproximado de 350 pessoas. O segundo, intitulado “I Seminário Sobre Regularização Fundiária Estadual”, realizou-se nos dias 23 e 24 de agosto de 2007, em Belém, promovido pelo ITERPA, com participação de representantes de populações rurais de todo o estado do Pará.


Oficina sobre o Marco Legal

Nos dias 28 e 29 de abril de 2008, em Benevides, Pará, o projeto ForLive promoveu a Oficina “Análise da Legislação para o Manejo Florestal por Pequenos Produtores na Amazônia”. A Oficina foi organizada em grupos de trabalho, apresentações das experiências de manejo florestal presentes ao evento e mesa redonda com representantes dos atores-chaves ligados ao tema.

As atividades do primeiro dia da Oficina foram organizadas em dois Grupos de Trabalho (GT), totalizando 25 pessoas. O GT Comunitários foi composto por representantes de sete experiências de manejo florestal (comunitários e seus assessores técnicos), sendo uma do Acre (PAE São Luiz do Remanso), uma de Rondônia (RESEX Rio Preto), duas do Amazonas (RDS Estadual Mamirauá e Boa Vista de Ramos) e três do Pará (RESEX Verde para Sempre, PDS’s Virola-Jatobá e Esperança, e RDS Itatupã-Baquiá). Participou também um representante do IEB. O GT Governo, composto por representantes do Serviço Florestal Brasileiro, do IBAMA, dos governos do Pará e do Amazonas.

O segundo dia da Oficina organizou-se em plenária, que além dos participantes do dia anterior, contou com representantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), da Escola de Trabalho e Produção do Pará ‘Juscelino Kubitschek’ (ETPP/JK), do Instituto Floresta Tropical (IFT) e da empresa EBATA, totalizando 35 participantes. Neste segundo dia houve a entrega dos resultados dos GT´s, apresentações de experiências de manejo florestal e discussão em mesa redonda composta por representantes do governo federal, do estado do Pará, do IBAMA e da sociedade, que discutiram os problemas e propostas apresentados.

A lista completa dos participantes encontra-se no Anexo 1.

RESULTADOS

Normas Legais do MFPP

A legislação brasileira sobre as questões ambientais é extensa e complexa. Por toda a importância ecológica e econômica, o uso dos recursos naturais amazônicos também é altamente regulamentado. Para o manejo florestal, essas regulamentações podem ser específicas ou ter impactos indiretos, seja por questões fundiárias, proximidade de unidades de conservação, ou mesmo procedimentos comuns a todas as atividades de uso dos recursos, como o licenciamento ambiental. Revisando as principais regulamentações relacionadas ao manejo florestal por pequenos produtores, organizamos um quadro-resumo o qual, devido à sua extensão, é apresentado no Anexo 2.

Faremos a seguir breve apresentação das principais regulamentações federais relativas ao MFPP.

Constituição Federal de 1988, no Capítulo VI, Art. 225 e seus parágrafos, define que “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.

Código Florestal brasileiro, Lei Nº 4.771, de 15 de setembro de 1965, institui, em seu Art. 1°, que “as florestas existentes no território nacional e as demais formas de vegetação, reconhecidas de utilidade às terras que revestem, são bens de interesse comum a todos os habitantes do País, exercendo-se os direitos de propriedade com as limitações que a legislação em geral e especialmente esta lei estabelecem”. Os Art. 2° a 4° tratam das Áreas de Preservação Permanente (APP´s).

O Art. 15 do Código Florestal impede de forma explícita o uso tradicional dos recursos amazônicos por populações tradicionais sem um plano técnico de manejo: “Fica proibida a exploração sob forma empírica das florestas primitivas da bacia amazônica que só poderão ser utilizadas em observância a planos técnicos de condição e manejo a serem estabelecidos por ato do Poder Público, a ser baixado dentro de um ano”.

O Art. 15 define Reserva Legal, especificando ser de 80% em propriedade rural localizada na Amazônia legal. Ainda neste Art. Parágrafo 9°, fica definido que “a averbação da reserva legal da pequena propriedade ou posse rural familiar é gratuita, devendo o Poder Público prestar apoio técnico e jurídico, quando necessário”. O Art.° 19 afirma que a exploração de florestas, bem como adoção de técnicas de condução, exploração, reposição e manejo, necessitam da aprovação prévia do IBAMA.

Lei de Crimes Ambientais, Lei 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, versa sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente. O Capítulo V, seção 2, Art. 38 ao 56, trata dos crimes contra a flora.

Política Nacional do Meio Ambiente foi estabelecida pela Lei 6.938, de 31 de agosto de 1981, onde se apresenta, em seu Art. 2°, o seu objetivo principal como sendo “a preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, visando assegurar, no País, condições ao desenvolvimento sócio-econômico, aos interesses da segurança nacional e à proteção da dignidade da vida humana.” No Art. 6° e seus parágrafos, define a constituição do Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA) pelos “órgãos e entidades da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, bem como as fundações instituídas pelo Poder Público, responsáveis pela proteção e melhoria da qualidade ambiental”. No Art. 8° e seus parágrafos, define as competências do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA). O Art. 9°, inciso IV, define o licenciamento ambiental como um dos instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente.

A Lei 9.985, de 18 de julho de 2000, institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), estabelecendo critérios e normas para a criação, implantação e gestão das unidades de conservação. Dentre os seus treze objetivos (Art. 4° e incisos), dois se referem ao uso direto dos recursos: “promover o desenvolvimento sustentável a partir do uso dos recursos naturais” e “promover a utilização dos princípios e práticas de conservação da natureza no processo de desenvolvimento”. Em seu Art. 7°, estabelece duas categorias de Unidades de Conservação (UC), Unidades de Proteção Integral e Unidades de Uso Sustentável. A principal diferenciação entre estas duas é que a última prevê a presença de pessoas dentro da UC.

Dentre as UC de Uso Sustentável, este estudo incluiu os pequenos produtores que vivem em Reservas Extrativistas (RESEX) e Reservas de Desenvolvimento Sustentável (RDS). Em seu Art. 18, o SNUC define a Reserva Extrativista como “uma área utilizada por populações extrativistas tradicionais, cuja subsistência baseia-se no extrativismo e, complementarmente, na agricultura de subsistência e na criação de animais de pequeno porte, e tem como objetivos básicos proteger os meios de vida e a cultura dessas populações, e assegurar o uso sustentável dos recursos naturais da unidade”. A Reserva de Desenvolvimento Sustentável é uma área natural que abriga populações tradicionais, cuja existência baseia-se em sistemas sustentáveis de exploração dos recursos naturais, desenvolvidos ao longo de gerações e adaptados às condições ecológicas locais e que desempenham um papel fundamental na proteção da natureza e na manutenção da diversidade biológica (Art. 20). A principal diferença entre RESEX e RDS é que em RESEX as áreas particulares incluídas em seus limites devem ser desapropriadas.

Lei de Gestão de Florestas Públicas, Lei Nº 11.284, de 02 de março de 2006, dispõe sobre a gestão de florestas públicas para produção sustentável (Art. 4° ao 40, e Art. 42 ao 49), cria o Fundo Nacional de Desenvolvimento Florestal (FNDF) (Art. 41) e institui o Serviço Florestal Brasileiro (SFB), na estrutura do Ministério do Meio Ambiente (Art. 54 ao 68).

A Lei Nº 11.516, de 28 de agosto de 2007, dispõe sobre a criação do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).

Enfocando-se as regulamentações mais diretamente relacionadas ao manejo florestal, comecemos pelo conceito de manejo florestal sustentável de uso múltiplo como “a administração da floresta para a obtenção de benefícios econômicos, sociais e ambientais, respeitando-se os mecanismos de sustentação do ecossistema objeto do manejo, e considerando-se, cumulativa ou alternativamente, a utilização de múltiplas espécies madeireiras, de múltiplos produtos e subprodutos não madeireiros, bem como a utilização de outros bens e serviços de natureza florestal”[14].

A Portaria do MMA Nº 183, de 10 de maio de 2001, institui o Sistema de Monitoramento e Avaliação de Licenciamento Ambiental em Propriedade Rural na Amazônia Legal. A Resolução do CONAMA Nº 387, de 27 de dezembro de 2006, estabelece os procedimentos para Licenciamento Ambiental em áreas de pequenos produtores, seja para novos Projetos de Assentamento de Reforma Agrária ou para processos de regularização fundiária.

A Instrução Normativa do MMA Nº 4, de 11 de dezembro de 2006, institui a APAT (Autorização Prévia à Análise Técnica de Plano de Manejo Florestal Sustentável). A IN MMA Nº 05, de 11 de dezembro de 2006, dispõe sobre procedimentos técnicos para elaboração, apresentação, execução e avaliação técnica de Planos de Manejo Florestal Sustentável-PMFS nas florestas primitivas e suas formas de sucessão na Amazônia Legal. Define duas categorias básicas de PMFS: (a) baixa intensidade e (b) pleno, sendo que o que determina essa diferenciação é o volume de madeira manejado por hectare e o uso de máquinas de arraste (até 10 m3 e sem o uso de maquinas para baixa intensidade, e até 30 m3 com uso de máquinas para o pleno). Os anexos desta IN apresentam os documentos, mapas e procedimentos técnicos para cada uma das categorias, sendo que para a categoria pleno as exigências são mais burocráticas e complexas.

A Portaria do IBAMA Nº 253, de 18 de agosto de 2006, institui o Documento de Origem Florestal (DOF) em substituição à Autorização para Transporte de Produto Florestal (ATPF), sendo depois regulamentado pela Instrução Normativa do IBAMA Nº 112, de 21 de agosto de 2006. Trata-se de licença obrigatória utilizada para o controle do transporte e armazenamento de produtos e subprodutos de origem florestal.

A Norma de Execução do IBAMA Nº 1, de 24 de abril de 2007, institui as Diretrizes Técnicas para a Elaboração de Planos de Manejo Florestal Sustentável(PMFS). A Norma de Execução Nº 02, de 24 de abril de 2007 institui o Manual Simplificado para Análise de Plano de Manejo Florestal Madeireiro na Amazônia, com a finalidade de subsidiar a análise dos PMFS, o qual sofre alguns ajustes pela Norma de Execução Nº 01, de 1° de março de 2008.

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14 Dec. N° 2.788, de 28 de setembro de 1998, Art. 1°


Problemas e Propostas sobre o MFPP

As principais questões abordadas neste estudo sobre o marco legal do manejo florestal por pequenos produtores foram organizadas em três grandes temáticas:

(1) Questões Institucionais e de Políticas Públicas;

(2) Questões Fundiárias, e

(2) Questões Técnicas e Normativas.

Em cada uma destas questões é apresentada uma série de problemas e recomendações. A Figura 1 esquematiza um resumo dessas críticas. As setas que aparecem nos primeiros seis problemas destacados indicam que estes são utilizados tanto para as questões fundiárias quanto para as técnico-normativas.

Questões Institucionais e de Políticas Públicas

Os primeiros cinco problemas e conseqüentes propostas, são inter-relacionados e por isso serão apresentados em bloco.

Problema 1: Alta Burocracia e Complexidade dos Procedimentos

Problema 2: Falta de Informações Básicas

Problema 3: Dificuldade de Acompanhamento dos Processos Protocolados

Problema 4: Escritórios Centralizados em Capitais

Problema 5: Demora na Conclusão dos Processos

São vários os procedimentos técnico-científicos necessários para a elaboração e aprovação dos Planos de MFPP, conforme o tipo de Plano a ser proposto, baseados num processo complexo e super-regulamentado. O procedimento inicial já se mostra bem complexo, pois a APAT[15] exige documentos de posse da terra, mapa georreferenciado do imóvel, aprovação do INCRA se o imóvel se localiza em terra pública, comprovação da existência de cobertura florestal por meio de imagens de satélite, entre outros.

Na questão fundiária, devido ao grande leque de opções de modalidades de regularização fundiária e complexidades próprias de cada uma delas, há falta de informações sistematizadas, em linguagem acessível, que auxilie as populações rurais e suas lideranças na escolha da melhor modalidade para a realidade e interesses destes. Como cada modalidade tem uma série de especificidades a cumprir para se conseguir sua regularização fundiária, torna-se difícil saber realmente quais os passos a seguir.

Na prática, constata-se que mesmo após a edição do decreto de criação de uma reserva ou de um projeto de assentamento, a questão fundiária não está resolvida. O documento fundiário final, seja ele a Concessão Real de Direito de Uso (CRDU) ou o título (coletivo ou individual), demora vários anos para chegar às mãos dos moradores. Para ilustrar esse argumento, de todas as sete experiências presentes à Oficina, nenhuma delas possui até hoje o documento final de garantia dos direitos pela terra, ou seja, nenhuma delas está com o processo de regularização fundiária concluído (Tabela 3). E mesmo naquelas áreas com sua criação já decretada, a não emissão do documento final pode ser impedimento para a aprovação de um plano de manejo florestal, dependendo de como o técnico do governo que analisa esteplano interpreta a situação. Os planos de manejo florestal quando aprovados são em caráter experimental, por força política, mas em caráter provisório, portanto instável.

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15 IN do MMA Nº 4, de 04 de dezembro de 2006, que institui a APAT.

Segundo a Instrução Normativa Nº 5, de 11 de dezembro de 2006, e a Norma de Execução do IBAMA Nº 1, de 24 de abril de 2007, os PMFS’s e os POA’s, cuja atribuição couber ao IBAMA serão submetidos às unidades do IBAMA na jurisdição do imóvel e excepcionalmente, quando as Unidades de Manejo Florestal (UMF’s) se localizarem em mais de uma jurisdição, o PMFS e os POA’s serão submetidos à unidade do IBAMA mais acessível.

A obrigação de que os PMFS sejam submetidos ao IBAMA do mesmo Estado muitas vezes é um problema para unidades federativas tão grandes, cujas áreas a serem manejadas tenham vida econômica e social com a sede da unidade federativa vizinha. Este é o caso citado pelo PESACRE que assessora os índios Apurinã no manejo da palmeira tucumã (Astrocarium sp.), para produção de artesanato. A comunidade da tribo Apurinã se localiza no município de Boca do Acre, Estado do Amazonas, que dista cerca de 1.600 km de Manaus, e cerca de 250 km de Rio Branco, no vizinho Estado do Acre, onde o IBAMA mais perto se localiza.

A criação de escritórios regionais, seja de órgãos fundiários ou ambientais, é uma necessidade para a realidade continental da Amazônia brasileira. As idas dos comunitários e seus assessores para os órgãos exigem alto custo de deslocamento,alimentação, alojamento, além do constrangimento de não conseguirem reunir-se com os técnicos do governo, seja por dificuldade de agendamento ou por discriminação devido às suas vestimentas simples.

Instrumentos de gestão são demorados de implementar, revisar e relativamente burocráticos, principalmente nos casos de Unidades de Conservação. Cabe ao Estado a responsabilidade de viabilizar a elaboração e aprovação dos planos de manejo.

Propostas:

• Simplificação dos processos de regularização fundiária e aprovação de PMFS para os pequenos produtores, com monitoramento pelo governo e controle social;

• Disponibilizar-se um amplo sistema, utilizando-se a mídia e cartilhas, amigável e em linguagem acessível, que informe: (a) todos os passos necessários para a regularização fundiária, em cada modalidade de regularização e (b) os procedimentos para se conseguir aprovar e executar um PMFS;

• Assessoria direta por parte do governo nos processos de regularização fundiária e elaboração dos planos de manejo para pequenos produtores;

• Desenvolvimento de sistema on-line para o acompanhamento dos processos de regularização fundiária e MFPP, com linguagem acessível, informações atualizadas e úteis para planejamento de ações, como organização de documentos necessários e agendamento de visitas aos órgãos;

• Estabelecimento de Estratégia de Controle Social. Uma proposta neste sentido é que em comunidades de pequenos produtores, onde o processo de regularização fundiária esteja em andamento e com seus direitos de ocupação formalmente reconhecidos por sindicatos ou outra organização de classe, as Associações destes moradores emitam uma declaração que possa ser aceita pelo governo como um documento provisório de posse da terra, a ser utilizado no processo de aprovação e execução de MFPP. Trata-se de instrumento que para ser efetivo, precisa da articulação entre diferentes órgãos do governo e do movimento social;

• Órgãos governamentais responsáveis pelo manejo florestal estejam representados em escritórios regionais, com competências para orientar e aprovar os pedidos de regularização e PMPP;

• Possibilidade de se acessar os escritórios regionais do IBAMA mais próximos, mesmo que de jurisdição diferentes;

• O tempo de aprovação dos planos de manejo para pequenos produtores, no que depender de processos burocráticos do governo, deve ter um prazo máximo para sua conclusão, a ser estabelecido conforme a região. Nos casos em que o governo não cumpra este prazo por motivos que caracterizem sua ineficiência, estes planos passem a ser reconhecidos legalmente como válidos, até que se tenha a aprovação final do plano.

Problema 6: Falta de Apoio para Resolução de Conflitos

Os pequenos produtores cabem várias responsabilidades, como: fornecerem documentos pessoais e institucionais (numa região que muitos ainda não possuem esses documentos), buscarem parceiros e órgãos do governo nas definições das modalidades fundiárias, participarem dos estudos e mapeamentos, elaborarem os planos (caso do Pará), acompanharem ativamente seus processos. Esses procedimentos seriam até óbvios, não se tratassem de questões de terra na Amazônia, o que em geral significa conflito e violência entre diferentes atores e grupos de interesse. Neste contexto, faz-se necessária uma intervenção do Estado para garantir que o processo ocorra sem violência.

Propostas:

• Garantia por parte do governo que os produtores tenham acesso aos documentos pessoais necessários ao processo de regularização fundiária

• Apoio direto do governo junto aos comunitários nas diferentes etapas do processo de regularização fundiária e de MFPP, a fim de garantir os direitos dos pequenos produtores.

• Que sejam estabelecidas formas transitórias de garantias fundiárias que permitam que o pequeno produtor possa licenciar um plano de manejo enquanto o titulo definitivo da área esteja em processo. Por exemplo, em áreas onde não haja conflitos ou que o processo de regularização esteja avançado, poderia ser feito um contrato de concessão de uso por parte do Estado aos produtores.

• Que sejam estabelecidas linhas de créditos específicas (de forma coletiva ou individual) para que os produtores possam gerar as informações (mapas inventários, levantamentos informações e documentos), necessárias para o processo de regularização fundiária.

Problema 7: Falta de Unificação entre Procedimentos de Diferentes Instituições do Governo de um mesmo Estado e entre Estados e o IBAMA

Como a questão fundiária e de aprovação dos planos de manejo são interligadas, as instituições fundiárias e de meio ambiente precisam também trabalhar juntas. Um exemplo desta falta de inter-relação ocorre no Amazonas, onde as instituições que trabalham com as questões de terra aceitam uma declaração de posse emitida pelas próprias associações dos comunitários, e as instituições do meio ambiente acham estes mesmos documentos insuficientes, pedindo documentos fundiários complementares.

Em geral, o interessado precisa dirigir-se a mais de um órgão público antes de conseguir completar os documentos e autorizações necessárias. A Resolução do CONAMA Nº 378, de 19 de outubro de 2006, determina que exploração de florestas num raio de 10 km no entorno de terras indígenas demarcadas tenha autorização da FUNAI, enquanto que a Resolução do CONAMA Nº 13, de 06 de dezembro de 1990, determina que quaisquer alterações da biota num raio de 10 km no entorno de Unidades de Conservação devem ser licenciadas pelo órgão ambiental competente. Esses procedimentos são difíceis de serem cumpridos, devido à falta de integração entre os diferentes órgãos. Associa-se a estes problemas o fato de que esses órgãos estão localizados nas capitais ou grandes centros urbanos, o que dificulta e encarece para que os pequenos produtores possam acessá-los. Os processos são lentos, com grande dependência dos técnicos para realização dos estudos (diagnósticos, planos), mapeamentos e vistorias.

Outro problema é a unificação de banco de dados entre os órgãos do governo do mesmo Estado, criando a necessidade de submissão de mesmos documentos em órgãos diferentes, gerando custos e desgastes.

A falta de unificação dos procedimentos entre diferentes estados é outra questão. Entre o IBAMA e o Órgão Estadual de Meio Ambiente (OEMAS), e nas OEMAS entre si, os trâmites são diferenciados, variando em cada estado. Isso dificulta a assistência técnica, o acompanhamento da aprovação dos planos de manejo nos órgãos e as trocas de experiências entre os casos de manejo florestal. Assim, uma harmonização destes procedimentos, inclusive no acompanhamento on-line, auxiliarão a tornar esse processo mais ágil e a difusão das lições aprendidas.

Propostas:

• Unificação nos procedimentos governamentais fundiários e ambientais, em cada estado, entre os estados e entre estes e o IBAMA, para a aprovação e monitoramento de planos de MFPP;

• Cooperação entre os diferentes órgãos do governo, a fim de agilizar as autorizações necessárias ao MFPP;

• Unificação de banco de dados (governamental e não-overnamental) sobre os pequenos produtores.

Problema 8: Agenda do Governo Diferente da Agenda dos Produtores

Agenda de liberação de plano de manejo e autorizações correlatas nem sempre consegue coincidir com a sazonalidade para exploração e comercialização.

Propostas:

• Adequação dos procedimentos de autorização de manejo com o calendário de manejo no campo, através de calendário de exploração definido pelos produtores.

Problema 9: Falta de Assistência Técnica do Governo para o MFPP

Existe reduzido número de quadros de técnicos para o MFPP disponibilizados pelo governo. Além disso, os técnicos, em sua quase totalidade, são capacitados principalmente para o manejo empresarial, desconhecendo a realidade dos pequenos produtores da Amazônia.

Propostas:

• Investimento nos diferentes níveis (universidade e governo) dos profissionais de engenharia florestal e afins para a realidade do MFPP;

• Formação de técnicos-monitores locais em MFPP.

Problema 10: Falta de Corpo Técnico Específico para o MFPP

Assessores técnicos e pequenos produtores apresentaram como um problema o fato dos processos de MFPP seguirem os trâmites burocráticos nos órgãos ambientais juntamente com planos de manejo empresarial. Argumentaram que os processos empresariais têm assessoria técnica e jurídica, o que contribui para a sua aprovação. Já os processos dos pequenos produtores têm características diferenciadas pelo seu próprio escopo e pelas condições econômicas de seus assessores, que muitas vezes não residem nas capitais, onde os escritórios se localizam. Por essa necessidade de um olhar diferenciado, os MFPP deveriam receber um tratamento diferenciado.

Propostas:

• Criação de posições de funcionários nos órgãos ambientais, especificamente para tratar dos planos de MFPP.

Problema 11: Ausência de Programa de Fomento em Larga Escala

Hoje existe demanda no mercado para madeira legalizada, e o governo deve aproveitar essa demanda para apoiar os pequenos produtores para supri-la. Defende-se a idéia de que os pequenos produtores devem ser subsidiados, uma vez que o governo brasileiro subsidia historicamente os grandes empresários, e continua subsidiando, através do Fundo Constitucional do Norte (FNO). Sugere que este subsídio seja estruturado para o período de instalação, e como créditos básicos, na escala de centenas de milhões, para fazer diferença numa região com a escala da Amazônia, com mecanismos que dialoguem com o mercado.

Essas ações de fomento, uma vez aplicadas, aumentarão a procura dos comunitários por elaboração e execução de planos de manejo. Isso deve ser acompanhado de planejamento para investimento em assessoria técnica, infraestrutura e crédito compatível com a demanda criada.

Propostas:

• Investimento governamental robusto em MFPP para a Amazônia, com planejamento para seu crescimento, incluindo-se regularização fundiária e desafios para manter a terra depois de regularizada;

• Criação de agência de apoio técnico ao MFPP nos estados e nos municípios, com orçamento condizente com a demanda e potencialidades locais, assistência técnica para elaboração de projetos de manejo e seu acompanhamento, incluindo a sua cadeia produtiva.

Problema 12: Dificuldade de Acesso a Créditos

Há carência da assessoria técnica dos pequenos produtores sobre comercialização, mercado e créditos. Isso porque estes têm formação principal na área ambiental. Esse fato resulta na formação de outro grande problema, uma vez que as questões fundiárias e técnicas são superadas: a viabilidade econômica do MFPP.

Propostas:

• Capacitação de técnicos e comunitários em mecanismos do mercado e acesso a créditos;

• Amplo processo de informação/formação de acesso e gestão sobre créditos.

Problema 13: Falta de Controle Social nos Contratos Empresa-Comunidade

Historicamente, o comércio de madeira envolvendo pequenos produtores se dá com as empresas madeireiras negociando diretamente com estes, em suas áreas, seja em terra-firme ou em várzea. Pelas dificuldades de extração (principalmente em terra-firme), processamento, estocagem, transporte e limitações de caixa e acessos a mercados, os pequenos produtores têm capacidade limitada de intervir nas técnicas de extração e no preço da madeira e condições de pagamento. Esse cenário muitas vezes resulta em prejuízos econômicos e ambientais para os pequenos produtores. Ao mesmo tempo, uma parceria com as empresas madeireiras pode ser uma boa alternativa para os pequenos produtores que buscam a legalidade de suas atividades de manejo florestal e não querem ou não podem assumir todas as suas etapas. E para as empresas pode ser um bom negócio, por se tratar de madeira com origem legal e que trás benefícios sociais, representando inclusive a oportunidade de certificação de seus produtos.

Porém, devido à esse histórico de desnivelamento de poder entre estes dois grupos, o Estado deveria agir como interveniente nos contratos entre empresa e pequenos produtores. Esta interveniência pode ser feita sem comprometer a autonomia dos comunitários em escolher seus parceiros e com regras que sejam adaptadas à realidade local. Deve conter uma formulação de direitos básicos das populações locais e ser baseada em garantia de capacitação, disseminação de informações e apoio técnico e jurídico. E essa presença do Estado deve incluir o monitoramento, ao longo do ciclo de manejo. A experiência de Anapu, Pará, foi bastante discutida durante a Oficina e concluiu-se tratar de um bom exemplo de construção participativa, com as comunidades, Ministério Público, governamentais, ONG´s e empresa.

Propostas:

• Formalização dos Acordos Pequenos produtores-Madeireiros, com estabelecimentos de regras e normas, que possibilitem monitoramento e responsabilização.

Problema 14: Impunidade

O mercado da madeira ilegal ainda é uma realidade freqüente na Amazônia brasileira, barateando o seu custo por não incluir práticas de manejo exigidas por lei, nem arcar com estudos ou impostos. Neste cenário, o preço da madeira legal que inclui custos de manejo que a madeira ilegal não inclui, se torna pouco atrativo. Essa é uma tendência que está se invertendo aos poucos, devido às ações de enfrentamento ao mercado ilegal de madeira e à pressão do próprio mercado que prioriza a madeira legalizada. Assim, comparativamente, a curto prazo, a legalização ainda não é bom convite à melhoria de renda das famílias, por representar vários custos que nem sempre se refletem no preço final que conseguirão, principalmente no mercado local.

Outra questão é evitar a penalização dos casos que buscam a legalização, uma vez que estes acabam por expor suas atividades de manejo aos órgãos fiscalizadores. Quando ocorrem as ações de combate à ilegalidade, estes casos são os freqüentemente vistoriados, enquanto os ilegais, em sua maioria, continuam na obscuridade.

Sobre a impunidade em si, estudo do IMAZON, acompanhando 55 processos criminais contra o meio ambiente iniciados no Estado do Pará entre 2000 e 2003, mostra que apenas 2% dos processos foram concluídos durante o acompanhamento dos estudos. Concluem que a falta de integração entre as instituições responsáveis pela aplicação da Lei No 9.605/98 (Lei de Crimes Ambientais), IBAMA, Ministério Público e Tribunal de Justiça, dificultou a ação da Justiça (Brito e Barreto, 2005).

Propostas:

• Criar-se mecanismos para tornar a legalidade mais atrativa, tais como a flexibilização das normas para quem quer licenciar um plano de manejo em pequena escala;

• Integrar os diferentes órgãos governamentais necessários ao cumprimento da responsabilização, a fim de levarem a termo a aplicação da lei.

 

Questões Fundiárias

Como descrito acima, a questão fundiária aparece como primeira problemática em relação aos aspectos legais porque: (a) a maioria dos procedimentos legais junto aos órgãos ambientais exige documentos que comprovem a propriedade ou posse da terra e (b) a maior parte dos pequenos produtores na Amazônia brasileira não possuem esses documentos.

Quanto às normas legais, à questão fundiária dá-se um grande peso, pois os documentos comprobatórios de posse da terra são os primeiros a serem pedidos no processo de legalização do uso dos recursos florestais e sem este documento pouco ou nada se consegue avançar nas etapas seguintes. Assim, como cita Hirakuri (2003), esta questão acaba se tornando a maior preocupação para o manejo florestal sustentável, uma vez que as áreas com floresta nativa, em geral, coincidem com regiões onde as questões fundiárias não estão claramente definidas.

As causas para a falta de documentos fundiários definitivos por parte dos pequenos produtores são complexas. Historicamente, vê-se os pequenos produtores excluídos do sistema de acesso aos direitos à terra. No Brasil nunca se efetivou uma reforma agrária, mas uma política de dominação dos grupos economicamente mais favorecidos. Esse cenário de desigualdades gera várias conseqüências, entre elas: (a) título de segundo maior país em concentração de terras, (b) violentos conflitos pela posse da terra e seus recursos, (c) grande desordem fundiária, resultante da realidade de muitos que vivem na terra e não possuem documentos e aqueles que se tornam proprietários pela grilagem[16], e (d) grande massa de sem-terras que, pela ausência do Estado, toma para si o processo de regularização da ocupação das terras (ver Treccani, 2001, para análise histórica da ocupação de terra, principalmente no Pará).

Dentre os grupos étnicos, os quilombolas se uniram aos indígenas na luta pelos reconhecimentos de seus direitos, seguidos pelos seringueiros, através do destaque internacional de Chico Mendes. Porém, quando da Constituição Federal de 1988, estes dois primeiros grupos se separaram quanto ao destino legal de quem legisla sobre seus direitos: indígenas pela Constituição Federal e pela FUNAI, quilombolas pelos Atos Constitucionais e Disposições Transitórias (ACDT) e pela Fundação Palmares. Os seringueiros e outros grupos tradicionais, como os ribeirinhos, foram contemplados pelo SNUC, em 2000, nas unidades de conservação de Uso Sustentável (RESEX, RDS), sob as regras do Ministério do Meio Ambiente. Foram também incluídos nas modalidades de uso coletivo sob jurisdição do INCRA (terras federais) e dos institutos de terras dos estados (terras estaduais), que são os Projetos de Assentamento Agro-extrativistas (PAE’s), criados em 1996, os Projetos de Desenvolvimento Sustentável (PDS’s), criados em 1999, e por último os Projetos de Assentamento Florestal (PAF’s), criados em 2003.

Os assentados e colonos, que podem ser classificados como agricultores familiares, ou mesmo incluídos em grupos tradicionais como os ribeirinhos e extrativistas podem também ter suas terras regularizadas em lotes individuais. Nestes projetos temos os modelos de posse individual, os chamados Projetos de Assentamento (PA’s), que podem ser federais ou estaduais.

Os pequenos produtores têm pouco poder para conseguir avançar rapidamente as questões de reforma agrária e regularização fundiária. A marca histórica deste processo tem sido conflituosa, refletida nos dados de violência por conflitos de terra (CPT, 2006). Contudo, alguns avanços significativos têm marcado os últimos 15 anos na Amazônia. No Pará, o atual governo está com uma proposta de regularizar todas as terras estaduais (cerca de 20% das terras públicas do Estado) de forma a beneficiar os pequenos produtores (ITERPA, 2008). Segundo o assessor-chefe do ITERPA, o Instituto seguirá os seguintes critérios de prioridades neste processo: 1) Populações Indígenas; 2) Populações tradicionais e áreas de relevante valor ambiental; 3) Agricultores familiares; e 4) Médio e grandes produtores.

Seguem os problemas e recomendações levantados.

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16 Corrupção para a aquisição por grupos de poder econômico e político – fabricação de documentos falsos.

Problema 1: Falta de Esclarecimento sobre Processo de Legalização da Posse Coletiva

A posse coletiva foi um modelo proposto pelos movimentos sociais, como quilombolas e seringueiros, e endossado por outros movimentos. Porém, a legalização deste modelo tem gerado vários questionamentos. Primeiro, as terras são do Estado, e não dos produtores, o que leva a problemas de herança. No caso dos quilombolas, estes têm Títulos Coletivos, gerando direito de herança. Mas no 43 caso dos extrativistas e populações tradicionais adequados aos modelos de reservas e projetos de assentamento, estes recebem uma Concessão de Direito Real de Uso (CDRU), o que não gera direitos de herança. Isso leva a problemas para se conseguir créditos para financiamento, uma vez que nestes casos os produtores não podem empenhar a terra como garantia do empréstimo.

A segunda questão levantada em relação à posse coletiva é a falta de informação dos produtores sobre a garantia de seus direitos individuais. Alguns temem que este conceito significa que todos possuem o mesmo direito em todas as áreas, o que geraria conflitos sobre os direitos familiares de plantar, caçar, extrair produtos. Estas incertezas criam confusões de entendimento, algumas vezes intencionais, por outros atores sociais interessados que a regularização não ocorra. Uma liderança sindical entrevistada acredita que se deva esclarecer os produtores de que, apesar da demarcação oficial incluir somente o polígono externo da área, os limites de uso de cada família deverão ser definidos e respeitados. São os chamados limites de respeito.

Propostas:

• Amplo processo de divulgação da relação posse coletiva, direitos e sustentabilidade,

• Ao invés de CDRU, os produtores familiares e extrativistas também recebam o título da terra, como no caso dos quilombolas (gerando assim direito de herança).

Problema 2: Centralização do Acordo de CDRU com uma Associação

As associações legalmente representantes das comunidades junto aos órgãos públicos passam a ter um poder muito grande. Isso porque o contrato de CDRU ou o título (no caso de quilombolas) é assinado entre a associação que protocolou o pedido de regularização e o governo (que não faz contratos diretamente com as famílias).

São funções da associação apontar aos técnicos do governo quem realmente terá direitos à terra dentro da área, intermediar os créditos governamentais destinados para cada família, definir/intermediar os limites internos entre cada família, e assinar as responsabilidades pelos Planos de Uso e de Regeneração junto ao governo. Assim, um peso muito grande cai sobre a associação que geralmente não está preparada para isso. Sendo que os mecanismos de controle social são frágeis, a transparência do processo fica em função dos interesses e compromissos da associação.

Esta questão de representatividade da associação é ainda mais problemática em grandes áreas, como é o caso de várias Unidades de Conservação (RESEX e RDS). Nos casos da RDS Mamirauá e da RESEX Verde para Sempre, por exemplo, com áreas acima de 1 milhão de hectares, o órgão fundiário exige a criação de uma associação-mãe, com quem o governo vai assinar o CDRU. Essa associação-mãe emitirá para cada família um documento de Autorização de Posse. O problema começa quando essa associação-mãe é a única que pode submeter um plano de manejo para toda a UC. Como a área é muito grande, isso pode gerar vários problemas. O primeiro é a inviabilidade da logística do manejo, devido à grande distância das comunidades entre si e entre estas e as áreas de manejo. Outro problema é o tamanho total das áreas de manejo que para beneficiar todas as famílias das várias comunidades que compõem a UC, precisa ser muito maior que as suas capacidades de infraestrutura permitem. Além destas questões, a responsabilidade técnico-financeira será para uma só associação, que concentrará muito poder (orçamentário e decisório) e que em geral não terá a legitimidade de uma associação local. Outra questão é que os comunitários têm que pagar duas taxas de associação, da associação local e da associação-mãe.

Propostas:

• Que o CDRU ou título seja coletivo, mas que o governo garanta à associação e às comunidades assessoria técnica para capacitação e monitoramento, a fim de que se estabeleçam mecanismos de transparência, comunicação, resolução de conflitos, distribuição dos benefícios e responsabilidades;

• Em situações onde há várias associações, que a associação-mãe tenha representação política junto ao governo, mas que cada associação local tenha a responsabilidade de gerir os recursos e se responsabilizar pelo manejo.

Problema 3: Altos Custos e Comprometimentos dos Planos de Uso, Desenvolvimento e de Regeneração

Independente das variações específicas de cada forma de gestão da terra (PAs de posse coletiva e individual e UCs federais e estaduais), em todas é necessário apresentar ao governo um plano de utilização da terra e seus recursos. Esses planos têm que seguir todas as regras ambientais, o que gera uma situação irreal, pois várias dessas regras não são aceitas ou conhecidas, terminando por serem impostas a fim de se conseguir o documento da terra.

Como essas regras não são as regras locais mas, ao contrário, geradas a centenas de quilômetros da região por pessoas que pouco ou nada conhecem ou trocam informações com quem realmente maneja os recursos localmente, muitas dessas leis simplesmente não fazem sentido à população local, como a taxa máxima de desmatamento de 20%, principalmente no caso dos assentados e colonos, que tem na pecuária e na agricultura importantes fontes de renda. E como historicamente eles têm manejado seus recursos sem a presença do Estado, responsáveis que são pela própria reprodução social, leis mesmo conhecidas acabam não sendo apropriadas na tomada de decisão quanto ao manejo dos recursos. Alguns produtores acreditam que se os técnicos do governo fossem visitá-los em suas áreas, eles explicariam pessoalmente sua lógica de manejo e os convenceriam da inviabilidade de muitas das leis.

O problema destes planos irreais é que fragilizam o já frágil acesso que as comunidades locais têm à terra, pois o seu descumprimento pode levar à perda dos direitos sobre a terra.

A outra grande questão é a implementação destes Planos, que dependem principalmente das próprias famílias. A EMATER seria a principal agência do governo para estar assessorando os assentamentos, e os órgãos governamentais (IBAMA/ICMBio e secretarias estaduais e municipais de meio ambiente) no caso das unidades de conservação.

Propostas:

• Adaptação das regras formais às regras locais, e vice-versa, à partir de processo participativo de construção entre o saber técnico e o saber empírico;

• Apoio técnico e financeiro para os produtores recuperarem as áreas já degradadas (reserva legal e APP´s),

• Apoio para resolução de conflitos com outros atores que não respeitam os planos.

Problema 4: Dificuldade de Cumprir as Leis Ambientais para Obtenção do Licenciamento Ambiental

O Licenciamento Ambiental Rural (LAR) é necessário para quaisquer áreas rurais cedidas pelo governo ou em posse de particulares na Amazônia e no Pará é prévio para a criação de Projetos de Assentamentos.

O LAR envolve altos custos pela necessidade de georeferenciamento, averbação da reserva legal, conhecimento e adequação à legislação, e mais especificamente, nos casos de posse coletiva, necessita-se de diagnósticos ambientais e sócio-econômicos e planos do uso da terra. No caso dos pequenos produtores em situações de posse coletiva, o governo se responsabiliza integralmente ou parcialmente por estas atividades. Contudo, como mencionado acima, há grande limitação de técnicos e recursos governamentais, tornando este processo longo e limitado. Essa limitação é devido ao tempo restrito que os técnicos podem passar nas comunidades, sem o uso de metodologias que possibilitem conhecer a realidade local e dialogar com diferenças culturais. No Pará, a criação dos Planos de Desenvolvimento é responsabilidade das próprias comunidades. Este plano será redirecionado pelo ITERPA para a SEMA para aprovação, cumprindo com as exigências de um LAR.

Propostas:

• Instituições governamentais fundiárias e do meio ambiente atuem na intermediação entre instituições de pesquisa e os pequenos produtores, a fim de que os primeiros atuem na realização dos estudos necessários aos processos de regularização fundiária e planos de manejo florestal;

• Investimento governamental de capacitação de seus técnicos em metodologias participativas de realização de diagnósticos e para a elaboração de planos de uso e orientação para sua gestão;

• Apoio do governo e de instituições de pesquisa aos produtores para que executem e monitorem seus planos de uso;

• Investimento governamental em avaliação participativa dos Planos de Uso em andamento nas diferentes modalidades de regularização fundiária divulgação, e façam parte de futuras políticas públicas para o apoio aos pequenos produtores enfrentarem os desafios do manejo sustentável de seus recursos.

Problema 5: Necessidade de Atestado Malarígeno

Para a criação de um projeto de assentamento estadual, é necessário provar-se através de um atestado malarígeno, que a área escolhida não possui focos de malária[17]. Nesta questão as comunidades locais são penalizadas duas vezes: a primeira pela própria malária, e a segunda pela presença da doença o que pode excluir a área de seu fim social.

Propostas:

• Que a ocorrência de malária não seja limitante para a criação de projetos de assentamentos ou reservas de uso sustentável, mas sim que sirva de base para um trabalho de combate ao mosquito e controle da ocorrência da doença.

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17 Norma de Execução do ITERPA Nº 1, de 23 de agosto de 2007, Art. 18, parágrafo segundo.
Problema 6: Funcionário Público não ser Cliente de Reforma Agrária

Funcionário Público não poder receber benefícios do governo é uma lei urbana adaptada para a realidade rural. No caso específico, não pode receber terras do governo. O questionamento dos produtores é que os profissionais que se dispõem a morar e trabalhar nas comunidades são seus pares, isto é, filhos e filhas de comunitários. Atualmente são principalmente professores e agentes de saúde. O MST tem investido também em cursos de agronomia e medicina para os assentados, a fim de que retornem e trabalhem nas comunidades. Como os comunitários não possuem recursos para atendimentos particulares, as únicas posições para estes profissionais é o serviço público. O que seria uma política de inclusão social (oferta de serviços básicos e emprego) e de estímulo à permanência da população rural em suas áreas pela oferta de melhores condições de vida, ironicamente acaba sendo uma política de exclusão, por excluir esses profissionais do acesso à terra, reflexo da não adequação das normas à realidade rural.

Propostas:

• Que os funcionários públicos que moram e exercem atividades nas áreas rurais nas áreas de saúde, educação e assistência técnica aos produtores tenham suas atividades formalmente reconhecidas pela associação e STR (Controle Social) e possam ser beneficiados com terra e créditos como as outras famílias.

Questões Técnicas e Normativas

O fundamento para o estabelecimento de procedimentos para o manejo florestal, que norteiam a elaboração de normas que o regulam, tem bases prioritariamente técnico-científicas. Em sua maioria, são conhecimentos desenvolvidos em estações experimentais ou áreas de florestas empresariais, com infraestrutura, recursos humanos e orçamentários, e objetivos que diferem em muito da realidade dos pequenos produtores. Essa divergência tem várias conseqüências, como normas e técnicas do manejo florestal que não são aceitas ou sequer compreendidas pelos produtores e que em geral não são aplicáveis por falta de recursos humanos e orçamentários. Por serem criadas distantes do conhecimento local, acabam gerando uma forte dependência de atores externos às comunidades, limitando o poder de decisão na gestão local dos recursos. E essa discussão da aplicabilidade e possível adaptação da realidade local às normas, que acontece nas comunidades, dificilmente retorna àqueles que continuam criando novas leis.

Essa dialética entre geração de normas pouco aplicáveis à realidade dos pequenos produtores, mas que, em última instância, são os responsáveis pelas tomadas de decisão do uso dos recursos naturais, gera um cenário complexo, que para ser enfrentado com eficiência necessita de forte articulação e parceria entre instituições governamentais, de pesquisa e formação e dos pequenos produtores e seus representantes organizados.

Problema 1: Dificuldade de Recuperação das Áreas de Reserva Legal em Regiões com Elevados Índices de Desmatamento

Esta questão é vista como um grande problema por vários dos atores entrevistados. As realidades na Amazônia brasileira variam muito, desde fronteiras antigas como a chamada Zona Bragantina, no Pará, onde raramente se detectam áreas de floresta primária, até regiões no interior do Amazonas, inacessíveis por terra, onde a cobertura florestal primária predomina. Um produtor desta região diz que esta lei que institui a Reserva Legal de 80% da área[18] não serve para eles, pois suas maiores rendas provêem da agricultura em sistema de rodízio e criação de gado, e somente 20% de suas terras, excluindo-se as nascentes e beiras de rios, não seriam suficientes para manter seu sistema produtivo. O exemplo de sua não-identificação com essa lei é refletido na expressão utilizada por outro comunitário entrevistado, definindo-a de lei de doido. Para outras regiões da Amazônia on de ainda existe muita floresta, esta lei já é mais aceita pelos produtores.

Nas regiões de fronteira antiga, existe uma grande necessidade de recuperação ambiental. Quando da criação de projetos de assentamento ou reservas de uso sustentado, os passivos ambientais nestas áreas que já sofreram desmatamento não são revistos, e as famílias assentadas acabam herdando essa paisagem. Nestes casos, os pequenos produtores questionam que não podem ser responsabilizadas pela sua regeneração, pois muitas vezes não foram as beneficiárias da exploração insustentável das áreas.

Além deste passivo ambiental herdado, projetos de assentamento (modalidade individual) devem ser criados em áreas sem a floresta primária, como diz a Portaria conjunta do INCRA e Ministério Extraordinário de Política Fundiária, de 1999, determinando que assentamentos de agricultores familiares para fim de reforma agrária sejam criados somente em áreas antropizadas e onde não haja cobertura florestal primária nos ecossistemas da Floresta Amazônica, Mata Atlântica e Pantanal-matogrossense (exceção para os assentamentos com perfil extrativista, como os PAE, PDS e PAF).

Os assentamentos com perfil extrativista e as UC´s de uso sustentável são criados em áreas onde as populações moram e trabalham a algumas gerações. Neste caso, temos a regularização fundiária, ou seja, uma regulamentação de um direito preexistente. Mesmo tendo uma cultura de uso dos recursos adaptada à região em que vivem, pode-se observar em algumas destas áreas um desmatamento maior que a lei atualmente permite (acima dos 10 ou 20%, conforme a modalidade de regularização fundiária) e mesmo atividades sem prévia autorização dos órgãos ambientais, como extração de madeira.

Um representante do Núcleo de Meio Ambiente do Ministério Público do Estado do Pará questiona os produtores classificados como populações tradicionais que residem em áreas com alto índice de cobertura florestal, não precisam ter suas áreas licenciadas, a não ser no caso de construção de estradas, ou outras obras que impactem o meio ambiente. Seu argumento é que estas famílias já ocupavam estas áreas antes da edição destas normativas, e continuam exercendo as mesmas atividades hoje que exerciam no passado, atuando mais como guardiões da floresta do que como infratores. Portanto, segundo ele, as normas devem ser diferenciadas para estes atores.

Segundo a advogada ambientalista e assessora jurídica do IDEFLOR, do governo do Pará, as exigências legais para a regularização destas áreas (reserva legal e APP’s) são desconhecidas para a maioria dos pequenos produtores. Cita ainda dois exemplos de benefícios para as comunidades locais que em geral não são respeitados: gratuidade da averbação da reserva legal (porém cartórios cobram) e disponibilização pelos órgãos ambientais de técnicos para auxiliar o comunitário a fazer o plano de manejo (que não ocorre).

Segundo o Código Florestal (Lei Nº 4.771/1965), a reposição da reserva legal deve ser feita com espécies nativas e sob orientação do órgão ambiental estadual. Um projeto de lei 6424/2005, de autoria do senador Flexa Ribeiro, defende uma mudança neste ponto da lei, permitindo também a reposição florestal e a recomposição da reserva legal mediante o plantio de palmáceas em áreas já alteradas.

Um representante do MST polemiza a exigência da reposição pelos próprios produtores e a severidade da lei em si, obrigando a manutenção da reserva legal. Defende que os que fazem essas leis nunca são os produtores rurais, que em geral discordam dela, pela floresta não conseguir suprir economicamente as necessidades das famílias. Os que legislam têm seus salários muito acima do mínimo que a maioria da população recebe, e por isso podem viver muito bem sem ter que derrubar uma árvore, aparentando ser ecologicamente corretos. Vai além, afirmando que não existem nas áreas urbanas exemplos de uso sustentável dos recursos, e que não é coerente se exigir que seja feito dentro dos projetos de assentamentos e reservas o que não é feito fora delas.

No Pará, as comunidades que quiserem ter seus direitos reconhecidos pela regularização fundiária em áreas onde haja um passivo ambiental, principalmente nas questões de reserva legal e APP’s, têm que apresentar um plano de recuperação destas áreas, um compromisso assinado entre a associação e o governo. Quem tem que arcar com o custo desta recuperação são as próprias famílias. O INCRA fornece crédito para fins de recuperação ambiental de no máximo R$ 1.000,00/família[19]. Os produtores questionam a justiça desta medida, uma vez que nem sempre foram as famílias que foram responsáveis pela degradação ambiental e, no caso de terem sido as famílias, questiona-se a co-responsabilidade do Estado pela sua ausência ou mesmo incentivo ao desmatamento para a comprovação do uso da terra.

Devido a essa diferenciação em história de ocupação por região, sugere-se que nas regiões de ocupação antiga, que se reveja o percentual permitido para desmatamento para os pequenos produtores, reduzindo para 50%, desde que atendido o Zoneamento Ecológico-Econômico (ZEE) de cada região em seu Estado.

Propostas:

• Apoio técnico e financeiro para os produtores recuperarem as áreas já degradadas, adequando-se às leis (reserva legal de 80% da área e as APP´s);

• Propor Lei de Reserva Legal diferenciada para os pequenos produtores com terras localizadas em regiões de fronteira antiga, reduzindo de 80% para 50%, desde que atendido o ZEE de cada região em seu Estado.

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18 Instituído pelo Código Florestal brasileiro, Lei Nº 4.771, de 15 de setembro de 1965, Art. 15, que define Reserva Legal como 80% da área em propriedade rural localizada na Amazônia Legal.

19 Norma de Execução do INCRA Nº 44, de 28 de junho de 2005, Art. 1o.


Problema 2:
 Requisitos Técnicos de Manejo para os Pequenos Produtores Similares aos Requisitos Empresariais

Os procedimentos de manejo florestal sustentável são baseados em conhecimentos científicos acadêmicos, cuja conseqüência é uma alta dependência de atores externos, comprometendo o poder de decisão que os pequenos produtores têm sobre os recursos que detêm. Para esta questão, as propostas são de médio e longo prazo, implicando numa revisão do marco lógico de como é visto o próprio manejo florestal sustentável.

A técnica de inventário florestal a 100%[20] pode ser adaptada para as situações de terra-firme, mas há falta de mão de obra e verbas para isso. Nas áreas de várzea a questão é mais complicada, devido ao movimento das águas. Não é possível marcar com piquetes uma área de um ano para o outro, ou mesmo por algum tempo, pois a maré e as cheias da estação das águas acabam retirando os piquetes. Outra questão colocada pelos produtores é que o piqueteamento espanta a caça.

Propostas:

• Em áreas de várzea, ao invés de inventário 100%, fazer levantamento seletivo das espécies a serem manejadas, na área toda. Pode-se considerar complementação deste levantamento com mapas participativos mentais das espécies e indivíduos. Para isso, deve desenvolver-se forma de controle social,

• Em áreas de terra-firme, fazer o inventário 100% na Unidade de Produção Anual (UPA) que será manejada.

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20 Censo florestal das espécies comerciais a partir de um certo diâmetro minimo de corte.

Problema 3: Padrão de Legislação para todos os Ambientes e Culturas

Mesmo considerando-se o tamanho e a diversidade cultural e ambiental da Amazônia, a lei que normatiza o manejo florestal não diferencia procedimentos em função de cultura de populações tradicionais ou quando a organização é coletiva, com benefícios sociais para as comunidades envolvidas.

A IN 05, de 11 de dezembro de 2006, categoriza os PMFS em duas categorias: baixa intensidade e pleno. Essa classificação se baseia em dois critérios: (a) não utilização de máquinas para o arraste das toras e (b) a intensidade de corte[21], sendo que até 10 m3/ha para baixa intensidade, e entre 10 e 30 m3/ha para o pleno. Estes dois critérios técnicos definem a complexidade técnica que os pequenos produtores devem seguir para conseguir aprovar seus planos de manejo. Assim, embora nas duas categorias, pleno e baixa intensidade, o número de itens a serem cumpridos sejam praticamente os mesmos (9 e 8, respectivamente), na categoria pleno o interessado precisa submeter informações muito mais detalhadas sobre a propriedade (tipologias florestais, estradas permanentes), descrição das atividades pós-exploratórias, dos investimentos financeiros e custos para a execução do manejo florestal, da infraestrutura, diretrizes para redução de impactos, descrição de medidas de proteção da floresta, manutenção das UPA em pousio, prevenção e combate a incêndios, prevenção contra invasões, mapas requeridos com localização da propriedade, macrozoneamento da propriedade, medidas de destinação de resíduos orgânicos e inorgânicos, e os mapas em anexo muito mais elaborados[22]. Na categoria baixa intensidade estes itens são explicados em pouca mais de duas páginas, enquanto para a categoria pleno são explicados em pouco mais de quatro páginas.

Assessores técnicos e produtores alegam que existem especificidades na organização social, benefícios sociais do manejo comunitário, técnicas locais de manejo, relações de identidade com os recursos naturais, relações com mercado, entre outros, atuando em ambientes diferenciados, como terra firme e várzea. E que esses critérios também deveriam ser considerados. E deixam perguntas, para eles sem respostas: quais dos representantes de experiências em manejo em andamento foram consultados na elaboração e avaliação destes critérios? Por que 10 m3/ha? E se as técnicas científicas vigentes mostrarem que a floresta é rica, e que poderia ser retirada uma quantidade maior de madeira, sem comprometer a sustentabilidade do recurso? E nos casos em que uma única árvore produz 43 m3/ha, como na RESEX Verde Para Sempre, como agir? Por que os critérios técnicos são predominantes sobre os benefícios sociais para a população local?

Na Oficina sobre o Marco Legal os comunitários avaliaram que isso ocorre por que as regulamentações do MFPP são elaboradas por pessoas que pouco vivenciam a realidade local (sócio-cultural, ambiental, econômica e política). O grande desafio identificado foi equacionar o monitoramento da sustentabilidade do manejo através de técnicas adaptadas às realidades dos pequenos produtores em seus diferentes ambiente (terra-firme e várzea).

Propostas:

• Formação dos técnicos de campo e de escritório para tratamento diferenciado dos processos de plano de manejo para pequenos produtores,

• Estudar-se diferentes casos e redefinir regras de forma participativa com os produtores e seus assessores, para se chegar a modelos (tipologia) para cada realidade, diferenciando-se áreas de terra-firme e várzea.

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21 A IN 05, de 11 de dezembro de 2006, Art. 2º, parágrafo IV, conceitua Intensidade de Corte como “volume comercial das árvores derrubadas para aproveitamento, estimado por meio de equações volumétricas previstas no PMFS e com base nos dados do inventário florestal a 100%, expresso em metros cúbicos por unidade de área (m3/ha) de efetiva exploração florestal, calculada para cada unidade de trabalho (UT)”.

22 IN 05, de 11 de dezembro de 2006, Anexo II, item 9: “Mapas florestais – Mapa(s) de uso atual do solo na UPA: Escala mínima de 1:10:000 para áreas de até 5.000ha, contendo os limites da UPA, tipologias florestais, rede hidrográfica, rede viária e infra-estrutura, áreas reservadas, áreas inacessíveis e áreas de preservação permanente – Mapa(s) de localização das árvores (mapa de exploração) em cada UT da UPA: Escala de no mínimo 1:25.500 para áreas de até 100ha, contendo os limites da UT, rede hidrográfica, rede viária e infraestrutura atual e planejada, áreas reservadas, áreas inacessíveis e áreas de preservação permanente.”

Problema 4: Regulamentações para Áreas de Várzea são as mesmas que Terra-Firme

Os pequenos produtores que vivem em área de várzea passam por uma realidade ainda mais complexa que os que vivem em áreas de terra-firme. Trata-se de um ecossistema com características próprias, caracterizado por serem áreas periodicamente inundáveis, oscilando entre uma fase aquática e outra terrestre.

Surgik (2004), em revisão dos aspectos jurídicos e fundiários da várzea, apresenta que, no Brasil, não há um conceito jurídico claro sobre o que é várzea. Alguns juristas interpretam que a várzea pode ser considerada APP[23] e, portanto, área protegida, o que restringe seu uso para o manejo florestal[24].

Propostas:

• Elaboração de uma política de MFPP específica para a várzea, com forte participação dos representantes de comunidades que já fazem o manejo florestal de seus recursos, formal e informal.

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23 Pelo Código Florestal (Lei 4.771/65), as áreas de preservação permanente (APP) são as florestas e as demais formas de vegetação natural, coberta ou não por vegetação nativa, ao longo dos rios desde seu mais alto nível em faixa marginal (Art. 2°, complemento dado pela Lei 7.803/89 e Medida Provisória 2.166-67/01).

24 Este problema foi citado na Oficina sobre o Marco Legal pelo técnico da RDS Mamirauá.

 

Problema 5: Alta Freqüência de Trocas das Normas

As freqüentes mudanças de leis são um problema maior do que parece à primeira vista. Além da óbvia necessidade de atualização por parte dos técnicos que assessoram os comunitários, a questão mais grave são os custos, o tempo necessário e desgastes no processo de capacitação dos comunitários sobre as mudanças.

Propostas:

• Realizar estudos de campo e consultas amplas, com base em experiências-piloto e discussões, antes de se alterar ou criar normas.

• Realizar ampla divulgação de informações quando ocorrerem mudanças e estabelecer prazos de transição.


Outras Questões Relevantes

Organizamos ainda uma quarta temática para questões cuja discussão está mais incipiente ou pontualizada, mas que são altamente relevantes ao tema, como a questão dos produtos florestais não-madeireiros (PFNM).

a) Produtos Florestais Não Madeireiros

A regulamentação do manejo dos Produtos Florestais Não Madeireiros (PFNM) é ainda deficiente, e a metodologia para manejo dos madeireiros não funciona para os não-madeireiros. Além do alto número de espécies, cuja ecologia da maioria delas ainda precisa ser compreendida, difere também em produtos, como raízes, frutos, folhas, seivas, fibras, etc. O PESACRE citou o caso do manejo da palmeira tucumã (Astrocarium sp.), onde toda metodologia de levantamento e análise de impactos da extração dos frutos teve que ser desenvolvida, após tentar-se aplicar sem sucesso a mesma metodologia utilizada para as espécies arbóreas madeiráveis.

A IN 05, de 11 de dezembro de 2006, capítulo sobre o PMFS de produtos florestais não-madeireiros, composto por um artigo e um parágrafo, onde se especifica que esses produtos não necessitam de autorização de transporte, necessitando apenas que o proprietário informe anualmente ao órgão ambiental as atividades realizadas (espécies, produtos e quantidades). A outra exigência é que os produtores se cadastrem no Cadastro Técnico Federal.

Não existe consenso entre técnicos e acadêmicos sobre a necessidade de normatização mais específica para estes produtos. Os principais argumentos contra essa normatização são: (a) a baixa quantidade de extração, (b) a reduzida importância comercial e (c) o receio de que normas mais restritivas seriam distantes da realidade dos pequenos produtores, o que terminaria por excluí-los do mercado legal.

Já os argumentos a favor da normatização são: (a) a preocupação com a sobre-exploração dos produtos pelos pequenos produtores e outros atores, (b) a exploração com técnicas predatórias, e (c) normatização feita enquanto o mercado ainda é reduzido, ou seja, sem pressão de fazer as normas rapidamente, o que em tese possibilitaria um processo participativo de construção destas normas.

b) Concessão Florestal

Ainda não se sabe, na prática, como a concessão florestal vai afetar os pequenos produtores, pois está se iniciando este processo. Existe o esforço governamental de capacitar a EMATER, mas mesmo que os pequenos tenham algumas vantagens, sua capacidade de competir com os empresários do setor é muito pequena.

Alguns assessores entrevistados prevêem riscos de perda de direitos das comunidades que vivem nas áreas a serem concedidas. Um exemplo que foi colocado foi o caso da Floresta Estadual do Antimari, no Acre, onde existe uma experiência de concessão florestal estadual. Lá existiu forte presença do Estado fazendo os planos de manejo e mobilizando e conscientizando as comunidades. Mesmo assim, vários problemas foram citados pelos produtores e instituições de apoio técnico como: a falta de entendimento do plano de manejo realizado em suas áreas, o não cumprimento de promessas (beneficiamento local da madeira, que acabou sendo vendida em tora, apesar de se ter um galpão e gerador na comunidade com este fim), inexistência de canais formais de comunicação e resolução de conflitos, ausência de estudos que documentem as práticas e conhecimentos locais que poderiam ser incorporadas ao manejo. Apesar de existir acordo formal entre a Fundação de Tecnologia do Estado do Acre (FUNTAC) e as famílias, nem todos os pontos que consideravam essenciais constaram formalmente, como proteção contra corte e dano a seringueiras e castanheiras, desentupimento (causado por queda de árvores) de estradas de seringa e castanha, nem sobre formas de controle das próprias famílias sobre as árvores que estavam sendo extraídas (a fiscalização ficou toda à cargo dos órgãos do Estado). Sobre os cuidados com as estradas de seringa, teve também um problema conceitual: a FUNTAC entendeu que somente as estradas ativas deveriam ter cuidados de manutenção, enquanto as famílias entenderam que as estradas inativas também deveriam receber os mesmos cuidados. Explicam que identificam na floresta todas as estradas de borracha, e que elas são tornadas ativas ou inativas em função direta ao preço da borracha. Mas se houve queda de árvores sobre uma estrada inativa, quando o preço da extração da borracha for compensador e quiserem utilizá-las, terão problemas.

O argumento geral de preocupação com a eficiência da concessão florestal em resguardar e até melhorar os direitos dos pequenos produtores é principalmente institucional: a baixa capacidade de fiscalização do governo, um sistema ineficiente de penalização real, e o baixo investimento em infraestrutura de monitoramento e avaliação.

PRINCIPAIS LIÇÕES APRENDIDAS

Este estudo destacou a complexidade do tema, sistematizando os resultados em três grandes temáticas, sendo estas as Questões Institucionais e de Políticas Públicas, as Questões Fundiárias, e as Questões Técnicas e Normativas. A seguir serão apresentadas as principais lições aprendidas neste processo.

As questões relativas ao processo de Regularização Fundiária congregam o primeiro grande entrave para a efetivação do MFPP. Esta questão passa tanto pelas questões Institucionais e de políticas públicas quanto por questões técnicas. É consenso entre os diferentes atores que uma simplificação do processo é urgente, como a necessidade de adequação das exigências técnicas para aprovação de Licenciamento Ambiental. Essa simplificação, porém, não se daria da mesma forma para todos os pequenos produtores. Seria mais simples para as populações tradicionais moradoras de áreas de floresta, com a aceitação pelo órgão governamental ambiental do plano da unidade (seja assentamento agroextrativista ou unidade de conservação) como documento para licenciamento. Para as populações de agricultores familiares localizadas em projetos individuais de assentamento já estabelecidas (mais de cinco anos), os pequenos produtores deveriam apresentar ao órgão ambiental um Plano de Desenvolvimento e um Plano de Recuperação para as áreas degradadas localizadas na Reserva Legal e nas APP´s, mas com necessidades de estudos mais simplificados que os exigidos pela legislação ambiental atual. Esses planos de desenvolvimento e de recuperação devem ser apoiados pelo governo através das instituições locais de assistência técnica, como EMATER.

Essa simplificação passa também por Questões Institucionais e de Políticas Públicas, com capacitação e instrumentalização dos próprios pequenos produtores para um cenário onde estes passem a atuar como parceiros dos órgãos governamentais nos processos de mapeamento, diagnóstico, inventários, planejamento e gestão dos recursos. A viabilização deste cenário depende de investimentos governamentais nas estruturas internas (pessoal técnico capacitado, equipamentos, descentralização de infraestrutura) e externas (informações chaves chegando às comunidades, capacitação de produtores, disponibilização de equipamentos de mapeamento, construção de parcerias).

Outra questão institucional refere-se ao estabelecimento de um atendimento diferenciado aos pequenos produtores nas instituições governamentais fundiárias e ambientais, facilitando comunicação, agendamento, entendimento da aplicabilidade da legislação às realidades locais. Esse procedimento potencialmente facilitaria a adequação da legislação à realidade dos pequenos produtores, pois os técnicos do governo responsáveis se tornariam potenciais especialistas em identificar e propor soluções aos entraves técnicos e legais do MFPP.

Nas Questões Técnicas e Normativas, as simplificações existentes atualmente são em função de parâmetros técnicos, mais especificamente questões de volumetria e de equipamentos de arraste. Essa diferenciação deveria ser feita primeiramente em função dos atores responsáveis pelo manejo, que no caso de pequenos produtores implicaria em simplificação dos estudos e mapeamentos necessários exigidos para a aprovação do plano de manejo. Neste processo, deveria ser feito um desenvolvimento de procedimentos sócio-ambientais que incluíssem procedimentos técnicos e realidades sociais e ambientais dos produtores.

Para o bom funcionamento das questões apresentadas acima, faz-se necessário o estabelecimento de uma forma de Controle Social, onde representantes dos pequenos produtores, organizados em instituições reconhecidas por sua própria categoria, assumiriam responsabilidades por identificá-los como população tradicional ou agricultores familiares.

ANEXO

Anexo 1. Lista dos Participantes da Oficina “Análise da Legislação para o Manejo Florestal por Produtores de Pequena Escala na Amazônia”, ocorrido nos dias 28 e 29 de abril de 2007, em Benevides, PA

Anexo 2. Resumo das Principais Regulamentações Relacionadas ao Manejo Florestal por Pequenos Produtores

Anexo 3. Relação de páginas eletrônicas para busca de legislação florestal na Internet

 

 

 

This post was published on 6 de maio de 2013

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imazon

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