Carlos Souza Jr.*, Amintas Brandão Jr., Anthony Anderson & Adalberto Veríssimo
As estradas endógenas (não-oficiais) estão definindo uma nova dinâmica de ocupação na Amazônia. Os atores locais (principalmente, madeireiros) têm construído milhares de quilômetros dessas estradas em terras públicas, que avançam desordenadamente e geram graves impactos ambientais e socioeconômicos. Em 2001, as estradas endógenas somavam cerca de 20.796 quilômetros de extensão no Centro-Oeste do Pará. A abertura dessas estradas freqüentemente facilita a grilagem, o desmatamento, a exploração predatória de madeira e a ampliação dos conflitos pela posse da terra. Neste O Estado da Amazônia, apresentamos os resultados do mapeamento de estradas endógenas no Centro-Oeste do Pará, bem como sugestões para a ampliação do seu monitoramento. Para mitigar esses impactos, recomendamos ao poder público: (i) fiscalização prioritária nos locais mais críticos das estradas endógenas; (ii) criação de novas áreas protegidas, especialmente, Unidades de Conservação; e (iii) regularização fundiária.
Estradas endógenas são construídas em terras públicas geralmente por agentes privados. A atividade madeireira tem um papel preponderante na abertura dessas estradas[1]. Milhares de quilômetros de estradas endógenas estão sendo abertos em áreas florestais, em geral, sem planejamento e sem as autorizações exigidas por lei[2]. Embora em alguns casos essas estradas sejam “municipalizadas” –o que incrementa a infra-estrutura local e traz benefícios socioeconômicos–, freqüentemente, a sua abertura descontrolada na Amazônia catalisa a exploração ma- deireira predatória e a grilagem de terra, além de contribuir para as queimadas e des- florestamento posterior[3].
Neste estudo de caso, focalizamos o Centro-Oeste do Estado do Pará; uma área de 546.000 quilômetros quadrados (44% do Estado), com população de aproximadamente 1,1 milhão de habitantes em 2000 (17% do Pará)[4]. A maioria dessa região é coberta por florestas intactas, e as áreas protegidas ocupam 40% do seu território. A parte central da região possui
uma grande área de terras devolutas, conhecida como “Terra do Meio”, onde vários conflitos fundiários têm sido reportados.3 O desmatamento no Centro-Oeste do Pará tem avançado rapidamente nos últimos anos, impulsionado pela expansão da pecuária extensiva e agricultura, e o setor madeireiro na região está em plena expansão, com cinco grandes pólos madeireiros: Santarém, Itaituba, Novo Progresso, Altamira e Uruará[5].
Esta região possui uma concentração notável de estradas endógenas. Três fatores estimulam a abertura dessas estradas. Primeiro, a abundância de florestas atrai o setor madeireiro. Segundo, a existência de grandes áreas devolutas incentiva a grilagem de terras. E, por último, a perspectiva de asfaltamento da BR-163 (Cuiabá-Santarém) tem catalisado uma grande corrida para o controle dos recursos naturais da região.
Até 1990, as estradas endógenas somavam 5.042 quilômetros no Centro-Oeste do Pará. Em 1995, a expansão dessas estradas aumentou para 8.679 quilômetros, e, em 2001, elas já totalizavam 20.796 quilômetros, representando 82% das estradas existentes (Tabela 1). Enquanto as estradas retas ao longo da Rodovia Transamazônica correspondem à ampliação de ramais construídos para fins de colonização, as estradas sinuosas perto de São Félix do Xingu e Novo Progresso são características da exploração madeireira e garimpeira, respectivamente (Figura 1).
Na parte central da região, entre o rio Xingu e a BR-163, localiza-se a maior estrada endógena, com cerca de 215 quilômetros. Essa estrada permite o acesso a extensas áreas de floresta intacta. Na parte mais sudoeste (perto de Novo Progresso), localiza-se a “Rodovia do Ouro” –que sai da BR-163 em direção ao Amazonas. Com cerca de 180 quilômetros, essa estrada foi aberta por garimpeiros na década de 80 para permitir o acesso às jazidas de ouro da Bacia do Tapajós[6].
O crescimento médio das estradas endógenas na região quase duplicou em dez anos, passando de 9,85 km/10.000 km2 por ano, em 1990-95, para 19,25 km/10.000 km2 por ano durante 1996-2001. Em 2001, esse avanço foi ainda mais expressivo em Santarém (57,22 km/10.000 km2) e São Félix do Xingu (73,24 km/10.000 km2), bem como ao sul de Novo Progresso na BR-163 (39,34 km/10.000 km2).
A presença de áreas protegidas[7] tem freado, mas não impedido o avanço das estradas endógenas. De fato, o avanço dessas estradas é duas a três vezes menor nas áreas protegidas do que nas áreas não protegidas. Porém, as estradas endógenas têm avançado sobre as Terras Indígenas Menkragnoti, Kayapó, Trincheira Bacajá e Apyterewa (perto de São Félix do Xingu) e outras áreas protegidas como a Floresta Nacional do Tapajós e a Reserva Extrativista do Arapiuns (perto de Santarém). Notamos um padrão sinuoso de estradas nas Terras Indígenas, indicando a exploração florestal ilegal nessas áreas. Além de avançar nas áreas protegidas, as estradas endógenas penetram nos grandes blocos de floresta potencialmente adequados para a criação de futuras áreas protegidas, como ocorre a oeste de São Félix do Xingu.
O processo de expansão de estradas endógenas prossegue sem informações precisas sobre a localização, extensão e o ritmo de expansão dessas estradas. Propomos um novo método para monitorar, por meio de imagens de satélite, as estradas endógenas na Amazônia[8]. Com investimentos baixos, esse monitoramento poderia ser ampliado. Segundo estimativas do Imazon, o monitoramento das regiões onde as estradas endógenas estão mais concentradas na Amazônia requereria aproximadamente 100 pessoas/dia por período. O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) fornece gratuitamente as imagens de satélite e um software adequado para analisá-las (SPRING)[9].
As informações geradas pelo monitoramento de estradas endógenas poderiam guiar três medidas para fortalecer o papel governamental no ordenamento de fronteiras na Amazônia:
Priorizar a Fiscalização. A identificação dos locais críticos onde a expansão de estradas endógenas é concentrada e/ou acelerada serve para priorizar a fiscalização do poder público (por exemplo, Ibama, seus congêneres estaduais e o Ministério Público) nesses locais. Assim, intervenções como a confiscação de máquinas e a punição de infratores teriam maiores efeitos.
Criar Unidades de Conservação. A localização de estradas endógenas poderia ser um critério para priorizar a criação de Unidades de Conservação, como medida preventiva. Como revelamos neste estudo, as áreas protegidas têm freado o avanço de estradas endógenas.
Regularizar o Acesso à Terra. O monitoramento de estradas endógenas identificaria locais prioritários onde o Incra e órgãos estaduais de terras deveriam acelerar a regularização fundiária. Tal medida poderia reduzir os conflitos sociais nas futuras frentes de ocupação na Amazônia.
*Autor correspondente: souzajr@imazon.org.br.
1 Além de madeireiros, outros agentes como garimpeiros, agricultores e fazendeiros também abrem estradas endógenas e/ou freqüentemente se beneficiam delas.
2 A construção de estradas deve ser baseada em estudos prévios de impacto ambiental (Conama 01/86) e deve conter as licenças prévias e de instalação e operação exigidas pelo Conama 237/ 97. O não cumprimento dessas normas está sujeito às punições previstas na Lei de Crimes Ambientais 9.605/98.
3 Relatório Brasileiro sobre Direitos Humanos Econômicos, Sociais e Culturais (2003): www.rits.org.br/rets/download/emdestaque_040403.zip.
4 IBGE. Censo Demográfico 2000. www.ibge.gov.br
5 Veríssimo, A.; Lima, E. & Lentini, M. 2002. Pólos madeireiros do Estado do Pará. Belém: Imazon. 72 p.
6 Bezerra, O.; Veríssimo A. & Uhl, C. 1996. The regional impacts of small-scale gold mining in Amazônia. Natural Resources Forum 20: 305-317.
7 Áreas protegidas referem-se a Terras Indígenas, Unidades de Conservação e Áreas Militares.
8 Usamos 20 cenas de satélite do sensor Landsat relativas a três períodos (1985-90, 1991-95 e 1996-2001) e o mapa de estradas do IBGE para 1999. Usando o software Arcview 3.2, digitalizamos todas as estradas nas cenas do primeiro período na escala de 1:50.000. Comparando as imagens digitalizadas com o mapa do IBGE, foi possível distinguir as principais estradas oficiais das estradas endógenas. Em seguida, o incremento das estradas endógenas foi digitalizado para os períodos 1991-95 e 1996-2001. Dessa maneira, mapeamos as principais estradas endógenas da região.
9 O site do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe)- http://www.obt.inpe.br/prodes/ fornece gratuitamente as imagens de satélite; o software (SPRING) para analisá-las pode ser obtido no site http://www.dpi.inpe.br/spring/.
A pesquisa na qual este O Estado da Amazônia é baseada foi financiada pelo Banco ABN AMRO, por meio do World Resources Institute – Washington, D.C., e pela Fundação Ford. Veríssimo contou com o apoio da Fundação AVINA.
This post was published on 1 de fevereiro de 2013
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