Nesta década os governos federal e estaduais quase dobraram as áreas protegidas (Unidades de Conservação e Terras Indígenas) da Amazônia a fim de garantir os direitos de uso dos recursos naturais às populações locais e promover a conservação ambiental e da biodiversidade. Entretanto, a preocupação com a integridade dessas áreas é crescente, pois entre 2000 e 2008 2,25 milhões de hectares foram desmatados em áreas protegidas e a exploração ilegal de madeira tem ocorrido em várias delas. Estas ameaças podem aumentar com o investimento governamental de R$ 70 bilhões em infraestrutura, como o asfaltamento e reabertura de estradas na região até 2010. Para evitar que a maior acessibilidade econômica das áreas protegidas resulte em exploração ilegal e desmatamento, será necessário aumentar a efetividade da aplicação das penas contra infrações ambientais. Neste estudo avaliamos o desempenho do Ibama na responsabilização administrativa de infrações ambientais em áreas protegidas a fim de aprender lições para assegurar a proteção dessas áreas no longo prazo.
O estudo inclui: (i) levantamento do número de processos e análise das características das infrações ambientais em áreas protegidas da Amazônia; (ii) análise do desempenho do Ibama na responsabilização dos infratores nos 34 casos de maiores multas por infrações ambientais em áreas protegidas do Pará, estado campeão de desmatamento na Amazônia nos anos recentes (Inpe, 2009); (iii) avaliação das barreiras à eficácia do Ibama no combate às infrações ambientais; e (iv) uma revisão das principais iniciativas para aperfeiçoar a responsabilização de infratores ambientais.
Até março de 2008 o Ibama havia registrado cerca de 1.200 crimes em áreas protegidas na Amazônia. Porém, como nem todos os crimes são detectados e em muitos casos a forma de cadastramento das multas não especifica a sua localização, desconhece-se o número total desses crimes. Setenta e seis por cento dos processos em áreas protegidas que tiveram a área da infração identificada ocorreram em unidades de proteção integral. O desmatamento e/ou queimada e a exploração de madeira foram as infrações mais comuns. Rondônia e Pará somaram 82% dos casos identificados em áreas protegidas.
As áreas mais expostas aos crimes estão mais próximas das estradas e o grande número de crimes em algumas delas fortalece reações para reduzi-las ou eliminá-las (Exemplo no Quadro 3). Esta situação é provocada pela predominância da impunidade: o Ibama concluiu menos de 5% dos casos avaliados neste estudo; e cerca de 70% dos casos amostrados ainda estavam em análise antes da homologação pelo gerente executivo/superintendente, e metade destes já duravam entre dois e oito anos nesta fase. Até outubro de 2008 estavam em andamento no Ibama 37,6 mil processos contra infrações ambientais em todo o Brasil somando R$ 9,5 bilhões em multas.
Identificamos várias limitações para a responsabilização dos infratores pelo Ibama, resumidas a seguir:
• Falta de coordenação nas atividades de proteção às Terras Indígenas. A atuação da Funai na proteção das TIs tem apenas o caráter de vigilância. Para fiscalizar, a Funai atua em conjunto com órgãos como o Ibama e a Polícia Federal. Porém, segundo o relatório do TCU (2008b), falta coordenação na ação destes órgãos. Uma das dificuldades identificadas no relatório foi a incompatibilidade de agenda dos órgãos, além da limitação de recursos, já que apenas a Funai detém ação orçamentária para vigilância das TIs.
• Falta de prioridade para concluir os processos em áreas protegidas. As áreas protegidas não estão entre os critérios utilizados pelos procuradores do Ibama para priorizar a ordem do andamento dos processos. No entanto, mesmo que os processos em áreas protegidas fossem priorizados, o Ibama encontraria dificuldades para identificá-los em sua totalidade. Primeiro porque nem todas as infrações ocorridas nessas áreas são identificáveis no sistema interno do Ibama (Sicafi) em virtude da codificação inadequada dos autos de infração realizada pelos fiscais no campo. Além disso, alguns funcionários do órgão não dominam o uso do Sicafi e desconhecem a possibilidade de busca de processos específicos de áreas protegidas.
• Escassez e subaproveitamento do tempo dos procuradores no Ibama. A emissão do parecer dos procuradores é a fase mais longa do julgamento dos autos de infração, o que pode ser atribuído ao número insuficiente de procuradores. Na Amazônia, o déficit de procuradores no Ibama é de 54%, já que existem apenas 22 de 48 procuradores necessários, segundo a Procuradoria Geral Federal. A escassez é agravada pelo subaproveitamento do trabalho dos procuradores. Na época do estudo, eles avaliavam todos os processos antes da homologação, mesmo aqueles que continham tese jurídica consolidada sobre os argumentos de defesa apresentados pelos acusados.
• Transparência insuficiente sobre responsabilização. A transparência sobre responsabilização ambiental melhorou com a divulgação da lista de áreas embargadas pelo Ibama e da lista dos 100 maiores desmatadores divulgada pelo MMA. Porém, os órgãos ambientais ainda descumprem a obrigação de publicar mensalmente na internet todas as sanções administrativas aplicadas conforme estabeleceu o Decreto nº. 5.523/2005[1].
O governo brasileiro e outros setores relacionados à proteção ambiental têm tomado uma série de medidas para contornar essas limitações (Seção 6), e algumas delas foram bem-sucedidas. O combate ao desmatamento focado nos 36 municípios com maiores taxas e a operação boi pirata, que apreendeu gado criado ilegalmente em UCs no Pará (Quadro 4), ajudaram a reduzir em 78% o desmatamento em áreas protegidas em 2008 em relação a 2007. Porém, a continuidade das medidas bem-sucedidas é incerta já que reações ao controle tem levado o governo a retroceder, como o acordo para regularizar a ocupação ilegal na Flona Bom Futuro em Rondônia (Quadro 3). Além disso, outras medidas ainda são incipientes e outras dependerão de atividades complementares.
Assim, para evitar que os investimentos em infraestrutura na região agravem as ameaças às áreas protegidas, será necessário acelerar, aperfeiçoar e ampliar as iniciativas promissoras contra crimes ambientais. Para isso, a seguir sugerimos e reforçamos medidas para facilitar a prevenção e punição das infrações ambientais nas áreas protegidas da Amazônia.
• Priorizar a prevenção. A fiscalização ambiental atual foca na responsabilização dos infratores, uma vez que os crimes já foram cometidos. Contudo, para combater o desmatamento e proteger a biodiversidade da Amazônia, é preciso atuar de forma preventiva. A prevenção eficaz demandará recursos para que os órgãos possam evitar a ocorrência de crimes, principalmente pela vigilância sistemática das áreas protegidas.
• Fazer cumprir a lei e não regularizar fatos ilegais. Para evitar ocupações ilegais em áreas protegidas é necessário combater a crença de que essas ocupações são passíveis de regularização. Isso implica em remover invasores já instalados nessas áreas, como ocorreu na Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, após decisão do Supremo Tribunal Federal em 2009. Para reduzir as reações contrárias a essas ações, recomendamos minimizar as perdas socioeconômicas para os mais pobres − os quais muitas vezes são atraídos para essas áreas para fortalecer politicamente os promotores das invasões (Ver Quadro 3). Por exemplo, os recursos oriundos da aplicação de penas (multas e venda de bens apreendidos) contra os maiores infratores poderiam ser utilizados para financiar tanto a recuperação ambiental nas áreas protegidas como a realocação dos mais pobres, que poderiam ajudar nas atividades de recuperação.
• Priorizar o processamento dos casos em áreas protegidas. A conclusão mais rápida desses casos desestimularia a prática de atividades ilegais nessas áreas diante da grande possibilidade de ter que pagar a multa (sofrer penalização). Além disso, a maior arrecadação de recursos resultante da conclusão dos processos pode contribuir para a estruturação dos órgãos ambientais. Para tanto, é necessário aperfeiçoar o processo de cadastramento das infrações nos sistemas de informação do Ibama a fim de viabilizar a identificação dos processos em áreas protegidas e incluí-los na lista de critérios para análise dos casos pelos procuradores.
• Reforçar medidas recentes de comando e controle. Várias medidas lançadas pelo governo no período de 2007-2008 foram determinantes para a redução das taxas de desmatamento em 2008, a exemplo da apreensão e leilão de gado na Terra do Meio, no centro-sul do estado do Pará. Essas medidas precisam ser mantidas e expandidas para outras áreas críticas que estão sob forte pressão humana.
• Aumentar a transparência sobre a responsabilização. A divulgação das informações sobre responsabilização facilitaria o monitoramento do cumprimento das sanções impostas nas autuações pelos vários interessados (TCU, Ministério Público) e alertaria a sociedade sobre as práticas ilícitas dos acusados – por exemplo, as empresas comprometidas em combater o crime ambiental poderiam evitar a compra de mercadorias oriundas de áreas/fornecedores ilegais. Acordos recentes do mercado contra a soja e carne oriundas de áreas ilegalmente desmatadas já demonstram a importância da divulgação dessas informações.
• Corresponsabilizar os financiadores e consumidores de produtos de origem ilegal. As ações do MPF e Ibama no Pará para coibir a comercialização de gado de origem ilegal tem o potencial de reduzir ou eliminar a demanda pelo gado criado ilegalmente em áreas protegidas. Desta forma, além de contribuir para recuperar áreas já ocupadas, poderia coibir novas ocupações irregulares. Por isso, é essencial ampliar esta abordagem para outros estados da região e que os varejistas mantenham os compromissos anunciados de evitar a compra de gado de origem ilegal.
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1 Essa obrigação é atualmente estabelecida no Decreto nº. 6.514/2008.
As áreas protegidas (Terras Indígenas – TI e Unidades de Conservação – UC) são um dos pilares da política do governo federal para combater o desmatamento ilegal na Amazônia nos anos recentes (PP-CDAM, 2004) a fim de proteger a biodiversidade e garantir os direitos de uso dos recursos naturais por populações da região – por exemplo, em TIs e Reservas Extrativistas – Resexs. Um sinal desse esforço é o fato de que 40% da área total protegida foi criada a partir de 2000. Assim, em 2008, 42% do território da Amazônia Legal estava coberto por áreas protegidas (Quadro 1 e Figura 1).
De fato, estudos mostram que as áreas protegidas têm contribuído para a conservação das florestas. Por exemplo, Arima et al. (2007) encontraram que as áreas protegidas criadas até 1997 tiveram uma incidência de focos de calor (um indicador de queimadas) 30% menor do que a verificada fora delas em 2001. Além disso, Adeney et al. (2009) demonstraram que as áreas protegidas sofreram menos queimadas entre 1996 e 2006.
Apesar dos indícios de sucesso das áreas protegidas contra o desmatamento, a preocupação com a integridade dessas áreas é crescente. Entre 2000 e 2008 2,25 milhões de hectares foram desmatados nessas áreas[2]. Além disso, inexistem análises sobre a eficácia das áreas protegidas contra a exploração ilegal de madeira. Porém, essa atividade tem sido frequentemente encontrada pela fiscalização ambiental e em denúncias de infrações em áreas protegidas (Ver exemplo em Carvalho, 2008). Além disso, as ameaças de desmatamento e exploração de madeira ilegais podem aumentar à medida que aumenta a acessibilidade da região à exploração econômica proporcionada pela criação ou melhoria de infraestrutura – por exemplo, asfaltamento de estradas. De fato, Adeney et al. (2009) mostraram que as queimadas em áreas protegidas próximas de estradas foram mais frequentes do que naquelas mais distantes.
O risco associado à infraestrutura é preocupante já que até 2010 o governo federal promete investir R$ 70 bilhões em transporte e energia na Amazônia por meio do Programa de Aceleração do Crescimento – PAC (PAC, 2008). Para evitar que esses investimentos facilitem a degradação ambiental em áreas protegidas, será essencial que os órgãos ambientais pouco equipados na região sejam altamente eficazes (TCU, 2008a). Entretanto, análises já revelaram a predominância da impunidade de crimes ambientais – por exemplo, menos de 5% do valor total das multas por crimes contra a flora foram arrecadados entre 2001 e 2005 (Brito & Barreto, 2006 – Ver análise sobre a baixa destinação de madeira apreendida em Barreto et al., 2008a).
Neste estudo avaliamos a eficácia da responsabilização administrativa de infrações ambientais em áreas protegidas a fim de aprender lições para assegurar a proteção dessas áreas no longo prazo. Começamos com uma análise do número e das características das infrações em áreas protegidas. Para identificar os processos contra infrações nessas áreas na Amazônia consultamos o Sistema de Cadastro, Arrecadação e Fiscalização – Sicafi do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – Ibama. Buscamos neste sistema os processos originados entre janeiro de 1998 e março de 2008 (data da coleta de dados) conforme detalhes no Anexo I. Encontramos apenas 1.286 processos, pois a codificação da localização das infrações é inadequada (Ver detalhes na seção 3). De qualquer forma, usamos essa amostra para avaliar as características das infrações.
Para avaliar o desempenho do Ibama na responsabilização dos infratores, analisamos a duração e os resultados dos processos com as 34 maiores multas por infrações ambientais em áreas protegidas do Pará – estado campeão de desmatamento na Amazônia nos anos recentes segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe, 2009). O valor dessas multas representou 87% do total dos casos em áreas protegidas no Pará, no Sicafi, no período estudado (Detalhes da coleta de dados no Anexo I). A análise desses casos, entrevistas e análise de literatura permitiram identificar as principais barreiras à eficácia da penalização desses infratores.
Em seguida, compilamos as iniciativas para aperfeiçoamento da penalização de infratores ambientais considerando as novas regras e operações iniciadas contra o desmatamento em 2008 pelo governo federal. Também revisamos a literatura sobre esse assunto e realizamos entrevistas. Finalmente, apresentamos recomendações para o aperfeiçoamento da prevenção e responsabilização por crimes ambientais contra áreas protegidas.
Ao longo do trabalho apresentamos fotos que representam parte da biodiversidade amazônica que as áreas protegidas visam proteger.
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2 Estimativa realizada pelo Laboratório de Geoprocessamento do Imazon cruzando o mapa de área desmatada do Prodes, do Inpe, com o mapa de áreas protegidas da Amazônia.
Quadro 1. Atividades permitidas nas áreas protegidas da Amazônia Legal.
Existem duas classes de UC quanto ao uso. Nas UCs de proteção integral a prioridade é a preservação, sendo permitidos principalmente usos indiretos. As unidades de uso sustentável são destinadas ao uso direto dos seus recursos e conservação da biodiversidade e dos demais atributos ecológicos (Lei n.º 9.985/2000).
Atividades agrícolas restritas e a criação de animais são permitidas em todas as unidades de uso sustentável (exceto em Reserva de Fauna – RF e Reserva Particular do Patrimônio Natural – RPPN) e nas áreas particulares em dois tipos de UC de proteção integral: Monumento Natural e Refúgio da Vida Silvestre. A extração de produtos não madeireiros e madeira é permitida apenas em cinco tipos de UC de uso sustentável: Área de Proteção Ambiental – APA, Área de Relevante Interesse Ecológico – ARIE, Reserva de Desenvolvimento Sustentável – RDS, Reserva Extrativista – Resex e Florestas Nacionais – Flona e Estaduais – Flota. O turismo, visitação e pesquisa são permitidos em todos os tipos de UC, exceto em Reserva Biológica – Rebio e Estação Ecológica – Esec onde o turismo é proibido (Palmieri et al., 2005). Todos os usos das UCs devem ser estabelecidos em planos de manejo.
As populações indígenas podem usar suas terras para sua subsistência com base em atividades tradicionais. Isto é assegurado pela posse permanente e o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos existentes em suas terras, embora elas constituam patrimônio da União. O aproveitamento dos recursos hídricos, potenciais energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em TI só podem ser realizados mediante autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas (art. 231 da Constituição Federal).
Figura 1. Mapa de classes de áreas protegidas na Amazônia Legal[3].
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3 Mapa preparado pelo Laboratório de Geoprocessamento do Imazon. Fonte do desmatamento: Programa Prodes, do Inpe (www.inpe.gov.br).
Vários setores do Ibama são envolvidos na apuração de infrações ambientais e na aplicação de penas conforme resumido na Figura 2. Os fiscais da Divisão de Controle e Fiscalização – Dicof emitem autos de infração logo após a apuração das mesmas, que contêm dados, como: descrição da infração, artigo da lei violado, valor da multa e datas da autuação e do vencimento da multa. No caso de apreensão de bens, embargo e/ou interdição de atividades, além do auto de infração, os fiscais emitem o Termo de Apreensão e Depósito – TAD, o qual apresenta a justificativa do embargo/interdição e/ou descrição das mercadorias apreendidas, local de depósito do bem apreendido e responsável pelo armazenamento (depositário).
O autuado tem 20 dias, contados da data da ciência ou da divulgação oficial da autuação, para manifestar defesa ou impugnação contra o auto de infração ou pagar a multa com desconto de 30% (art. 9º e art. 16 da Instrução Normativa – IN n.º 8 do Ibama, 2003). As defesas são anexadas ao processo e encaminhadas à Divisão Jurídica – Dijur do Ibama.
Os procuradores federais lotados no Ibama[5] avaliam os autos e preparam um parecer que deve ser apreciado pelo chefe da unidade local deste órgão (superintendente ou gerente executivo). Para a preparação dos pareceres, os procuradores podem solicitar dos fiscais informações adicionais (contradita) para avaliar a defesa do infrator (art. 14 da IN n.º 8 do Ibama, 2003). Além disso, eles podem solicitar perícias da Divisão Técnica do Ibama – Ditec (art. 13 da IN n.º 8 do Ibama, 2003).
Algumas defesas incluem pedidos que devem ser avaliados pela Comissão Interna – CI do Ibama, que é composta por representantes de suas áreas téc-nicas e jurídicas[6]. A CI analisa e manifesta-se sobre recomendação ou pedidos para: majoração ou minoração do valor da multa, adequação do valor da multa, parcelamento superior a 30 meses (limitado a sessenta meses), conversão do valor da multa em prestação de serviços e suspensão da exigibilidade da multa administrativa. Após esta avaliação, o auto de infração deve ser homologado pelo superintendente ou gerente executivo (art. 25 da IN n.º 8 do Ibama, 2003).
Figura 2. Etapas do processo de responsabilização de infratores ambientais utilizado pelo Ibama.
De posse do parecer jurídico, o superintendente ou gerente executivo do Ibama homologa os processos com autos corretos e livres de pendências e ordena a anulação e arquivamento daqueles sem comprovação da infração. A análise do processo também inclui a verificação dos prazos de prescrição[7].
Após a homologação dos autos, o Ibama inicia procedimentos para destinação dos bens apreendidos e arrecadação das multas. O infrator tem até 20 dias para pagar multas homologadas ou para apresentar recurso de defesa em todas as instâncias da esfera administrativa. Até julho de 2008, dependendo do valor da multa, o acusado poderia apresentar recursos de defesa em até quatro instâncias. A primeira instância corresponde à Superintendência do Ibama. Para multas superiores a R$ 50 mil, o autuado poderia recorrer à segunda instância (Presidência do Ibama) (art. 16 da IN n.º 8 do Ibama, 2003). Se esta defesa também fosse indeferida, o acusado com multa superior a R$ 100 mil poderia recorrer à terceira (Ministro do Meio Ambiente) e quarta instâncias (Conselho Nacional do Meio Ambiente – Conama) (art. 16 da IN n.º 8 do Ibama, 2003).
Esgotada a fase de cobrança administrativa sem que o débito tenha sido pago, o Setor de Arrecadação – SAR do Ibama registrará o devedor no Cadastro Informativo de Créditos não quitados do setor público federal – Cadin[8] (art. 37 da IN n.º 8 do Ibama, 2003). A inscrição no Cadin impede o infrator de obter incentivos fiscais e financeiros e crédito oriundo de recursos públicos e de celebrar convênios, acordos, ajustes ou contratos que envolvam desembolso de recursos públicos (art. 6º da Lei n.º 10.522/2002). Se após este procedimento a multa não for paga, o processo será encaminhado à Dijur para a inscrição do débito em Dívida Ativa. Após a inscrição na Dívida Ativa, a Dijur poderá iniciar a execução judicial, que pode levar à penhora dos bens do infrator e posterior leilão para garantir o pagamento do débito (art. 37, parágrafo único da IN n.º 8 do Ibama, 2003).
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4 O processo de apuração de infrações administrativas ambientais descrito neste trabalho considera o Decreto n.º 3.179/1999, o qual estava em vigor no período de realização da pesquisa. Atualmente, o Decreto nº. 6.514/2008 é a norma que dispõe sobre o processo administrativo federal para apuração de infrações ambientais.
5 São procuradores federais subordinados à Advocacia-Geral da União.
6 A Comissão Interna é composta por um representante titular e um suplente da Dicof, Ditec, SAR e da Dijur, que a coordena (art. 25, §1º da IN n.º 8 do Ibama, 2003).
7 Prescrição significa a perda do direito de processar e aplicar a penalidade em virtude do descumprimento dos prazos legais. Para evitar que a prescrição ocorra, os órgãos da Administração Pública devem respeitar os prazos para: lavratura de auto de infração, movimentação do processo e propositura da ação de execução fiscal.
8 A inclusão do nome do devedor no Cadin é feita 75 dias após a comunicação ao devedor da existência do débito passível de inscrição naquele Cadastro, fornecendo-se todas as informações pertinentes ao débito (art. 2º, §2º da Lei n.º10.522/2002).
Encontramos 1.286 autos de infração registrados no Sicafi com códigos referentes às áreas protegidas ou a suas zonas de amortecimento, emitidos entre janeiro de 1998 e março de 2008. Esses autos somaram em torno de R$ 21 milhões em multas. Porém, há evidências de que o Ibama tenha emitido um número bem maior de multas em áreas protegidas, considerando que muitos fiscais codificam tais multas com códigos diferentes daqueles específicos para estas áreas (Quadro 2). Assim, o total das infrações em áreas protegidas é desconhecido e os casos registrados permitem apenas uma análise amostral das características e distribuição do total de casos.
Os processos registrados no Sicafi foram concentrados nos estados de Rondônia e Pará, que, juntos, somaram 82% do valor das multas e 52% do total de casos com códigos referentes a áreas protegidas (Figura 3A). O desmatamento e/ou queimada foram as infrações mais frequentes em áreas protegidas registradas no Sicafi (261 ocorrências), seguidos pela exploração florestal (235 casos) (Figura 3B). A grande maioria (92%) destes casos ocorreu dentro das áreas protegidas enquanto que 8% ocorreram nas zonas de amortecimento (no caso de UCs). Da mesma forma, a maior parte (75% ou cerca de R$ 16 milhões) do valor total de multas foi aplicada dentro das áreas e a menor parte, nas zonas de amortecimento (25% ou cerca de 5 milhões de reais).
Setenta e seis por cento dos casos (921 processos) que tiveram a área da infração identificada ocorreram em unidades de proteção integral, apesar da restrição de uso. Nesta classe de UC só é possível realizar pesquisa científica e, em alguns casos, o turismo. O valor das multas aplicadas nessas unidades soma mais de R$ 13 milhões, o equivalente a 67% das multas. Essa tendência ocorreu na maioria dos estados da Amazônia (Figura 4), embora as UCs que compõem o grupo de uso sustentável sejam as que mais sofrem com o desmatamento na Amazônia legal (Nepstad et al., 2006; ImazonGeo – Ranking do desmatamento em UC, 2009).
Figura 3. Distribuição das ações do Ibama contra infrações ambientais nas áreas protegidas da Amazônia: (A) Valor de multas por Estado e (B) Processos por tipo de infração. Multas registradas no Sicafi entre janeiro de 1998 e março de 2008.
Figura 4. Distribuição das multas por tipo de área protegida por estado da Amazônia. Multas registradas no Sicafi entre janeiro de 1998 e março de 2008.
Quadro 2. Controle das infrações ambientais no Sicafi
Para facilitar o controle informatizado das infrações ambientais no Sicafi, os fiscais do Ibama utilizam uma tabela de codificação. Cada infração possui um código específico, que foi estabelecido a partir da tipificação da infração na legislação ambiental. Na esfera administrativa, as infrações ambientais são tipificadas conforme a Lei de Crimes Ambientais – LCA e o Decreto que a regulamenta.
Até julho de 2008, o Decreto n.º 3.179/1999 regulamentava a LCA. Este decreto apresentava apenas dois artigos que tratavam especificamente de infrações em UC (art. 27 – causar dano a UC e art. 36 – penetrar em UC conduzindo substâncias ou instrumentos para exploração dos seus recursos). Além disso, o Decreto não especificava infrações em TI. Para sanar esta lacuna, os fiscais do Ibama foram orientados a aplicar o art. 25 (trata da destruição ou danificação de floresta considerada de preservação permanente) em caso de danos em TI. Assim, apenas as infrações tipificadas nos artigos 36 e 27 teriam sua localização especificada em área protegida no Sicafi.
Porém, para evitar questionamentos sobre a fundamentação do auto e aplicar maior penalidade, os fiscais do Ibama priorizam um enquadramento legal mais específico das infrações em áreas protegidas. Por exemplo, o desmatamento no interior de uma UC geralmente leva o fiscal a aplicar o art. 37 do Decreto n.º 3.179/1999 (trata do desmatamento de floresta nativa) em vez do art. 27. Por outro lado, a aplicação do art. 37 ocasiona a codificação inadequada dos autos quanto à localização da infração em área protegida. Logo, o número de infrações em áreas protegidas que o Sicafi identifica é menor do que o número de processos existentes de fato. Por exemplo, segundo o Sicafi, no período estudado foram aplicados R$ 151 mil em multas ambientais no Parque Nacional Serra do Pardo, no Pará. No entanto, somente na Operação Monte Pardo, ocorrida em 2006, foram aplicados R$ 10 milhões em multas nessa área (ISA, 2006).
Com a edição do Decreto n.º 6.514/2008, que revogou o Decreto n.º 3.179/1999, as infrações em UC ganharam uma subseção específica e a tabela de codificações do Ibama foi reformulada. Contudo, danos graves como desmatamento e exploração florestal em UC continuam sem artigo específico, o que dificulta a identificação desse tipo de caso no Sicafi. Além disso, infrações em TI continuam sem codificação adequada para identificar os processos originados de danos ocorridos nessas áreas.
Oitenta por cento do valor total das multas em áreas protegidas registradas no Sicafi entre janeiro de 1998 e março de 2008 estavam concentrados em 15 UCs (Tabela 1). A gravidade das pressões nessas áreas é revelada em dois indicadores: (i) o grande número de autuações em algumas delas, como na Reserva Biológica Jaru (231) e no Parque Nacional Araguaia (90); e (ii) o fato de algumas estarem entre as UCs com as maiores taxas de desmatamento entre abril e dezembro de 2008, como as Flonas Jamanxim e Bom Futuro, conforme levantamentos do Imazon[9].
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9 Dados disponíveis nos relatórios Transparência Florestal: Souza Jr. et al., 2008a; Souza Jr. et al., 2008b; Souza Jr. et al., 2008c; Souza Jr. et al., 2008d; Souza Jr. et al., 2008e; Souza Jr. et al., 2008f; Souza Jr. et al., 2008g; Souza Jr. et al., 2008h
Tabela 1. Áreas protegidas que somam o maior valor de multas aplicadas na Amazônia. Multas registradas no Sicafi entre janeiro de 1998 e março de 2008.
Para avaliar o desempenho do Ibama na responsabilização de infratores e identificar as principais barreiras ao êxito da penalização, selecionamos os maiores casos de infrações ambientais em áreas protegidas no Pará. Os casos selecionados (34 de 179 identificados[10]) equivalem a 87% do valor total de multas em áreas protegidas no Pará registradas no Sicafi entre janeiro de 1998 e março de 2008[11].
4.1. Perfi l dos processos e dos acusados
Assim como para toda a Amazônia, o desmatamento, a queimada e a exploração madeireira foram as infrações ambientais mais frequentes nos maiores casos de multas nas áreas protegidas no Pará (Figura 5). A ocorrência dessas infrações foi maior no interior das unidades do que em suas zonas de amortecimento.
Nesses casos estavam envolvidos 29 acusados[12]: 23 pessoas físicas (envolvidas em 26 processos) e seis pessoas jurídicas (envolvidas em 8 processos). Os processos contra pessoas físicas somaram 56% do valor total de multas amostradas, enquanto que os casos envolvendo pessoas jurídicas somaram 44% desse valor. Esses últimos envolvem três prefeituras e três grandes empresas do ramo da mineração.
Identificamos casos de reincidência[13] em 12% dos processos amostrados. Esses casos somaram 3% (R$ 166 mil) do total das multas aplicadas. Três desses processos tratavam de reincidência genérica (cometimento de infração ambiental de natureza diversa) e um, de reincidência específica (cometimento de infração da mesma natureza)[14].
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10 Inicialmente selecionamos 35 casos de infrações ambientais no Pará, de uma lista de 179. No entanto, não obtivemos resposta do Ibama na busca de um dos processos selecionados, resultando na análise somente de 34. A infração que gerou este processo foi o desmatamento de 3.612,962 hectares de floresta nativa no Parque Nacional Serra do Pardo, que gerou multa de R$ 50 mil.
11 O anexo 2 contém detalhes sobre a distribuição das multas registradas no Sicafi por município e área protegida do Pará.
12 Cinco acusados estavam envolvidos em dois processos da lista dos casos selecionados, totalizando 34 processos.
13 A reincidência é caracterizada como a prática de nova infração ambiental no período de três anos, desde que a infração anterior tenha sido confirmada por meio de processo administrativo (IN n.º 8/2003).
14 A definição dos tipos de reincidência (genérica e específica) foi extraída do Decreto n.º 3.179/1999.
Figura 5. Frequência das infrações ambientais para os maiores casos de multas nas áreas protegidas do Pará. Processos registrados no Sicafi entre janeiro de 1998 e março de 2008.
4.2. Sanções iniciadas e propostas
A multa simples e o embargo foram as sanções preliminares mais frequentemente aplicadas pelo Ibama nos processos amostrados (Figura 6). Em 21% dos casos o Ibama apreendeu bens, principalmente tratores (5 casos) e caminhões (4), alémde motosserras (1), madeira (1) e alimentos (1). Em 43% desses casos o Ibama nomeou o acusado como fiel depositário (Figura 7) possivelmente por não ter recursos para transportar e armazenar bens que só poderiam ser destinados após a homologação dos autos.
Figura 6. Distribuição das sanções iniciadas pelo Ibama após a constatação da infração ambiental nos maiores casos de multas nas áreas protegidas do Pará (n=34). Casos registrados no Sicafi entre janeiro de 1998 e março de 2008.
Figura 7. Distribuição do tipo de fiel depositário de bens nos maiores casos de multas por infrações ambientais nas áreas protegidas do Pará (n=7). Casos registrados no Sicafi entre janeiro de 1998 e março de 2008.
4.3. Frequência, objetivos e argumentos de defesa
Os acusados apresentaram defesa em 74% dos processos avaliados, correspondendo a 92% do valor total das multas. O valor médio das 25 multas para os casos com defesa foi de R$ 190 mil, e o valor médio dos nove casos sem defesa foi R$ 47 mil. Entretanto, não encontramos diferença estatisticamente significativa entre os valores médios dos casos com e sem defesa, ou seja, é muito provável que esta diferença tenha ocorrido por acaso e não represente um padrão do total de casos[15].
As defesas pedindo isoladamente a anulação dos processos corresponderam a 63% dos casos de defesa e a 51% do valor total das multas destes casos. Além disso, considerando os pedidos simultâneos de anulação e adequação dos processos (Figura 8), o total de pedidos de anulação somou 56% do valor das multas e 88% dos casos de defesa. Os pedidos de anulação dos autos e adequação das penas em uma mesma defesa são contraditórios, mas refletem a estratégia dos advogados dos acusados de tentar obter em uma única defesa algum benefício para seus clientes (por exemplo, redução de multas) no caso de condenação.
Os pedidos isolados de adequação corresponderam a 13% dos casos e a 44% do valor das multas dos casos de defesa. Esses pedidos envolviam a solicitação da conversão da multa em serviços, melhoria e recuperação da qualidade do meio ambiente. Entretanto, as defesas não especificavam os tipos de serviço a serem prestados.
Os acusados usaram 13 tipos de argumento para solicitar a anulação dos autos nas defesas avaliadas. Os mais comuns foram a negação da autoria (27% dos casos) e a alegação de que o fiscal era incompetente para lavrar o auto (20%) (Figura 9A). Além disso, os acusados apresentaram nove tipos de argumento para solicitar ao mesmo tempo a anulação e adequação da multa. O argumento mais utilizado nesses casos (67%) foi de que o fiscal deveria ter aplicado uma advertência inicialmente, seguido pelos argumentos da negação da autoria, do fato de que o acusado não sabia que a área era UC e de que tinha autorização do Ibama para realizar a atividade (Figura 9B).
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15 O valor bem mais alto dos casos com defesa foi influenciado por dois casos com multas acima de R$ 1,5 milhão; sem eles o valor médio das multas com defesa seria de R$ 54 mil, ou seja, relativamente próximo dos casos sem defesa.
Figura 8. Distribuição do número de processos e do valor total dos casos por objetivo das defesas apresentadas pelos autuados (n=24).
Figura 9. Distribuição dos argumentos utilizados pelos acusados para requerer a anulação (A) ou a anulação e adequação (B) da sanção imposta pelo Ibama.
4.4. Situação e duração dos casos
Cerca de 70% dos casos amostrados estavam em análise antes da homologação pelo superintendente/gerente executivo, e metade destes já durava entre dois e oito anos nesta fase. Apenas 3% dos casos foram concluídos (Figura 10).
Os procuradores do Ibama julgaram procedentes todos os autos de infração avaliados (17 de 34), mas aceitaram a defesa contra o embargo de uma obra cujo autuado comprovou possuir autorização do Ibama. Os procuradores indeferiram as defesas usando os seguintes argumentos: (i) o fiscal era competente para lavrar o auto, baseados no art. 10 do Decreto n.º 70.235/1972[16] e art. 70, § 1° da LCA (9.605/1998)[17]; (ii) o autuado não apresentou provas que comprovassem seus argumentos, nos casos em que negava a autoria da infração, direito de defesa e a posse da área; (iii) o autuado extrapolou a autorização, quando este afirmava que tinha autorização do Ibama; e (iv) que a multa pode ser aplicada sem advertência anterior.
Figura 10. Distribuição da idade e da fase processual dos casos com maiores multas por infração em áreas protegidas do Pará (n=34). Casos registrados no Sicafi entre janeiro de 1998 e março de 2008.
Em um dos casos que envolveram o pedido de conversão da multa em serviço, a Comissão Interna do Ibama sugeriu que o infrator construísse a sede da Gerência Executiva – Gerex do órgão em Marabá, além de adquirir veículos e equipamentos. No entanto, a procuradoria geral do Ibama em Brasília, baseada no art. 20 da IN n.º 79/2005[18], do Ibama, rejeitou a proposta e sugeriu que o acordo determinasse a construção de dois centros de triagem para animais silvestres (um em Belém e outro em Marabá); decisão acatada pela Comissão Interna do órgão em Belém. A Justiça Federal no Pará, motivada pelo Ministério Público Federal – MPF deste estado, está acompanhando a conversão da multa em serviço em virtude da demora do acusado em assinar o Termo de Compromisso.
O Ibama doou os bens de apenas um de sete casos de apreensão nos processos amostrados. Os bens doados eram alimentos, os quais podem ser destinados logo após a apreensão, sem a necessidade de homologação dos autos. A doação dos bens restantes – que incluiu madeiras e equipamentos – só poderia ocorrer após a homologação dos autos, fase que tem sido demorada. A demora para a homologação e o fato de que em vários casos o Ibama deixa os bens apreendidos com o próprio acusado de infração na condição de fiel depositário pode levar à utilização indevida dos bens. Em três dos setes casos de apreensão em nossa amostra o Ibama nomeou os acusados como fiéis depositários e a homologação destes casos demorou entre 65 e 2.084 dias.
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16 “O auto de infração será lavrado por servidor competente no local da verificação da falta, e conterá obrigatoriamente…” (art. 10 do Decreto n.º 70.235).
17 “São autoridades competentes para lavrar auto de infração ambiental e instaurar processo administrativo os funcionários de órgãos ambientais integrantes do Sistema Nacional de Meio Ambiente – Sisnama, designados para as atividades de fiscalização, bem como os agentes das Capitanias dos Portos, do Ministério da Marinha” (art. 70, § 1° da Lei n.º 9.605/1998).
18 “Art. 20. A conversão do valor da multa em prestação de serviços de forma indireta dar-se-á mediante custeio pelo interessado de programas e de projetos ambientais, compatíveis com o valor da multa aplicada, observado o constante do parágrafo único do art. 21. Parágrafo único. O custeio de que trata este artigo terá por finalidade o fornecimento dos meios, instrumentos ou quaisquer recursos necessários à implementação dos programas e projetos ambientais aprovados”.
4.5. Duração das fases processuais
Para entender quais as etapas que mais contribuíram para a demora na conclusão dos casos, estudamos a duração das principais fases processuais (Tabela 2). A duração média e mediana de todas essas fases desrespeita o prazo estipulado pela LCA (9.605/1998) e pela IN n.º 8 /2003 do Ibama. De fato, o Ibama descumpriu o prazo legal para homologação de todos os casos homologados. A média destes casos – 907 dias – ficou muito acima do prazo máximo de 30 dias para homologação. A proporção de descumprimento dos prazos legais de outras fases dos processos também foi alta.
Tabela 2. Duração (em dias) das principais fases dos maiores casos de infração em áreas protegidas do Pará (n=34). Casos registrados no Sicafi entre janeiro de 1998 e março de 2008.
A baixa conclusão de casos identificada nesta análise foi similar à encontrada em outros estudos amostrais e gerais na região (Brito & Barreto, 2006; TCU, 2008a; Barreto et al., 2008a). Além disso, a falta de pagamento de multas tem sido um problema generalizado da responsabilização de infratores de normas federais: apenas 10% são arrecadadas conforme relatório do próprio governo (Cabral, 2009). Dentre os órgãos federais, o Ibama tem sido o campeão nacional de multas não arrecadadas, com R$ 11,8 bilhões ou 58% do total – equivalentes a 108.701 processos até outubro de 2008 (Cabral, 2009). Deste valor, R$ 9,5 bilhões ou 81% do valor total das multas emitidas pelo órgão estão na Amazônia, somando 37.616 processos segundo dados do Sicafi[25].
A impunidade favorece novas infrações e tentativas de consolidar atividades ilegais nas áreas protegidas, seja pela mudança da categoria da UC ou de projetos para reduzi-las ou extingui-las. O caso mais notório destes esforços atualmente é o que está ocorrendo na Floresta Nacional de Bom Futuro, em Rondônia (Quadro 3). Porém, existem pelo menos dez projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional propondo a redução ou eliminação de cerca de 10 milhões de hectares de UCs (Bourscheit, 2009).
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19 O valor da mediana é aquele no centro da distribuição dos dados. Assim, 50% dos dados para cada fase estão acima do valor nesta tabela.
20 Art. 5º da IN n.º 8/2003.
21 Art. 71, inciso I, da Lei n.º 9.605/98 e art. 9º da IN n.º 8/2003.
22 Art. 14 da IN n.º 8/2003.
23 Art. 15 da IN n.º 8/2003.
24 Art. 71, inciso II, da Lei n.º 9.605/1998 e art. 12 da IN n.º 8/2003.
25 Dados obtidos da Coordenadora de Comunicação da AGU (Gripp, Patrícia Menezes. Publicação eletrônica [mensagem pessoal]. Mensagem recebida por < marilia@imazon.org.br> em 2 abr. 2009).
Quadro 3. Ilegalidade, impunidade e a promessa de premiação aos crimes ambientais na Floresta Nacional de Bom Futuro, em Rondônia.
O histórico da Flona de Bom Futuro revela como o fracasso governamental e a astúcia de aproveitadores ameaçam a conservação da biodiversidade na Amazônia. A Flona de 271 mil hectares foi criada em 1988 com a pretensão de conciliar o asfaltamento de parte da BR-364 e conservação (GTA, 2008). Entretanto, 21 anos depois 32% da Flona haviam sido ilegalmente desmatados e havia 35 mil cabeças de gado e 3 mil moradores na área (MMA, 2009) (Figura 11).
Esta ocupação aumentou a partir do início desta década (GTA, 2009). O Ibama notificou os invasores, mas sua retirada foi dificultada por falta de recursos. Em reação à fiscalização, políticos e exploradores chegaram a fechar estradas e invasores armados atacaram as barreiras que impediam o acesso à Flona (GTA, 2008).
Para coibir a ilegalidade, os Ministérios Públicos Federal e Estadual propuseram, em agosto de 2004, uma Ação Civil que resultou numa liminar da Justiça Federal para a desocupação da área. Porém, esta ordem judicial não foi cumprida. Em vez disso, em maio de 2005, Incra, Ibama e o Governo de Rondônia assinaram um Termo de Ajustamento de Conduta – TAC para retirar grandes pecuaristas e madeireiros da área e reassentar ocupantes ilegais com perfil de clientes da reforma agrária. O TAC foi descumprido e os ilícitos continuaram.
Em 2009, o Ministério do Meio Ambiente – MMA anunciou que cumpriria as decisões judiciais antigas. Logo após, o governo de Rondônia suspendeu a licença ambiental da hidrelétrica de Jirau, uma obra do governo federal, justificando que o lago da hidrelétrica afetaria parte das UCs Estaduais (Brito, 2009). Em vez de propor medidas para mitigar ou compensar os danos da hidrelétrica nas UCs Estaduais, em 6 de maio o governador propôs ao presidente da República a troca da regularização das invasões na Flona pelas UCs estaduais. Assim, a troca consolidaria os danos na Flona e deixaria parte das UCs estaduais sujeitas ao dano da hidrelétrica. Para reforçar a pressão o governador prometeu manter a suspensão se a proposta de troca fosse rejeitada (Ribeiro, 2009) e declarou que haveria o maior “derramamento de sangue já visto na face da terra” se o MMA insistisse em retirar os invasores.
Depois disso, ocorreram vários atos contraditórios do governo federal. Em 11 de maio, o Ministro do Meio Ambiente afirmou (MMA, 2009) que a troca “não possui embasamento legal e não soluciona os problemas da degradação existentes na Flona”. Em 19 de maio o MMA anunciou uma grande operação de retirada do gado da Flona (MMA, 2009)[26], mas logo depois anunciou que mudaria sua categoria de proteção (Dietriech, 2009).
Em 2 de junho o Ministro do Meio Ambiente, o Governador do Estado e o Presidente do ICMBio assinaram um acordo para a divisão da Flona em três UCs (Decom, 2009). Aproximadamente 133 mil hectares seriam transformados em UC Federal de proteção integral. O restante seria transformado em uma Flota e uma APA estadual com cerca de 70 mil hectares cada. Ainda segundo o acordo, o governo estadual poderá regularizar as posses na APA “possibilitando, em caso de necessidade, desmatamentos eventuais” (Decom, 2009). Após a assinatura do acordo o governador teria declarado que “nenhuma cabeça de gado será retirada da Flona Bom Futuro” (Ver Brent & Monteiro, 2009). No dia 3 de junho o governo estadual cumpriu o que seria a parte não escrita do acordo: liberou a licença estadual referente à hidrelétrica (Ver Abreu, 2009).
Por sua vez, o Ibama continuou notificando os fazendeiros para retirarem o gado da Flona conforme a ordem judicial de 2004[27]. Alguns fazendeiros removeram o gado[28], mas houve reações. Em 3 de julho um veículo do Ibama foi incendiado dentro da Flona e os fiscais receberam uma carta de ameaça contra a fiscalização (Barbosa, 2009). Além disso, dez dias depois posseiros bloquearam por dois dias a estrada de acesso à hidrelétrica de Jirau demandando o fim da fiscalização na Flona e o cumprimento do acordo de regularização das ocupações (Diário da Amazônia, 2009).
O desdobramento deste caso pode ter repercussões amplas, pois pode influenciar outros casos. Se o governo federal cumprir o acordo, colaborará para consolidar um modelo de destruição de UCs. Além disso, desacreditará outros planos seus de compensar o licenciamento de infraestrutura com a criação de UCs, como o que tem sido proposto para o asfaltamento da BR-319. De fato, é ilustrativo que a chantagem para o licenciamento da hidrelétrica em 2009 possa contribuir para consolidar a destruição de uma das UCs criadas para amenizar os impactos do asfaltamento da BR-314 na década de 1980.
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26 Inicialmente, os maiores criadores seriam notificados e teriam 180 dias para retirar aproximadamente 25 mil das 35 mil reses da Flona. Segundo o MMA, 50 fazendeiros possuíam cerca de 50% do rebanho.
27 O coordenador da operação do Ibama, George Porto Ferreira, teria declarado (Ver Abreu, 2009) que a operação só pararia se houvesse outra decisão judicial contrária a retirada do gado e que o desmembramento da Flona e regularização das posses dependeria de uma decisão do Congresso Nacional.
28 Comunicação pessoal de funcionário do ICMBio para um dos autores (Marília Mesquita) em 22 de junho de 2009.
Figura 11. A cobertura vegetal na Flona Bom Futuro em 1988 e 2008[29].
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29 Figura preparada por Rodney Salomão do Laboratório de Geoprocessamento do Imazon a partir de imagens de satélite Landsat e desmatamento mapeado pelo Inpe (www.inpe.org.br).
Nesta seção discutimos as barreiras à punição efetiva dos infratores ambientais em áreas protegidas da Amazônia. Essas barreiras, descritas a seguir, foram identificadas por meio da análise dos nossos dados, entrevistas com funcionários do Ibama e procuradores federais lotados no Ibama e do MPF, e revisão de literatura.
5.1. Falta de coordenação nas atividades de proteção às Terras Indígenas
A Fundação Nacional do Índio – Funai, desde a sua criação há 40 anos, é responsável pela proteção das TIs, inclusive com poder de polícia. Porém, essa atribuição nunca foi regulamentada (TCU, 2008b). Na prática, a atuação da Funai na proteção das TIs tem apenas o caráter de vigilância, devendo atuar em conjunto com órgãos como o Ibama e a Polícia Federal para fiscalização. Segundo o Tribunal de Contas da União – TCU (2008b), esses órgãos não têm trabalhado de forma coordenada. Uma das dificuldades identificadas no relatório do TCU foi incompatibilidade de agenda, além da limitação de recursos, já que apenas a Funai detémação orçamentária para fiscalização das TIs, mesmo não tendo poder de polícia regulamentado para realizá-la. No Pará, por exemplo, a expulsão de madeireiros e garimpeiros da TI Kayapó tem sido adiada por falta de recursos disponíveis pelas instituições envolvidas na operação (TCU, 2008b).
5.2. Falta de prioridade para concluir os processos em áreas protegidas
As áreas protegidas são um dos parâmetros considerados pelo Ibama para determinação das áreas prioritárias para a fiscalização[30]. Entretanto, o instituto não prioriza o andamento dos processos de infrações ambientais nessas áreas[31]. Ademais, mesmo que esses processos fossem priorizados, seria trabalhoso identificá-los entre todos os outros. Isto porque não há um código específico para identificar infrações importantes como desmatamento e exploração de madeira nessas áreas. Sendo assim, infrações graves em áreas protegidas recebem um código genérico, o que impossibilita saber que o processo refere-se às mesmas (Quadro 2). Além disso, parte dos funcionários do Ibama possui conhecimento limitado do Sicafi. Eles desconhecem, por exemplo, a existência do recurso que busca processos em áreas protegidas; dado gerado a partir de um dos relatórios deste sistema. Os funcionários afirmam que o Ibama ofereceu uma semana de treinamento antes do término da construção do sistema. Dessa forma, alguns funcionários desconhecem as ferramentas finais disponíveis.
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30 Os dez parâmetros utilizados para definição das áreas prioritárias para fiscalização em 2008 foram: (i) desmatamento absoluto; (ii) tamanho médio dos polígonos; (iii) evolução do desmatamento (2005-2007); (iv) Unidades de Conservação; (v) Terras Indígenas; (vi) adensamento de estradas; (vii) pólos madeireiros/siderúrgicos; (viii) pólos frigoríficos; (ix) focos de calor; e (x) florestas remanescentes. Comunicação pessoal com Roberto Cabral Borges (Coordenador de Operações de Fiscalização), em setembro de 2008.
31 De fato, a procuradoria do Ibama no Pará informou que até 12 de setembro de 2008 faltavam critérios para determinar a prioridade de tramitação dos processos. Somente a partir desta data, a Ordem de Serviço Conjunta no Ibama/PA estabeleceu as prioridades: 1º – processos com risco de prescrição; 2º – processos com autos de infração lavrados há mais de dois anos e que estão sem parecer jurídico; 3º – processos que apresentam requerimento de desembargo; e 4º – processos com multas aplicadas superiores a R$ 10 mil. Assim, as áreas protegidas continuam sem prioridade para o andamento processual.
5.3. Escassez e subaproveitamento dos procuradores lotados no Ibama
O processamento dos autos de infração é prejudicado pela escassez de procuradores lotados no Ibama e pela má alocação do tempo destes profissionais. O déficit de procuradores no Ibama da região é de 54%, já que existem apenas 22 de 48 procuradores necessários segundo a portaria n.º 956/2008 da Procuradoria Geral Federal – PGF. No Pará, o déficit é de 33%, pois a procuradoria conta com apenas oito dos 12 procuradores necessários. Dos oito, sete são responsáveis pelos processos de Belém e Marabá, e apenas um é responsável pelos processos de Santarém e Altamira[32], regiões com muitos processos.
A escassez é agravada pelo subaproveitamento do tempo dos procuradores. Até maio de 2009, os procuradores deveriam avaliar todos os autos antes da ho-mologação (ver novas regras para julgamento na seção 6.3). Porém, segundo a Procuradora Chefe do Ibama, essa análise seria desnecessária para todos os casos, pois como já existe tese jurídica consolidada sobre a maioria dos argumentos de defesa apresentados, outros funcionários do Ibama poderiam exercer essa tarefa, deixando apenas os casos mais controversos para os procuradores[33]. Por exemplo, um argumento de defesa comum em nossa análise foi a necessidade de aplicar advertência antes de aplicar multa como sanção (Figura 9). Entretanto, a possibilidade de aplicar multa sem a necessidade de advertência anterior já é uma tese consolidada pelos procuradores do Ibama.
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32 Comunicação pessoal com a procuradoria do Ibama/Belém em outubro de 2008.
33 Vulcanis, A. Publicação eletrônica [mensagem pessoal]. Mensagem recebida por < marilia@imazon.org.br> em 17 de abril de 2009.
5.4. Transparência insuficiente sobre responsabilização
Estudos têm demonstrado que a transparência sobre riscos ambientais e sobre a situação de infratores pode ajudar a reduzir a ocorrência de novos crimes e a melhorar a gestão ambiental (Cohen & Santhakumar, 2007; Fernandes et al., 2008). A melhoria decorre de várias pressões, como por exemplo, de financiadores e consumidores que passam a evitar as empresas infratoras ambientais, seja por consciência ambiental ou para evitar riscos legais e de reputação.
O Ibama tem melhorado a transparência sobre crimes ambientais ao divulgar em seu endereço eletrônico a lista de áreas embargadas com a identificação dos respectivos acusados. Além disso, o MMA divulgou recentemente uma lista com os 100 maiores desmatadores da Amazônia. Entretanto, essas medidas estão aquém do que determina a legislação ambiental desde 2005 (Decreto nº. 5.523)[34]: a publicação mensal, na Internet, de todas as sanções administrativas aplicadas. Assim, o Ibama deveria divulgar todas as multas aplicadas e a situação dos processos.
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34 O Decreto n.º 5.523/2005 foi substituído pelo Decreto n.º 6.514/2008.
O quadro de impunidade de infratores ambientais descrito neste e em outros estudos tem levado a várias iniciativas para melhorar a proteção ambiental na Amazônia. A seguir resumimos essas iniciativas apontando os avanços e desafios a serem superados.
6.1. Criação de autarquia para proteção das UCs
Em agosto de 2007 o governo federal criou o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade – ICMBio para melhorar a proteção das UCs. O ICMBio é responsável pela proposição, implantação, gestão, proteção, fiscalização e monitoramento das UCs federais, (art. 1º da Lei n.º 11.516/2007). Entretanto, de acordo com um manifesto[35] escrito por gestores de UCs do Amazonas quase um ano após a criação do instituto, o ICMBio, na prática, inexistia até aquela data. Os gestores afirmaram que faltaram investimentos para a melhoria de infraestrutura e fiscalização das unidades, além da falta de apoio institucional. Em 2008, o ICMBio possuía apenas 1.635 servidores distribuídos nas UCs do Brasil, sendo que faltavam gestores em 82 UCs (29%) e fiscais em 173 delas, o equivalente a 57% das UCs do Brasil (ICM-Bio, 2008).
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35 Para informações sobre o conteúdo do manifesto, acessar: <http://www.oeco.com.br/images/docs/manifesto%20das%20ucs%20da%20amaznia.pdf>.
6.2. Medidas integradas contra crimes ambientais
No final de 2007 o desmatamento na Amazônia voltou a crescer acompanhando o aumento dos preços de mercadorias agrícolas, como gado e soja. Para conter este aumento o governo federal integrou várias medidas (Tabela 3). Por exemplo, o Ibama intensificou a fiscalização em 36 municípios com maiores taxas de desmatamento, a exemplo da Operação Arco de Fogo e Boi Pirata (Quadro 4). Além disso, o governo federal proibiu o crédito agrícola para imóveis rurais acima de 400 hectares com irregularidade ambiental e fundiária.
Há evidências de que algumas destas medidas surtiram efeito, mesmo em um contexto de aumento do preço do gado e da soja nesse período[36] (Barreto et al., 2009a). O desmatamento na Amazônia reduziu 3,3 mil quilômetros quadrados em 2008 em relação a 2007, uma queda de 60%. A queda foi ainda mais expressiva considerando somente as áreas protegidas: 78% em comparação a 2007. É relevante notar que a queda foi mais expressiva após o confisco de bois piratas e da restrição ao crédito.
Porém, algumas das medidas não foram plenamente implementadas (Tabela 3), como o recadastramento dos imóveis rurais (Lima, 2008) e o controle das áreas embargadas (Globo Amazônia, 2009). Além disso, essas políticas levaram a fortes reações empresariais e políticas, inclusive o reforço da pressão para a redução ou eliminação de UCs já criadas (Ver lista de projetos de lei com essa finalidade em Bourscheit, 2009 e final da seção 3.5 sobre a Flona Bom Futuro).
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36 Os dados de desmatamento foram obtidos a partir do Sistema de Alerta do Desmatamento – SAD do Imazon. O SAD estima mensalmente o desmatamento utilizando imagens MODIS. A validação do desmatamento registrado nas imagens MODIS é realizada utilizando imagens LANDSAT e CBERS. A capacidade de detecção do desmatamento pelo SAD é a partir de 12,5 hectares de área desmatada.
Tabela 3. Principais medidas integradas do governo federal contra crimes ambientais na Amazônia em 2008 e 2009.
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37 Portaria nº. 28/2008, do MMA.
38 Decreto nº. 6.321/2007 e IN n.º 1/2008, do MMA.
39 IN n.º 44/2008, do Incra.
40 Ver Barreto et al. (2008c) e Brito & Barreto (2009).
41 Resolução nº 3.545/2008, do Banco Central.
42 O responsável pelo crédito rural de uma agência do Banco da Amazônia no interior do Pará informou a um dos autores (Paulo Barreto), em maio de 2009, que continuava concedendo crédito para o custeio da pecuária sem exigências ambientais ou fundiárias. Segundo o funcionário, eles continuaram concedendo crédito para a retenção de cria – ou seja, o fazendeiro obtinha crédito para engordar os bezerros – considerando que o produtor já tinha o gado e não desmataria novas áreas.
Quadro 4. Operação “Boi Pirata” na Terra do Meio, no Pará[43].
Nos anos 1990 milhões de hectares foram explorados e ocupados ilegalmente na região de São Félix do Xingu, no Pará. Madeireiros abriram estradas para extração de mogno e outras espécies, e posteriormente fazendeiros se apropriaram de terras no entorno dessas estradas (Veríssimo et al., 1995). Após o crescimento do desmatamento nessa região, o governo iniciou nesta década operações de fiscalização e a criação de UCs, algumas delas sobrepostas às ocupações irregulares. Entre junho e agosto de 2008 o governo federal apreendeu e vendeu cerca de 3 mil reses criadas ilegalmente em uma fazenda na Esec da Terra do Meio como desfecho de uma ação iniciada mais de três anos antes. Este caso oferece lições para a proteção de outras áreas.
Segundo o Ibama, 2.060 hectares foram desmatados por volta de 2002 e 2003 e a ESEC da Terra do Meio foi criada em fevereiro de 2005. Em outubro de 2005 o Ibama embargou a área desmatada e multou o detentor da fazenda em R$ 3 milhões. Após ser informado do crime pelo Ibama, o MPF propôs uma ação de desocupação da área. Em novembro de 2006, a Justiça Federal em Altamira/PA ordenou a desocupação conforme solicitado pelo MPF. Porém, após recurso do fazendeiro, em fevereiro de 2007 a Justiça Federal concedeu mais 30 dias para a desocupação.
Somente em 4 de junho de 2008 a Justiça ordenou a desocupação imediata da área após novo pedido do fazendeiro para estender o prazo de permanência. Logo em seguida, a Justiça Federal, com apoio da Polícia Federal e Ibama, fez cumprir a desocupação da área e a apreensão do gado. Outros 15 mandados foram entregues determinando a desocupação de áreas embargadas pelo Ibama em UCs naquela região.
Em 16 de junho, o Ibama e Polícia Militar no Pará iniciaram a operação Boi Pirata com o objetivo de controlar o gado apreendido e iniciar a sua destinação. Em 28 de agosto de 2008, na quarta tentativa, o gado foi vendido em leilão por R$ 1,3 milhão. Segundo o Ministro do Meio Ambiente, a operação fez também com que outros fazendeiros retirassem 36 mil reses da Esec da Terra do Meio e outras 20 mil reses de outras UCs na mesma região.
Autoridades municipais e fazendeiros da região de São Félix afirmaram que a apreensão de gado foi crucial para a queda do desmatamento em 2008[44]. Além disso, reforçou outras medidas como a proibição, a partir de julho de 2008, do crédito para imóveis acima de 400 hectares sem título e sem licença ambiental. Naquele mês o desmatamento caiu 84% em São Félix do Xingu em relação a 2007 e continuou caindo ao longo do ano. Entre julho e dezembro de 2008 o desmatamento caiu 77% em relação ao mesmo período em 2008.
Essa ação, bem-sucedida ao final, revela percalços e lições para o combate aos crimes ambientais. Primeiro, a demora de mais de três anos para desocupação da área após o embargo indica as várias dificuldades para aplicação das penas, como vários recursos judiciais. As mudanças na regulamentação da LCA para facilitar a aplicação das penas na esfera administrativa pelos órgãos ambientais, como o leilão de bens apreendidos, poderia evitar esses atrasos. Segundo, a apreensão e leilão do gado demandaram uma ação concentrada no campo de várias instituições por cerca de dois meses, além da atuação dos procuradores lotados no Ibama contra os recursos judiciais de defesa. A necessidade desse esforço concentrado demonstra a importância de focar os recursos escassos em casos com grande potencial de impacto – ou seja, os maiores casos com alto poder demonstrativo da aplicação rápida das penas.
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43 As informações sobre as operações do Ibama foram obtidas das seguintes fontes: MMA, 2008; Ibama, 2008a; Ibama, 2008b; Ibama, 2009.
44 Depoimentos obtidos por Paulo Barreto em São Félix do Xingu em abril de 2009.
6.3. Novas regras e procedimentos para facilitar a apuração e aplicação de penas contra infrações ambientais
Várias instituições mudaram ou estão iniciando mudanças em normas e procedimentos visando aumentar a aplicação de penas contra infrações ambientais na Amazônia (Tabela 4). Algumas das inovações já resultaram em avanços, mas várias lacunas ainda persistem.
Provocados por uma Recomendação do Ministério Público Estadual – MPE do Pará, o Ibama e a Secretaria de Meio Ambiente – Sema firmaram em 2007 um acordo para facilitar a destinação de bens apreendidos, que geralmente eram mantidos com os acusados. Pelo acordo, o Ibama doa produtos apreendidos à Sema, que, por sua vez, deve destiná-los para doação e leilão[45]. Dos 17,4 mil metros cúbicos de madeiras e carvão submetidos a leilão até meados de junho de 2009, 82% foram arrematados e a Sema arrecadou R$ 13 milhões[46].
Em dezembro de 2008, o Presidente da República, por meio do Decreto nº. 6.514/2008, diminuiu as instâncias recursais para apreciação de defesas apresentadas pelos acusados[47] e simplificou os procedimentos para venda dos bens apreendidos pelos órgãos ambientais. Para fortalecer a proteção das UCs, o Decreto trouxe uma seção específica sobre penalidades contra infrações exclusivas nessas áreas além de dobrar o valor de multas contra outras infrações se cometidas nessas unidades (art. 93 do Decreto n.º 6.514/2008).
A AGU também iniciou em 2008 procedimentos para melhorar a arrecadação de multas emitidas pelo governo federal em todo o país. Essa decisão foi baseada no diagnóstico do imenso acúmulo de casos: 250 mil autos de infração que somam mais de R$ 20 bilhões, dos quais 58% são originários do Ibama (Cabral, 2009). Para melhorar a alocação do tempo de trabalho dos procuradores lotados no Ibama, a AGU transferiu as tarefas de cobrança judicial das multas emitidas pelo Ibama e da inscrição das multas ambientais em dívida ativa para outros procuradores federais, respectivamente em março de 2008 e março de 2009. Essas tarefas estão sendo executadas pelas Procuradorias Regionais Federais (situadas nas cidades sedes de Tribunal Regional Federal), Procuradorias Federais (situadas nas demais capitais), Procuradorias Seccionais Federais (em abril de 2009 existiam nove destas no interior da Amazônia) e Escritórios de Representação (também situados em cidades do interior). Dessa forma, os procuradores lotados no Ibama poderão se dedicar exclusivamente à análise dos processos administrativos (Freitas, 2009; Caravaca, 2009).
Além disso, desde março de 2009, o Ibama mudou as regras para apurar infrações ambientais[48]. Com a nova regra, os procuradores devem analisar apenas os casos juridicamente controversos e/ou cuja multa seja superior a R$ 1 milhão. Os casos com interpretação padronizada, inclusive as defesas baseadas nas alegações de desconhecimento da lei, de pobreza ou de incapacidade de pagar a multa, serão analisados por outros servidores designados pelos superintendentes nos estados. Além disso, os superintendentes nos estados só precisarão julgar autos de infração em 1ª instância cujo valor da multa seja superior a R$ 2 milhões; autos de infração com multas até R$ 2 milhões serão julgados, em 1ª instância, apenas pelos servidores nomeados. Essas mudanças têm o potencial de agilizar a cobrança de multas ambientais, pois, de acordo com a nossa pesquisa, a análise jurídica dos processos é a fase que mais contribui para a demora da conclusão dos casos. Por outro lado, essas mudanças só terão efeito se existir um número significativo de analistas ambientais aptos para realizar a análise e julgamento dos processos.
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45 Decreto Estadual n.º 533, de 22 de outubro de 2007.
46 Estimativa dos autores com dados disponibilizados pela Gerência de Licitação da Sema, do Pará.
47 O Decreto de julho de 2008 (n.º 6.514/2008) reduziu as instâncias de defesa de quatro para duas, mas o Decreto de dezembro de 2008 (n.º 6.686/2008) acrescentou mais uma fase. Em maio de 2009, a Lei 11.941/2009 revogou a competência do CONAMA para apreciar recurso. Assim, atualmente existem duas instância de defesa.
48 IN nº 14, do Ibama, de 15 de maio de 2009.
Tabela 4. Medidas para facilitar a apuração e aplicação de penas contra infrações ambientais na Amazônia em 2008 e 2009.
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49 Decreto nº. 6.514/2008.
50 Decreto nº. 6.514/2008.
51 Lei nº. 11.941/2009.
52 Portaria PGF n.º 262, de 26 de março de 2008.
53 No primeiro semestre de 2009 a força-tarefa analisará 3.739 processos referentes às maiores multas, das quais 32% são do Ibama/PA (Gripp, 2009).
54 Portaria PGF n.º 267, de 16 de março de 2009.
55 Com isso, a AGU planeja ter mais flexibilidade para realocar a força de trabalho internamente. Assim, se aumentarem os casos na área ambiental, a AGU poderá alocar temporariamente mais procuradores para estes casos. Além disso, em algumas sedes onde o Ibama não possui procuradores, os procuradores de outras autarquias passariam a estar disponíveis para seus processo, como Santarém e Marabá, no Pará (Freitas, 2009).
56 Art. 102 e 104 da IN n.º 14, do Ibama, de 15 de maio de 2009.
57 Inciso IV, art. 2º da IN n.º 14, do Ibama, de 15 de maio de 2009.
58 Inciso III, art. 3º da IN n.º 14, do Ibama, de 15 de maio de 2009.
6.4. Iniciativas do Ministério Público
A partir dos casos iniciados pelo Ibama por denúncias de terceiros e iniciativas próprias, o MPF e MPE têm iniciado ações para melhorar a responsabilização ambiental na Amazônia, inclusive contra crimes em áreas protegidas. Algumas têm sido bem-sucedidas, outras têm sido limitadas por decisões judiciais e por falta de implementação de decisões judiciais (Ver final da seção 4.5) e outras são inovações que merecem ser replicadas. A seguir resumimos alguns exemplos destes casos.
Uma das ações mais bem-sucedidas foi a que resultou na decisão judicial para a retirada do gado criado ilegalmente em UCs no Pará (Quadro 4). Além disso, outras iniciativas estimularam melhorias na destinação de bens aprendidos e a aplicação de recursos oriundos da venda destes bens ou de arrecadação de multas para fins de conservação. Por exemplo, em 2003 o MPF no Pará contribuiu para a criação de um fundo permanente financiado com a venda de mogno apreendido cujas receitas são aplicadas em projetos de desenvolvimento sustentável (Barreto et al., 2008a). Além disso, o MPF contribuiu em 2006 com a criação da Carteira Fauna Brasil em colaboração com o Ibama, ICMBio e o Fundo Brasileiro para a Biodiversidade – Funbio (Funbio, 2009). A carteira, que é gerenciada pelo Funbio e parceiros, recebe recursos de doações, multas administrativas ambientais e sanções penais que são destinados à conservação da fauna. A recomendação do MPE do Pará contribuiu para o acordo entre Sema e Ibama, que está facilitando a destinação de bens aprendidos neste estado.
Em 2008, o MPF propôs ação requerendo mais procuradores para o Ibama e ICMBio para facilitar a aplicação das penas contra crimes ambientais (PR/PA, 2008; Brasil, 2008a e Brasil, 2008b). Entretanto, a 1ª Vara Federal em Belém negou o pedido de liminar do MPF e o Tribunal Regional da 1ª Região também julgou o pedido improcedente (Avelino, 2009). A ação ainda será julgada no mérito pelo Juiz de 1º grau, mas é pouco provável que ela seja julgada procedente em virtude da fundamentação do juiz para negar o pedido de liminar[59].
Duas ações recentes do MPF no Pará revelam inovações importantes. A primeira foi a propositura de ações contra os casos de maiores multas por crimes ambientais, envolvendo 107 empresas e 202 pessoas que, até 2007, deviam R$ 2 bilhões em multas ao Ibama. Todos os procuradores do MPF em Belém assinaram a ação solicitando à Justiça que os acusados sejam obrigados a reflorestar a área desmatada (o equivalente a 364 quilômetros quadrados) (Amazônia, 2008). O foco nas maiores multas pode contribuir para aumentar a eficácia das ações por tratar de uma área extensa danificada por um número relativamente pequeno de infratores. Além disso, a eventual condenação de grandes infratores teria efeito demonstrativo amplo.
A segunda, proposta em junho de 2009, foi contra 21 fazendas que continuaram criando gado em áreas embargadas ou multadas pelo Ibama por desmatamento ilegal. Dentre elas, uma está dentro de TI. Simultaneamente, o MPF propôs ações contra frigoríficos que compraram gado dessas áreas e notificou outras 69 empresas compradoras de produtos dos frigoríficos envolvidos nas ações para que deixassem de comprá-los para evitarem ações de corresponsabilização pelos danos (PR/PA, 2009). Como resultado, ainda em junho, três grandes redes de varejo anunciaram que deixaram de comprar dos frigoríficos listados e prometeram solicitar uma “auditoria independente e de reconhecimento internacional que assegure que os produtos que comercializam não são procedentes de áreas de devastação da Amazônia” (Greenpeace, 2009). Além disso, em julho de 2009, o MPF e frigoríficos assinaram TACs que visam evitar a compra de produtos fornecidos por fazendas que cometem irregularidades socioambientais. Por exemplo, os frigoríficos comprometeram-se a não adquirir gado de áreas que estejam incluídas na lista de áreas embargadas e de trabalho escravo. Para monitorar o cumprimento do TAC, o MPF contratará, anualmente, auditoria independente. A auditoria será financiada pelo governo do Estado do Pará, que assinou Termo de Compromisso assegurando a destinação de até R$ 5 milhões anualmente para esta finalidade[60]. Em consequência deste caso, em julho de 2009 o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES anunciou novas diretrizes socioambientais para sua atuação no setor da pecuária bovina, incluindo a exigência de auditoria independente das operações financiadas (BNDES, 2009). É relevante notar que estas ações foram facilitadas pela possibilidade de corresponsabilização da cadeia de negócio regulamentada pelo Decreto nº. 6.321 do final de 2007 e pela publicação da lista dos embargos em 2008 (Ver seção 6.2).
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59 Para negar o pedido de liminar o Juiz de 1º grau se fundamentou na impossibilidade de controle judicial do ato administrativo; na ausência de efetividade na medida de redistribuir procuradores lotados junto ao Ibama/PA para o ICMBio; e na impossibilidade de criação pelo Poder Judiciário de cargos de Procurador Federal com atuação junto ao Instituto Chico Mendes. Ademais, deixou de manifestar-se em sua decisão a respeito do pedido nº. 6 da petição inicial, referente à lotação de dois novos procuradores nas vagas que se encontram abertas junto à Procuradoria do Ibama/Pa (Brasil, 2008a).
60 Ver TAC em: <http://www.prpa.mpf.gov.br/noticias/TAC_Coopermeat.pdf>. Acesso em: 31 jul. 2009.
6.5. Aumento da transparência para a responsabilização ambiental
Algumas instituições têm atuado para aumentar a transparência favorável à responsabilização ambiental. Um exemplo é a parceria entre o Imazon e o MPF e MPE dos estados do Pará e Roraima e o MPE do Amapá. A parceria consiste na detecção mensal do desmatamento nesses estados por meio de um sistema desenvolvido pelo Imazon (o SAD) e no envio dessa informação ao Ministério Público por meio de uma Representação[61], que possibilita a propositura de uma ação. Na prática, o Ministério Público passou a contar com um instrumento próprio de fiscalização, pois, antes, o controle do desmatamento era feito exclusivamente pelos órgãos ambientais (Abreu, 2007). Além disso, o Imazon lançou uma nova versão do portal ImazonGeo (http://www.imazongeo.org.br), que apresenta dados coletados diretamente do Ibama sobre a localização, caracterização e situação de casos de infrações ambientais em áreas protegidas da Amazônia.
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61 A Representação é o documento necessário para a propositura da ação pelo Ministério Público (art. 100, § 1º do Código Penal).
O aumento de infraestrutura na Amazônia aumentará a acessibilidade econômica às Áreas Protegidas, o que, por sua vez, pode aumentar o risco de exploração ilegal de recursos naturais e desmatamento. Nossa análise revelou que apesar de avanços, a maioria dos infratores ambientais permanece impune, o que favorece a continuidade das ameaças. Assim, para evitar que os investimentos em infraestrutura na região agravem as ameaças às áreas protegidas, será necessário aperfeiçoar e ampliar as iniciativas promissoras contra crimes ambientais. Por isso, a seguir sugerimos e reforçamos medidas para facilitar a prevenção e punição dos crimes ambientais nas áreas protegidas da Amazônia.
Priorizar a prevenção. O governo aumentou a fiscalização principalmente a partir da identificação de crimes já cometidos ou em andamento (por exemplo, a partir da detecção de desmatamento em imagens de satélite). Contudo, as medidas para melhorar a aplicação das penas tendem a demorar e a impunidade favorece a continuidade do crime. Assim, para assegurar a integridade das áreas protegidas é essencial privilegiar a prevenção, com ênfase na vigilância e sinalização daquelas sob maior risco. Isso inclui instalar vigilância fixa e móvel e sinalizar as áreas mais sujeitas aos crimes com mapa das áreas e aviso das restrições de uso. Além das áreas campeãs de crimes já autuados e registrados no Sicafi, é essencial vigiar as áreas com altos indicadores de impacto, como desmatamento e queimadas, disponíveis no ImazonGeo (http://www.imazongeo.org.br) e aquelas que passarão a ser mais acessíveis a partir da implantação da infraestrutura prevista no PAC. Os investimentos em prevenção devem ser aportados ao ICMBio e Funai, responsáveis pela vigilância das UCs e das TIs, respectivamente. No caso da Funai, além de mais recursos, é necessário regulamentar o seu poder de polícia para efetivar a fiscalização das TIs.
Fazer cumprir a lei e não regularizar fatos ilegais. Para evitar novas ocupações em áreas protegidas é necessário combater a crença de que as ocupações ilegais são passíveis de regularização. Isso implica em remover e punir invasores já instalados nestas áreas. A confirmação da demarcação contínua da TI Raposa Serra do Sol, em Roraima, pelo Supremo Tribunal Federal, e consequente retirada de ocupantes irregulares é o exemplo mais notório da aplicação desta abordagem. Para facilitar a replicação desta abordagem em outras áreas é importante tentar minimizar perdas socioeconômicas para os mais pobres − os quais muitas vezes são atraídos para ocupações, até como forma de fortalecer politicamente aqueles que incentivam as invasões (Ver Quadro 3). Cada situação demandará soluções particulares, mas algumas estratégias podem ser aplicáveis em vários casos. Por exemplo, seria recomendável começar a remoção e aplicação de penas contra os maiores ocupantes, os quais geralmente estão em menor número, mas são responsáveis pelos maiores danos. Os recursos oriundos da aplicação de penas (multas e venda de bens aprendidos) contra os maiores infratores poderiam ser então utilizados para financiar a realocação dos mais pobres, além de financiar a recuperação ambiental nas áreas protegidas. Parte da população pobre envolvida nas ocupações poderia ser empregada na recuperação.
Priorizar o processamento dos casos em áreas protegidas. Assim como a fiscalização prioriza as áreas protegidas, a responsabilização dos infratores deve também priorizá-las. Para isso, os casos nessas áreas devem ser propriamente codificados nos autos de infração para facilitar sua seleção no Sicafi. Além dos códigos já existentes, é preciso criar novos códigos para identificar todas as infrações em áreas protegidas. Além disso, seria necessário incluir as infrações em áreas protegidas na lista de critérios para priorizar a movimentação dos processos.
Reforçar medidas recentes de comando e controle. As novas medidas contra o desmatamento iniciadas no final de 2007 (Seção 6.2) surtiram efeito em 2008 mesmo com a alta dos preços agrícolas (Barreto et al., 2009a). Assim, será essencial expandi-las e aperfeiçoá-las. Por exemplo, operações enfocadas em áreas críticas, como a apreensão e leilão de gado na Terra do Meio, deveriam ser repetidas em outras áreas críticas, tais como as identificadas neste trabalho (Tabela 1) e aquelas com maiores focos de queimadas e desmatamento identificadas no portal ImazonGeo (http://www.imazongeo.org.br).
Ademais, a aplicação das penas deveria ser concentrada inicialmente nos maiores casos para aumentar a efetividade do custo de processá-los. O potencial de sucesso dessa estratégia é enorme. Por exemplo, cerca de 20% das infrações em áreas protegidas coletadas no sistema do Ibama, no Pará, respondiam por quase 90% do valor das multas aplicadas nesses casos. Assim, a penalização de um número relativamente pequeno de grandes casos (20%) trataria da maior parte dos danos já que o valor total das multas reflete a extensão dos danos.
Aumentar a transparência sobre a responsabilização. Os órgãos ambientais não têm divulgado todas as sanções administrativas aplicadas como prevê desde 2005 o Decreto nº. 5.523 (substituído pelo Decreto nº. 6.514/2008). A divulgação dessas informações é necessária para facilitar que vários interessados (TCU, Ministério Público) monitorem a efetividade da fiscalização (Barreto et al., 2008a), além de facilitar a aplicação de restrições do mercado (consumidores, financiadores) contra os infratores (Ver caso da soja em Greenpeace, 2008 e, da carne, em Barreto et al., 2008b). Por exemplo, um dos frigoríficos acusados de comprar carne de origem ilegal no Pará afirmou que deixou de comprar de 141 imóveis que constavam na lista de áreas embargadas pelo Ibama (Bertin S.A., 2009). Entretanto, essa restrição poderia ter sido aplicada a um número muito maior de infratores multados e condenados por desmatamento ilegal, mas cujos nomes não são disponibilizados na Internet pelo Ibama. Além de disponibilizar informações sobre todas as sanções, é preciso apresentar informações mais completas que facilitem a identificação precisa dos infratores, como os mapas georeferenciados de todas as áreas embargadas, o nome do proprietário ou detentor da área e a matrícula dos imóveis rurais.
Corresponsabilizar os financiadores e consumidores de produtos de origem ilegal. As ações e recomendações do MPF e Ibama no Pará para coibir a comercialização de gado de origem ilegal demonstram o potencial da combinação de dois novos instrumentos contra o crime ambiental: o embargo econômico de áreas desmatadas ilegalmente e a regulamentação da corresponsabilização dos financiadores e compradores de produtos destas áreas (Seção 6.4). A rápida resposta dos varejistas a essas ações ao deixar de comprar dos frigoríficos estimularam a assinatura de TACs inéditos para tentar regularizar o principal setor responsável pelo desmatamento na Amazônia. Assim, a ampliação deste tipo de iniciativa em outros estados da região e a manutenção dos compromissos dos varejistas e do BNDES de exigirem auditorias e rastreamento dos negócios da pecuária são fatores críticos para o combate aos crimes em áreas protegidas.
O número e características de infrações em áreas protegidas na Amazônia. A busca dos processos contra infrações em áreas protegidas foi realizada a partir do módulo fiscalização do Sistema de Cadastro, Arrecadação e Fiscalização (Sicafi) do Ibama. Para cada estado da Amazônia buscamos processos com as seguintes características:
• Período de 01/01/1998 até a data da coleta (27/03/08);
• Autos de infração não cancelados, que incluem processos ativos e arquivados (processos já concluídos). Os autos cancelados incluem aqueles que contiveram erros insanáveis no escritório e que não foram continuados;
• Autos de infração não-consolidados, ou seja, a lista detalhada dos processos e não apenas dados gerais sobre a quantidade e tipos de processos;
• Todos os tipos de auto; e
• Tipo de infração na categoria Ecossistema, que reúne processos originados por infrações em Áreas Protegidas.
O sistema identificou 1.286 processos com essas características, dos quais 179 no Pará. Os dados disponíveis no sistema incluíram:
• Estado onde ocorreu a infração;
• Números do processo e do auto de infração;
• Datas da lavratura do auto de infração e do vencimento da multa;
• Valor da multa quando existente. Obs: consideramos também a sanção de advertência cujo valor da multa era zero no sistema;
• Descrição do auto de infração;
• Descrição da infração (corresponde à descrição do código da multa[62] atribuído à determinada infração de acordo com a Tabela de Codificação de Multas do Ibama); e
• Coordenadas geográficas. Obs: informação inexistente em vários processos.
Processos contra as maiores multas por infrações em áreas protegidas no Pará. Coletamos dados sobre os processos do Ibama contra as 34 maiores multas em áreas protegidas no Pará nas suas três Gerex (Belém, Marabá e Santarém), além de processos em Brasília e Cuiabá/MT referentes a este estado.
Utilizamos um formulário padrão para a coleta de dados dos processos, incluindo o termo de apreensão/depósito/embargo/interdição, termo de inspeção, memória de cálculo da multa, sanções aplicadas ou propostas (embargos, multas), perfil do infrator (pessoa física ou jurídica), características da infração, argumentos de defesa, decisão administrativa e datas de início e fim das fases processuais. Com base nessas datas, estimamos a duração destas fases considerando o tempo corrido total (sem descontar feriados e fins de semana).
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62 O código corresponde à descrição básica da infração, com a legislação tipificada e o valor da multa.
63 Algumas infrações ocorreram na zona de amortecimento das áreas protegidas. Assim, o município de localização dessas infrações pode não corresponder aos municípios abrangidos pela área protegida.
This post was published on 4 de março de 2013
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