Amintas Brandão Jr.* & Carlos Souza Jr.
Na Amazônia, 1.354 assentamentos rurais foram criados até 2002, ocupando mais de 231 mil quilômetros quadrados. Esses assentamentos são fundamentais para a distribuição de terras e já beneficiaram cerca de 231.815 famílias. Entretanto, as atividades desenvolvidas pelas famílias, tal como agricultura e exploração madeireira, têm grande potencial para gerar desmatamento e degradação florestal na região. Neste O Estado da Amazônia, avaliamos a situação do desmatamento nos assentamentos de reforma agrária na Amazônia Legal. Para isso, combinamos dados de desmatamento com o mapa de assentamentos criados entre 1970 e 2002 pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Cerca de 106 mil quilômetros quadrados (49% da área dos assentamentos mapeados) foram desmatados até 2004, representando 15% do desmatamento da Amazônia. Além disso, entre 1997 e 2004, a taxa de desmatamento nos assentamentos foi de 1,8% ao ano. Três medidas podem compatibilizar a demanda social por reforma agrária com a urgência de reduzir o desmatamento e recuperar o passivo ambiental nos assentamentos. Primeiro, criar assentamentos em áreas desmatadas/degradadas. Segundo, recuperar áreas desmatadas nos assentamentos, especialmente aquelas situadas nas áreas de Reserva Legal (RL) e Áreas de Preservação Permanente (APPs). Por fim, incluir os assentamentos no programa governamental de monitoramento do desmatamento da Amazônia.
Os projetos de colonização e integração nacional, iniciados na década de 70, criaram os alicerces para a implantação dos assentamentos na Amazônia. A maior parte das famílias que migraram para a região foi motivada pela oferta de terras e crédito subsidiado[1]. Essas famílias foram distribuídas em sua maioria em assentamentos do Incra, concentrados ao longo da rodovia Transamazônica, no Estado do Pará, e no entorno da BR–364 em Rondônia[2]. Os assentamentos têm grande importância na distribuição de terras e já beneficiaram mais de 850 mil famílias em todo Brasil[3]. Por outro lado, as atividades desenvolvidas nos assentamentos estão ligadas à agricultura e à exploração madeireira[4], as quais têm alto potencial para gerar desmatamento e degradação florestal na Amazônia[5],[6]. Portanto, o desafio da política de assentamentos é assegurar o acesso à terra para os pequenos agricultores e ao mesmo tempo conservar os recursos florestais da Amazônia.
Os 1.354 assentamentos criados na Amazônia entre 1970 e 2002, cuja área soma 230.858 quilômetros quadrados, estão concentrados ao longo das principais rodovias e do Arco do Desmatamento (Figura 1)[7]. O Estado do Pará detém a maior área de assentamentos (32%), seguido por Rondônia (17%) e Mato Grosso (15%). O restante da área de assentamentos (36%) está distribuído nos outros Estados da Amazônia Legal. A grande maioria dos assentamentos (88%) foi estabelecida a partir de 1995, enquanto os assentamentos mais antigos (12%) foram criados no período de 1970 a 1994. Até 2002, 231.815 famílias foram assentadas – com média de 171 famílias por assentamento.
Aproximadamente 1.123 assentamentos foram mapeados pelo Programa de Monitoramento da Floresta Amazônica (Prodes) em 2004[8]. Da área total desses assentamentos (217.801 quilômetros quadrados), cerca de 106.580 quilômetros quadrados (49%)[9] estavam desmatados até 2004. A grande maioria do desflorestamento (81%) concentra-se nos assentamentos situados nos Estados do Pará, Rondônia e Mato Grosso, especialmente ao longo do Arco do Desmatamento (Figura 2). Por outro lado, os assentamentos menos desmatados localizam-se no Amapá, Roraima e Acre. A perda de floresta nos assentamentos representou 15% do desmatamento total da Amazônia até 2004 (aproximadamente 696 mil quilômetros quadrados).
Para responder esta pergunta, analisamos 343 assentamentos (31% do número de assentamentos estudados) estabelecidos no período de 1997 a 2002[10]. A área desses assentamentos atingiu 36.383 quilômetros quadrados (17% da área total dos assentamentos mapeados). Desse total, aproximadamente 20% da área estava desmatada até a criação dos assentamentos, enquanto 80% eram florestas nativas (Tabela 1). Entre a criação dos assentamentos e 2004 foram desmatados 4.652 quilômetros quadrados, o que correspondeu a 13% da área dos assentamentos e 16% das florestas nativas no ano de criação. A taxa de desmatamento nos assentamentos (1,8% ao ano) foi quatro vezes maior se comparada à taxa média de desmatamento na Amazônia[11]. Um dos motivos desse rápido avanço do desmatamento pode ser o acesso de pequenos produtores aos recursos disponíveis pela reforma agrária (posse da terra e crédito subsidiado)[12].
Legalidade do Desmatamento nos Assentamentos
Detectamos que 43% dos assentamentos mapeados (n= 485) apresentaram mais de 75% de sua área desmatada. Nesses casos, houve desmatamento irregular em áreas de RL e provavelmente também nas APPs[13]. Contudo, para estimar com precisão a irregularidade do desmatamento nos assentamentos seria necessário ter os mapas dos limites das áreas de RL nos assentamentos. E esse tipo de dado não existe. No caso das APPs, o desmatamento ilegal pode ser estimado com imagens de satélite[14], combinado-se os limites dessas áreas, extraídos a partir dos corpos hídricos (rios, córregos etc.) dos assentamentos, com os dados de desmatamento do Prodes. Isso já está sendo feito em propriedades maiores que 10 quilômetros quadrados no Mato Grosso[15].
Várias ações governamentais procuram reduzir os impactos ambientais dos assentamentos:
1. Criação dos Projetos de Desenvolvimento Sustentável (PDS) em 1999[16]. Esta modalidade de assentamento destina-se às populações que baseiam sua subsistência no extrativismo, na agricultura familiar e em outras atividades de baixo impacto ambiental. Até 2004, oito PDS haviam sido criados na Amazônia, somando 2.871 quilômetros quadrados[17].
2. Estabelecimento das diretrizes para o licenciamento ambiental de projetos de assentamento de reforma agrária, resolução Conama nº. 289/2001[18]. As principais diretrizes são a proibição de assentamentos em áreas de florestas e a exigência das licenças ambientais para os novos assentamentos (Prévia, Instalação e Operação), além da licença de operação para os assentamentos criados antes de 2001. Neste último caso, foi necessária a assinatura do Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta (TAC) em 2003[19]. Porém, o relatório do Ministério do Meio Ambiente sobre a aplicação do Conama 289/2001 aponta que, em todo o Brasil, somente 718 assentamentos encontravam-se em processo de licenciamento entre 2003 e 2005, indicando um baixo cumprimento do TAC[20].
3. Criação dos Projetos de Assentamentos Florestais (PAF) em 2003[21]. Ainda em fase de implantação na Amazônia, esta modalidade de assentamento enfatiza o manejo florestal múltiplo e os sistemas agroflorestais. Porém, até abril de 2006, apenas dois PAFs (426 quilômetros quadrados) haviam sido criados (em 2003) no Estado do Acre[22].
4. Criação de instrumentos legais para recuperação de áreas degradadas[23]. Desde 1965, a legislação brasileira apresenta diretrizes para a recuperação de áreas de RL e APPs. Além disso, instrumentos financeiros como o Pronaf Florestal podem contribuir para a recuperação das áreas degradadas dos assentamentos[24].
Para avaliar a eficácia dessas ações na redução dos impactos ambientais e na recuperação de áreas degradadas em assentamentos, é essencial integrar em um banco de dados informações espaciais sobre os assentamentos e os planos de uso e recuperação dessas áreas. Entretanto, não foi possível fazer essa avaliação neste estudo. Embora tenha havido um avanço significativo na geração e na disponibilidade de dados sobre o desmatamento nos assentamentos, ainda falta divulgar informações sobre os limites das áreas de RL e APPs, bem como publicar os dados sobre licenciamento ambiental dos assentamentos.
Sugerimos três medidas para melhorar a gestão ambiental dos assentamentos de reforma agrária na Amazônia.
Criar novos assentamentos para fins agrícolas em áreas já desmatadas. Os programas de reforma agrária devem priorizar a criação de assentamentos para fins agropecuários em regiões desmatadas e degradadas. Dessa forma, os novos assentamentos não contribuiriam para o avanço do desmatamento na Amazônia. Dispositivos legais foram criados para essa finalidade[25].
Recuperar áreas degradadas, áreas de RL e APPs. Essa medida pode ser realizada por meio do Pronaf Florestal, um programa de crédito subsidiado, destinado ao público de reforma agrária. O Pronaf Florestal prioriza as atividades de manejo múltiplo, reflorestamento e sistemas agroflorestais. No entanto, apenas 21% do total disponível entre 2003 e 2005 (US$ 24 milhões) foi contratado[26], o que indica subutilização dos recursos do programa.
Incluir o monitoramento dos assentamentos no programa governamental de monitoramento da Amazônia. Isso permitirá acompanhar a aplicação das leis ambientais nos assentamentos, os planos de recuperação de áreas degradadas e o cumprimento dos TACs. Os dados de desmatamento são gerados e divulgados anualmente pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), sendo necessário apenas sobrepor esses mapas com os dados espaciais dos assentamentos a serem fornecidos pelo Incra.
* Autor correspondente: brandaojr@imazon.org.br
1 Loureiro, V.R. & Aragão Pinto, J.N. 2005. A questão fundiária na Amazônia. Estudos Avançados 9 (1): 81-88.
2 Kohlhepp, G. 2002. Conflitos de interesse no ordenamento territorial da Amazônia brasileira. Estudos Avançados 16 (45): 37-61.
3 Incra, Nead e Secretaria do Banco da Terra. A maior reforma agrária do mundo contemporâneo. Disponível em: http://www.psdb.org.br/biblioteca/era_do_real/07.pdf.
4 Albuquerque, F. J. B. de; Coelho, J. A. de M. & Vasconcelos, T. C. 2004. As políticas públicas e os projetos de assentamento. Estudos de Psicologia 9 (1): 81-88.
5 Laurance, W. F. 2000. Mega-development trends in the Amazon: Implications for global change. Environmental Monitoring and Assessment 61: 113-122.
6 Walker, R; Moran, E. & Anselin, L. 2000. Deforestation and cattle ranching in the Brazilian Amazon: External capital and household processes. World Development 28 (4): 683-699.
7 O mapa de 1.354 assentamentos criados pelo Incra entre 1970 e 2002 foi originado pelo Sistema de Informações de Projetos de Reforma Agrária (Sipra) e disponibilizado pelo SDTT – Divisão de Ordenamento Territorial/ Brasília.
8 O Prodes monitora o desmatamento do bioma Amazônia brasileiro a partir de imagens de satélite. Áreas de não-floresta localizadas principalmente no sul/sudeste dos Estados de Tocantins e Mato Grosso não são mapeadas. Assentamentos com mais de 50% de sua área coberta por floresta foram mapeados, totalizando 1.123 assentamentos (área de 217.801 quilômetros quadrados). Até 2004, cerca de 105.613 quilômetros quadrados foram desmatados nesses assentamentos. Os 231 assentamentos (área de13.057 quilômetros quadrados) com menos de 50% de sua área composta por vegetação florestal e/ou localizados fora da área mapeada pelo Prodes não foram mapeados. Contudo, nos assentamentos não mapeados localizados no limite entre floresta e não-floresta foram desmatados 967 quilômetros quadrados até 2004, totalizando 106.580 quilômetros quadrados desmatados nos assentamentos.
9 O percentual desmatado foi calculado em relação à área dos assentamentos mapeados.
10 Devido à inexistência de mapas de desmatamento anteriores a 1997 e à variação anual da área mapeada pelo Prodes, estimamos a taxa de desmatamento para 343 assentamentos criados em 1997, 2000, 2001 e 2002, equivalente a 31% dos assentamentos mapeados.
11 A taxa anual de desmatamento da Amazônia entre 1997-2004 foi de 0,42 %.
12 Wood, C.; Walker, R. & Toni, F. 2003. Os efeitos da posse da terra sobre o uso do solo e investimentos entre pequenos agricultores na Amazônia brasileira. In: J.F. Tourrand & J.B. Veiga (Eds.). Viabilidade de sistemas agropecuários na agricultura familiar da Amazônia. Belém: Embrapa Amazônia Oriental. pp. 427-436.
13 A Lei Federal 4.771 de 65 e a Medida Provisória 2.166-67 de 2001 proíbem a remoção da floresta nativa nas áreas de RL e APPs, com exceção dos desmatamentos autorizados pelo órgão ambiental competente.
14 Firestone, L.A. & Souza Jr., C. 2002. The role of remote sensing and GIS in enforcement of areas of permanent preservation in the Brazilian Amazon. Geocarto 17 (2): 51-56.
15 MMA. 2005. Sistema de Licenciamento Ambiental em propriedades rurais do Estado de Mato Grosso: Análise de lições na sua implementação. Disponível em: http://www.icv.org.br/publique/media/slapr_final.pdf
16 Incra. 1999. Portaria 477/1999. Disponível em: http://www.incra.gov.br/_htm/serveinf/_htm/legislacao/port/477.htm
17 Conselho Nacional dos Seringueiros. 2006. Disponível em: http://www.mda.gov.br/ciradr/index.php?sccid=773
18 Conama 289 de 2001. Disponível em: http://www.cetesb.sp.gov.br/licenciamentoo/legislacao/federal/resolucoes/2001_Res_CONAMA_289.pdf
19 Em outubro de 2003, um Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta (TAC) foi firmado entre o Ministério Público Federal (MPF), Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), Ministério do Meio Ambiente (MMA), Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama). Disponível em: http://www.mma.gov.br/port/conama/processos/EFFC0E7F/TACLicAmbProjAssentRefAgr.pdf
20 MMA. 2005. Relatório sobre aplicação da resolução Conama 289/2001. Disponível em: http://www.mma.gov.br/port/conama/processos/EFFC0E7F/RelatorioSQA289dez051.pdf
21 Incra. 2003. Plano Nacional de Reforma Agrária, Projeto de Assentamento Florestal. Disponível em: http://www.incra.gov.br/Consulta%20Publica.pdf
22 Incra. 2004. Notícias 2004. Disponível em: http://www.incra.gov.br/noticias/news/Ano/2004/mes/mar%E7o/semana4/25_Termina_sexta_feira_prazo_para_consulta_p%FAblica.htm.
23 O Código Florestal Brasileiro de 1965 (Lei 4.771), a Lei nº 9.649 de 1998, a Medida Provisória 2.116-67 de 2001 e a Portaria Conjunta do Incra n.º 155 de 2002 apresentam diretrizes para o reflorestamento e recuperação de áreas de RL e APPs degradadas.
24 Pronaf – Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar. Disponível em: http://www.pronaf.gov.br
25 A Portaria nº. 88/1999 do Ministério de Estado Extraordinário de Política Fundiária e a Medida Provisória nº. 2.166/2001 proíbem a implantação de projetos de assentamentos em áreas com cobertura florestal primária, ou secundária em estágio de regeneração avançada, ressalvados projetos de assentamentos agroextrativistas.
26 Veríssimo, A. 2006. Estratégia e Mecanismos Financeiros para Florestas Nativas do Brasil. Documento Técnico, FAO. Brasília: Ministério do Meio Ambiente. 40 p.
This post was published on 1 de fevereiro de 2013
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