A primeira versão deste livro, de 1998, já mostrava qualidade incomum: a de juntar a contribuição científica original sobre as frutas da floresta amazônica do Estado do Pará e a sensibilidade para detectar a interação profunda entre vida, saberes da mata e cultura popular. Com linguagem ao mesmo tempo acessível, gostosa e prática esse livro tornou-se veículo de divulgação de informações fundamentais para o futuro da Amazônia. Além disso, representa a concretização do sonho de um modelo de desenvolvimento econômico, socialmente justo e com respeito ao meio ambiente.
Neste novo livro, nós do Acre temos o privilégio de ver nossa flora incluída em um diálogo de experiências da Amazônia leste, central e oeste. Entram agora o mogno, o patauá e a seringa, que fazem parte da história da nossa região assim como nossas lutas, as histórias da floresta, os cantos, os gestos cheios de cultura local e espírito universal.
Quero chamar a atenção para três aspectos que ganham vulto neste livro editado por Patricia e Gabriel. O primeiro diz respeito ao impacto da obra na saúde coletiva, uma vez que potencializa o uso de plantas capazes de melhorar substancialmente o valor nutritivo da alimentação e, assim, prevenir as chamadas “doenças da pobreza”. Os estudos desenvolvidos correlacionam a disponibilidade sazonal de frutas na floresta e a incidência de doenças, mostrando que quando a sua produção cai, aumentam os casos de determinadas enfermidades.
O segundo trata de uma característica poderosa da Amazônia, ainda pouco explorada e documentada: a presença das mulheres no conhecimento e no uso do patrimônio florestal não-madeireiro. Se considerarmos o avanço das experiências sustentáveis na Amazônia, a experiência feminina de lidar com a sustentabilidade em vários de seus aspectos – sobretudo no reforço da ação comunitária e na criatividade para garantir a sobrevivência social e material da família – pode ser a alavanca estratégica para dar a liga e a escala necessárias à criação de novos paradigmas na região.
O terceiro aspecto é a habilidade de associar floresta e desenvolvimento – o verdadeiro, aquele que em lugar de nos jogar no turbilhão da competitividade sem limites e do enclausuramento individualista, nos remete à comunidade, à solidariedade, aos valores humanos e espirituais como mediadores das metas de cada um. Aqui você encontra também estudos sobre manejo comunitário, educação ambiental e outras trilhas para se chegar à sustentabilidade integral, na qual faz sentido profundo cuidar do meio ambiente porque assim se cuida da própria vida, dos filhos, do futuro.
Mais um ponto, portanto, para este livro que é um extraordinário poema à Amazônia, que mexe com nossas emoções diante das verdades expressas nas figuras singelas e fortes de nossos bichos, nossas plantas, nossos cheiros, nossos sabores. Emoção diante de nós mesmos, enfim, e de nossas vidas simples e tão orgulhosamente amazônicas.
Marina Silva
Ministra de Meio Ambiente
A Amazônia é a maior floresta tropical que ainda existe no mundo. A floresta tropical cobre apenas 7% da superfície do nosso planeta, no entanto, contém mais de 50% das espécies da terra. Contudo, a floresta amazônica está sendo derrubada cada vez mais rapidamente. Na Amazônia, as 15 espécies mais valorizadas pelas populações rurais e urbanas já estão sendo extraídas para a produção de madeira[1]. Se a taxa de desmatamento e a incidência de fogo continuarem altas, a mata vai acabar tão rápido que os nossos netos e bisnetos não vão conhecê-la.
O que vai restar depois da onda de desmatamento? Os caboclos da Amazônia dizem que “a mata nunca volta a ser a mesma coisa”. Os cientistas concordam. Um estudo feito em Peixe Boi, no Pará, mostrou que cerca de 65% das árvores nativas não regeneram bem depois de vários ciclos de corte e queima[2]. As castanheiras solitárias ao longo das estradas estão sendo chamadas de “mortas-vivas”, pois não podem reproduzir sem mata e polinizadores por perto[3]. Dentro das espécies vulneráveis à extração madeireira estão copaíba, ipê, amapá e uxi. Essas espécies são muito importantes para saúde e alimentação dos povos da Amazônia. Esses recursos não têm substitutos. Fazem parte da nossa riqueza especial.
Muitas informações sobre práticas de manejo das espécies valiosas não são conhecidas pelos cientistas, mas sim pela população que vive na mata. Por isso, este livro integra conhecimento científico e conhecimento tradicional de forma acessível para as pessoas que mais precisam dele. Sem as florestas nós não teríamos casa, comida ou remédios que sustentam tanto as pessoas da mata como as da cidade. Cada um de nós é responsável pelas florestas. Nossas ações vão decidir se as lendas, mitos e usos tradicionais das frutíferas vão morrer na história ou vão continuar fazendo parte da vida amazônica.
Na Amazônia ainda temos chance de manejar e usar a floresta para obter frutas, madeira, caça e remédios, além de outros benefícios como limpeza das águas dos rios, chuvas locais e um clima mais agradável. O valor dos produtos florestais como açaí, bacuri e copaíba está crescendo rapidamente. Tanto nas feiras do interior como nas grandes cidades, existe a oportunidade de ganhar uma renda extra vendendo esses produtos. Muitas vezes não é possível para pessoas que moram no interior levar produtos da mata para a cidade. Mas mesmo sem ganhar dinheiro algum, o uso dos produtos florestais em casa gera uma boa “renda invisível”, enriquecendo nossa saúde e nutrição. Como os caboclos dizem: “o maior ganho para toda a família é o que você come sem ter que ir comprar”.
As famílias do interior dizem que durante a safra de frutas da mata ninguém pega gripe nem tosse. Eles têm razão: para evitar doenças, o melhor remédio é se alimentar bem. Além de prevenir e curar doenças, as frutas da mata oferecem nutrientes importantes. Por exemplo, a castanha, chamada de “carne vegetal”, possui alto nível de proteína, semelhante ao do leite de vaca. O uxi oferece mais vitamina B que a maioria das frutas e, muitas vezes, essa vitamina falta na comida moderna. Você sabia que a polpa de buriti possui uma das maiores quantidades de vitamina A (caroteno) entre todas as plantas do mundo e por isso é boa para a vista?[4] Por isso, algumas deficiências comuns na população brasileira – como a falta de vitamina A – podem ser supridas com as frutas amazônicas. Os animais silvestres também se alimentam de frutas. A riqueza de animais da mata amazônica está diretamente ligada à qualidade e quantidade de floresta. As famílias rurais que têm caça em suas terras podem suprir sua necessidade de proteína.
Mesmo conhecendo bem o valor que a mata tem em pé, é fácil vender barato nossa madeira ou terra. Assim acontece com muita gente no mundo inteiro; pessoas necessitadas encontram dinheiro rápido. Na realidade, pouco dinheiro chega e logo desaparece. Muitas vezes, nas primeiras vendas dá certo: poucas espécies são tiradas, os danos à floresta são mínimos e a comunidade ainda tem acesso a cipós, frutas e caça. Mas, quando a intensidade e a freqüência da extração superam a capacidade de a mata se recuperar, o consumo de produtos da floresta diminui muito.
Na Amazônia Oriental, até 300 espécies são extraídas para a produção de madeira, incluindo aquelas que produzem frutas[5]. Algumas espécies que têm alto poder de cura como ipê-roxo, amapá, copaíba e jatobá ocorrem na mata fechada, em baixas densidades e não são cultivadas. Isso significa que são raras e vulneráveis à exploração. Das 12 plantas medicinais mais vendidas na Amazonia Oriental, 5 são extraídas por causa de sua madeira[6]. Hoje em dia, como algumas espécies são mais difíceis de encontrar na mata, muitos coletores aproveitam cascas que sobram na serraria. Para cada árvore tirada na extração de madeira, outras 27 morrem ou são danificadas no processo[7].
Depois de várias vendas de madeira, muitas árvores frutíferas morrem, o fogo entra na mata e o consumo de frutas pela comunidade diminui. Essa mesma história acontece em muitas comunidades na Amazônia todos os dias. Se a comunidade negocia melhor com os madeireiros, é possível evitar esses danos sociais e ambientais. Reconhecendo e pensando sobre os custos e benefícios da exploração, as comunidades podem vender madeira mas também ficar com o que precisam para sobreviver.
Perdas Irreversíveis:
Consumo de piquiá por uma comunidade no Pará após 13 vendas de madeira
Antigamente, os cientistas pensavam que todas as matas amazônicas eram virgens. Recentemente estão descobrindo que muitas florestas foram manejadas e transformadas pelos povos indígenas. Com centenas de anos de conhecimento e prática, os indígenas têm modificado a abundância e a distribuição das árvores, conforme suas preferências. Por exemplo, castanha e piquiá são árvores que ocorrem em densidades maiores quando próximas de aldeias indígenas antigas.
Enquanto os povos indígenas têm aumentado o número de espécies promissoras, a maioria das modificações modernas (feitas por fazendeiros, madeireiros, agricultores e fogo) na floresta amazônica tem reduzido a abundância de árvores valiosas[8]. É sempre importante avaliar os custos e benefícios das mudanças drásticas em nossa terra. Algumas mudanças que parecem melhor em curto prazo podem ter conseqüências graves num período mais longo. A tribo dos índios Iroquios, na América do Norte, criou a grande lei:
“Em cada deliberação nós temos que considerar o impacto de nossas decisões nas próximas 7 gerações.”
_____________
[1] Shanley, P. & Rosa, N. 2004
[2] Vieira et al. 1996
[3] Viana, V.N. et. al. 1998
[4] Lima, M.C.C. 1987
[5] Martini, A.; Rosa, N. & Uhl, C. 1998
[6] Shanley, P. & Luz, L. 2002
[7] Veríssimo et al. 1996
[8] Nepstad, D.; Moreira, A. & Alencar, A. 1999
Existem tantas espécies valiosas na Amazônia que não foi fácil selecioná-las. Este livro inclui árvores bem populares como a seringueira e a castanheira, mas também árvores que ainda não foram muito estudadas e merecem atenção como uxi, ipê, jatobá e andiroba.
Cada capítulo representa 1 espécie e é dividido em 6 tópicos: ecologia, valor econômico, uso, nutrição, caça e manejo. Todos nós sabemos que o nome de uma espécie varia de região para região. Por isso, embaixo do nome comum das árvores colocamos o seu nome científico. Assim, pessoas de regiões diferentes podem reconhecê-las. Por exemplo, você vai ler Uxi – Endopleura uchi Cuatrec. O nome científico é composto por gênero (primeiro nome) e espécie (segundo nome). O nome em seguida é da pessoa que publicou a primeira descrição científica daquela espécie.
Este tópico divide-se em 3 partes:
Calendário: mostra quando os frutos e flores são produzidos. As letras embaixo do desenho representam os meses. No entanto, em regiões diferentes, as frutíferas produzem em épocas diferentes. O texto descreve diferentes regiões, enquanto a ilustração destaca somente uma das áreas descritas no texto.
Densidade: é o número de árvores dividido pela área. Por exemplo, 6 árvores dividido por 2 hectares é igual a 3 árvores por hectare. A densidade depende do diâmetro das árvores selecionadas para o inventário. Alguns estudos consideram todas as árvores acima de 10 centímetros de diâmetro à altura do peito (DAP) (ou 30 centímetros de rodo). Os madeireiros geralmente fazem o inventário das árvores acima de 60 centímetros de DAP (ou 180 centímetros de rodo), que são as árvores com tamanho para a extração. A densidade e a distribuição das árvores (agrupadas ou espalhadas) na floresta estão relacionadas à ecologia das espécies, aos tipos de solo e clima, ao histórico do uso e ao manejo das espécies. Os dados oferecidos neste livro indicam somente a densidade média segundo alguns levantamentos. As comunidades usam formas diferentes de medir a área – algumas usam hectare (equivalente a 100 x 100 metros, ou 10.000 metros quadrados) e outras alqueire (4,8 hectares). Quando a densidade variar muito em áreas de terra firme e baixio, mostraremos uma ilustração para cada uma delas.
Produção: mostra a média do número de frutos produzidos por árvore. A produção varia muito entre as árvores e entre os anos. Por exemplo, uma árvore de piquiá pode produzir 1.000 frutos num ano e nenhum no próximo. Por meio de estudos científicos, que incluem coleta de amostras de muitas árvores ao longo de alguns anos, é possível ter uma boa idéia da produção das frutíferas. Para algumas frutíferas essa informação já estava disponível em outros livros quando começamos a nossa pesquisa. Mas para muitas espécies ainda não existiam estimativas de produção. Nesse caso, conferimos os frutos de 3 espécies na floresta por 5 anos ou consultamos pesquisadores que fizeram o mesmo para conseguir essa informação. A produção média das árvores frutíferas é representada por uma pilha de frutos. A média de produção das palmeiras é representada por uma rasa cheia de frutos.
Este tópico mostra os dados da economia local, bem como dados nacionais e internacionais. Esses dados dependem de muitos fatores como local de compra, vendedor, época do ano, dia e hora de compra. Os dados econômicos nos capítulos apenas indicam algumas amostras, além disso, muitas das espécies neste livro têm poucos estudos de mercado. Você pode descobrir o valor econômico da sua terra multiplicando a densidade das frutíferas de uma área pela produção média de cada árvore por ano. Vale lembrar que as frutíferas produzem ao longo dos anos e também alimentam a caça. Por outro lado, existem muitas dificuldades para as comunidades distantes venderem seus produtos. Alguns obstáculos incluem: distância para o mercado, falta de transporte, alta variabilidade da produção, perecividade das frutas e falta de organização e experiência nas feiras.
O tópico Uso possui uma lista dos principais usos tradicionais da espécie. Em Nutrição, explicamos o valor nutritivo de cada fruta e, em alguns casos, incluímos Receitas. O peso das frutas representado no texto é o peso da fruta fresca. Observe que alguns desses usos (especialmente medicinais) são utilizados somente em algumas regiões e muitos ainda não foram comprovados cientificamente.
As frutíferas, além de alimentarem as pessoas, também alimentam os animais. E a caça é uma excelente fonte de proteína para as pessoas do interior. Além disso, os bichos funcionam como dispersores de sementes e polinizadores, desempenhando uma função bastante importante na ecologia da floresta. Sem a caça, a floresta não existiria.
Há séculos as florestas têm sido manejadas por povos indígenas, muitas vezes para aumentar o número de árvores úteis. Mais recentemente, agrônomos têm feito experimentos de germinação, crescimento e produção para que as árvores produzam mais rápido, ao longo de todo ano e dêem frutos maiores.
No final de cada capítulo estão algumas referências nas quais podemos encontrar mais informações sobre cada espécie. Muitos trabalhos sobre frutíferas e plantas úteis da Amazônia têm sido desenvolvidos, mas não foi possível incluir todos neste livro. Além disso, a maioria das pessoas com muita experiência em manejo de árvores não tem seus conhecimentos publicados em livros.
Para a elaboração do livro, trabalhos científicos importantes de toda a Amazônia foram reunidos e revisados, especialistas foram entrevistados e alguns dos mais importantes pesquisadores de cada espécie foram convidados para ajudar a escrever cada capítulo. Estudos complementares sobre algumas espécies foram realizados em 3 comunidades no Pará, e os impactos da atividade madeireira sobre as comunidades e suas florestas foram aprofundados. No final, o livro traz um conjunto de ensinamentos de diferentes lugares para informar as comunidades da Amazônia sobre os valores de sua mata. Melhor informadas, as comunidades se preparam para tomar decisões importantes diante das oportunidades e desafios que chegam até elas.
Integrando conhecimento cientÌfico e tradicional
Atenção: este livro não quer ser apenas lido, ele quer ser vivido na prática. Nas escolas, comunidades e associações da cidade ou interior, você pode usar as informações deste livro em oficinas participativas através de cartazes, teatro, cantos, mapas e discussões.
Cartaz
As pessoas do seu grupo podem fazer cartazes com base nas ilustrações do livro. Quanto mais você apresentar, mais você aprende.
Teatro
Monte uma peça de teatro usando as histórias do livro ou mesmo suas experiências próprias. Elas são bem divertidas e ao mesmo tempo transmitem uma mensagem muito séria. As músicas ecológicas também ajudam a animar e ensinar. Uma peça interessante mostra o madeireiro tentando comprar madeira dos comunitários e as várias situações que podem surgir a partir dessa negociação.
Discussões
Forme grupos na sua comunidade para discutir os temas deste livro. Lembre sempre da sua realidade local durante as discussões. Por meio da discussão, o grupo pode tomar decisões sobre o manejo e futuro dos seus recursos.
Cálculo de ganhos e custos
Para fazer este cálculo, multiplique a densidade de uma espécie pela produção média de 1 árvore e pelo preço de 1 fruto. Assim, você tira o valor do seu alqueire para aquela espécie por 1 ano. Somando o valor das diferentes espécies, você pode estimar o valor econômico (baseado nas frutas) da sua área. Com base nesse cálculo, você pode comparar com o valor estimado da sua terra para agricultura, pecuária e extração de madeira.
Cálculo de Custos
Não esqueça dos custos de seu tempo, transporte, perecividade, embalagem, rancho e dias gastos na feira. Esses custos geralmente são altos e, para comunidades distantes do mercado, dificultam muito o comércio de produtos da mata. Vamos ver o que aconteceu com o Sr. João. Ele colheu 400 frutas na mata para vender na feira de Paragominas, no Pará. Gastou a sola do pé andando 2 dias na mata atrás de bacurizeiros “jogando.” A lama e buracos na estrada de madeireiros o fizeram gastar mais 1 dia para transportar as frutas. Teve sorte porque o bacuri agüenta bem; ele só perdeu 10 frutos. Mas o rancho e 1 dia na feira tiraram quase todo o ganho e deixaram o Sr. João com R$ 2,50 – menos do que precisava para voltar para casa.
Medida de impacto
É interessante aplicar um questionário antes da oficina para conhecer como o seu grupo usa as frutas e os produtos florestais. Por exemplo, você pode perguntar para as pessoas da comunidade quantos hectares de floresta estão intactos e quantos já foram explorados ou alterados. Que tipo e quantidade de fruta eles vendem, comem ou usam. Além disso, se eles possuem uma reserva de floresta. Depois de 1 ano, você pode aplicar novamente o questionário para saber como o uso e manejo dos seus recursos mudou, ou seja, se o desmatamento aumentou ou se ainda resta floresta para o futuro.
Este livro está sendo utilizado em escolas agrotécnicas, sindicatos de trabalhadores rurais, escolas de áreas rurais e urbanas, universidades e centros de educação informal que desejam incluir o componente floresta em seu currículo. A seguir, temos alguns exemplos de como o livro já foi utilizado.
Philippe Waldhoff
No curso Pós-Técnico Florestal da Amazônia, da Escola Agrotécnica Federal de Manaus, o livro está sendo usado para trabalhos práticos com os alunos. Os professores simulam situações em que os alunos devem propor formas de manejo, beneficiamento, uso e comercialização das espécies. Veja como é feito:
Escolha suas espécies: em grupos pequenos, os alunos escolhem algumas espécies contidas no livro para trabalhar.
Maneje sua propriedade: cada grupo imagina um lote de 50 hectares, com 40 hectares de reserva florestal, onde se encontram as espécies escolhidas. Os alunos fazem a distribuição das árvores dentro da reserva, respeitando as características de cada espécie (densidade, habitat, época de frutificação). Os professores recomendam que se façam ajustes locais das informações sobre época de flor e fruto, usos, valores, etc.
Mapa: o grupo faz um mapa do lote e estabelece as diferentes unidades dentro da propriedade – casa, roça, quintal e igarapé.
Plano de manejo: Os alunos fazem um plano de manejo para o lote. O plano de manejo deve conter (1) introdução, na qual o grupo enfatiza a importância dos produtos da floresta e as espécies escolhidas; (2) descrição das espécies, com suas características, bem como exemplos de outras espécies da mesma família; (3) cálculo da produtividade do lote em relação a cada espécie, nesse caso, o grupo deve utilizar as informações de produção por indivíduo, densidade e área manejada; (4) formas de comercialização e renda; com base nos preços, o grupo pode saber qual será a renda; e (5) apresentação do plano.
Este livro contém histórias de gente que perdeu a floresta e se arrependeu e de gente que manteve reservas para sustentar suas famílias. Algumas comunidades já estão compartilhando suas experiências para ajudar a informar as outras sobre as diferentes opções de uso da mata. Veja a seguir 2 exemplos de cenários futuros:
O exemplo de uma comunidade que vendeu sua mata 13 vezes durante 20 anos e o de outra vizinha que guardou uma reserva para o futuro. A primeira comunidade se arrependeu porque no final quase não havia mais frutas e caça para comer. Em 1993, o consumo médio dessa comunidade foi de 392 frutas por família. Em 1999, esse consumo caiu para 156 frutas. A família do Sr. Mangueira, da comunidade vizinha, guardou uma reserva de floresta, continuou comendo muita fruta e nunca ficou doente durante a safra de uxi. Em 1993, essa família consumiu 3.779 frutas e, em 2001, o consumo continuou alto com 2.500 frutas.
Este livro também foi utilizado pelo curso de qualificação profissional com construtores navais em Igarapé-Miri, no Pará. O livro incentivou a construção de uma linha de tempo sobre as espécies usadas na construção naval. A turma elaborou um mapa, estabelecendo uma escala de 10 em 10 anos a partir da década de 1960. Para cada década foram especificadas as espécies usadas e onde elas eram encontradas. Essa dinâmica possibilitou aos construtores uma visão mais precisa do esgotamento de muitas espécies preciosas para a navegação. Além disso, mostrou que algumas espécies já não existem mais na área, sendo encontradas apenas a mais de 120 quilômetros, em outros municípios.
Noemi Vianna Martins Leão
Selma Toyoko Ohashi
O laboratório de sementes florestais da Embrapa, junto com vários parceiros na Amazônia, está oferecendo cursos de coleta e armazenamento de sementes de espécies nativas para serem usadas em programas de reflorestamento. Os cursos têm 2 objetivos principais: (1) conservar as florestas com espécies nativas que produzem sementes de boa qualidade e (2) considerar as sementes como um produto florestal não-madeireiro que pode gerar renda para as comunidades tradicionais. Comunidades de Rondônia, Roraima, Acre, Amapá, Pará e Amazonas já participaram do curso. Desde 1996, mais de 1.000 comunitários, engenheiros florestais, viveiristas, estudantes de nível médio e agrônomos assistiram ao curso de 40 horas.
O curso mais recente foi dado na Reserva de Ariquemes, em Rondônia, com recursos do projeto Rede de Sementes da Amazônia, do Ministério do Meio Ambiente. Um participante – o Baiano – disse: “em toda a minha vida eu nunca pensei que a mata pudesse ter tanto valor sem tirar a madeira”. A camisa que ele usou no último dia do curso resume seus sentimentos:
“Só depois que a última árvore for derrubada, o último peixe for morto e o último rio envenenado, vocês irão perceber que dinheiro não se come.”
(pensamento indígena)
Os índios Parakanã também aprenderam a subir nas árvores com segurança e colher sementes das espécies com valor para a venda. Mesmo não sendo craques no armazenamento, em 2003, eles venderam 110 quilos de sementes de mogno, tatajuba, andiroba, copaíba e castanha. Para cada quilo de semente (1.600 sementes) de mogno eles receberam em média R$ 70 – mais do que eles receberiam com a venda da madeira. Mas quem compra as sementes? Como existe uma lei federal obrigando as indústrias madeireiras a replantar as áreas de onde extraem madeira, existe uma grande demanda por sementes florestais. O livro Frutíferas ajudou na alfabetização dos adultos e crianças mostrando as espécies que poderiam ter mais valor. Nas oficinas na mata, os organizadores dividem a turma em equipes e fazem uma disputa para ver quem consegue lembrar o maior número de usos que a floresta pode ter.
Quando você está aprendendo a escrever você prefere “a vovó viu a uva” ou “o papai pegou o piquiá”? Como a maioria dos materiais escolares é escrita no Sul e Sudeste do Brasil, falta conteúdo apropriado sobre a Amazônia. Escolas rurais e urbanas na região amazônica estão utilizando este livro para ensinar biologia, matemática, história, nutrição, educação ambiental e música. Além disso, a Escola Bosque de Belém e o Programa de Alfabetização de Adultos têm incorporado o livro em seus currículos.
As professoras das escolas rurais podem elaborar problemas matemáticos a partir do livro. Vamos tentar? “Uma árvore de piquiá produz em média 350 frutos. Depois de deixar seu filho comer 50 frutos, Maroca vendeu 300. Na feira, cada fruto custa 30 centavos. Quanto ela ganhou de sua árvore? Um amigo dela de outra comunidade pensando em ganhar mais vendeu seu pé de piquiá para um madeireiro por R$ 3,00. Quem ganhou mais?”
Você sabia que muitas praças, teatros e a arquitetura bonita de Belém e Manaus são devidos ao dinheiro gerado pelo látex da seringueira? Para saber mais sobre o uso e história das plantas nativas, você pode encontrar uma trilha no Bosque Rodrigues Alves, em Belém. Lá, eles usaram alguns capítulos deste livro para criar jogos, cartilhas e placas para despertar a criançada e adultos da cidade para a beleza e riqueza da floresta.
E, passeando nessas praças com a barriga roncando de fome, nada melhor do que encontrar a bandeira vermelha da banca de açaí, não é? E se você estiver brincando e de repente se machucar, peça para sua mãe fazer uma massagem com óleo de andiroba.
Patricia Shanley
A andirobeira é uma árvore de uso múltiplo, podendo ser aproveitada para óleo, casca medicinal e madeira. As sementes de andiroba fornecem um dos óleos medicinais mais utilizados na Amazônia. A casca tem uso medicinal contra febre, vermes, bactérias e tumores. A madeira de andiroba possui um sabor amargo e é oleaginosa, por isso não é atacada pelos cupins nem pelos turus. Por sua alta qualidade, a madeira é muito utilizada pelas serrarias. Assim, está cada vez mais difícil encontrar árvores de andiroba nas fronteiras madeireiras.
A andirobeira possui médio a grande porte, com tronco reto que atinge 30 metros de altura e, freqüentemente, apresenta raízes em forma de tábuas (sapopemas). Ocorre em toda a bacia amazônica, América Central e África e prefere as várzeas nas margens dos rios, embora também seja encontrada em terra firme.
Época de flor e fruto
A época de flor e fruto da andiroba é diferente em cada Estado da Amazônia. No leste do Pará, a andiroba floresce entre agosto e outubro e os seus frutos amadurecem entre janeiro e abril. As árvores de Manaus frutificam entre março e abril. Nem todos os anos as árvores de andiroba produzem frutos. Os caboclos de Santarém dizem que tem ano em que a andirobeira “joga” muito e ano em que ela falha.
Densidade
A densidade da andirobeira é maior nas áreas de várzea, embora a espécie também ocorra na terra firme. O número de árvores tem diminuído nos últimos anos por causa da extração de madeira.
Produção
A produção de uma árvore de andiroba varia muito ao longo dos anos – ela pode inclusive não produzir nada. Já foram encontradas árvores na mata produzindo de 50 a 200 quilos de sementes por ano e plantações produzindo de 25 a 50 quilos. Cada quilo contém cerca de 55 sementes e cada fruto produz de 12 a 16 sementes. Cada semente contém aproximadamente 26% de casca e 74% de amêndoa. Um estudo na Costa Rica indicou que 1 árvore produz de 754 até 3.944 sementes por ano[1].
O óleo de andiroba é um dos produtos medicinais mais vendidos na Amazônia. A indústria do óleo teve origem na cidade de Cametá, no Pará. Atualmente, o seu comércio movimenta muito dinheiro em toda a região amazônica. A criançada de Cametá vende 4 quilos de sementes por R$ 0,25 para comprar 1 pacote de biscoitos. Em Salvaterra, na ilha de Marajó, muitas famílias coletam os frutos na beira da praia e os vendem para atravessadores por R$ 0,20 o quilo. No Pará, o comércio é bom; em 2004, no mercado de Belém, 1 litro de óleo de andiroba foi vendido por R$ 15 e 1 quilo de casca por R$ 5. As lojas preferem comprar o óleo durante a safra, quando os preços estão baixos. Para conseguir um preço melhor, você pode guardar o óleo e tentar vendê-lo fora da safra.
O óleo também tem demanda internacional, sendo exportado para a Europa e Estados Unidos. Entre 1974 e 1985, 200 a 350 toneladas anuais de óleo foram exportadas do Brasil, principalmente dos Estados do Maranhão, Pará e Amapá[1]. Uma prova da popularidade da andiroba está na variedade de produtos como sabonetes, cremes, óleos, pomadas e velas. Nos supermercados de Belém, os sabonetes podem custar de R$ 2,15 até R$ 8, e o óleo para o corpo custa R$ 10,50 (com 140 mililitros).
É interessante ver que no Acre, no lado oeste da Amazônia, é mais difícil encontrar óleo de andiroba para a compra; de 40 casas comerciais em Rio Branco, apenas 4 vendem óleo. No Acre, poucas comunidades produzem óleo de andiroba e, normalmente, apenas para consumo local. Além disso, alguns compradores preferem que o óleo tenha certificado de qualidade; uma farmácia de Belém chega a comprar de São Paulo o litro a R$ 40, somente porque possui fonte registrada[2].
Óleo: usado como repelente de insetos. Também é um remédio muito utilizado para baques, inchaços, reumatismo, vermes e para cicatrizar cordão umbilical. No interior, as pessoas usam óleo de andiroba para a cicatrização e recuperação da pele. Mas é bom tomar cuidado, pois o óleo é tão forte que, dependendo do machucado, cicatriza muito rápido e somente por fora. O óleo pode ainda ser empregado na fabricação de sabão. Os índios usam óleo de andiroba e urucum para fazer tinturas para a pele e também como repelente.
Madeira: de excelente qualidade e cor castanho-vermelha brilhante, é resistente ao ataque de insetos e turus. Muitas vezes é comparada à madeira do mogno, sendo chamada de mogno falso; tem alta demanda para exportação. É usada para cavaco e na construção civil. A madeira pode ser encontrada nas serrarias do Pará por R$ 200 o metro cúbico serrado. Para exportação, o metro cúbico não sai por menos de R$ 500.
Casca: grossa e amarga, desprende-se facilmente em grandes placas. É utilizada para fazer chá contra febre, vermes, para combater bactérias e no tratamento de tumores. Transformada em pó, a casca trata feridas, servindo como cicatrizante para afecções da pele.
Na comunidade de Pedreira, no Pará, um senhor conta: “…nos anos de 1940 a gente vivia de tirar e vender óleo de andiroba, caça, peles e breu. Nos anos de 1950 veio a opção da seringa, depois da maçaranduba e agora da farinha, de maneira que a gente começou a trabalhar menos na mata. Hoje, os mais novos não sabem nem como tirar o óleo. As árvores estão aí, mas têm menos serventia”[3]. Muitos usos de plantas existem principalmente na memória das pessoas e provavelmente não vão ser passados para os filhos se as árvores não existirem mais. À medida que as árvores desaparecem da paisagem, desaparece também o conhecimento das pessoas[4].
Glória, do interior, visitou o Departamento de Engenharia Química da Universidade Federal do Pará (UFPA) e contou para um professor que sua mãe produzia óleo de andiroba. Ela explicou que sua mãe deixava as sementes 30 dias abafadas para fazer o óleo. O professor logo reagiu: “Sabe quanto tempo leva aqui no laboratório, usando solventes e prensagem? Apenas 1 hora!”. Surpresa, a senhora então perguntou ao professor se as substâncias ativas que curam as pessoas ainda faziam parte do óleo obtido por esse processo rápido. Ele respondeu que os pesquisadores ainda não sabiam. Disse que alguns componentes do óleo obtido pelo processo artesanal (com longo tempo de fermentação) não aparecem no óleo produzido industrialmente. Será que esses componentes são os responsáveis pelo efeito medicinal do óleo?
Gloria Gaia
Existem muitas maneiras para extrair óleo de andiroba. Uma delas é feita na sombra e chama-se “azeite de tábua”. O óleo que sai desse processo é conhecido como “óleo virgem” porque é bem limpinho, sendo considerado o melhor. Outro processo, chamado “azeite de sol”, é mais rápido e menos desgastante. Ambos começam da mesma forma:
Ferva as sementes até amolecerem. Quebre algumas e verifique, usando a unha, se a massa está grossa e oleosa. A unha deve atravessar a massa com facilidade. Retire as sementes da água e deixe-as empilhadas no chão, cobertas por folhas verdes, por 40 dias. Em seguida, abra todas as sementes com uma faca e retire a massa. Amasse a massa e faça bolinhas. Em Cametá, as mulheres amolecem a massa com os pés para depois usar as mãos.
Azeite de tábua – coloque as bolinhas em um cocho feito com um pedaço de metal, canoa velha ou pedaço de madeira inclinada para o chão. Coloque um fiozinho de algodão no fim da massa inclinada e uma vasilha no chão; assim, o óleo que sai da massa cai certinho dentro da vasilha. Amasse todos os dias. Depois de 4 a 6 dias, a massa ficará dura e seca. Para obter mais óleo dessa massa basta colocar o cocho ao sol. Você também pode colocar a massa dentro de um tipiti para extrair o restante do óleo.
Azeite de sol – deixe a massa ao sol durante 2 dias, virando-a de 2 em 2 horas durante todo o dia. No final da tarde, leve a massa para casa e faça bolinhas. Coloque as bolinhas na tábua inclinada e deixe o óleo sair. No terceiro dia, esquente a massa ao sol durante 3 horas e leve-a ao tipiti para extrair o restante do óleo (2 dias). O azeite de sol rende mais do que o azeite de tábua, mas alguns acreditam que parte do princípio ativo, para fins fitoterápicos, é perdido nesse processo. Algumas pessoas aproveitam a massa seca que sobra para fazer sabão ou jogam-na no fogo para espantar carapanãs e mosquitos.
André Dias
As fábricas de óleo na Amazônia extraem o óleo quebrando as sementes em pedaços pequenos que são aquecidos e depois prensados. Normalmente, o rendimento é de 8 a12 litros para 40 quilos de sementes[1]. As comunidades extraem óleo sem a prensa, por isso o rendimento é menor. Às vezes, as pessoas têm pouco tempo e acabam deixando para cozinhar as sementes depois do dia da coleta, ou não dá tempo de tirar a massa da chuva. Veja no quadro abaixo como dona Marita e dona Rita, de Santarém, e dona Glória de Cametá fizeram o óleo e compare os rendimentos.
As sementes amargas da andiroba são muito apreciadas pela paca e cutia. Às vezes, a cutia come as sementes embaixo da árvore. Outras vezes, ela as enterra para comer depois, mas com o tempo esquece de comer algumas e essas sementes acabam germinando. Dessa forma, a cutia ajuda a plantar andiroba.
O óleo de andiroba pode ser usado como repelente contra moscas e mosquitos. Além disso, ele diminui as chances de inflamação em picadas de insetos, cobras e, em alguns casos, morcegos. Estudos do Instituto de Estudos e Pesquisas do Estado do Amapá (Iepa) ajudaram na descoberta de que as velas feitas com bagaços de sementes de andiroba espantam o mosquito que transmite a dengue (Aedes aegypti)[5]. Nos seringais, o óleo ainda é usado nas lamparinas para a iluminação.
Promanejo/STM
Na Floresta Nacional do Tapajós, as mulheres das comunidades de São Domingos, Nazaré e Pedreira estão produzindo óleo de andiroba para vender. Um estudo de mercado descobriu que as comunidades tinham muitos produtos florestais com bons preços e boa saída[6]. O passo seguinte foi fazer um plano de manejo[7] e conseguir a liberação do Ibama para o transporte do óleo (ATPF). As mulheres conseguiram estabelecer o negócio e hoje ajudam muito na renda da família, estão mais organizadas e são mais respeitadas nas comunidades. Vale lembrar que as mulheres mais idosas contribuíram muito nesse processo, pois somente elas sabiam como extrair óleo de andiroba.
Receita para sabão
Coloque 1 litro de óleo de andiroba em uma lata para ferver com 4 quilos de sebo de gado derretido. Deixe a mistura ferver por 30 minutos e depois acrescente 250 gramas de breu (ou silicato, ou ainda soda cáustica). Se quiser sabão cheiroso, coloque oriza ou catinga-de-mulata. Ferva até atingir uma textura grossa. Deixe a solução esfriar e coloque-a numa fôrma. Em seguida, corte o sabão em pedaços e guarde. No interior, é costume acrescentar à andiroba o sebo e a cinza da casca do cacau misturada com água. Esse sabão é utilizado na lavagem de roupa, na limpeza de pele, contra coceiras, impigens e pano branco. Para fazer a cinza do cacau, queime a casca seca do fruto. A cinza fina e branca (muito ácida e forte) deve ser guardada numa vasilha em local seco.
A andirobeira é um potencial para os sistemas agroflorestais, pois produz uma excelente madeira e óleo medicinal. A germinação tem início nos 6 primeiros dias e termina em 2 a 3 meses com 85% a 90% das sementes germinadas. A árvore cresce rápido mesmo em áreas degradadas, tanto ao sol como na sombra. Por isso, uma boa idéia é valorizar as áreas de capoeira e áreas alteradas plantando andiroba. Apesar de ocorrer em baixio, ela também pode ser plantada em terra firme. Os cientistas ainda não sabem se é melhor plantar as árvores juntas ou afastadas, ao sol ou com pouca ou muita sombra. Em alguns lugares, na fase inicial, os plantios se desenvolveram bem na sombra, mas depois, a luz foi importante para o seu desenvolvimento rápido. Quando as plantas ficam em pleno sol, acabam crescendo mais em largura do que em altura[1] e quando estão muito juntas, ficam mais suscetíveis ao ataque da broca do ponteiro. A andirobeira tem bom potencial nos sistemas agroflorestais e no enriquecimento da capoeira. Porém, tome cuidado com as sementes, pois os roedores gostam muito de comê-las.
Carlos Augusto Ramos
Uma família de árvores saudáveis tem uma grande variedade de idades, incluindo muitos filhos, uma quantidade média de pais e poucos avós. Isso significa que a família vai continuar reproduzindo bem. Quando não há um bom equilíbrio entre a quantidade de filhos, pais e avós, a espécie pode ter dificuldade de reproduzir e manter a população.
Um estudo sobre a andiroba mostrou que havia muitos filhos, mas poucos pais e quase nenhum avô na região de São João de Jaburu em Gurupá, no Pará. A maioria das árvores tinha menos de 25 centímetros de diâmetro. O que você acha que aconteceu com todos os pais e avós? Foram explorados para a extração de madeira. Os moradores da comunidade têm a prática de explorar árvores acima de 30 centímetros. No entanto, hoje, por causa da escassez de andirobeiras adultas, os comunitários se arrependeram e estão repensando o uso da espécie. Por exemplo, as mulheres da comunidade ligadas à Associação dos Produtores do Jaburu estão planejando aproveitar as sementes de andiroba para extrair óleo – que pode ser vendido ou usado ao longo de muitos anos.
_____________
[1] Clay, J.W. C.; Sampaio, P.B. & Clement, C.R. 2000
[2] Boufleuer, N.T. 2001
[3] Dias, A. S. 2001
[4] Shanley,P. & Rosa, N. A. No prelo
[5] O liberal 1998
[6] Gonçalves, V.A. 2001
[7] Promanejo. 2000
Patricia Shanley
Gabriel Medina
Antes de o sol raiar a criançada do interior anda longe na floresta escura para chegar embaixo dos bacurizeiros. Cada criança come até 5 frutos embaixo da copa e assim está garantido o café-da-manhã. Nas cidades, a popularidade do bacuri tem aumentado tanto que além do fruto e polpa, os mercados estão vendendo iogurte, geléia, doces, bolo, licor e doces. O nome bacuri vem da língua tupi-guarani, na qual “ba” significa cair e “curi” significa logo. O bacuri é a fruta que cai logo que amadurece.
Esta árvore bonita pode alcançar de 15 a 25 metros de altura e 1,5 metro de diâmetro, ou 4 metros de rodo (circunferência). Tem tronco reto com látex amarelo e galhos opostos em posição de V aberto; até de longe é possível reconhecê-lo. Suas folhas são opostas, brilhosas, e as flores são grandes com pétalas róseas. O bacurizeiro é natural do Estado do Pará, e a área de maior concentração é o estuário do rio Amazonas, com ocorrência mais acentuada na Região do Salgado e na ilha de Marajó[1]. Do Pará, o bacuri foi levado para o Maranhão, Piauí e outras áreas[1], mas raramente é encontrado na Amazônia Ocidental[2]. Ocorre naturalmente na capoeira e em áreas degradadas e arenosas, indiferente aos tipos de solos, sejam eles pobres ou argilosos. Ocasionalmente é encontrado na floresta alta.
Época de flor e fruto
No Pará, o bacurizeiro floresce de junho a agosto e o seu fruto aparece nos mercados de Belém entre janeiro e abril. Felizmente a safra desta fruta deliciosa varia em diferentes regiões, prolongando o seu fornecimento no mercado. No início da safra, a região das ilhas, como o Marajó, abastece Belém. Depois é a vez da Zona Bragantina fornecer os bacuris. Também o Estado do Maranhão está fornecendo muito bacuri para Belém.
Densidade
A densidade do bacurizeiro varia muito em diferentes regiões. Na floresta, a densidade é baixa, em média, 1 árvore por hectare. Em áreas de capoeira de 10 anos, é possível encontrar mais de 1.800 árvores novas por hectare[3]. O bacurizeiro agüenta bem o fogo. Há quem diga que quanto mais ele queima, mais ele brota.
Produção
Um bacurizeiro pode produzir até 2.000 frutos, mas a média é de 400 frutos. Muitas árvores de bacuri não produzem frutos anualmente, pois “descansam” de um ano para o outro. Em um estudo de 5 anos, de uma amostra de 16 árvores adultas, uma média de 55% foram produtivas[4]. Com 50 árvores por hectare pode-se produzir aproximadamente:
9,5 toneladas de frutos por hectare
= 1 tonelada de polpa
= 6 toneladas de casca
= 2,5 toneladas de sementes, que podem ser utilizadas para alimentação de animais[5].
Os frutos normalmente possuem casca espessa e 2 caroços, com rendimento de polpa de 10%. Novas pesquisas descobriram frutos sem caroço e com 18% de polpa[6], além do bacuri de casca fina com rendimento de 28% de polpa[7].
Como o bacuri é tão delicioso, vale a pena saber bem quantos frutos seus pés produzem. Veja a média de produção de 16 árvores ao longo de 5 anos:
Algumas pessoas batem na árvore com um facão, pois acreditam que assim ela “jogará” melhor. Mas cuidado, essa prática, às vezes, só faz com que caiam frutos verdes.
Segundo um vendedor, “o bacuri está virando ouro no mercado”[4]. Os preços recentes refletem essa popularidade: em março de 2004, no Ver-o-Peso, o bacuri pequeno custou R$ 0,30; o médio, R$ 0,50 e o grande, R$ 0,80. O quilo da polpa não saiu por menos de R$ 8 e um chocolate com recheio de bacuri custou R$ 0,60. Nos supermercados, 1 litro de licor foi vendido por R$ 12.
Em fevereiro de 2001, só na feira de Bragança, mais de 4 mil frutos foram vendidos por dia[3]. Lá, o mercado cresceu mais de 3 vezes nos últimos 5 anos. Em Bragança, o fruto ficou tão valioso que alguns coletores apanham e enterram os frutos verdes para deixar a casca amarelar e vender como se fosse maduro. Nesse caso, os vendedores reclamam que os frutos ficam travosos.
Em 2004, nas 10 principais feiras de Belém, foram comercializados cerca de 491 mil frutos de bacuri; só na feira do Ver-o-Peso foram vendidos 178 mil. O comércio dos frutos movimentou uma renda de mais de R$ 220 mil. Em apenas uma madrugada, chegaram na feira-do-açaí mais de 10.600 frutos de bacuri, vindos de Soure e Ponta-de-Pedras, no Marajó.
O bacuri é uma das frutas mais populares nas Ceasas de São Luiz, Teresina e Belém[8]. Sua polpa doce vem sendo utilizada na fabricação de cremes, sorvetes e sucos. Em áreas perto dos mercados, mulheres, crianças e idosos estão coletando bacuri. Perto de Bragança, na safra, cada coletor ganha mais de R$ 7 por 3 horas de trabalho[3].
Fruto: polpa, suco, creme, sorvete, geléia, doce, pudim, tortas, iogurte, picolé, chopp e licor. Em Belém, os chefes-de-cozinha estão criando pratos com bacuri e as indústrias estão enlatando a polpa para vendê-la em outros Estados.
Madeira: excelente qualidade, utilizada na fabricação de móveis, construções civil e naval. No interior do Pará, a madeira é usada para fazer cavaco.
Óleo: usado para fazer sabão, curar doenças de pele e fazer remédio cicatrizante para ferimentos de animais[9].
Látex amarelo da árvore: em algumas regiões é utilizado para o tratamento de eczemas, vírus da herpes e outros problemas de pele[9].
Durante uma safra, quando Curumim e Antonino venderam bacuri, o valor de 1 saco de frutos (150 a 200 unidades) era parecido ao valor de 4 sacos de farinha. Eles calcularam que levaria 1 dia para colher e vender os frutos, que renderiam R$ 40 (200 frutos x R$ 0,20 a unidade). Para fazer os mesmos R$ 40 de farinha, levaria aproximadamente 1 semana. O bacuri tem vantagens para comercialização, pois sua casca grossa protege a polpa durante a viagem para a feira. Além disso, o fruto pode durar até 7 dias caído embaixo da árvore.
Mão-de-obra: fruto x farinha
Vamos comparar o valor dos frutos do bacurizeiro com o valor da madeira. Um bacurizeiro nas florestas de algumas comunidades do Pará foi vendido por R$ 2. Na mesma época, 10 frutos renderam os mesmos R$ 2 (10 frutos x R$ 0,20 a unidade). Curumim e Antonino, caçadores do Rio Capim, pensaram sobre isso. Com base em suas experiências, eles sabem que 1 árvore de bacuri “joga”, em média, 400 frutos por ano. Calcularam que sua família, seus vizinhos e a caça comem uma parte dessa produção (100 frutos), deixando ainda 300 frutos de bacuri no chão.
Curumim e Antonino decidiram colher esses frutos e mandá-los para a feira. Mesmo com a variação dos preços durante a safra e com os custos de transporte, eles obtiveram uma renda de R$ 40 pelos 300 frutos de uma árvore. O tempo envolvido na coleta e venda dos frutos foi de 2 dias, comparada com 1 semana de trabalho necessária para obter a mesma renda fazendo farinha.
Para ganhar essa mesma quantia de dinheiro com a venda da madeira eles precisariam vender 20 árvores. A venda de árvores é feita apenas uma vez, enquanto a venda de frutos pode ocorrer todos os anos da vida produtiva de uma árvore. Curumim e Antonino entenderam que a árvore em pé rende mais do que sua venda para madeireiras ou derruba para roça.
É certo que muita gente não pode ir às feiras por causa do trabalho na roça, falta de transporte, alguém doente na família, ou falta de rancho nos dias de venda. Mas, mesmo sem vender qualquer fruta, é importante lembrar da “renda invisível” e da excelente nutrição das frutas consumidas em casa. As frutas da mata podem fornecer “vinhos”, sucos, cremes e doces.
Frutas e Madeira: comparando o valor
Nosso corpo precisa de alimentos construtores, energéticos e reguladores. Os construtores ajudam na fabricação de massa muscular, pele, ossos e sangue. As proteínas são os principais nutrientes desse grupo e estão presentes em carnes, aves, peixes, ovos, leite e legumes. Os alimentos energéticos fornecem energia para o corpo, entre eles estão os carboidratos encontrados em cereais, raízes, doces, massas, manteiga e óleo. Finalmente, os reguladores harmonizam as atividades do organismo; eles são as vitaminas e os minerais contidos em verduras, frutas e legumes.
A polpa de bacuri é uma importante fonte de minerais que deve ser consumida pelas crianças na fase de crescimento, para fortificar os ossos e dentes. Ao consumir 100 gramas de polpa de bacuri você estará ganhando 105 calorias, mais que o cupuaçu e menos que o uxi e o açaí. A polpa também é rica em glicídios, porém possui poucas vitaminas. O aroma do bacuri tem sido extraído e usado em iogurtes.
Você sabia que uma grande porcentagem do peso do fruto é casca? Doze por cento do fruto é polpa, 18% é caroço e 60% é casca. E você sabia que a casca de bacuri tem um sabor delicioso? Então, por que deixar tantas cascas apodrecerem quando podem ser comidas? Para comer a casca de bacuri é necessário cozinhá-la, eliminando, dessa forma, as resinas abundantes. Porém, a casca fica mais saborosa se adicionarmos 20% a 30% de polpa. Também existem outras receitas que levam leite e açúcar. Experimente!
Doce da casca de bacuri
Descasque 6 bacuris e reserve a polpa. Lave e ferva a casca até amolecerem. Derrame as cascas fervidas na peneira, em seguida, retire as películas. Misture 250 gramas de açúcar e 1 litro de água. Ferva até virar calda. Quando a calda engrossar, acrescente a polpa. Ferva e mexa o doce por 30 minutos retirando o látex. Desligue o fogo quando o doce começar a soltar do fundo da panela.
Creme da casca de bacuri
As cascas devem ser cortadas, lavadas e fervidas até amolecerem, em seguida, raspadas com uma colher. Para cada 5 cascas junte 1 lata de leite condensado, 1 lata de creme de leite, 1/4 de copo de açúcar e 1/4 de copo de polpa. Coloque a mistura numa fôrma de torta e leve ao congelador. Sirva após 1 hora.
“Vinho” da casca de bacuri
Raspe a casca de 3 bacuris médios, deixe-as de molho em 1 litro de água por 24 horas. Adoce e beba.
O bacurizeiro é uma árvore de usos múltiplos (fruto, madeira, látex) e com valor econômico alto. Isso significa que essa árvore deve ser protegida no seu ambiente, bem como plantada ou manejada em áreas degradadas. O bacurizeiro cresce bem em solos pobres, com melhor produção de frutos em áreas abertas com muito sol. Por causa do alto valor dos frutos no início e no fim da safra, quem tiver árvores produzindo na entressafra deve mantê-las cuidadosamente, pois são muito valiosas.
Os agricultores da Região Bragantina, no Pará, estão manejando bacuri em áreas de capoeira, pois nessas áreas o bacurizeiro rebrota facilmente de árvores antigas. Aproveitando a proximidade do mercado e o alto preço dos frutos, os agricultores estão reservando algumas áreas para o crescimento de bacurizais. Na comunidade de Taquandeua, por exemplo, depois de colher a mandioca, as famílias deixam a capoeira crescer. Depois de 1 ano, o bacuri naturalmente domina a paisagem e cobre o mato. Os melhores pés são selecionados e mantidos a uma distância de 4 a 8 metros entre si, enquanto o restante da capoeira é roçado. Depois de 10 anos limpando o mato de 2 em 2 anos, muitas famílias já estão comendo e vendendo bacuri manejado[3]. Nessas áreas, derrubar um pé de bacuri só se for por muita necessidade.
Urano Carvalho
Se o bacurizeiro não rebrota em sua área, a opção é plantar. Nesse caso, você pode plantar a semente, que leva mais de 2 anos para germinar, ou usar plantas enxertadas, que podem começar a produzir mais cedo. Uma boa técnica para conseguir mudas de forma rápida e barata é plantar a semente e esperar 70 dias para que a raiz cresça. Em seguida, cortar o caroço e deixar a raiz na terra. Da raiz cortada, a partir de 2 meses, irá nascer um broto avermelhado que vai precisar de mais alguns meses para se desenvolver. Portanto, você deve esperar mais 4 a 5 meses para que a muda atinja cerca de 40 centímetros e esteja pronta para ser plantada. A semente com o pedacinho de raiz pode ser usada para formar novas mudas. Basta repetir o processo. De uma semente é possível obter 3 a 4 mudas. O espaçamento recomendado para esse plantio é de 10 em 10 metros, atingindo assim 115 plantas por hectare. Com esse método você pode ter mudas prontas em menos de 1 ano[10].
Mas cuidado para não usar sementes da mesma árvore. Para produzir, um bacurizeiro precisa que alguns pássaros, como o periquito-de-asa-dourada, transportem o pólen de outro bacurizeiro que se adapte a ele[11]. Os cientistas indicam que é melhor usar frutos de pelo menos 10 tipos diferentes de árvores para evitar que as mudas sejam incompatíveis e, quando crescerem, não produzam.
Douglas C. Daly
O bacuri (Platonia insignis Mart.) tem muitos parentes. Normalmente são árvores baixas ou médias do sub-bosque em mata de terra firme, com látex e frutos amarelos. A polpa que envolve as sementes é branca, doce, ácida e refrescante. Conheça os parentes do bacuri:
_____________
[1] Calzavara, B.B.G 1970 / Cavalcante, P. 1991
[2] Clay, J.W. C.; Sampaio, P.B. & Clement, C.R. 2000
[3] Medina, G. & Ferreira, S. 2004
[4] Shanley, P. 2000
[5] Villachica, H. 1996
[6] Carvalho, J. E.U.; Alves, S. M.; Nascimento, W.M.O. & Muller, C.H. 2001
[7] Carvalho, J. E.U.; Nazaré, R.F.R. & Nascimento, W. M. O. 2001
[8] Souza, V.A.B.; Vasconcelos, L.F.L.; Araújo, E. C.E. & Alves, R.E. 2000
[9] Braga, R. 1976
[10] Carvalho, J.E.U.; Nascimento, W.M.O. & Muller, C.H. 1999
[11] Maués, M.M. & Venturieri, G.C. 1996
Margaret Cymerys, Lúcia Wadt,
Karen Kainer, Valdirene Argolo
“A espécie mais nobre da floresta do Tauaú era a castanheira. E havia uma árvore que talvez tenha sido a maior que eu já vi na Amazônia.”
Smith, 1879
A castanheira é muito valiosa porque oferece alimento e remédio para as pessoas. Existe uma lei nacional determinando que ninguém pode derrubar as castanheiras – é a lei federal nº 4.771. A castanheira e o piquiá são as árvores com os troncos mais grossos de todas as espécies da Amazônia. No Pará, há uma castanheira com mais de 15 metros de rodo[1]. No Brasil, a castanheira só ocorre na Amazônia, em áreas altas de terra firme. No Acre, ocorre apenas na parte leste do Estado, mas tem uma importância enorme para a população local. Também há castanheiras nos outros países amazônicos, principalmente na Bolívia e no Peru.
Época de flor e fruto
No Acre, as flores da castanheira começam a abrir no final da estação seca, quando os frutos da floração anterior estão quase prontos para caírem. As flores aparecem de outubro a dezembro, e os frutosamadurecem em 14 ou 15 meses, caindo de dezembro a fevereiro. No Pará, as flores aparecem entre setembroe fevereiro e os frutos caem entre janeiro e abril.
Densidade
A castanheira ocorre em agrupamentos conhecidos como castanhais ou “bolas”. Em áreas de ocorrência natural de castanheiras pode-se encontrar 1,3 e até 5,1 árvores adultas por hectare[2]. Estudos revelam densidades entre 1,3 e 4,0 árvores por hectare na Reserva Extrativista Chico Mendes, no Acre. Na Floresta Nacional de Caxuanã ocorre 10 a 12 árvores por hectare. No Trombetas, a densidade varia muito, entre 0 a 15 árvores por hectare. A densidade média de castanheiras é de 1 árvore por hectare.
Produção
É difícil estimar a produção de uma castanheira porque o número de ouriços varia muito entre anos e entre árvores. De uma maneira geral, o tamanho da árvore está relacionado com a sua produção. Entretanto, isso não é regra, pois existem árvores grandes que não produzem nenhum ouriço.
Uma castanheira produz em média 29 ouriços por ano. Em média, em cada ouriço existem 16 castanhas, cada uma pesando 7 gramas[1]. Normalmente,1 árvore produz 470 castanhas. Em 1999, a produção do Brasil foi de quase 27 mil toneladas de castanhas[3]. O Estado do Acre, o maior produtor, produziu quase 10 mil toneladas. Em 2000, o Brasil produziu mais de 33 mil toneladas, gerando quase 19 milhõesde reais[3]. Desde o final do século XX, o Brasil ocupava a posição de produtor quase que exclusivo da castanha-do-brasil. No entanto, atualmente, a Bolívia ocupa a posição de maior produtor, produzindo um pouco mais que o Brasil[4].
No Acre, em 2000, o extrativista recebia, no pico da safra, R$ 4,50 por 1 lata de castanha-do-brasil (11 quilos). Em 2001, esse preço caiu para R$ 3,50, mas a partir de 2002 os preços começaram a melhorar novamente. O preço da lata pago ao extrativista era R$ 6,50, em 2002, e R$ 7,00 em 2003. Em 2004, as expectativas são boas devido à implantação de 2 usinas de beneficiamento de castanha pelo Governo do Estado do Acre. Em Brasiléia, em fevereiro de 2004, a lata de castanha-do-brasil custava R$ 9,50. No mercado de Rio Branco, a castanha pode ser encontrada em embalagens de 250 gramas por R$ 4,50. Antes, as castanhas vendidas no Acre eram embaladas em outros Estados. Em Belém, em 2004, o litro da castanha com casca era vendido por R$ 1. A castanha também está virando cosméticos. Um vidro com 140 mililitros de óleo para o corpo pode custar mais de R$ 10.
Quase toda a produção de castanha-do-brasil é exportada, principalmente para os Estados Unidos e Inglaterra. Dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio mostram que a exportação vem caindo desde a década de 1970. Uma outra perda de mercado aconteceu a partir de 1998, quando uma regulação na Europa reduziu o nível aceitável de substâncias tóxicas (aflotoxinas) produzidas por fungos que contaminam a castanha. Essa mudança dificultou o comércio mundial da castanha[5]. Em julho de 2003, a União Européia fechou as portas de seu mercado para a castanha em casca brasileira. Estima-se que a indústria internacional de exportação da castanha movimenta entre 18 e 65 milhões de dólares por ano. No entanto, mais importante do que isso é a coleta, o beneficiamento e a venda das castanhas localmente, pois o comércio doméstico gera dinheiro e emprego para milhares de famílias na Amazônia.
Castanha: descascada e comida fresca, bombom, sorvete, doce, farinha e leite para temperar comida.
Óleo: sabonete, creme, xampu.
Ouriço: artesanato, brinquedos (pés de ouriço), remédio, carvão, pilãozinho, tigela para coletar seringa.
Casca: remédio (chá) para diarréia.
Madeira: historicamente muito utilizada para estacas e construção, mas hoje é ilegal derrubar castanheiras silvestres.
A castanha, rica em proteínas e calorias, é considerada por muitos uma carne vegetal. Possui 12% a 17% de proteína nos frutos e 46% de proteína na farinha sem gordura, enquanto a carne de gado possui 26% a 31% de proteína. A castanha possui mais ou menos metade da proteína e 2 vezes mais calorias que as contidas num bife. Sua proteína é quase equivalente à do leite de vaca, contendo aminoácidos completos. Você pode até substituir o leite de vaca na culinária. Para obter o leite da castanha basta ralar os frutos e adicionar água. A castanha tem minerais como fósforo, potássio e vitamina B. Em adição, 100 gramas de castanha contêm: 61 gramas de gordura; 2,8 miligramas de ferro; 180 miligramas de cálcio; 4,2 miligramas de zinco. A castanha também contém grandes quantidades de metionina, que é um dos elementos nutritivos mais limitados na dieta amazônica[6].
Biscoito de castanha (da famosa dona Maria Cosson, do Acre)
– 2 xícaras de castanha ralada
– 4 xícaras de farinha de trigo
– 1 pacote pequeno de maizena (200 g)
– 500 g de margarina
– 1 xícara de açúcar
Misture todos os ingredientes até obter uma massa firme. Abra a massa com um rolo e corte-a em formas desejadas. Polvilhe os biscoitinhos com farinha de trigo antes de assar no forno.
Galinha no leite de castanha
– 4 colheres de margarina
– 1 galinha
– 1 xícara de chá de castanha ralada
– suco de 1 limão
– 1 cebola picada
– 8 tomates (sem pele) picados
– 1 maço de cheiro-verde, pimenta, alho e sal a gosto
– leite de castanha
Corte a galinha em pedaços; tempere-os com sal e alho e reserve. Em uma panela, refogue na margarina a cebola, os tomates, o cheiro-verde, o suco de limão e a pimenta. Junte a galinha e deixe cozinhar. Em seguida, retire a galinha da panela e deixe esfriar. Retire os ossos da galinha e corte a carne em pedaços grandes. Junte o leite da castanha no caldo que ficou na panela e misture-o aos pedaços de galinha.
Para o leite de castanha: rale as castanhas frescas ou soque-as no pilão. Em seguida, coloque a massa em uma panela com um pouco de água quente e mexa bem. Esprema a massa em um pano para extrair o leite. Os restos das castanhas podem ser usados como ração para animais.
Bolo Marajó
Ingredientes:
– 2 xícaras de açúcar
– 1 xícara de castanhas raladas
– 1 copo de leite condensado (com um pouco de água)
– 1 xícara de farinha de trigo
– 1 xícara de manteiga
– 4 ovos
Bata a manteiga com o açúcar, junte os ovos e continue batendo até uni-los. Adicione a castanha ralada e o leite condensado e bata mais um pouco. Em seguida, misture a farinha de trigo e mexa bem. Coloque a massa em uma fôrma untada e leve ao forno.
Cabelos bonitos
Misture 1 colher de óleo de castanha com 1 colher de mel de abelha e 1 gema de ovo. Bata e aplique a loção nos cabelos já lavados[8].
Bombom de cupuaçu com castanha
Ingredientes:
– 1 cupuaçu grande
– 1 kg de açúcar
– 1 prato de castanha ralada
– 1 prato de castanha cortada e torrada com manteiga a gosto
Retire a polpa do cupuaçu com ajuda de uma tesoura. Coloque-a em uma panela com água e leve ao forno para reduzir a acidez. Em seguida, escorra a polpa em uma peneira. Misture a polpa, o açúcar e a castanha ralada e leve ao fogo. Deixe ferver até a massa soltar do fundo da panela. Espalhe o doce em uma tábua untada. Coloque a castanha torrada e cortada sobre o doce e enrole-o na forma de bastões grossos. Use papel alumínio ou celofane para embrulhar.
Receitas para hepatite e azia
Em algumas regiões, o chá do ouriço da castanha é considerado um ótimo remédio para hepatite, anemia e problemas intestinais. Limpe o ouriço e deixe-o descansar na água por 2 a 3 horas, ou até obter cor de sangue. Tome o chá diariamente. Além disso, as mulheres grávidas com muita azia dizem que comendo 1 a 2 castanhas por dia o mal-estar desaparece.
Um produto de luxo
O óleo virgem de castanha-do-brasil, produzido no Amapá, está sendo exportado para a Europa. Esse óleo já pode ser encontrado nas lojas de Paris. O produto tem a vantagem de ser rico em selênio. A quantidade de selênio nas castanhas está relacionada com a presença desse mineral no solo. Em outros solos, como os do Acre, por exemplo, o conteúdo de selênio parece ser menor. O óleo de castanha-do-brasil também possui a vantagem de ser vendido com o “selo verde”, pois a produção é feita pela população tradicional do Laranjal do Jari, no Amapá, em uma área protegida pela legislação ambiental.
Lênio José Guerreiro de Faria
Você gosta mais de farinha amarela ou branca? Sabendo da preferência das pessoas pela farinha amarela, algumas empresas utilizam corantes artificiais para obter essa cor. Esses corantes podem causar problemas sérios de alergia, principalmente em crianças. No Laboratório de Engenharia Química da Universidade Federal do Pará (UFPA) existem pesquisas sobre certos corantes naturais. Os pesquisadores da UFPA descobriram que o cúrcuma, da família do gengibre, é um excelente corante natural, mas tem um sabor e cheiro que não combinam muito bem com a farinha. Então, eles continuaram pesquisando e descobriram que o ouriço da castanha cortado e queimado, ou seja, transformado em carvão ativo, é uma substância excelente para retirar esse odor. Além disso, um pesquisador da Universidade da Guiana Francesa visitou a UFPA para ver como o carvão ativo da castanha pode ser útil na purificação da água nas áreas rurais. Já pensou, 1 grama de carvão ativo de ouriço de castanha tem superfície de 250 metros quadrados e, como uma esponja enorme, absorve as impurezas, deixando a água limpinha[9].
Cutia, macaco e sapo
A castanheira tem um papel importante nas florestas, pois possui relações fortes com outras plantas e animais. Por exemplo, ela possui uma relação muito interessante com os polinizadores. As flores da castanheira são fechadas e podem ser abertas apenas por visitantes grandes e fortes. As abelhas grandes são as únicas que realmente conseguem polinizar as castanheiras.
A cutia é a principal responsável pela dispersão das sementes e regeneração da castanheira na floresta. Alguns cientistas acham que o trabalho da cutia explica a ocorrência de castanheiras em áreas concentradas, enquanto outros acham que os índios seriam os responsáveis por algumas concentrações[8]. Como as cutias plantam as castanhas, e assim ajudam novas árvores a germinar, é importante não caçar muita cutia, senão pode faltar castanha no futuro.
Os seringueiros no Acre dizem que o macaco cairara e o macaco prego conseguem abrir os ouriços velhos. O macaco sopra pela abertura do ouriço e, em seguida, bate-o no galho da castanheira até quebrar. Mas, muitas vezes, o macaco que fez todo o trabalho em cima da árvore perde as sementes para outros que estão esperando lá embaixo.
O macaco também pode tentar aproveitar um ouriço aberto por cutia, mas a abertura pequena do ouriço só machuca a mão do macaco. O macaco velho, já sabendo disso, usa as pontas dos dedos para retirar as amêndoas uma a uma. Dizem que é daí que surgiu o provérbio: “macaco velho não põe a mão em cumbuca”.
Os animais silvestres gostam da flor bonita e grande da castanheira. A paca, a queixada, o catitu, o tatu e o veado engordam enchendo suas barrigas com essa flor carnosa. Os caçadores, espertos, colocam mutás próximos das castanheiras para caçar esses bichos.
Também existe uma espécie de sapo e uma rã venenosa que só conseguem reproduzir no oco do ouriço da castanheira[10]. A castanheira possui ainda muitas outras relações com animais e plantas da floresta. Você conhece alguma?
Sabemos que a castanheira vive muito e que já foram encontradas árvores com 500 anos[11]. Murça Pires, botânico do Museu Goeldi, dizia que a castanheira é uma árvore milenar. Mas um estudo mostra que os castanhais da Amazônia estão envelhecendo. Em áreas onde a coleta de sementes é muito grande, o número de mudas que podem substituir as árvores mais velhas é muito pequeno. Os cientistas alertam que sem manejo, os castanhais muito explorados podem ficar sem árvores novas[12]. É sempre importante pensar em deixar algumas castanhas no chão para alimentar os animais e permitir a germinação para a manutenção da espécie.
Uma outra opção é fazer plantios. Um teste feito nos seringais acreanos comparou o crescimento de castanheiras nas clareiras da floresta (onde ela nasce naturalmente), no roçado e no campo. Na floresta, elas sobreviveram bem, embora o seu crescimento tenha sido lento. O campo oferece todas as condições para que a castanheira cresça bem, inclusive pleno sol, porém é preciso muito trabalho para construir cercados e limpar o mato ao redor para que ele não cubra a planta. Esse teste mostrou que o melhor lugar para plantar as castanheiras, nos seringais, é o roçado, plantando-as junto com o arroz e o milho, antes de o roçado virar capoeira. Assim, as plantas crescem rápido e não é preciso muito esforço para mantê-las limpas. Elas podem crescer pelo menos 1 metro em altura por ano.
Os colonos no Projeto Reca, na fronteira dos Estados do Acre e Rondônia, também têm tido muito sucesso no plantio de castanheiras em sistemas agroflorestais. Mas é importante lembrar que é preciso ter uma mata por perto para que a castanheira possa ser polinizada e assim produzir frutos. As castanheiras plantadas em pastagens distantes de áreas de florestas provavelmente não vão produzir. As plantações de castanheiras antigas na Amazônia não dão frutos, provavelmente porque os polinizadores (abelhas grandes) precisam de áreas de mata para viver.
As sementes têm alguns segredos para a germinação. Elas têm uma certa dormência – isso quer dizer que não germinam logo depois que o ouriço cai da árvore. Uma forma boa de tratar as sementes para quebrar essa dormência é coletá-las bem frescas, logo depois da sua queda, e armazená-las em recipiente com areia úmida[13]. Sempre mantenha as sementes na sombra, em lugar bem ventilado e drenado. Depois de 5 meses, retire as cascas das sementes (que agora estão muito mais soltas), jogando fora qualquer semente que foi danificada nas pontas. Coloque as sementes em um canto onde elas possam nascer sem serem atacadas por formigas nem ratos. Dentro de 2 semanas elas vão começar a germinar, com a maioria nascendo depois de 1 mês e meio. Coloque as mudinhas em um saco ou viveiro caseiro e, depois de atingirem 25 centímetros de altura ou 16 folhas, plante-as em lugar definitivo[14]. Assim, você pode enriquecer sua área com uma planta que rende muitos benefícios. Mas aja logo, não espere a cutia plantar as sementes de castanheira!
Alfredo Kingo Oyama Homma
Em Marabá, sudeste paraense, milhares de castanheiras centenárias desapareceram nos últimos 30 anos. Em um período de 60 anos, os castanhais foram mantidos e ajudaram a sustentar milhares de famílias extrativistas, bem como a oligarquia da castanha-do-brasil[15]. Isso ocorreu há cerca de 100 anos atrás, quando a borracha nativa perdeu importância e o comércio de castanha-do-brasil passou a ser a principal atividade econômica da região. Mas, a partir do final da década de 1960, baseado no princípio de que o gado renderia mais que a mata em pé, o governo começou a apoiar a agropecuária. Para promover o desenvolvimento da Região Norte foram construídas rodovias como a Belém-Brasília, a PA-150, a BR-222 e a Transamazônica, além da hidrelétrica de Tucuruí. Nessa época, muitos posseiros e fazendeiros começaram a se estabelecer, mesmo em áreas remotas. Assim, a floresta foi sendo substituída pelo plantio de culturas anuais e pastos, iniciando uma onda de desmatamento.
Depois do ciclo da pecuária começou uma nova fase de valorização dos recursos naturais da região – dois tipos de ouro foram descobertos: o ouro amarelo da Província Mineral de Carajás e o ouro verde, ou seja, a madeira (primeiro o mogno e depois outras espécies, como a castanheira). Como resultado, até 1997, cerca de 70% das áreas de castanhais já haviam sido desmatadas no sudeste paraense.
Atualmente, muitas pessoas preferem a agropecuária ao extrativismo. Os castanhais estão desaparecendo e, tanto as castanheiras vivas como os grupos de castanheiras mortas em pé, conhecidos como “cemitério das castanheiras[16], são derrubados para aproveitar a madeira, promovendo uma limpeza étnica vegetal. Nessas áreas, o padrão de desmatamento pode ser explicado, pois para os produtores com lotes pequenos (até 50 hectares), a renda com o extrativismo de castanha-do-brasil e do cupuaçu é menor que a renda com a produção da roça e pecuária[17].
A destruição dos castanhais no sudeste paraense ilustra o conflito de políticas públicas. Antigamente, os colonos tinham áreas maiores e conseguiam plantar em uma parte do lote e conservar os castanhais em outra. Hoje, eles precisam derrubar tudo. Quando a fertilidade do solo e os estoques de recursos florestais acabam, eles são obrigados a abandonar o lote em busca de um novo local.
Rafael P. Salomão
Na mata do Trombetas, castanheiras demonstram grandes variações de densidades. Numa área de 789 hectares, a densidade média foi de 1,5 árvore por hectare, com alguns hectares com 13 árvores. Essa concentração de castanheira é conhecida como “bolas” ou castanhais. Em uma área próxima de 1.500 hectares ocorreram apenas 7 castanheiras em toda a área. As duas áreas estavam distantes 30 quilômetros uma da outra e tinham a mesma intensidade de chuvas, luminosidade e tipo de solo.
Arqueólogos estão trabalhando junto com ecólogos para explicar o fenônemo dessas “bolas”. Muita gente acredita que essas áreas foram manejadas por indígenas centenas de anos atrás. As “bolas” são bem conhecidas pelos moradores da região que até dão nomes como “Veado Grande”, “Veado Pequeno” e “Bola do Chico”.
Além de ter áreas ricas em castanheiras, o Trombetas também possui áreas ricas em minerais que são explorados por grandes empresas. Nas áreas severamente degradadas, as mudas de castanheiras estão sendo replantadas e crescendo bem. A castanheira é uma ótima espécie para a recuperação de áreas degradadas na Amazônia. Advinhe o diâmetro atual de castanheiras plantadas em 1984? Já atingiram 60 centímetros! Os cientistas responsáveis pelo reflorestamento não esqueceram a população local. Em vez de pensar somente em espécies madeireiras, eles estão plantando o que chamam de “espécies sociais” – aquelas que enchem a barriga, oferecendo nutrição e saúde.
Passando pela estrada você já viu grandes extensões de fazendas com pastagens em decadência e somente esqueletos de árvores enormes de cor cinza e mortas em pé? Sabe que árvore é essa? É a castanheira! O Brasil, o Peru e a Bolívia valorizam tanto essas árvores que fizeram leis para mandar para cadeia e cobrar multas altas de quem as derruba. Mas essa lei não é efetiva. Estudos no Acre mostraram que 20 anos depois do estabelecimento de pastagens 80% das castanheiras foram mortas e não regeneraram[18].
_____________
[1] Salomão, R.P. 1991
[2] Peres, C.A. & Baider, C. 1997
[3] IBGE. Produção da extração vegetal e da silvicultura.
[4] Assies, W. 1997
[5] Newing, H. & Harrop, S. 2000
[6] Gross, D.1990
[7] Benton, D. 2002
[8] Balée, W. & Campbell, D.G. 1989
[9] Para outras experiências consulte: Faria, L.J.G. & Costa, C.M.L. 1998
[10] Ortiz, E.G.1995
[11] Camargo, P.B. et.al. 1997
[12] Peres C.A. et.al. 2003
[13] Kainer, K.A. & Duryea, M.L.1998
[14] Muller, C.H.1995
[15] Emmi, M.F. 1987
[16] Bentes, R.S.; Marín, R.A. & Emmi, M.F. 1988
[17] Homma, A.K.O. 2000
[18] Viana V.N. 1998
Richard Wallace
Luciano Pereira
Campbell Plowden
Nas noites escuras da mata todos dormem em paz nas redes. As famílias se sentem seguras, pois, mesmo com tempestade, a casa não vai cair. A construção resistente de milhares de casas rurais na Amazônia é possível graças ao maravilhoso cipó-titica. O cipó-titica também é usado para fazer peneiras, que ajudam a população rural a produzir farinha de mandioca, e caçuá (cesto) para carregar mandioca, caça e frutas. E dizem por aí que o cipó-titica serve até para fazer chapéu!
O titica é um cipó hemi-epífito, ou seja, germina no chão e sobe para a copa das árvores onde a planta-mãe do cipó se estabelece. Quando o cipó está estabelecido, algumas raízes começam a crescer da planta-mãe e descer em busca do solo. O gênero Heteropsis consiste de 13 espécies que ocorrem no Brasil, Guiana, Venezuela e Peru.
Época de flor e fruto
A época em que o cipó-titica floresce e frutifica é bem diferente em cada parte da Amazônia. No entanto, na maioria dos Estados, a floração acontece entre os meses de setembro e maio e a frutificação ocorre entre os meses de março e novembro. No Suriname, o cipó-titica frutifica de abril a julho[1].
Densidade
No Pará foram encontradas de 143 a 453 árvores com cipó-titica por hectare na Reserva Tembé[2]. Em Porto de Moz, a média foi de 85 árvores com cipó-titica por hectare e de 457 raízes maduras por hectare. Em outras áreas como no Parque Nacional do Jaú, no Amazonas, foram encontradas densidades menores. Em um estudo sobre árvores com cipó-titica, apenas 36% dos cipós tinham uso comercial, pois eram grossos, compridos e com poucos nós[2]. As grandes diferenças na densidade de árvores hospedeiras em diferentes áreas no Brasil e em outros países indica que diferentes composições da mata, estrutura e clima podem significativamente afetar a produtividade da planta.
Densidades variáveis de cipó-titica na Amazônia
Produção
A produção de cipó-titica varia bastante entre diferentes regiões – varia tanto o número de raízes por árvore como o número de árvores com cipós. Um estudo no Pará descobriu uma média de 3 raízes por árvore[2]. Uma raiz pesa cerca de 175 gramas. Em média, meio quilo de cipó-titica é coletado de cada árvore, o que representa 36 a 88 quilos por hectare. Quando seco, o rendimento do cipó é de 7 a 18 quilos de cipó por hectare. No Amapá, onde a extração é relativamente recente comparada ao Pará, são extraídos cerca de 350 quilos de cipó-titica por hectare[4].
Nas cidades próximas a Belém, no Pará, o preço do cipó-titica durante a década de 1990 variou entre R$ 1 e R$ 2 por quilo. Hoje, o quilo atinge em média R$ 3. Em Porto de Moz, em 2004, o preço do quilo de cipó-titica com casca custou R$ 1,50 e sem casca, R$ 2,50. Como a mão-de-obra para descascar o cipó é grande, alguns coletores preferem vendê-lo com casca. As mulheres de Porto de Moz recebem R$ 10 por um porta-espelhos e R$ 100 por uma cadeira de balanço feitos de cipó-titica. Em Rio Branco, no Acre, em 1997, 1 quilo de cipó com casca custou R$ 1 e sem casca, R$ 2. Em 1997, a extração, o beneficiamento e a venda do cipó-titica geraram uma renda líquida de mais de R$ 24 por dia de trabalho de um extrator.
Construção: para amarrar estruturas de casas, substituindo o prego em áreas rurais.
Utensilhos domésticos: cestos, bolsas, vassouras, jamaxins, peneiras, paneiros, caçuás, móveis.
Limpando a casa: qual vassoura dura mais?
Vamos aprender com um puxador de cipós amapaense a fazer a coleta do cipó-titica. Ao chegar na mata é importante perceber quais são as árvores mais carregadas de cipós. Os coletores, mulheres e homens, preferem retirar cipó-titica de árvores com mais de 4 “pernas” (raízes de cipó). Faça 2 testes para verificar se o cipó-titica está pronto para ser coletado: primeiro, dobre o cipó para ver se ele está firme e não quebra com facilidade. Depois, arranque um pedaço da casca com a unha; se a casca está bem grudada e sai com dificuldade, então o cipó está pronto para ser retirado. Evite os cipós com muitos nós ou cipós verdes, colhendo somente aqueles com 4 milímetros ou mais de diâmetro.
Para arrancar o cipó, o puxador posiciona uma mão acima da cabeça e a outra um pouco abaixo do ombro e puxa-o com bastante força. Para facilitar a retirada do cipó, alguns extratores pisam na raiz, enterrando-a no solo, fazendo com que o peso do seu próprio corpo force o cipó para baixo. Os cipós geralmente quebram com 10 a 20 metros. Mas cuidado, a planta-mãe que fica em cima da árvore pode cair e trazer junto alguns galhos, folhas e, às vezes, cobras.
No Acre, os extratores normalmente trabalham em equipes de 2 pessoas. Logo depois de retirar os cipós, eles cortam os nós rapidamente. A retirada da casca também pode ocorrer no meio da mata ou em casa. Em Porto de Moz, eles descascam os cipós logo, para evitar que a casca fique dura e o cipó manchado. Para isso, eles usam faca ou canivete. Sem casca, o cipó é enrolado e seco na sombra para não ficar torto, manchado e sem cor. Quando há muitos cipós, o extrator esconde parte deles embaixo de uma árvore cobrindo com galhos e folhas para não secar. Os cipós podem ficar guardados dessa forma por até 30 dias. Em casa, as mulheres e crianças têm um papel importante na retirada da casca e produção de artesanato. O cipó sem casca perde mais da metade do peso depois de 5 dias.
Nas cidades da Amazônia, artesãos tradicionalmente criam sofás e cadeiras de cipó-titica. Essa moda pegou em São Paulo e agora os cipós estão sendo extraídos em grandes quantidades para uso industrial em móveis. Você quer um sofá de cipó-titica? Vamos passear em Macapá e em São Paulo para ver as diferenças entre os tipos artesanal e industrial. Qual você gosta mais? No Amapá, as cadeiras de cipó feitas cuidadosamente por artesãos custam R$ 350. Em São Paulo, as cadeiras feitas em série pelas indústrias custam R$ 4.500.
O beneficiamento da fibra em produtos artesanais acabados agrega valor ao produto. Em Rio Branco, no Acre, em 1997, o quilo de cipó-titica sem casca foi vendido por R$ 2. Menos de um 1 quilo é usado para fazer uma cesta para pão, em menos de 1 hora. A cesta pode ser vendida por R$ 16. Um artesão do Acre falou que possui uma lista de encomendas dos moradores do bairro onde mora. Os clientes preferem produtos do artesão local porque eles possuem melhor qualidade que os industrializados. Além disso, se o produto começa a ter algum defeito, o morador pode facilmente levá-lo para o conserto.
Em Rio Branco, os artesãos beneficiam o cipó-titica antes de usá-lo para fabricar móveis. Usam um raspadeiro para alisar e afinar o cipó até atingir a espessura certa para produzir cestas, pratos de bolo, cômodas, cadeiras, vasos de flores e porta-revistas. As vendas são feitas por encomendas particulares (festas, aniversários, Natal e Páscoa), encomendas de comerciantes (supermercados, lanchonetes e restaurantes) e na participação em feiras (Feira Anual de Produtos Florestais do Acre e na Feirinha aos domingos)[5].
Devido à escassez de cipó-titica no Maranhão, Pará e Tocantins, as grandes empresas de extração de cipó trouxeram trabalhadores desempregados do Piauí, Maranhão e Pará para extrair cipó-titica no Amapá. Eles entravam na floresta com equipes de 60 homens montados em burros para extrair todos os cipós-titica da área. Como resultado, os artesãos amapaenses ficaram sem cipó. Em reação à pressão dos artesãos, o Governo do Amapá, em dezembro de 2001, aprovou a lei de conservação e proteção aos cipós do Estado. Esse foi o primeiro Estado brasileiro a criar uma lei de controle de extração de cipós. Hoje, a extração é permitida somente com plano de manejo. A lei definiu o período, a quantidade e o local da coleta, além de normas para receber licença para a extração. No entanto, na prática, os pequenos não conseguem cumprir a lei devido a burocracias para elaboração de planos de manejo. Nesse caso, as leis que protegem os cipós podem prejudicar os pequenos e favorecer os grandes.
Grande parte dos caçadores utiliza a fibra de cipó-titica para construir mutás entre 2 árvores – um tipo de andaime construído a 2 ou 3 metros do chão – para “esperar” a caça. Quando conseguem capturar algum animal, os caçadores usam cipó-titica para carregar a caça para casa.
O cipó-titica prefere se hospedar em árvores de florestas maduras – não gosta de espécies pioneiras e daquelas com casca muito fina ou muito grossa. Além disso, o cipó não se dá bem com fogo, pois morre facilmente. Adivinha em quantas árvores de 1 hectare o cipó conseguiu se recuperar após uma queimada 20 anos atrás? Somente em 2![2] O titica é muito sensível ao fogo e em muitas regiões ele já desapareceu.
Além disso, quando os coletores arrancam todas as raízes de um cipó, a planta tende a morrer. Pesquisas realizadas pelo Instituto de Pesquisas Científicas e Tecnológicas do Estado do Amapá (Iepa) mostram que nas parcelas onde todas as raízes de titica foram coletadas, a maioria não rebrotou. Nas parcelas onde apenas raízes maduras foram coletadas, depois de 2 anos, todas rebrotaram, cresceram e enraizaram no chão[4]. Por isso, é importante tomar alguns cuidados no manejo do titica.
Por árvore:
• Não colete muito cipó de uma árvore, principalmente no verão. A mortalidade do cipó-titica é maior no verão porque é difícil encontrar água suficiente para a sobrevivência.
• Para ajudar na regeneração, vale a pena deixar 2 pernas de cipó em cada árvore.
• Só tire cipós maduros. Para garantir um bom rendimento, deixe os cipós verdes e aqueles que têm muitos nós. Além disso, deixe os cipós com mais de 1,5 metro entre um nó e outro, pois os artesãos têm preferência por cipós mais longos.
• Pode limpar a árvore dos cipós sem valor para deixar o cipó-titica crescer mais livre. Mas cuidado, diferentes espécies de cipó possuem flores grandes e bonitas, bem no alto da copa das árvores, que atraem os polinizadores. Os polinizadores têm papel importante na reprodução de árvores úteis para a comunidade.
Por área:
• Estabeleça zonas de extração onde as raízes são coletadas em sistemas de rotações.
• Aproveite para extrair o máximo possível de cipós em áreas que serão derrubadas.
• Em Porto de Moz, 1 vez por ano, as mulheres fazem uma limpeza entre os fios de cipós que estão presos nas árvores tirando os mortos e tudo o que impeça o bom crescimento do cipó[6]. Esse ajuste é feito no verão, pois assim evitam-se picadas de insetos e outros gastos desnecessários. Os restos da limpeza são espalhados no chão, mantendo a humidade do solo, adubando a área e diminuindo o crescimento do mato.
Maria Creuza
Maria Olívia
Com tantos técnicos como pode ser que ninguém conheça as técnicas de manejo do cipó-titica? A Associação de Mulheres Emanuela, de Porto de Moz, descobriu isso quando começou a levantar o potencial de produção do titica. Como as mulheres não acharam ninguém que soubesse manejar a espécie, elas mesmas foram para mata para descobrir “os segredos” do cipó-titica.
Assim, desenvolveram um método para fazer o inventário e formas de extração que evitam danos. O grupo era composto por 35 mulheres de 7 comunidades – cada mulher ficou responsável por descobrir o potencial de sua mata para a produção de cipós. O inventário foi feito em uma picada com 250 metros contando as árvores em 5 metros de cada lado. As mulheres: (1) contaram em quantas árvores existia o cipó-titica; (2) marcaram quantos fios do cipó existiam em cada árvore; e (3) identificaram os fios maduros e verdes. O estudo mostrou que uma área de 50 hectares pode produzir até 150 quilos de cipó sem casca. Com essa base de informações, cada mulher ficou responsável por trazer 5 quilos de cipó de sua área para confeccionar móveis em uma oficina.
Com o cipó já seco, cada fio de cipó foi partido em 3, gerando 3 fios mais finos – 2 costaneiras e 1 bucha (a parte central). Quando o cipó não tem manchas, as mulheres preferem trabalhar com ele cru. Cada costaneira e bucha é raspada com uma faca para depois ser alisada. Aí, é só enrolar na armação de madeira para fazer os móveis. Depois de bem enrolado, o cipó é lixado e limpo. Em seguida, as mulheres aplicam 1 camada de selador e depois 3 camadas de verniz sobre o cipó. Quando o cipó é descascado dias depois da coleta e fica com manchas, pode ser lavado em 3 banhos de soda cáustica para ficar branquinho.
Com esta técnica, as mulheres de Porto de Moz estão fabricando cadeiras, cestas, porta-espelhos, baús, maletas, porta-jóias, porta-garrafas, estantes e fruteiras. Os preços variam de R$ 10 para o porta-espelhos a R$ 100 para a cadeira; cada objeto usa entre 1 a 5 quilos de cipó seco. Mesmo com todo o trabalho, vale mais a pena fazer o artesanato do que vender o cipó com casca por R$ 1,50 ou descascado por R$ 2,50 o quilo. Pela primeira vez, as mulheres de Porto de Moz têm sua própria renda.
Como são as mulheres que fazem o artesanato de cipó-titica, os homens não sabem qual serve para vassoura ou qual está maduro ou verde. Elas contam: “ele vê o cipó e logo vai cortando ao redor da árvore inteira. As mulheres têm mais cuidado; quando elas chegam em uma árvore, observam e só tiram o cipó que serve para a fabricação de objetos”.
Se você coletar o cipó-titica nas noites escuras, da lua nova a quarto crescente, ele sai perfeitinho. Na lua cheia, dá broquinha – miudinha e branquinha. Quando você dobra o cipó, ele está cheio de furos e quebra. O arumã tem o mesmo mistério.
_____________
[1] Hoffman, B. 1997
[2] Plowden, C. (a ser publicado)
[3] Durigan, C.C. 1998
[4] Pereira L. et al. (não-publicado)
[5] Wallace, R. & Ferreira, E. (a ser publicado)
[6] Associação de Mulheres Emanuela 2003
Mariella Mendes Revilla
Alexandre Dias de Souza
O ipê-roxo, também conhecido por pau d’arco, é muito usado no Brasil, tanto pela madeira durável e bonita como pela casca medicinal poderosa. A casca contém quantidades variáveis de lapachol e outras substâncias químicas com propriedades farmacológicas. Além disso, é muito utilizada na medicina doméstica contra inflamações, tumores, alergias e como cicatrizante.
O ipê-roxo possui flores muito bonitas. Na floração, as copas ganham um lilás inesquecível e as pétalas caem como se fosse chuva na floração. A árvore pode chegar até 40 metros de altura e atingir um rodo de 4,5 metros. O ipê-roxo tem ampla distribuição na terra firme das matas tropicais do Brasil; no Acre é considerado uma espécie rara, pois ocorre em baixas densidades.
Época de flor e fruto
O ipê-roxo floresce entre maio e setembro e frutifica entre julho e novembro. Na floração, a queda das pétalas é seguida pela queda das folhas e, em seguida, a árvore fica nua. Após cerca de 10 dias ocorre a frutificação. Mas esse espetáculo não ocorre todos os anos; existem variações na floração e na frutificação e, às vezes, a árvore deixa de florescer por 1 ou 2 anos seguidos.
Densidade
A densidade do ipê-roxo é de menos de 1 árvore por hectare e sua distribuição é bastante irregular. O ipê-roxo ocorre em áreas de terra firme e, no Acre, preferencialmente em florestas com bambu (tabocal)[1]. O ipê-roxo ocorre pouco em áreas de várzea e baixio. A grande procura por madeira de ipê-roxo está reduzindo sua abundância na floresta.
Produção
De cada 100 quilos de casca úmida extraída, somente 40 quilos são matéria seca pois, em média, 60% da casca é água.
A procura por cascas de ipê-roxo pelas farmácias de manipulação, farmácias homeopáticas e indústrias de cosméticos vem aumentando a cada dia. Em Rio Branco, na Toca do Coelho, o saquinho com 100 gramas de casca foi vendido por R$ 2 em 2004. Na feira do Ver-o-Peso e nas 4 maiores casas de plantas medicinais de Belém, calcula-se que cerca de 250 quilos de casca são comercializados toda semana. Em 2004, nas casas de plantas, o quilo da casca foi vendido por R$ 6. Além disso, há muitos laboratórios que estão triturando a casca de ipê-roxo para fazer cápsulas.
O ipê-roxo é muito explorado pelos madeireiros por causa da boa qualidade da madeira. Em áreas onde não existe mais mogno como em Tomé-Açu, no Pará, o ipê-roxo é a espécie mais cara nas serrarias, vendida por R$ 700 o metro cúbico. Muitos vendedores de casca de ipê-roxo estão aproveitando as árvores que já estão no pátio das serrarias. Mas é preciso ser rápido, pois até os madeireiros já estão vendendo essa casca tão valiosa.
Casca interna: chá, xaropes, garrafadas e lambedores. Em alguns lugares, é usada para combater diabetes, leucemia, câncer, anemia, arteriosclerose, artrite, bronquite, cistite, doenças parasitárias, gastrite, feridas e inflamações. Nos Estados Unidos é muito usada contra alergia[2]. Além disso, muitas comunidades usam a casca de ipê-roxo para tratar a malária.
Madeira: de alta qualidade, pesada, densidade de 1,3 grama por centímetro cúbico. Muito utilizada na construção civil, fabricação de mourões, embarcações e carvão. A madeira de ipê-roxo também é utilizada na fabricação de pisos de madeira, na forma de tacos e tábuas. Os indígenas usam a madeira para fazer arcos.
Flor: arranjos bonitos.
Chá delicioso
O chá de ipê-roxo possui uma interação de substâncias que parece atuar contra o câncer, ajudando no aumento de glóbulos vermelhos do sangue e na melhor oxigenação do corpo[3]. E, ao contrário de muitos remédios, o chá de ipê-roxo é delicioso!
• Jamais ferva ou guarde o chá de ipê-roxo em recipiente de alumínio, estanho, lata ou plástico. Os metais entram em reação química com vários componentes do chá quando fervido, alterando seu efeito medicinal. Recipientes como vidro, cerâmica, porcelana, barro, ferro fundido ou aço são mais apropriados.
• Não conserve o chá no recipiente onde foi preparado, pois as partículas da casca podem deixá-lo amargo.
• Não deixe o chá muito tempo em infusão, pois o aroma fica muito forte.
• Para 1 litro de água fervente, coloque de 5 a 10 gramas de casca de ipê-roxo, tampe e deixe em fogo brando por 5 minutos. Retire a vasilha do fogo e deixe o chá em infusão de 15 a 20 minutos. Em seguida, coe o chá com uma peneira diretamente no recipiente que ficará guardado para ser tomado aos poucos.
Patricia Shanley e Leda Luz
Mesmo tendo uma farmácia com remédios modernos pertinho de casa, pessoas de diferentes classes sociais das cidades brasileiras continuam comprando raízes e cascas medicinais da floresta nativa. Os consumidores dizem que os medicamentos da floresta são eficazes, custam menos e tratam de doenças como reumatismo, artrite e distúrbios do sistema nervoso, para os quais ainda não há remédio certo na farmácia[4].
No mundo inteiro, 80% das pessoas usam plantas para tratar doenças. Além disso, muitos remédios da farmácia contêm substâncias que foram descobertas originalmente em uma planta. Então, por que os cientistas não têm transformado outras plantas em pílulas? Porque muitas vezes eles não sabem como fazê-lo. O óleo de copaíba, o leite de amapá, a sucuúba, a resina de jatobá e a casca de pau d’arco são tão complexos quimicamente que suas substâncias ativas dificilmente podem ser isoladas.
Por causa dos novos usos da terra amazônica, a composição da floresta está mudando rapidamente. Para assegurar que ainda haja remédio no futuro é fundamental saber quais são as plantas mais importantes, onde elas crescem e qual é a sua abundância. Veja algumas espécies de árvores medicinais que são extraídas para madeira no Pará:
Árvores medicinais extraídas para madeira
De onde você acha que as espécies mais poderosas para curar doenças vêm: da floresta, da capoeira, ou da beira da estrada? Os cientistas também não sabem responder ao certo essa pergunta; alguns acham que as plantas mais eficazes são aquelas que conseguem crescer nas condições difíceis da capoeira e da beira da estrada[4]. Outros acham que as árvores da floresta, que lutam quimicamente contra tantos insetos e fungos, produzem os remédios mais poderosos. Atualmente, os coletores de cascas dessas plantas já freqüentam mais a serraria que a floresta. Em Belém, um estudo de 9 anos no mercado de plantas mostrou que de 211 plantas medicinais sendo vendidas, 45% são nativas da Amazônia. Das 12 plantas mais populares estudadas entre 1994 e 2002, adivinha quantas vinham da floresta? Sete, e dessas 7 plantas, 5 estão sendo exploradas pela indústria madeireira[6].
De onde vem as 12 plantas medicinais mais vendidas na Amazônia Oriental?
Por causa de altas incidências de desmatamento e fogo, algumas espécies medicinais estão cada vez mais difíceis de serem encontradas no mercado. Espécies com altíssimo poder de cura estão sendo extraídas pelos madeireiros. Algumas espécies como ipê-roxo, amapá, copaíba e jatobá ocorrem na mata fechada, em baixas densidades e não são cultivadas. Isso significa que são raras e vulneráveis à exploração.
Silvia Galuppo
Campbell Plowden
Um outro remédio poderoso usado por populações rurais e urbanas por centenas de anos é o leite de amapá. Ele é utilizado na medicina popular para o tratamento de problemas pulmonares, gastrite, fraqueza e cicatrização. O amapá também é usado como tônico por pessoas que estão se sentindo fracas, especialmente por mulheres após o parto. Estudos recentes comprovaram a ação analgésica e antiinflamatória de duas espécies de amapá (Parahancornia amapa e Brosimum parinarioides)[5].
Existem 2 grupos de árvores amazônicas com látex comestível chamados de amapá: o amapá amargo e o amapá doce. O grupo do amapá amargo é composto por algumas espécies da família botânica Apocyanaceae. Espécies dessa família normalmente apresentam muitos tipos de alcalóides– substância química forte usada contra doenças. A espécie mais comum de amapá amargo é a Parahancornia amapa. Algumas tribos indígenas na Amazônia Oriental também chamam a espécie Couma guianensis de amapá amargo. O grupo do amapá doce é composto por espécies do gênero Brosimum (da família Moraceae). Análises nutricionais do Brosimum parinarioides indicaram a presença de cálcio, ferro e magnésio nessa espécie[6].
Essas várias espécies conhecidas vulgarmente como amapá são encontradas em áreas de floresta de terra firme e várzea. São árvores altas com média de 35 a 40 metros de altura e semelhantes em seu aspecto. Mas, mesmo sendo poderoso e amplamente usado, o leite de amapá possui propriedades químicas ainda desconhecidas. Por serem espécies parecidas, é difícil saber qual amapá estamos usando. Alguns comerciantes chegam a retirar látex de outras espécies e comercializá-lo como leite de amapá. Vamos ver as diferenças entre essas espécies na tabela abaixo:
Amapá doce ou amargo?
Campbell Plowden
Há poucos estudos sobre a ecologia e efeitos fitoterápicos do amapá. Em um estudo na área indígena dos Tembé, no Pará, a densidade encontrada foi de 3 árvores por hectare. Os frutos do amapazeiro são grandes, têm casca grossa e são apreciados pelos macacos. Para coletar o leite, corte a casca na diagonal com um machado e colha o líquido usando uma vasilha. O estudo na área dos Tembé mostrou que se pode colher de 20 a 100 mililitros de leite por árvore. Como a extração do látex danifica o tronco do amapazeiro, é importante tomar cuidado para minimizar os danos. Vendedores e coletores dizem que não se deve colher leite de amapá durante a estação seca, quando ele está concentrado e tóxico. Além disso, existem os que dizem que no verão o leite sobe, dificultando a extração.
Glória Gaia
Nas feiras e lojas de plantas medicinais de Belém sempre tem garrafadas, óleos e resinas de cores vermelha, alaranjada, amarela e branca. Alguns dos vidros com líquido branco são de amapá. Os feirantes de Belém vendem os 2 tipos de amapá: amargo e doce. Uma garrafa com 300 mililitros custou R$ 5 em 2004. O amapá amargo é usado por muitas pessoas no tratamento das conseqüências da malária, contra vermes, infecções no útero, gastrite, anemia, problemas respiratórios e até tuberculose[7]. Uma novidade é o uso no tratamento de câncer.
As pessoas da zona rural tomam uma colherinha de chá de leite de amapá em jejum todas as manhãs, durante 8 dias. Depois, ficam 1 semana sem tomar e, se preciso, repetem a dose. Para as crianças, usam sempre meia colherinha. O leite de amapá nunca é tomado puro, mas sempre misturado com água, leite, mingau ou café. O amapá doce é usado para restaurar as energias em casos de desnutrição de crianças. É costume tomar 1 colher de sopa de amapá doce 2 vezes por dia.
As sementes de ipê-roxo são aladas e de cor marrom. Os frutos são como vagens e devem ser coletados quando mudam da cor verde para quase preta e antes da dispersão das sementes. As sementes não apresentam dormência; recomenda-se o plantio no máximo 20 dias após a coleta. A germinação ocorre em 2 semanas e o crescimento é rápido na fase inicial, mas ao atingir o estágio de plântula desenvolve-se pouco na sombra. Uma pequisa mostrou que na sombra a maioria das mudas morre depois de 1 ano e o restante morre depois de 2 anos[8]. Quando cultivado, o ipê-roxo desenvolve-se muito bem a pleno sol, tanto em plantios puros como mistos.
Algumas pessoas dizem que as substâncias do ipê-roxo são encontradas em grandes quantidades quando a árvore tem mais de 40 anos[3]. Então, vale a pena pensar em manejar as árvores mais antigas. Na extração de casca, alguns princípios devem ser considerados:
• Não anele o tronco, porque nele passa a seiva que alimenta a árvore.
• Extraia placas de casca no sentido vertical do tronco, estreitas na largura e longas no comprimento. As cascas devem ser retiradas acima da altura do peito. Não extraia a casca de árvores novas, com diâmetro menor que 30 centímetros.
• Evite a extração durante as fases de reprodução (floração e frutificação); preferencialmente extraia após a dispersão das sementes. Com isso, evita-se alguma interferência na fase reprodutiva.
• Quanto mais fino o tronco, mais fina deve ser a casca tirada, variando de 2 a 3 centímetros de espessura, podendo chegar até 4 centímetros.
• Após a extração, deve-se tomar cuidado para evitar contaminações do painel por fungos, cupins e outros tipos de insetos que interfiram na sua regeneração. Vale a pena observar e avaliar a regeneração da casca a cada ano para saber como suas árvores estão reagindo ao corte.
Mark Schulze
O ipê-roxo é tão valioso como madeira que parece ser uma espécie ideal para manejar. No entanto, é uma das espécies amazônicas mais difíceis de se manejar de forma sustentável para a produção de madeira. O ipê-roxo apresenta 2 dificuldades principais para o manejo: (1) os indivíduos jovens (plântulas) ocorrem em baixas densidades na floresta e são insuficientes para substituir os adultos extraídos e (2) a taxa de crescimento da espécie é relativamente baixa na floresta[8]. Uma planta pode levar 100 anos para virar adulta.
A extração de madeira tipicamente remove a maioria dos indivíduos adultos da mata. Isso deixa poucas matrizes para produzir sementes para as gerações futuras e poucas árvores jovens para substituir os adultos extraídos. Da forma como o ipê-roxo está sendo extraído hoje, é como se você retirasse todo o dinheiro da poupança e esperasse que em 30 anos sua conta tivesse rendido um juro suficiente para permitir mais uma retirada. Isso não vai acontecer. Por essas razões, o ipê-roxo é uma das espécies arbóreas mais ameaçadas da Amazônia. Antes de extrair a madeira de ipê-roxo é importante avaliar os outros benefícios importantes que essa espécie pode oferecer ao longo do tempo.
_____________
[1] Oliveira, A. C. A. 2000
[2] Lübeck, W. 1995
[3] Stepp, J.R. & Moerman, D.E. 2001
[4] Shanley, P. & Luz, L. 2003
[5] Souza, M.C.L. et al. 2003 / Projeto Dendrogene, Embrapa-Amazônia Oriental
[6] Galuppo, S. C. 2004.
[7] Shanley, P. & Luz, L. 2003
[8] Schulze, M. 2003
[9] Plowden, C. 2003
Patricia Shanley
A árvore de jatobá fornece muitos produtos de grande importância. A casca possui uso medicinal contra gripe, bronquite e diarréia e age como um tônico recuperando a saúde do corpo. A madeira possui alta durabilidade, por isso, foi utilizada para construir a estrada de ferro de Carajás. A resina de jatobá, conhecida como jutaicica, também pode ser usada como remédio. Antigamente, em tempos de guerra, as tribos indígenas usavam a resina na ponta da flecha para atear fogo nas casas dos inimigos. Além disso, o jatobazeiro fornece fruto comestível.
O jatobá é uma árvore grande, com 30 a 40 metros de altura, e possui tronco reto, com cerca de 2 metros de diâmetro (ou mais de 5 metros de rodo) e casca espessa de até 3 centímetros. A árvore de jatobá tem ampla distribuição na América do Sul e América Central, do México até o Paraguai; ocorre de forma dispersa nas matas de terra firme e de certas várzeas altas, mais freqüentemente em solos argilosos e pobres.
Época de flor e fruto
O jatobazeiro floresce durante a estação seca e frutifica depois de 3 a 4 meses. No Pará, a árvore de jatobá floresce entre março e maio e frutifica entre agosto e outubro; na Amazônia Central, frutifica de fevereiro até setembro;[1] no Acre, de maio a setembro[2].
Densidade
É uma espécie rara (menos de 1 árvore por ha) com distribuição irregular. A abundância de jatobá está diminuindo por causa da extração de madeira.
Produção
A produção de jatobá varia muito. Uma árvore normalmente não produz frutos todos os anos. Muitas “descansam” em um ano e produzem no outro. Enquanto algumas árvores produzem pouco, outras chegam a produzir até 2.000 frutos.
A casca de jatobá possui aproximadamente 40% de água em sua composição. Cada 100 quilos de casca úmida produz 60 quilos de matéria seca. Uma árvore também pode produzir até 15 quilos de resina.
Em 2004, no Ver-o-Peso, em Belém, os frutos de jatobá foram vendidos a R$ 0,10 a unidade; o litro da seiva, a R$ 4,50; uma casca, a R$ 1; e o quilo da casca, a R$ 4. Em 2002, em Rio Branco, na Casa de Ervas, Toca do Coelho e Mercado Municipal, a casca foi vendida em saquinhos de 100 gramas por R$ 2. A madeira de jatobá é uma das mais aceitas no exterior. Nas serrarias de Tomé-Açu, o metro cúbico cerrado está valendo R$ 380.
Fruto: pode ser comido naturalmente ou, de sua polpa, faz-se farinha e gemada, usada para aliviar problemas pulmonares.
Casca: é usada em algumas regiões para fazer chá contra gripe, bronquite, cistite, catarro no peito, diarréia, vermes, fraqueza, cólicas, infecções na bexiga, para ajudar na digestão e no tratamento de câncer de próstata. Além disso, a casca da árvore ou mesmo do fruto pode combater a tosse: é só mastigar e chupar a casca como se fosse uma bala.
Seiva: ao ser cortada, a árvore de jatobá derrama uma seiva vermelha que possui um valor altíssimo. A seiva pode ser usada como combustível, remédio, verniz vegetal, polimento e impermeabilizador de canoa. Também tem poder medicinal: serve como tônico, remédio para problemas respiratórios e urinários e como fortificante. Porém, tome cuidado, extrair a seiva com facão muitas vezes pode ferir a árvore. Essa seiva (líquido) transforma-se em resina (sólido) quando entra em contato com o oxigênio.
Resina: chamada jutaicica, normalmente é encontrada no pé da árvore, escorrida das “feridas” que os insetos abrem na casca do tronco, ou em forma de bolas que caem de árvores arrebentadas. Às vezes, agricultores encontram bolas de jutaicica quando estão capinando. Eles recolhem e mastigam essa resina para aliviar as dores no estômago e flatulência. Queimam jutaicica para fazer inalação no caso de resfriados e dores de cabeça[3]. Além disso, a jutaicica é um ótimo verniz vegetal, geralmente usado nas louças de barro.
Madeira: é dura, pesada e com excelente aceitação no mercado externo. É utilizada na construção civil nas cidades e, no interior, para fazer canoas. É muito valorizada por causa da durabilidade – comparável à maçaranduba, acapu, jarana e outras madeiras resistentes. Ela é excelente porque não racha.
Caça: os caçadores esperam pela caça (anta, paca, macaco) embaixo do jatobá quando os frutos estão caindo.
Folha: possui uma substância química, terpenoide, que mata fungos e repele as saúvas. Essa substância tem efeitos tóxicos e repelentes nas lagartas. Merece mais estudo.
Chá de casca de jatobá
Para fazer chá contra gripe ou como fortificante: ferver 3 dedos de casca (20 g) em 1 litro de água por 15 minutos. Tomar 1 copo de chá 3 vezes ao dia[4]. A casca também pode ser usada para fazer garrafadas, lambedores e xaropes.
Cuidado! A casca de jatobá é parecida com a de algumas outras espécies que são extremamente tóxicas. O jatobá é muito confundido com o jutaí comum (Hymenaea parvifolia) e o jutaí-da-folha-grande (Hymenaea longifolia). Porém, existem diferenças: o jutaí comum possui folhas mais duras (coriáceas), seu tronco é menos avermelhado e sua casca é mais fina que a do jatobá. É mais fácil diferenciar o jutaí-da-folha-grande do jatobá, pois suas folhas são bem maiores e seu tronco é mais avermelhado.
O fruto é composto por sementes (25% a 40% do peso), vagem (50% a 70%) e polpa (apenas 5% a 10%). O valor protéico da farinha de jatobá é semelhante ao do fubá de milho e superior ao da farinha de mandioca. Cem gramas do fruto fornecem 115 calorias, 29,4 gramas de glicídios e 33 miligramas de vitamina C[5].
Farinha de jatobá
Raspe as sementes com uma faca para obter a polpa. Em seguida, soque a polpa no pilão ou bata no liquidificador e penere. A farinha resultante serve para fazer bolos, biscoitos, pães e licores.
Mingau de jatobá
Ingredientes:
– leite, polpa, açúcar.
Modo de fazer:
Retire a polpa amarela do caroço. Em uma panela, misture a polpa e o leite. Adicione açúcar e canela a gosto e leve a mistura ao fogo até engrossar. Sirva quente.
Pão de jatobá
Ingredientes:
– 2 xícaras (chá) de farinha de jatobá
– 3 xícaras (chá) de farinha de trigo
– 2 colheres (sopa) de fermento
– 1 colher (sopa) de açúcar
– 3 colheres (sopa) de óleo
– 1 colher (chá) de sal
– 2 copos de água morna
Modo de fazer:
Dissolva o fermento em água morna numa vasilha grande por 10 minutos. Adicione aos poucos a farinha de trigo e a farinha de jatobá. Amasse bem a mistura sobre uma mesa. Se preciso, coloque um pouco mais de farinha até a massa ficar firme. Coloque novamente a massa na vasilha, cubra a vasilha com um pano úmido e deixe a massa crescer por 2 horas em um local pouco ventilado (como o forno). Em seguida, leve novamente a massa à mesa e amasse-a bem. Deixe os pães crescerem por mais 30 minutos em uma panela ou fôrma. Leve-os ao forno quente por 30 minutos.
Rocio Ruiz e Nívea Marcondes
As sementes florestais podem valer dinheiro. A procura por sementes de espécies madeireiras para replantio em áreas desmatadas tem aumentado bastante. Um levantamento em Rio Branco revelou que 1 quilo de semente de jatobá (300 sementes) é vendido pelo coletor por R$ 10.
Você pode ficar surpreso ao comparar o preço de uma árvore em pé com o preço das sementes: uma vez que o metro cúbico de uma árvore em pé vale R$ 7, então 3 quilos de semente podem valer o mesmo que 1 árvore inteira! Além do jatobá, sementes de muitas outras espécies como cerejeira, copaíba, cumaru, ipê-amarelo e maçaranduba também possuem altos preços no mercado. No Acre, a Fundação de Tecnologia (Funtac) vem comercializando 11 variedades de sementes, com previsão de ampliar esse número. Verifique quanto estão valendo algumas sementes no Acre:
Preço de sementes florestais x preço de madeira
Veado, paca, cutia e macaco comem os frutos de jatobá. Os macacos derrubam muitos frutos quando estão em cima da árvore. Eles batem o fruto no galho para abri-lo, da mesma forma que nós fazemos. Roedores como paca e anta espalham as sementes, assim ajudam a espécie a se distribuir.
Margaret Cymerys
A maioria das espécies de animais que as pessoas adoram caçar para comer depende da floresta para viver. A floresta oferece alimentos e abrigo para os animais. Quando as árvores frutíferas são derrubadas, muitos animais de caça perdem sua fonte de alimento. Quando a floresta é desmatada, esses animais perdem suas casas.
Não há antas e queixadas em áreas onde não existe floresta alta e fechada. As preguiças, que vivem comendo folhas nas árvores, não sobrevivem sem as florestas. Pássaros que vivem nas copas das árvores, e até aqueles que andam pelo chão, dependem das florestas altas. O mutum só anda nas florestas fechadas.
Outros animais como paca, cutia e veado também usam as árvores de capoeira e de floresta alta. O gráfico abaixo mostra a origem das capturas dos caçadores de Quiandeua, Pará, onde existe uma reserva comunitária, dividida em capoeira e floresta. A alta porcentagem de capturas de caça (82%) na floresta revela a sua importância para os animais. Sem as florestas, os caçadores não pegarão tanta caça e as pessoas não vão mais ver animais extraordinários como o gavião-real, o pavãozinho e o gato-do-mato.
Porcentagem de Capturas por Habitat
A regeneração do jatobá parece ser limitada, provavelmente por causa da predação das sementes. Também porque a maior parte das sementes que germinam na sombra morre depois de 4 meses. No entanto, vale a pena cuidar das árvores em pé e plantar outras. Para plantar, lave as sementes retirando os restos da polpa. Em seguida, coloque-as em peneiras, na sombra e em local ventilado. As sementes apresentam dormência que pode ser quebrada raspando a casca ou colocando-as rapidamente em água quente e depois gelada. Assim, escarificadas, as sementes germinan em 1 semana. Sacos de plástico comuns furados, latas ou balaios podem ser usados como recipientes para plantar. Coloque os sacos ao sol e, em seguida, faça a semeadura. Plante 1 semente por recipiente, na profundidade de 5 centímetros de solo. Molhe os recipientes 2 vezes ao dia.
Quando a planta atingir cerca de 25 centímetros, transplante-a para o campo, de preferência na época chuvosa. Abra as covas e adicione terra misturada com adubo orgânico como esterco de galinha e de cavalo ou casca de milho. Deixe espaço para que as mudas sejam colocadas. Ao transferi-las para o campo, tome cuidado para não quebrar o torrão de terra que as envolve[6]. Por causa do alto valor do jatobá no mercado e no uso doméstico, muitas pessoas estão capinando e deixando os brotos de jatobá crescerem na roça. Esses brotos são protegidos até atingirem maior altura e amadurecerem dentro da capoeira.
Mark Schulze
O mogno foi reconhecido recentemente como uma espécie ameaçada pela extração predatória de madeira na maioria das áreas em que ocorre. Atualmente, a extração de mogno é protegida por uma legislação específica que controla a intensidade da extração e exige práticas especiais de manejo. As mesmas ameaças sofridas pelo mogno também afetam o jatobá. A extração das 2 espécies freqüentemente remove a maioria da população adulta. O jatobá e o mogno não se regeneram bem em florestas exploradas. No entanto, o jatobá é diferente do mogno porque, além de fornecer madeira, também possui uso medicinal. Infelizmente, o jatobá permanece sem proteção e suas populações estão ameaçadas pela extração predatória de madeira na maior parte da Amazônia. Além de afetar a oferta de madeira a longo prazo, a destruição dos jatobazeiros também pode reduzir a oferta de seus produtos medicinais insubstituíveis.
_____________
[1] Clay, J.W. C.; Sampaio, P.B. & Clement, C.R. 2000
[2] Almeida, S. C. B. 1999
[3] Levi-Straus, C. 1997
[4] Shanley, P.; Höhn, I. & Silva, A.V. 1996
[5] IBGE. Estudo Nacional de Despesa Familiar. 1999
[6] FAO 1987
Jimmy Grogan
Muitos madeireiros têm penetrado o coração da floresta em busca do mogno – o ouro verde da Amazônia. O mogno forma uma copa espalhada com poucos galhos grandes, geralmente com um lado mais desenvolvido do que o outro, e suas folhas brilham como as de nenhuma outra espécie. É fácil identificar o mogno dentro da mata, pois seu tronco possui sapopemas com até 5 metros de altura. Se você tem mogno em sua área, é provável que receba a visita de um madeireiro perguntando por suas árvores. Como o mogno vale 4 vezes mais que qualquer outra árvore, se você quiser vendê-lo, faça com que o madeireiro pague um preço justo.
Época de flor e fruto
O mogno floresce entre agosto e novembro, ou seja, do meio da estação seca até o começo da chuvosa. Os frutos estarão completos no meio da estação chuvosa, mas as sementes só estarão maduras no próximo ano, de junho a agosto. O ouriço abre quando a copa perde sua coroa no meio da seca, e o vento se encarrega de dispersar as sementes.
Densidade
No Pará, ao longo dos rios e igarapés, o mogno ocorre em altas densidades, com até 2,5 árvores por hectare. Quanto mais você se afasta da água, menos árvores vai encontrar. As densidades são baixas no Acre, normalmente 1 árvore para cada 5 a 20 hectares.
Produção
O mogno fornece 2 produtos valiosos: a madeira, considerada como um tesouro por pessoas de todo o mundo, e a semente, para quem está pensando em plantar. As árvores produzem, antes de serem serradas, 5,4 metros cúbicos em média. A maior parte do mogno brasileiro vem do Estado do Pará, embora Rondônia também tenha produzido bastante antes de sofrer com o forte desmatamento na década de 1980. O mogno também é extraído no Mato Grosso, Amazonas e Acre. Mais de 300.000 metros cúbicos de mogno foram serrados por ano entre o final dos anos 1970 e o começo dos anos 1990, mas em 2000, a escassez reduziu esse número para menos de 100.000 metros cúbicos. A maior parte da madeira com qualidade para exportação foi para os Estados Unidos, Inglaterra e Alemanha[1].
Como muitas pessoas estão interessadas em plantar mogno, a semente é o seu segundo produto mais valioso. Uma árvore com tronco de 30 a 70 centímetros de diâmetro pode produzir até 50 ouriços, cada um com uma média de 60 sementes, das quais 2/3 vão germinar. Árvores com mais de 70 centímetros podem produzir até 500 frutos em 1 ano, embora seja raro. Além disso, a produção de cada árvore e grupos de árvores varia bastante de um ano para outro, pois as árvores “descansam” entre anos de grande produção[2].
Um metro cúbico serrado de mogno de primeira qualidade vale cerca de R$ 3.000 quando sai das docas de Belém ou Paranaguá para os Estados Unidos ou Europa. Uma árvore com 80 centímetros de diâmetro, ou 250 centímetros de rodo, pode produzir mais de 2 metros cúbicos de madeira serrada, valendo mais de R$ 7.000, se a madeira é de boa qualidade. Os pequenos agricultores raramente recebem mais de R$ 10 a R$ 40 por árvore. Os mateiros, operadores de motosserra ou catraqueiros dos caminhões também não ganham quase nada. Por outro lado, os fazendeiros que negociam bem recebem pelas mesmas árvores cerca de R$ 45 a R$ 210 por metro cúbico[1]. No Pará, a maior parte do valor das árvores vai para o madeireiro que paga pela extração, processa e revende a madeira para compradores externos que beneficiam a madeira. O madeireiro vende a árvore serrada (2,4 metros cúbicos) por R$ 2.400 e, descontados os custos, tem um ganho de R$ 1.000. Quando a madeira chega na Europa e vira mesas e cadeiras bonitas, os compradores externos vendem a árvore transformada por R$ 30.000. Descontados os custos de R$ 21.000, terão um lucro de R$ 9.000 por árvore.
Ganho por árvore de mogno serrada (2,4 m3 ) ao longo da cadeia de produção
Madeira: pergunte para qualquer marceneiro se ele gosta de trabalhar com o mogno. A madeira de mogno vale tanto que os madeireiros sobrevoam a floresta em pequenos aviões para identificar suas copas. O mogno é bastante valorizado porque sua madeira combina muitas qualidades raras: tem uma cor bonita, não pesa muito, é forte, demora para apodrecer e é fácil de trabalhar. Por sua raridade e preço, é uma madeira de luxo, usada pelas pessoas ricas no exterior e no Brasil para construir móveis, revestimentos de casas e iates. Talvez o que essas pessoas não saibam é que a grande maioria do mogno é extraída ilegalmente de centenas de milhares de quilômetros quadrados de áreas do governo e terras indígenas. Infelizmente, o mogno é tão valioso que mesmo árvores jovens ou ôcas são extraídas. Como os mateiros no sul do Pará dizem: “ Desse jeito, a espécie não consegue se reproduzir[3].
Sementes: os extrativistas da cooperativa Nossa Senhora de Fátima, em Brasiléia, no Acre, coletam e vendem sementes de mogno e de outras espécies para diferentes partes da Amazônia com um bom ganho. Essa cooperativa emprega membros da comunidade que são treinados para subir nas árvores e coletar as sementes. Um quilo de sementes de mogno equivale a 2.000 a 3.000 sementes depois que as “asas” são removidas. Em 1999, a cooperativa recebeu R$ 90 por quilo de semente coletada, seca e embalada para a venda.
Olhando o mapa, na América do Sul, o mogno ocorre como se fosse uma grande baleia, com a cabeça no sul do Pará, o corpo atravessando o sul da Amazônia, até o Acre, e a cauda subindo a oeste da América do Sul, passando pela Bolívia, Peru, Equador, Colômbia e Venezuela[4]. Na América Central, passa por toda a costa atlântica do México até o Panamá. Alguns pesquisadores descobriram que no México e na Bolívia o mogno se desenvolveu bem porque antigamente ocorreram grandes furacões e enchentes que derrubaram a vegetação existente permitindo que ele crescesse com mais facilidade[5].
Há muito tempo atrás, na época do descobrimento da América, os espanhóis, depois de sua chegada à América, descobriram que o mogno era uma madeira muito melhor para a construção de caravelas do que as madeiras que eles tinham na Europa. O mogno resiste melhor ao apodrecimento no clima tropical e, naquela época, tinha a enorme vantagem de absorver o impacto e não soltar farpas quando as balas de canhão dos inimigos acertavam as caravelas. Quando os ingleses derrotaram a Armada Espanhola, na grande batalha do século 16, o maior prêmio foi terem conseguido ficar com as caravelas espanholas construídas de mogno.
Os ingleses são os principais responsáveis pelos usos modernos do mogno como uma madeira de luxo. No século 18, eles descobriram que a grande resistência do mogno permitia que guarda-roupas e cômodas pesadas fossem construídos sobre pernas muito finas e delicadas que pareciam não poder agüentar o seu peso. Esse estilo virou moda; até a família real insistiu em ter um móvel fabricado com mogno[6].
No Brasil, desde 1970, a exploração do mogno sempre foi intensa. A “corrida ao mogno” foi em parte estimulada pelo governo federal que deu subsídios às exportações favorecendo as grandes madeireiras. A busca por mogno criou uma onda de exploração que avançou do Pará em direção a Rondônia. Os estoques naturais em Rondônia praticamente desapareceram no fim da década de 1980[7].
Sem intervenção, o mogno pode sofrer extinção comercial. Desde 1990, o governo brasileiro tem tentado controlar a exportação, estabelecendo liberações cada vez menores. Finalmente, em 2001, o Ibama suspendeu os planos de manejo e as exportações. Como se fosse uma linda mulher encantada o mogno, tem causado briga no mundo inteiro para ver quem fica com ele. De um lado estão grandes madeireiros, países exportadores e compradores ricos dos países desenvolvidos. De outro, grupos ambientalistas e cientistas que apóiam colocar o mogno na lista da Cites, uma comissão para o comércio internacional de espécies ameaçadas.
As árvores de mogno começam a florescer e frutificar anualmente quando o tronco atinge cerca de 30 centímetros de diâmetro. Normalmente, conforme as árvores vão engrossando, a produção aumenta; mas existem casos de árvores pequenas que produzem muitos frutos e algumas grandes que raramente produzem. Uma árvore média (30 a 70 centímetros de diâmetro) pode produzir até 50 ouriços, enquanto árvores maiores (mais de 70 centímetros de diâmetro) podem produzir até 500, mas isso é raro.
Com os altos preços da madeira e das sementes, vale a pena pensar em plantar mogno. Se você quer criar mudas em um pequeno viveiro, plante as sementes sem as “asas” em sacos de plástico de aproximadamente 10 centímetros de diâmetro e 30 centímetros de altura. Coloque a ponta das sementes para baixo em solos bem drenados. Depois de molhadas, elas germinam em 2 a 4 semanas. Mantenha o solo úmido mas não muito, senão o fungo pode atacar as sementes. Uma boa cobertura deve dar meia sombra para as mudas e pode ser feita com palha de babaçu ou inajá colocadas a cerca de 2 metros de altura.
Em 2 a 4 semanas depois que as sementes começam a germinar, as mudas atingem 15 a 25 centímetros de altura e possuem 4 a 8 folhas. Depois de descansar, as mudas soltam folhas novamente e, se estão saudáveis, podem crescer entre 10 a 15 centímetros nesse período. A melhor época para plantar é quando a muda deixa de soltar folhas.
Antes de plantar, corte todas as folhas da parte de baixo da planta, deixando apenas 4 ou 5 folhas mais altas. Dessa forma, a planta perde menos água quando o sol bate muito forte. Para plantar, cave um buraco e tire o saco de plástico da muda, sem estragar o torrão de terra com as raízes.
O melhor lugar para plantar mogno são as aberturas da floresta. Nelas, evita-se que a “broca-do-ponteiro” passe de uma árvore infectada para outra saudável, pois as mudas ficam espalhadas. Porém, evite plantar mogno na sombra ou perto de estradas de madeireiros. E cuidado para não fazer o plantio muito junto. Agricultores na Transamazônica fizeram muitos plantios com mais de 100 mudas em pequenas áreas. Assim foi fácil para a “broca-do-ponteiro” atacar o “olho” das mudas.
Também é possível plantar sementes diretamente em clareiras de agricultura, especialmente em áreas onde o fogo passou, pois há menos concorrência com outras espécies. Nesse caso, é importante manter as sementes secas depois de colher, porque muitas vezes elas sofrem o ataque de mofo e fungos, que matam a semente sem deixar nenhum sinal. Além disso, o ideal é esperar até o começo da estação chuvosa para plantar; assim há menos risco de animais como ratos do mato, cutias e insetos comerem ou estragarem as sementes.
Para plantar as sementes, o ideal é arar o solo cavando um buraco com 30 centímetros de profundidade. Em seguida, coloque novamente a terra no buraco deixando-a fofa para que as raízes se desenvolvam rápido e profundamente. No plantio,mantenha metade da semente enterrada e metade para fora. Isso também vai permitir que as raízes se desenvolvam rápido e profundamente. Plante 2 a 3 sementes por buraco para garantir que pelo menos 1 germine. Se mais de 1 brotar, escolha a muda mais bonita e tire a outra.
O mogno precisa de pouco cuidado. Nos primeiros anos, cresce de 1 a 2 metros por ano. Tudo o que você precisa fazer é voltar na área a cada 1 ou 2 anos para cortar os cipós e árvores que estejam dando muita sombra. Porém, se ele não estiver crescendo vigorosamente (pelo menos 1 metro por ano), aí você precisa dar um pouco mais de atenção, talvez abrir mais espaço.
A longo prazo, seus esforços serão recompensados. Mas cuidado para não vender madeira a preço de banana! Lembre que o mogno vale 4 vezes mais que qualquer outra árvore. Se um dia um madeireiro bater a sua porta perguntando “O que você acha de R$ 40 para cada árvore de mogno que eu encontrar em sua propriedade?” Faça bem as contas e pense sempre em longo prazo para que seus filhos e netos também possam aproveitar os recursos da mata.
_____________
[1] Veríssimo, A. et al. 1995
[2] Grogan, J. E. 2001
[3] Grogan, J. E.; Barreto, P. & Verissimo, A. 2002
[4] Lamb, F. B.1966
[5] Snook, L. K. / Gullison, R. E. et al. 1996
[6] Raffles, H. 2002
[7] Browder, J. O. 1987
Patricia Shanley
Jurandir Galvão
“Os índios andam de 5 a 7 quilômetros procurando frutos de piquiazeiro… Monarca da floresta, ele é imensamente maior que qualquer outra árvore que eu já vi. Os galhos, contrários às regras de outras árvores da mata, são espalhados e brutos.”
Smith, 1879
O piquiazeiro é uma árvore majestosa da mata primária que pode atingir grandes dimensões como 40 a 50 metros de altura. Possui tronco de até 2,5 metros de diâmetro, ou rodo superior a 5 metros, e uma copa enorme que se destaca na floresta. Ocorre em toda a Amazônia, com maior concentração na terra firme da região do grande estuário[1]. O fruto do piquiazeiro é comestível depois do cozimento e é bastante apreciado pela população tradicional da Amazônia que se delicia com o sabor e cheiro incomuns da polpa[2]. A madeira é de qualidade superior, com fibras entrelaçadas, possuindo grande resistência e, por isso, utilizada na indústria naval. As flores do piquiazeiro são muito apreciadas pela caça. Durante a floração, os caçadores esperam pela caça embaixo das árvores, quando suas flores amarelas caem no chão.
Época de flor e fruto
No Pará, o piquiazeiro produz flores durante a estação da seca, de agosto até outubro, e frutos de fevereiro até abril. As folhas caem no início da floração e, às vezes, também durante a frutificação.
Densidade
Densidades maiores, de 2 a 7 árvores por hectare, ocorrem em algumas regiões, possivelmente por causa do manejo indígena.
Produção
Uma árvore de piquiá na mata normalmente não produz frutos todos os anos. Muitas árvores “descansam” em um ano e produzem no outro. Entre 20% e 33% dos piquiazeiros produzem frutos a cada ano. Por exemplo, em 1994, no Capim, Pará, de uma amostra de 100 árvores, apenas 20 deram frutos[3].
Em Boa Vista do Pará, dizem que para saber se o fruto está maduro é só olhar para o topo da árvore. Se as folhas estão verdes, o fruto ainda não está bom. No Capim também dizem que enquanto alguns piquiazeiros “jogam” frutos saborosos, outros só produzem frutos amargos. É bom conhecer o vendedor da feira para poder comprar piquiá gostoso.
O piquiazeiro produz muitas flores. Durante uma safra, uma árvore no Capim “jogou” até 14 mil flores por dia e, na safra inteira, aproximadamente 120 mil flores. Porém, isso não significa que a árvore produzirá muitos frutos. Mas, observando as árvores que florescem, dá para saber mais ou menos quais vão frutificar. Como Antonino do Quiandeua diz: “Piquiá tem um segredo que ninguém vai descobrir.” Veja como a produção média de 100 árvores variou durante 4 anos[3]:
Em 1998, 1 piquiá nas feiras de Belém custou entre R$ 0,15 e R$ 0,50. Em 2004, no começo da safra, 2 frutos estavam sendo vendidos por R$ 1. No pico da safra, 3 frutos foram vendidos por R$ 1. Nos supermercados, cada fruto chegou a custar R$ 1. Em 2004, nas 10 principais feiras de Belém, foram comercializados cerca de 352 mil frutos de piquiá; só na feira do Ver-o-Peso foram vendidos 108 mil. O comércio dos frutos movimentou uma renda de mais de R$ 120 mil.
A madeira da árvore de piquiá é altamente útil na indústria naval. Por isso, a abundância das árvores perto dos centros de fabricação de barcos tem sido reduzida. Nas comunidades rurais, essa árvore também é a preferida para fazer canoas e, muitas vezes, tem sido derrubada nas áreas ao longo dos rios.
É importante conservar as árvores perto das casas para colher os frutos sem precisar ir longe na mata. Uma família no Capim guardou uma árvore grande de piquiá, a cerca de meio quilômetro da sua casa. Todos os anos, os filhos Neca, Antônia, Simeão e Jaime esperam pela safra e correm para colher piquiá. Só no mês de março, essa família comeu 868 piquiás. Na feira de Paragominas, esses frutos custariam R$ 200.
Fruto: cozinhar com água e sal para comer a polpa. O piquiá mais gostoso é bem cheiroso e com polpa amarelinha. Depois da polpa, o piquiá tem espinhos, então é importante tomar cuidado na hora de comer. Por isso, vários feirantes abrem alguns frutos como amostra.
Caça: as flores atraem muitas espécies de caça, especialmente paca, cutia, veado, quati e tatu.
Madeira: de alta qualidade, compacta, pesada, não se decompõe facilmente e fornece peças de grandes dimensões. Muito utilizada nas construções civil e naval, de grande importância para armação do fundo interno das embarcações. Nas áreas rurais, o piquiazeiro é a árvore preferida para fazer canoas. Essas canoas têm longa duração, chegando até 10 anos. Sua canoa pode andar lotada – com seus filhos, sacos de farinha e frutas – sem o perigo de afundar graças à madeira de piquiá e à resina de breu para calafetar. Os fazendeiros gostam da madeira de piquiazeiro para fazer curral e portão, porque ela agüenta a água e não racha.
Óleo: serve para cozinhar, sendo muito bom para fritar peixe.
Amêndoa: os caboclos do Rio Negro não desperdiçam nenhuma semente de piquiá. Cortam, extraem e comem todas as amêndoas, mas sempre tomam cuidado com os espinhos. As sementes podem ser uma excelente fonte de alimentação para as pessoas e, possivelmente, de óleo para usar na indústria cosmética, no entanto, é preciso usar uma tecnologia de extração apropriada.
Casca do fruto: é rica em tanino, substitui a noz de galha na preparação da tinta para escrever, para tingir rede de dormir e fio. Essa casca também é usada para fazer sabão.
Óleo de piquiá
Durante uma boa safra de piquiá, Senhorinha de Nanaí juntou muitos frutos e tirou tanto óleo que ela não precisou comprar nenhum litro no ano inteiro. Como ela mesma diz: “evitando a compra do óleo do mercado, a gente economiza o dinheiro que não tem”.
Para tirar óleo: deixe os frutos amadurecerem por 3 ou 4 dias. Quando eles estiverem maduros (moles), cozinhe-os por 1 hora e escorra a água numa peneira. No próximo dia, raspe e amasse bem a polpa, levando-a ao fogo baixo (sem água). Finalmente, retire a massa aos poucos enquanto o óleo derrete. Três dúzias de piquiá podem render 2,5 litros de óleo.
O fruto é composto por 65% de casca, 30% de polpa e 5% de amêndoa. A polpa tem 72% de óleo, 3% de proteína, 14% de fibra e 11% de outros carboidratos. O piquiá é uma excelente fonte de calorias e energia. Os animais que comem as flores também aproveitam os nutrientes do piquiá. As flores são compostas de 71% de carboidratos, 8% de proteína e 3% de gordura.
Sabão da polpa de piquiá
Ingredientes:
– 1 lata de 18 litros de piquiá descascado
– 5 litros de água
– 500 gramas de soda cáustica
– 50 gramas de breu (ou silicato)
– 1 saco de estopa ou linhagem
– 1 lata grande de manteiga ou margarina vazia
– 1 colher de pau
– caixas de madeira
Modo de fazer:
Dissolva a soda cáustica na água. Deixe os piquiás de molho na solução de soda cáustica por 12 horas. Em seguida, retire os caroços dos piquiás com uma colher de pau. Bata os ingredientes (piquiá, água e soda cáustica) até formar uma massa. Adicione o breu pouco a pouco. Quando a massa estiver com boa consistência, despeje-a nas caixas de madeira forradas com os sacos de estopa ou linhagem. Deixe a massa em repouso por 12 horas e depois corte-a em barras. Lembre sempre que a soda cáustica é tóxica, portanto, evite o contato direto. A lata usada não deve ser reaproveitada para outros fins.
Sabão da casca de piquiá
Considerando que 65% do fruto do piquiá é casca, por que não aproveitá-la? Descasque 12 piquiás graúdos. Deixe as cascas de molho (não cozinhe). Machuque e coloque a massa em uma lata de 2 litros de sebo derretido. Leve-a ao fogo baixo e mexa. Coloque 4 colheres de soda cáustica (ou 50 gramas de breu ou 4 colheres de silicato) e 5 folhas de mamão pilado bem miudinho (para fazer espuma e ajudar a limpar e clarear a roupa). Mexa até que todos os ingredientes estejam desmanchados e dissolvidos (15 minutos). Coloque a solução na forma. O sabão estará pronto depois de 24 horas.
Margaret Cymerys
A quantidade de caça capturada embaixo das frutíferas, durante 1 ano, na comunidade de Quiandeua, Pará, mostra a importância das frutas e flores para a alimentação de animais e pessoas.
Margaret Cymerys
Muitas espécies de caça se alimentam principalmente de frutas. A dieta do veado, por exemplo, inclui mais de 80% de frutas. Caititu, queixada, anta, paca, cutia, macacos, papagaio, araras e outros animais silvestres dependem muito das frutas para sobreviver.
As florestas com muitas frutíferas que florescem e frutificam durante várias épocas do ano são capazes de abrigar muitos animais silvestres. Pessoas que querem aumentar a caça nas suas florestas podem manejar e proteger as frutíferas que a caça gosta, aumentando assim a sua própria alimentação. A quantidade de caça está diretamente relacionada com a qualidade e quantidade de floresta.
Algumas frutíferas também são as toras favoritas dos madeireiros. Então pense bem nos negócios com madeireiros e lembre-se que, muitas vezes, para cada árvore tirada, mais de 27 árvores são danificadas no processo de exploração. Assim, durante a extração de madeira, pode-se perder árvores e, portanto, frutas que poderiam ser vendidas ou consumidas em casa.
É difícil para a árvore de piquiá nascer e crescer na floresta, pois seus filhos não crescem bem na sombra. No caso de usar essa árvore para o enriquecimento das florestas, são necessárias grandes clareiras ou picos para receber a maior quantidade de sol possível. Na comunidade de Nanaí, o Sr. Paulo plantou 70 pés de piquiá 8 anos atrás. Hoje, eles alcançam mais de 8 metros de altura. Daqui a alguns anos, o Sr. Paulo pretende comer e vender muitos piquiás. O uso do piquiá em sistemas agroflorestais é possível por causa docrescimento rápido dessa árvore.
Domingos Meireles, que vive da produção das frutas na Transcametá, diz que piquiá plantado próximo da casa costuma produzir na entressafra. O adubo orgânico (restos de comida ou sobras de jardim) traz força e deixa as frutas mais gostosas. A lavagem de nossos alimentos circulando nas raízes reforça o sabor das frutas.
Para enriquecer a capoeira, plante 50 árvores de piquiá por hectare estimando uma produção de 200 frutos por árvore, assim você terá 6 toneladas de fruto fresco por hectare ou:
– 1 tonelada de polpa
– 90 kg de sementes
– 330 kg de taninos
– 105 kg de óleo de polpa
– 30 kg de óleo de semente[5]
_____________
[1] Prance, G. & Silva, M.F. 1973
[2] Cavalcante, P.B. 1991
[3] Shanley, P. 2000
[4] www.cpatu.embrapa.br/dendro/index.htm
Alexandre D. Souza
Renaxon S. de Oliveira
Edson Luiz Furtado
Paulo Yoshio Kageyama
Raimundo Graça S. Freitas
Pedro Albuquerque Ferraz
Há mais de 100 anos atrás, milhares de seringueiros saíam de casa no escuro da madrugada para extrair látex da seringueira. Naquela época, a exploração do látex gerava muito dinheiro. Grandes construções em Belém e Manaus como teatros e praças foram pagas com o dinheiro da borracha. Barões da borracha transformaram as cidades amazônicas na tentativa de recriar a cultura européia no meio da floresta. Boa parte da população de nordestinos que hoje vive na Amazônia migrou para explorar o látex. O Estado do Acre só pertence ao Brasil porque os seringueiros lutaram por ele[1]. Mais recentemente, a idéia de criar reservas extrativistas surgiu da luta dos seringueiros para proteger a floresta do avanço da pecuária.
A seringueira tornou-se uma espécie extremamente importante para o mundo moderno. O látex da seringueira transformado em borracha é usado para fabricar diversos produtos (pneus, luvas cirúrgicas, preservativos etc.). Hoje, existem muitos plantios de seringueira, principalmente em países como Malásia e Indonésia. Na Amazônia, a maior parte da produção de borracha ainda é extrativa, envolvendo mais de 100 mil pessoas. A seringueira ocorre naturalmente na Amazônia (brasileira, peruana, boliviana e venezuelana), com dispersão bastante variável para as diversas espécies. De todas as espécies, a seringueira preta (Hevea brasiliensis) produz a melhor qualidade de látex e em maior quantidade.
Época de flor e fruto
No Acre, a seringueira floresce de julho a setembro e produz de 250 a 500 frutos (1 a 2 quilos) que liberam suas sementes entre fevereiro e março. Normalmente, os frutos espocam e as sementes são dispersadas por animais e pelos rios e córregos. No Acre, o início da extração do látex ocorre após a queda dos frutos, quando começa a estação seca. No Tapajós, no Pará, a seringueira é sangrada somente na época da chuva devido à baixa produção durante o verão.
Densidade
A seringueira é considerada uma espécie rara na floresta. No Acre, ocorrem apenas 0,7 a 3 indivíduos por hectare. Várias espécies podem ocorrer em uma mesma região. No Acre, o tamanho das colocações (área onde os seringueiros coletam o látex) é medido pela quantidade de seringueiras. Em plantios convencionais de seringueira são utilizadas de 250 a 600 plantas por hectare. No Tapajós, a população local tem uma longa tradição de plantar sementes de seringueira e outras espécies em suas roças, criando agroflorestas com densidades de até 700 seringueiras por hectare[2].
Produção
Um seringueiro que trabalha em floresta nativa normalmente pode sangrar de 140 a 160 árvores por dia, recolhendo de 15 a 20 litros de látex. Uma árvore produz, em média, 4,5 litros de látex por ano (1,5 quilo de borracha seca). No Baixo Acre, uma seringueira produz, em média, 9 mililitros por corte, gerando 1,7 quilo de borracha por mês[2]. Os seringueiros trabalham 2 meses por ano com 2 pausas; uma quando se dedicam à coleta dos frutos da castanha e outra quando as seringueiras perdem as folhas. Como a seringueira vive mais de 200 anos, o látex pode ser extraído ao longo de várias décadas. Nos seringais plantados do Tapajós, o número de árvores sangradas por dia pode ser maior devido a sua maior densidade.
Na colocação, o seringueiro usa um ácido para coagular o látex da seringueira e fazer uma manta grossa chamada “placa bruta” (no Acre usam muito o leite da gameleira, Ficus dendrocida H.B.K.). Essa placa é armazenada e vendida a preços variáveis. Quando o látex é comercializado em forma líquida, adiciona-se amoniaco em cada vasilha para evitar a coagulação. O Governo do Acre está apoiando a comercialização da borracha bruta natural; com a lei Chico Mendes, além do preço de mercado (que hoje é R$ 0,90 por kg), os seringueiros recebem do governo mais R$ 0,40, resultando em R$ 1,30 por quilo. Hoje, a produção do Acre está sendo vendida com uma procura muito grande. Em 2000, no Brasil, mais de 5 mil toneladas de borracha coagulada foram produzidas, gerando um valor de 7 milhões de reais[4]. Mas mesmo com subsídios no Brasil, o preço da borracha no mercado mundial tem diminuído.
No Acre, as cooperativas extrativistas estão beneficiando a borracha e agregando mais valor à produção. Em Xapuri, as cooperativas estão promovendo a implantação da primeira usina de beneficiamento para ser fornecedora de látex concentrado, usado na fabricação de preservativos masculinos. Existem também várias cooperativas na Amazônia trabalhando na fabricação do “couro vegetal”, usado em bolsas e mochilas.
Látex: a borracha natural é um elastômero obtido do látex das seringueiras. A borracha é utilizada extensivamente na produção de pneus e de diversos componentes e acessórios de veículos e motores. Além disso, também serve para fabricação de tecidos impermeáveis usados na confecção de dezenas de produtos. O látex líquido, por exemplo, é utilizado extensivamente na manufatura de máscaras flexíveis, uso clínico e em efeitos especiais no cinema.
Caça: as sementes da seringueira são bastante apreciadas por animais silvestres como o porco-do-mato.
Semente: antigamente, os indígenas Astecas usavam a semente de seringueira como dinheiro.
Um guerreiro indígena foi castigado e obrigado pelos chefes de sua tribo a transportar água em um paneiro feito de cipós silvestres. Os deuses da tribo, querendo proteger o grande guerreiro, ensinaram-lhe a revestir o paneiro com látex da seringueira, que era transparente e impermeável. Quando os chefes da tribo viram o guerreiro transportando água no paneiro, ficaram impressionados e resolveram lhe perdoar[5].
Os seringais são normalmente divididos em colocações, ou áreas a serem trabalhadas por família. Uma colocação compreende 400 a 600 hectares que possui de 450 a 600 seringueiras distribuídas em 2 a 4 “estradas de seringa”. O seringueiro percorre 1 estrada por dia. Sai de manhã (entre 5 e 6 horas), com a poronga na cabeça para iluminar o caminho, e vai fazendo cortes inclinados nas cascas das árvores, um do lado do outro, usando uma faca chamada “cabrita”. No final do corte, coloca uma tigela feita de metal para recolher o leite que escorre. Nesse percurso, os seringueiros caçam a “mistura” para o almoço, retornando para casa por volta das 11 horas. À tarde, fazem novamente omesmo caminho, para recolher o látex, completando de 6 a 10 quilômetros por dia. Atualmente, essa atividade é a principal fonte de renda de muitas comunidades. Ao longo do tempo, os seringueiros organizaram-se politicamente e, através dos “empates”, promoveram a criação de reservas extrativistas (Resex). No Tapajós, as “agroflorestas de seringueira” são de tamanho muito menores, mas com densidade de seringueiras 100 vezes mais alta do que a mata nativa.
Na década de 1970 e 1980, o governo brasileiro deu muito apoio para pecuaristas implantarem grandes fazendas na região amazônica. Os moradores da floresta eram expulsos de suas áreas para que a mata fosse transformada em pasto. No Acre, os seringueiros, junto com Chico Mendes, descobriram uma forma de lutar por sua área. Quando os madeireiros e pecuaristas iam para a derrubada, um grande grupo de seringueiros com suas mulheres e filhos ficavam de mãos dadas impedindo a passagem dos tratores. Muitas vezes os pecuaristas voltavam e deixavam a mata em pé. Esses confrontos ficaram conhecidos como “empates”, que no linguajar amazônico significa impedir.
Há 8 anos, grupos indígenas, pequenos produtores e associações de mulheres mostram e vendem seus produtos na feira de artesanato do Acre. São cerâmicas, colares, plantas medicinais e o produto mais famoso do Acre, a borracha.
A borracha é vendida em sua forma original, ou transformada em sapatos, brinquedos, pássaros e bichos da floresta, custando de R$ 1 a R$ 10. Ao lado de produtos tradicionais, há um novo produto, o “couro vegetal”.
O couro vegetal é feito de um tecido de algodão banhado em látex da seringueira, defumado e vulcanizado, ganhando aparência semelhante à do couro animal. Produtos como bolsas, capas para armas, calças e mochilas são vendidos até nos Estados Unidos e França.
Veja quem visitou a barraca na última feira: mulheres ricas querendo estar na moda, ambientalistas querendo ser ecologicamente corretos e motociclistas buscando couro vegetal para substituir suas roupas antigas feitas de couro animal.
Quando os portugueses chegaram ao Brasil, viram os índios brincando com uma bola preta e pesada feita de borracha. A descoberta dos índios foi seguida pela invenção do pneu que transformou a indústria e virou febre mundial. De 1880 a 1911, a procura pela borracha da Amazônia foi enorme; o Brasil exportava 80 mil toneladas por ano. Para produzir mais borracha, os donos dos seringais (barões da borracha) usaram o sistema de aviamento de ameríndios e caboclos para colher e processar o lálex. Com o aviamento, os seringueiros podiam comprar mercadorias vendidas pelos barões, mas os preços eram sempre muito altos. Como nunca conseguiam pagar as dívidas, os seringueiros acabavam sendo obrigados a trabalhar quase como escravos.
Hélio Melo
Dormir cedo e acordar cedo. De 4 horas da madrugada em diante só se escuta o “converseiro” que ninguém entende. Uns se arrumando para sair para a estrada de seringa e outros fazendo a comida para quebrar o jejum. Um cozidão cedo é muito aceitável. Mas se não tiver nada, o café com farinha seca já resolve o problema. Ao clarear do dia, uns vão cortar seringa; a mulher sai para roça com filhos e filhas e os menores acompanham para irem se habituando ao trabalho.
No Baixo Acre, há pouca produção de borracha, por isso, dificilmente um seringueiro tira saldo. A conformação daquele povo humilde é importante, pois lutam somente para comer. O divertimento do seringal são as festinhas. Os pais levam as filhas mocinhas às festas para arranjar casamento. Antigamente, os pais decidiam com quem as filhas deviam se casar. Para eles, o preferido mesmo era o rapaz trabalhador.
Os noivos tinham que esperar o padre, que viajava 1 vez por ano, para realizar os casamentos e batizados nos seringais. O transporte era de canoa. O padre e 2 remadores passavam de um seringal para outro até chegar ao fim da linha. Quando o padre demorava muito a chegar, às vezes os noivos se apresentavam e davam no pé, causando para os pais um grande constrangimento.
As sementes da seringueira precisam ser plantadas rapidamente; com 30 dias depois de colhidas metade das sementes germina, mas com 45 dias apenas 10% vão germinar. Nas florestas, a seringueira precisa de luz para crescer. Como a disputa por luz é grande entre as espécies, grande parte das plantas não consegue se desenvolver. No Baixo Acre, menos de 20% das seringueiras da mata ficam mais grossas que 60 centímetros e a primeira floração somente acontece quando a árvore tem mais de 25 anos[6].
Na hora de sangrar a árvore é preciso ter cuidado para não ir muito fundo. O ideal é usar de 2 a 3 milímetros de profundidade. Outra dica é não sangrar seringueiras muito finas, pois o sangramento reduz muito o crescimento da árvore em diâmetro. Cortar árvores finas sacrifica a produção futura por uma pequena extração momentânea. As seringueiras produzem pouco quando são sangradas pela primeira vez, no entanto, a produção aumenta com os cortes seguintes. O seringueiro diz que a árvore nativa é “brava” e será “amansada” depois de várias extrações.
Há 4 décadas estão tentando plantar seringueira na Amazônia para aumentar a produtividade de látex. Nas áreas de plantio, há mais árvores para cortar e elas estão mais perto umas das outras, facilitando o trabalho do seringueiro. No entanto, em plantios, a espécie é fortemente atacada pelo fungo chamado mal-das-folhas que passa rapidamente de uma árvore para outra.
No Acre, há iniciativas de plantio de seringueiras em pequenas clareiras na floresta. A seringueira é plantada em consórcio com outras espécies como mandioca, café, banana e laranja. Cada seringueira fica plantada em um espaçamento de 4 x 20 metros. Nesses plantios, conhecidos como Ilhas de Alta Produtividade (IAP)[7], os pesquisadores acreditam que, com pouco trabalho, o coletor pode conseguir de 400 a 800 quilos de borracha por hectare por ano[8]. Em seringais nativos, um seringueiro coleta em média 1 quilo de borracha por hectare por ano. Há 2 tipos de IAP: de sementes e clonais. Nas IAPs de sementes, as sementes são escolhidas de árvores mais produtivas e plantadas no chão, protegidas dos animais pela taboca (pedaço de bambu). As IAPs clonais são feitas com mudas especialmente preparadas para produzir mais e resistir ao mal-das-folhas.
_____________
[1] Tocantins, L. 1979 / Dean, W. 1989 / Moro, J. 1993
[2] Schroth, G. et al., 2003
[3] Vasconcelos, S.S. 2001
[4] IBGE. Produção da extração vegetal e da silvicultura. 2002
[5] Neves, C. A. 1981
[6] Dean, W. 1989
[7]Fadell, M.J.S. 1997
[8] Maciel, R.C.G.; Saldanha, C.L. & Batista, G.E. 2000
Elias Melo de Miranda
Foram os indígenas peruanos que descobriram o uso medicinal da unha-de-gato, no entanto, ela começou a ser mais usada no Peru somente depois de ficar famosa na Europa[1]. Estudos sobre a casca, raiz e folha de unha-de-gato mostraram a presença de alcalóides que estimulam o organismo contra tumores, inflamações, vírus e úlceras. Hoje, a unha-de-gato é muito usada de forma doméstica em toda a Amazônia. Além disso, ela possui mercado local e internacional crescente.
Existe uma grande variedade de espécies conhecidas como unha-de-gato. Porém, as 2 mais famosas por suas propriedades medicinais pertencem ao gênero Uncaria. A característica principal dessas espécies são os espinhos em forma de garra de gato. A unha-de-gato trepadeira (U. tomentosa) é grande e possui espinhos semicurvados. A unha-de-gato rasteira (U. guianensis) é menor e tem dificuldade de subir porque possui espinhos curvados, em forma de chifre de carneiro. As 2 ocorrem nas zonas tropicais do Brasil, Peru, Venezuela, Colômbia, Bolívia, Guianas e Paraguai.
Época de flor e fruto
As espécies frutificam em períodos diferentes. Primeiro vem a rasteira, que floresce de fevereiro a junho e frutifica de abril a agosto. Em seguida, a trepadeira, que floresce de setembro a novembro e frutifica de outubro a dezembro[2].
Densidade
Um estudo das 2 espécies no Acre observou que a unha-de-gato ocorre mais na várzea (33 indivíduos por hectare) e na capoeira (10,7 indivíduos por hectare) do que na terra firme (1,7 indivíduo por hectare[3]. Mas existem diferenças entre as espécies. A trepadeira prefere áreas de floresta fechada ou com pouca abertura, ocorrendo sempre em baixas densidades. Ao contrário, a rasteira cresce melhor em capoeiras e na beira de rios e estradas, podendo formar grandes concentrações.
Produção
Em geral, é possível extrair em média cerca de 0,5 quilo de casca por metro de cipó. A unha-de-gato rasteira possui de 5 a 10 metros de comprimento. Em 1 hectare é possível encontrar 15 indivíduos com mais de 5 centímetros de diâmetro que rendem 60 quilos de casca. Por outro lado, a unha-de-gato trepadeira mede de 10 a 30 metros. Há em média 1 indivíduo por hectare que rende 10 quilos de casca. Como a trepadeira rende mais casca do que a rasteira, no Peru, existe preferência por coleta de unha-de-gato em mata fechada. Em 1995, para suprir a demanda, os peruanos tiveram que colher unha-de-gato em 20 mil hectares[2].
Em 1995, o Peru, o maior produtor mundial, exportou mais de 800 toneladas de casca de unha-de-gato[4]. As empresas de exportação compram o quilo por US$ 1,50 e revendem-no por US$ 6,60. Nos Estados Unidos, o quilo de unha-de-gato, transformado em cápsulas ou tabletes, pode valer de US$ 200 a US$ 500[2]. O Brasil exporta menos, mas é fácil encontrar unha-de-gato nas feiras das cidades amazônicas. Se pechinchar, na barraca do João, no Ver-o-Peso, em Belém, uma casca (200 gramas) sai por R$ 0,50. Em 2004, nas casas de plantas medicinais, o quilo foi vendido por R$ 8; o saquinho com 100 gramas de casca, por R$ 1,50; e o maço de folhas, por R$ 1.
1 kg de casca: o valor para coletor, exportador e preço nos Estados Unidos
Casca: usada para fazer chás. Possui propriedades estimulantes do sistema imunológico e, em alguns testes, demonstrou efeitos antimutagênicos, antiviral e antiinflamatório. Mas ainda não se conhece o real princípio ativo das substâncias encontradas na casca de unha-de-gato[3].
Raiz e folha: também são usadas para chás medicinais.
Cipó: quando cortado escorre uma água que pode ser bebida.
Depois de coletar, raspe o cipó com um facão para retirar os musgos e a sujeira. Os musgos são negros na unha-de-gato trepadeira e esbranquiçados na rasteira. Para retirar a casca, basta bater um pedaço no outro que ela se solta. Deixe as cascas para secar na sombra durante 3 a 5 dias na época seca. Corte a casca em tamanhos desejados pelo comprador. Para ganhar um pouco mais e proteger as cascas da umidade, vale a pena usar sacos de plástico como embalagem.
Conheça as diferenças entre as unhas-de-gato:
Ferva 20 a 30 gramas de casca ou raiz de unha-de-gato em pedaços pequenos em 1 litro de água por 20 a 30 minutos. O chá da casca ou raiz pode ser tomado de 8 em 8 horas, entre as refeições. Para as folhas, ferva 15 a 20 gramas em 1 litro durante 15 a 20 minutos, filtre e tome o chá a cada 6 horas[5].
As sementes de unha-de-gato levam de 5 a 20 dias para germinar, e as mudas podem ser plantadas após 6 meses a 2 anos[2]. Quando o cipó é cortado, os ramos mais finos também podem ser enterrados (como se enterra a mandioca). A vantagem é que a unha-de-gato é resistente ao fogo e cresce bem em áreas abertas. O cipó alcança cerca de 5 centímetros de diâmetro em 5 anos; estima-se um período de 5 a 10 anos para a sua colheita[2].
Tanto o cipó quanto a raiz são bastante usados pela população local da Amazônia. Porém, é melhor retirar apenas o cipó, deixando a raiz para que a planta possa crescer novamente. Corte o cipó depois da frutificação e deixe cerca de 50 centímetros a 1 metro para a regeneração. Uma dica é cobrir o corte com argila, para evitar perdas de água. Vale a pena ter cuidado especial com os cipós que estão na floresta, pois geralmente são maiores e rendem muito mais casca. Os plantios em áreas abertas produzem muito cipó fino no chão, mas pouca casca.
_____________
[1] Jones, K. 1995 / Alexiades, M. N. 2002
[2] Alexiades, M. N. 2002
[3] Miranda, E.M. et al. 2001
[4] Cabieses, F. 1997
Patricia Shanley
Urano Carvalho
Até recentemente o uxi era chamado de “fruta de pobre” porque era vendido bem baratinho. Hoje, é mais valorizado, atingindo bons preços no mercado. O uxi pode ser comido cru, ou na forma de refresco, sorvete ou picolé. Na cidade de Belém, o picolé de uxi é um dos sabores favoritos. Além do fruto, outras partes da planta estão sendo usadas: a casca da árvore serve como remédio e o caroço do fruto como amuleto. O uxizeiro é uma árvore grande com cerca de 25 a 30 metros de altura, 1 metro de diâmetro, ou 3 metros de rodo. O uxizeiro é originário da Amazônia brasileira. É uma espécie tipicamente silvestre da mata alta de terra firme e ocorre freqüentemente no estuário do Pará e regiões Bragantina, Guamá e Capim; na parte ocidental do Marajó e nas regiões dos Furos[1].
Época de flor e fruto
No Pará, o uxizeiro floresce entre outubro e novembro e os frutos caem entre fevereiro e maio. Em áreas manejadas próximas de Belém, como Boa Vista, Viseu e Mosqueiro, algumas árvores produzem na entressafra, nos meses de julho e agosto.
Densidade
Em alguns casos de maior densidade pode-se encontrar na mata até 9 árvores por hectare. Em áreas manejadas, como nas ilhas perto de Belém, o uxi atinge cerca de 35 árvores produtivas por hectare.
Produção
Muitos uxizeiros produzem frutos em todos os anos, mas o número de frutos produzidos varia. Por exemplo, em 1994, a produção média de uma amostra de 24 árvores foi cerca de 1.530 frutos por árvore. Em 1995, a média de produção para as mesmas árvores caiu para 546 frutos por árvore. Uma árvore pode jogar até 3.500 frutos durante um ano bom, com a maioria produzindo entre 700 e 2.000 frutos. Em anos de descanso, as árvores costumam produzir 400 a 500 frutos. Durante 5 anos, em uma amostra de 24 árvores de uxi, 80% produziu todo ano.
Seguindo a produção
Se você pretende colher uxi para vender, chegue antes do tatu, da paca, da cutia e do veado. O quatipuru come até as sementes do uxi! E tome cuidado, porque araras e papagaios derrubam os frutos mesmo quando eles estão verdes. Você sabe quantos frutos sua árvore de uxi “joga”? Trinta ou 3.000? Veja a produção média por planta de 24 uxizeirois durante 5 anos:
Na área do Rio Capim, no Pará, algumas pessoas nunca olham para cima dos uxizeiros. Elas acreditam que podem morrer no mesmo ano se virem algum uxi em cima da árvore.
Em 2004, nas 10 principais feiras de Belém, foram vendidos cerca de 477 mil frutos de uxi, movimentando uma renda de mais de R$ 65 mil. Nas feiras de Belém, em 1995, o preço do uxi era R$ 0,05 por fruto e, em 1998, 1 uxi custava R$ 0,08. Em 2004, cada uxi custava em média R$ 0,10. No Ver-o-Peso, em março de 2004, com 1 real era possível comprar 6 uxis graúdos, 8 médios e 12 miúdos. Na entressafra, o preço é bem melhor que no inverno; 1 dúzia atinge R$ 2. Em 2003, 1 quilo de polpa custava R$ 4.
Antigamente, quando ainda havia muitos uxizeiros perto de Belém, muitos barcos chegavam na “pedra” (mercado Ver-o-Peso) com milhares e milhares de uxis. Hoje é raro encontrar barcos exclusivamente com uxi. Às vezes, compradores dizem que falta uxi para suprir a demanda. Felizmente, existem comunidades nas ilhas perto de Belém que manejam, plantam, podam, limpam e protegem os uxizeiros – assim abastecem os mercados de Belém. Alguns obtêm a maior parte da renda anual com a venda de uxi. A comunidade de Boa Vista abastece o Porto do Açaí toda quarta-feira e sábado com cerca de 25 milheiros de uxis. Nos últimos anos, o uxi está sendo mais valorizado, aparecendo nos grandes supermercados e sendo bem vendido para a fabricação de sorvetes. Além disso, 1 muda de uxi, que é difícil de achar para a compra, pode render R$ 15.
Fruto: picolé, sorvete, “vinho”, suco e óleo.
Madeira: extraída para a indústria madeireira, usada na marcenaria.
Casca: chá para combater o colesterol, diabetes, reumatismo e artrite. Em 2001, um programa de televisão mostrou o potencial da casca de uxi como remédio contra colesterol alto, reumatismo e artrite. A partir daí, muitas casas de ervas passaram a vendê-la.
Caça: muita caça como paca, quatipuru, catitu, anta, veado e arara gosta de uxi.
Óleo: de muito boa qualidade, utilizado na comida e como remédio.
Semente: artesanato, defumação, amuleto.
Maquiagem, defumação e colares
Corte o caroço de uxi e descubra dentro um pozinho que era utilizado antigamente para cobrir manchas na pele e aliviar coceiras.
Se você quiser espantar carapanã ou espíritos maus, quebre as sementes de uxi, coloque-as dentro de uma lata e acenda. A fumaça forte espanta os insetos e os espíritos ruins.
Quando você corta a semente de uxi, ela forma várias estrelas. Pode-se fazer lindos colares, brincos ou cintos cortando a semente em rodelas finas.
Na feira de Macapá, no Amapá, uma senhora velhinha experimentou um colar. A artesã comentou que era feito com sementes de uxi. A senhora então disse: “esse é meu! Eu gosto de uxi porque ele tem uma força muito especial.”
Roupas das frutas
O clube das Mães do Joíra, no Rio Capim, juntou cerca de 400 frutas (uxi, piquiá e bacuri) e levou para a feira. As mães venderam quase todas as frutas e compraram roupas usadas para 10 famílias, soda cáustica para fazer sabão e um porquinho. Domingo, depois da missa, passeando pela vila, pôde-se ver todo mundo usando as “roupas das frutas”. O porquinho engordou e foi vendido.
A família do Sr. Mangueira marcou 1 hectare de sua mata com 2 pés de uxi, 1 de piquiá e 1 de bacuri. Por 10 anos, contou e pesou todas as frutas que colheu e caças que capturou nesse lugar. Com esses dados, eles perceberam a “renda invisível” que ganharam. Eles compararam esse valor com o que ganhariam se tivessem vendido o mesmo hectare para a extração de madeira. Ao longo de 10 anos, as frutas podem render 90 vezes mais que a madeira.
Eles também notaram que, a cada ano, a quantidade dos produtos florestais extraídos desse hectare foi diferente. Por exemplo, em 1993, a família comeu 2.544 uxis. Em 1994, comeu 3.654 uxis e, em 1995 e 1997, nenhum uxi. Por quê? Você acha que eles ficaram enjoados de uxi? Não! Isso aconteceu porque as árvores de uxi daquele hectare não produziram nenhum fruto em 1995 e 1997. Além disso, em alguns anos eles capturaram uma boa quantidade de caça e, em outros, não.
Os resultados mostraram que essa família consumiu 14.248 frutas do hectare durante 10 anos. Essas frutas poderiam render R$ 1.507 se fossem vendidas na feira de Paragominas. Se descontarmos os custos de coleta, transporte e perecividade, o rendimento final seria de R$ 1.000. Os madeireiros pagam apenas R$ 30 por hectare (R$ 150 por alqueire) e retiram todas as árvores de valor comercial de uma só vez.
Lucro de 1 hectare durante 10 anos (madeira x fruta)
O fato é que as frutíferas oferecem frutas por muito tempo. O hectare do Sr. Mangueira é importante para a alimentação e saúde de sua família, por isso ele resolveu preservá-lo. A família do Sr. Mangueira contribuiu muito para que todos conhecessem o valor da mata. E, sabendo sobre a “renda invisível” que a floresta pode oferecer, decidiu fazer uma reserva para conservar os recursos naturais para os netos e bisnetos.
Consumo das frutas pela família do Sr. Mangueira
Entre o uxi, bacuri e piquiá, qual você acha que produz com maior frequência ao longo dos anos? Um estudo de 5 anos mostrou que o uxi é a espécie mais trabalhadora. Em média, 80% dos 24 uxizeiros estudados produziram durante todos os anos. Em contraste, 55% dos 16 bacurizeiros e 36% dos 68 piquiazeiros produziram.
Produção média anual de árvores produtivas em 5 anos (1994 a 1998), Rio Capim.
No Capim, uma comunidade vizinha do Sr. Mangueira vendeu 140 alqueires (672 hectares) de floresta por R$ 7.000, recebendo R$ 50 por alqueire. De cada alqueire, os madeireiros tiraram 10 árvores, cada uma custando R$ 5. Nesse mesmo alqueire existia uma árvore de uxi que produzia em média 1.000 frutos por ano. Se a comunidade tivesse acesso ao mercado de Paragominas, a 120 km, poderia vender cada fruto por R$ 0,08 e ter uma renda de R$ 80. Tirando os custos de transporte e o tempo de trabalho (R$ 30), ainda sobrariam R$ 50, o mesmo valor do alqueire. Outra diferença é que, deixando a árvore em pé, a família pode vender frutas todos os anos e não apenas 1 vez como no caso da venda da madeira.
Ronaldo Farias
Minha mãe me ensinava a assobiar para chamar o vento para derrubar as frutas. Às vezes, uma turma de crianças sentindo fome e com vontade de comer frutas assobiavam juntas. O assobiu é especial: você faz e espera, faz e espera. Depois você diz: “manda vento São Lourenço!” Quanto mais gente assobiando, mais vento vem. Acredito tanto que o vento vem com o assobio!
Uxi é uma excelente fonte de calorias; cada 100 gramas de polpa contêm 284 calorias, 6 vezes mais que a laranja. O uxi também fortalece o corpo com vitaminas importantes. O uxi possui mais vitamina B que muitas frutas, com 0,13 miligrama de vitamina B1 e 0,10 miligrama de vitamina B2 por 100 gramas de polpa. Cada 100 gramas de polpa de uxi também têm 7,8 miligramas de ferro e 33 miligramas de vitamina C[2]. Além disso, a polpa de uxi possui entre 10 e 21 gramas de fibras em cada 100 gramas. As fibras são importantes para o bom funcionamento dos intestinos.
O uxi também tem muitos minerais; cada 100 gramas de polpa possui 460 miligramas de potássio, 64 a 96 miligramas de cálcio, 53 a 70 miligramas de magnésio, 39 a 46 miligramas de fósforo e 22 miligramas de sódio. Por fim, o óleo de uxi é rico em fitoesteróis (1.378 miligramas por 100 gramas de óleo). A presença de fitoesteróis em alimentos reduz o nível de colesterol no sangue. Como dizem os paraenses: “caboclo que diz que não gosta de uxi deve estar doente”.
Na comunidade Nazaré do Rio Capim, Nenzinho e sua família comeram 1.123 uxis em apenas 1 mês. O seu vizinho, a família de João Brito, consumiu cerca de 6.000 frutos. Se eles tivessem que comprar todos esses frutos, o valor estimado seria entre R$ 300 e R$ 700. Segundo eles, durante a safra do uxi, não pegaram gripe nem tosse. Outras pessoas acham que engordam durante a safra. Neusa do Limão, diz que felizmente ganha até 2 quilos anualmente durante a safra do uxi.
Creme de uxi
Ingredientes:
– polpa de 15 a 20 uxis bem maduros ou 300 g de polpa congelada
– 1 lata de leite condensado (395 g)
– 1 lata de creme de leite (300 g)
– açúcar a gosto
Modo de fazer: Lave os frutos e tire a casca com uma faca. Retire a polpa com uma colher. Bata o creme de leite, o leite condensado e a polpa no liquidificador por 3 minutos. Despeje o creme em uma fôrma e coloque no congelador por 2 horas. Decore como preferir.
Doce de uxi
Ingredientes:
– 500 g de polpa de uxi
– 500 g de açúcar
– 1/2 copo de água
Modo de fazer: Misture o açúcar, a polpa e a água até formar uma massa homogênea. Leve a mistura ao fogo mexendo sempre, até o momento em que a massa soltar facilmente do fundo da panela. Retire do fogo e sirva.
Óleo de uxi da Senhorinha
Senhorinha do Nanaí é uma das poucas pessoas mais experientes que ainda sabe como tirar óleo de uxi. Ela disse que o óleo de uxi é limpinho e serve tanto para fazer comida como remédio. Senhorinha recomenda óleo de uxi no tratamento de sinusite em crianças (passe óleo morno nas narinas) e para prisão de ventre em adultos (faça fricção na barriga com óleo morno).
Para tirar o óleo de uxi, selecione 500 frutos maduros e lave-os bem. Raspe os frutos e coloque a polpa e a casca numa vasilha com água. Leve a mistura ao fogo e mexa com uma colher enquanto ferve. O óleo estará pronto quando a água secar. Com pouca polpa, leva 1 hora para obter o óleo; com 500 uxis leva 2 horas fervendo. Quinhentos uxis bem carnudos podem dar 2 litros e meio de óleo. A qualidade do óleo de uxi é tão boa quanto a do óleo de oliva.
Pele limpa com sabão de uxi
Glória Gaia
– 200 uxis raspados para obter 2 quilos de polpa
– 1 lata pequena (250 g) de soda cáustica
– 1 litro de água
– 500 g de glicerina
– 150 g de breu jutaicica (dá cheiro e liga no sabão)
Dissolva 250 gramas de soda cáustica em 1 litro de água. Acrescente a polpa de uxi e leve ao fogo brando, deixando ferver por 20 minutos. Em seguida, adicione a glicerina e o breu – o sabonete ficará com uma textura bem grossa. Coloque o sabonete em fôrmas antes de esfriar.
O uxi tem grande importância na alimentação dos animais silvestres. Num estudo sobre a produção de uxi, encontramos casos onde a caça comeu até 80% dos frutos das árvores. Veado, anta, queixada, catitu, tatu, paca, cutia, quati, macaco, arara e outros pássaros comem uxi. O quatipuru rói o caroço de uxi até atingir a semente. Às vezes, os caçadores colocam baladores perto dos uxizeiros para capturarem cutia e tatu. Um caçador de Joíra chamado Chuva tem o hábito de colocar baladores nos caminhos de caça perto dos pés de uxi durante a safra. Nesse período, parece até que Chuva tem um açougue ao lado da sua casa porque quase todos os dias ele pega um tatu.
Destino dos uxis produzidos pelas árvores do Capim
Veja o que aconteceu com a produção de 24 árvores de uxi na área do Rio Capim. Quantos sobraram para comer ou vender? Somente 14% de todos os frutos!
Mesmo que informações científicas digam que o uxi é difícil de ser manejado e economicamente inviável, existem centenas de famílias perto da cidade de Belém plantando, manejando e vendendo uxi. Na comunidade de Boa Vista, na ilha do Acará, as práticas para aumentar a densidade e melhorar a produção de uxi incluem: enriquecimento de plantio, corte de vegetação que compete por luz e nutrientes, fogo para controlar formigas no tronco e galhos, além de limpeza do chão a cada 6 meses para ajudar na coleta dos frutos e adubar os uxizeiros. Como o Sr. Roxinho disse, “sempre que a gente faz a limpeza, nós puxamos para o lado da árvore de uxi”.
Os caboclos escolhem os filhinhos (mudas) de árvores que produzem frutos graúdos, doces e com pouco refugo. Eles só pegam as mudas que nascem naturalmente. Quando os frutos ficam machucados na queda, eles os deixam no chão. Assim, terão uma maior porcentagem de sementes boas para plantar no ano seguinte. Para enriquecer a mata com uxizeiros, os produtores sabidos dizem que “tem que mudar os filhinhos com cuidado, pois o uxizeiro é meio melindroso”. Quando um uxizeiro fica velho e diminui a produção, a árvore é retirada para abrir espaço e sol para as outras[4].
Caboclos sabidos
Sr. Roxinho
O sítio do Sr. Roxinho de Boa Vista, a 40 minutos de barco de Belém, começou com 6 árvores de uxi em 1 hectare. Depois de 30 anos, ele tem cerca de 60 pés de uxi em 10 hectares. Às vezes, ele até derruba o cupuaçu e outras frutíferas para favorecer o uxi.
Para saber a renda que o uxi oferece, Sr. Roxinho e pesquisadores marcaram 1 hectare do sítio e conferiram todas as frutas que foram vendidas desse hectare. Durante a safra de 1996, em apenas 2 meses (fevereiro e março), Sr. Roxinho recebeu R$ 475 vendendo uxis do hectare marcado. Mesmo descontando os custos de transporte e mão-de-obra da família, o uxi rende mais que as outras frutas porque tem uma produção alta.
Além dos pés de uxi, Sr. Roxinho tem muitas outras frutíferas nesse hectare como bacaba, biribá, pupunha, piquiá e cupuaçu. Isso tudo por causa do manejo. Adivinha quanto ele ganha vendendo todas essas frutas? Sem descontar os custos, a renda que ele teve do hectare marcado durante a safra de 1996 foi de R$ 1.181.
Sr. Roxinho escolhe para plantar as sementes das árvores que produzem as melhores frutas. A safra do uxi fornece a maior parte de sua renda e a de muitos vizinhos. Sua família espera a safra do uxi para comprar qualquer coisa extra para casa ou para os filhos como roupas, livros, cadernos, ferramentas e panelas. E, adivinha qual o tipo de madeira que ele usou para construir sua casa?
Enrico Bernard
Você sabia que os morcegos frugívoros comem uxi, além de várias outras frutas? Por meio da visão e do olfato eles são capazes de encontrar os frutos maduros nas árvores. Para comer os frutos, os morcegos os agarram e torcem até que se desprendam dos galhos. Em seguida, com o fruto na boca, eles voam até um abrigo temporário. Os morcegos não engolem o uxi, apenas raspam a parte mais macia e saborosa, descartando a semente. Após comer um fruto, os morcegos retornam à mesma árvore ou visitam novas árvores para apanhar mais uxis, até que estejam satisfeitos. Enquanto comem o fruto eles raramente ficam na mesma árvore. Geralmente, ao redor de árvores com muitos frutos ficam predadores como corujas, falcões, mucuras, gambás e até mesmo outros morcegos carnívoros. Voando para longe, os morcegos diminuem os riscos de serem atacados.
Os morcegos que se alimentam de uxi geralmente são grandes e uma das espécies mais comuns é o morcego da cara listrada (Artibeus lituratus), que pesa entre 40 e 80 gramas e pode ter até 70 centímetros com as asas abertas. Quando apanham um fruto de uxi e o transportam para longe da árvore mãe, os morcegos atuam como importantes dispersores de sementes. Assim, novos uxizeiros podem crescer longe da sombra da árvore mãe e em áreas onde não existia uxi anteriormente.
_____________
[1] Cavalcante, P.B. 1991
[2] IBGE/Estudo Nacional da Despesa Familiar. 1999
[3] Pesquisa em andamento por H.C. Mueller, Embrapa/CPATU, Belém
[4] Shanley, P. & Gaia, G. 2004
Margaret Cymerys
Patricia Shanley
Aproveitando a maré, antes mesmo de o sol nascer, milhares de ribeirinhos da Amazônia vão empalhar suas rasas de açaí para vender nas grandes feiras. Quando o barco se aproxima do Ver-o-Peso, o vendedor grita “sangue de vaca!”. Você vai ver os compradores correndo para os barcos, metendo suas unhas nos frutos para verificar se são de boa qualidade. “Sangue de vaca” é o açaí carnudo, cor de vinho e fresquinho. Com 6 meses de idade, as crianças já tomam “vinho” de açaí. Segundo um feirante: “Os intestinos dos paraenses já estão acostumados a tomar açaí”.
O açaizeiro é uma palmeira da Amazônia Oriental. É nativo do Pará, com maior ocorrência no estuário do rio Amazonas onde ocupa uma área de 10.000 km2[1]. Ocorre também no Amapá, Amazonas, Maranhão, Guianas e Venezuela. Os açaizais densos ocorrem naturalmente em áreas de várzea e igapó. Pássaros, macacos, pessoas e água são os responsáveis pela dispersão das sementes de açaí. O açaizeiro cresce melhor em áreas abertas com abundância de sol para o desenvolvimento dos frutos e nos solos bem drenados. As palmeiras chegam a alcançar mais de 25 metros, com troncos de 9 a 16 centímetros de diâmetro, possuindo em média de 4 a 9 filhos.
Época de flor e fruto
Flores e frutos ocorrem durante todo o ano, mas a maior abundância de frutos ocorre na estação seca, entre julho e dezembro. O açaí frutifica em diferentes épocas do ano na Amazônia, por isso, na entressafra os frutos vendidos no mercado de Belém vêm do Amapá, conservados no gelo. Quando o açaí amadurece, a frutinha fica preta e dura.
Densidade
No estuário do rio Amazonas encontram-se açaizais na várzea com cerca de 300 a 400 touceiras por hectare. Densidades de 100 a 200 touceiras por hectare são comuns em áreas de solo pobre.
Produção
Durante os dias de pico cerca de 10 a 20 mil rasas chegam à Feira do Açaí[2]. O Pará é o maior produtor de “vinho” de açaí; só em 1997 produziu mais de 1 milhão de litros[3]. Um açaizeiro produz 4 a 8 cachos por ano. Cada cacho pesa 4 quilos de fruto, e 1 touceira produz cerca de 120 quilos de fruto por safra. Na ilha das Onças, onde ribeirinhos manejam açaí para os mercados de Belém, a produção média é de 1.158 quilos por hectare por ano. Em açaizais manejados com capina e poda dos filhos, a produção por hectare pode chegar a 10.000 ou 12.000 quilos por ano, na terra firme, e até 15.000 quilos na várzea[1]. Mas cuidado com o açaí “parau”, ele não rende muito porque muitos frutos ainda estão verdes.
De manhã bem cedinho, entre 70 e 120 vendedores chegam à Feira do Açaí, em Belém. Logo depois chegam os compradores e, por volta das 8 da manhã, todo o açaí já foi vendido. Adivinhe quantas barracas de açaí foram encontradas nos 21 bairros de Belém 10 anos atrás? Mais de 2.000! Imagine quantas existem atualmente. A maior parte do açaí consumido em Belém é produzida nas ilhas, no Marajó e no Acará. Em Belém, em março de 2004, 1 rasa de açaí (2 latas ou 14 quilos) foi vendida por R$ 30. Veja como o preço subiu nestes últimos anos: em 1995, 1 rasa era vendida por R$ 5,50, já em 1998 atingia R$ 18.
Em 2000, no Brasil, foram comercializadas mais de 121 mil toneladas do fruto, gerando quase 60 milhões de reais[4]. Segundo dados do Dieese/PA, em fevereiro de 2004, 1 litro de açaí custou, em Belém, R$ 2, o fino; R$ 4,30, o médio; R$ 7,10, o grosso; e R$ 7,70, o papa. Os amapaenses também gostam bastante de açaí. Em Macapá, as pessoas consomem entre 27 e 34 mil litros por dia e o comércio do açaí produz mais de 18 milhões de reais por ano[5]. Você também pode comprar a polpa congelada por R$ 8 em Belém. No Estado da Califórnia, nos Estados Unidos, 1 quilo de polpa de açaí custa US$ 12 (R$ 31). E sabe de onde ela vem? Da Cooperativa Agrícola de Tomé-açu-CAMTA, no Pará.
O palmito de açaí também gera renda. Em 1996, mais de 86 toneladas foram produzidas, gerando um valor de mais de 13 milhões de dólares[6]. A maior parte do palmito de açaí ainda é extraída de maneira predatória; no entanto, já existem comunidades que conseguiram manejar a espécie para produzir fruto e palmito.
Fruto: “vinho”, polpa congelada, sorvete, chopp, picolé, açaí em pó, geléia, bolo, mingau, corante, bombom. Cerca de 12% da floresta amazônica foi destruída por desmatamento e fogo entre 1970 e 2002.
Palmito: comido fresco ou enlatado. Com a extração industrial do palmito de açaí, a abundância da fruta tem diminuído.
Palha: casa, cesto, tapete, abanador, peconha, adubo, ração animal. O coaratá (que cobre o cacho) também serve para as crianças fazerem um barco de brinquedo e como rede para bebês.
Caroço: adubo e, quando secos, para fazer colares e pulseiras.
Estipe (tronco): construções rurais como ripas e caibros.
Raiz nova: chá para verminoses.
Cacho: adubo, vassoura de quintal, e, queimado, serve como repelente.
Nos anos 1970, quando a indústria de palmito começou na Amazônia, a exploração foi muito intensa, destruindo os açaizais e deixando as pessoas sem o “vinho” de açaí. Em seguida, o comércio do fruto aumentou e o Ibama fez uma lei, em 1978, que só permite o corte do açaí manejado. Hoje, dá para ganhar muito mais extraindo o fruto de açaizais próximos das cidades. O palmito está sendo tirado dos açaizais mais distantes, mas ainda existem casos de exploração ilegal de palmito.
Em açaizais manejados para a colheita do palmito, a cada 4 anos são produzidos mais de 700 palmitos grandes por hectare, o que corresponde a 190 quilos por hectare por colheita. O palmito pode ser colhido várias vezes da mesma planta, já que a palmeira de açaí forma touceiras de várias estipes. Assim, o palmito pode ser retirado sem matar uma única árvore. Porém, tirar muito palmito diminui o número do valioso fruto dessa palmeira.
Você sabe se o palmito enlatado que você tem em casa é ou não manejado? Uma técnica simples foi desenvolvida para monitorar a pressão da exploração na palmeira de açaí: basta contar o número de palmitos em 1 lata do produto. Quando há mais de 17 pedaços de palmito em 1 lata de 1 quilo, isso indica que a extração não foi manejada[8].
Domingo alegre do açaí
Quando a safra de açaí é intensa, algumas cidades do interior da Amazônia Oriental, como Abaetetuba, Cametá e Moções realizam o festival do açaí aos domingos, com competições do tipo: maior variedade de comidas feitas com açaí, maior e menor cacho, quem toma mais “vinho”, maior cuia de açaí e danças folclóricas. Nessa festa, todo mundo anda pelas ruas com os lábios manchados de açaí. O açaí já inspirou até música: “…És a planta que alimenta a paixão de nosso povo…”
Remédio do sumo do palmito
Se alguém sofre um acidente na mata: corte, bata e esprema o sumo do palmito do açaizeiro e ponha em cima do machucado. Ele ajuda a estancar o sangue.
Quem cultiva orquídeas ou plantas ornamentais pode aprender com os experimentos do João Batista da Silva, um orquidófilo do Museu Goeldi. Ele descobriu que usar caroços de açaí como adubo funciona muito bem Para fazer o adubo: junte, lave e ferva (para não germinar) os caroços de açaí e seque-os antes de usar. Se você quiser experimentar, alguns carroceiros vendem adubo de açaí de porta em porta.
Há muito tempo atrás, uma tribo indígena no Pará começou a ficar sem comida. Para diminuir o sofrimento de seu povo, o cacique mandou matar todas a crianças, inclusive a de Iaçá, sua filha. Iaçá ficou muito triste e, andando pela mata, viu a imagem de sua filha perto de uma palmeira. O cacique foi atrás de Iaçá e a encontrou abraçada na planta que estava cheia de pequenos frutos pretos. O cacique preparou um “vinho” com aquela fruta e levou para sua tribo para matar a fome. Para homenagear a palmeira que até hoje alimenta seu povo, o cacique inverteu o nome de sua filha e chamou a palmeira de açaí.
O açaí é importante na dieta de muitos mamíferos e pássaros como tucano, inhambu, aracuã, macaco-prego, macaco-aranha, anta, veado, catitu e cutia. Jacu também gosta dos frutos e das folhas do açaizeiro. Pessoas da tribo dos índios Kayapó deixam açaí nas roças em pousio para alimentar a caça. Os peixes e tartarugas também gostam de açaí.
Os paraenses não sobrevivem sem o “vinho” de açaí. A mesa pode ter carne assada, salada, peixe ou churrasco, mas sem o açaí deixa de ser uma mesa paraense. Se não tiver açaí, não enche a barriga. Algumas pessoas em Belém chegam a tomar até 2 litros de açaí por dia. É estimado que em torno de 180 mil toneladas de açaí são consumidas anualmente na cidade. A polpa de açaí tem um elevado valor calórico, com até 247 calorias por 100 gramas de polpa.
Os ribeirinhos acreditam que faz mal comer açaí com leite, cachaça e frutas como cupuaçu, manga, cacau e melancia. Cientistas confirmam que as frutas ácidas e açaí não combinam muito bem. A polpa de açaí já virou moda nas academias de ginástica no Sul do Brasil. Os atletas gostam da polpa batida com xarope de guaraná e aveia, para dar força e energia. Dona Maria é uma das pessoas em Belém que exporta polpa de açaí congelada. Ela conta que, em 1980, mandou 50 quilos de polpa para uma lanchonete no Rio de Janeiro. Vinte anos depois ela já mandava 800 toneladas por ano para diferentes cidades no Brasil.
O sabor único do açaí chegou em Nova York e Los Angeles, nos Estados Unidos, e está sendo usado como fortificante e alimento saudável. Comunidades do Baixo Tocantins estimam que nos próximos anos estarão fornecendo 5 mil toneladas de açaí orgânico por ano para exportação.
O “vinho” de açaí é rico em cálcio, ferro, fósforo e vitamina B1. O nível de vitamina A no açaí é bem maior que em outras frutas tropicais. Cem gramas de polpa de açaí contêm 2 gramas de proteína; 12,2 gramas de lipídios; 11,8 miligramas de ferro; 0,36 miligrama de vitamina B1 e 9 miligramas de vitamina C[9]. O nível de proteína que o açaí possui é semelhante ao do leite de gado. O palmito de açaí tem poucas calorias, mas é uma boa fonte de minerais, possuindo sódio, potássio, manganês, ferro, fósforo, cobre e silício.
Fatos nutricionais do açaí
O açaizeiro regenera facilmente na várzea do estuário do rio Amazonas, onde os caroços são espalhados por pessoas, animais e água[10]. Na terra firme, a palmeira é cultivada por mudas. As sementes germinam rapidamente, em 30 a 40 dias em boas condições de umidade. Entre 4 ou 5 meses, as mudas já estão prontas para serem plantadas (com 30 centímetros de altura). Em ambiente natural, a quantidade desementes que germinam é quase sempre menor que 50%. A luz é o principal fator para o bom crescimento da planta.
Em açaizais manejados, o número de filhos é reduzido para aproveitar os palmitos e aumentar a produção de frutos[10]. Corte os troncos velhos, que são muito altos, para colher os frutos e, dos filhos novos, retire os palmitos tenros. Deixe os troncos médios produtivos e não-produtivos. Além disso, corte os cipós e árvores vizinhas com galhos de 10 a 15 metros de altura para que não interfiram nas copas dos açaizeiros adultos. Mas não jogue a palhada fora, pois ela pode ser um bom adubo para os açaizeiros[10].
Técnicas de manejo de açaí
Os frutos do açaizeiro duram somente de 36 a 48 horas sem refrigeração. Portanto, em áreas afastadas onde não se pode vender os frutos, o manejo para o palmito é importante. Para não prejudicar os açaizeiros, recomenda-se a colheita de 3 palmitos por touceira de palmeiras grandes (10 centímetros de DAP) a cada 3 ou 5 anos.
Faltou açaí! Não se preocupe, para desfrutar o delicioso sabor do açaí o ano inteiro, é possível fazer algumas de suas plantas produzirem na entressafra. Para isso, basta tirar as flores quando ainda estão novas. Assim, você consegue mudar a época do pico de frutificação.
_____________
[1] Anderson, A.B.1990 / Nogueira, O.L.1995
[2] Weinstein. S. 2000
[3] Clay, J.W. C.; Sampaio, P.B. & Clement, C.R. 2000
[4] IBGE. Produção da extração vegetal e da silvicultura. 2002
[5] Poulet. D. 1998
[6] Jardim, M.A.G. 1996
[7] Jardim, M.A.G. 2000
[8] Pollack, H.; Mattos, M. & Uhl, C. 1997
[9] Calzavara, B.B.G.1987
[10] Jardim, M.A.G. 1995
Evandro Ferreira
Há muito tempo, indígenas e seringueiros consomem açaí solteiro no Acre, entretanto, somente agora seu comércio começa a crescer. Muitas pessoas da cidade também passaram a comprar açaí. O açaí solteiro que ocorre no Acre é diferente da espécie de açaí que ocorre no Pará (açaí de touceiras). O açaí solteiro, como o nome já diz, possui apenas 1 estipe (tronco) e é geralmente maior do que o açaizeiro paraense (pode atingir mais de 23 metros de altura). Ele é nativo do oeste da Amazônia brasileira, típico de florestas maduras, e ocorre tanto nas áreas inundadas como na terra firme. É pouco resistente ao fogo e raramente ocorre em áreas desmatadas. Os frutos são utilizados para preparar o “vinho”, em processo similar ao do “vinho” do açaí do Pará. A exploração do palmito de açaí solteiro já foi muito intensa e causou grande redução da população nativa.
Época de flor e fruto
No baixio:
Na terra firme:
As flores e frutos podem ser encontrados durante todo o ano, mas sempre há o período da safra. Em Epitaciolândia, no Acre, o açaí solteiro de baixio produz primeiro (início de março a início de junho) e o da terra firme vem logo em seguida (junho a outubro)[1].
Densidade
A maior densidade de plantas ocorre em áreas de baixio. Por exemplo, em Epitaciolândia, no baixio, foram encontrados 57 indivíduos produtivos por hectare, enquanto na terra firme havia apenas 39 indivíduos produtivos por hectare[1]. Mas é possível encontrar até 5 vezes mais plantas no baixio que na terra firme.
Produção
Durante o ano, cada planta produz entre 2 e 6 cachos. Um hectare de terra firme pode produzir mais de 140 quilos de frutos e, em áreas de baixio, a produção pode atingir mais de 270 quilos por hectare[2]. Apesar disso, as plantas mais exploradas são aquelas de terra firme, pois seus frutos são maiores. Uma palmeira de baixio produz, em média, 7,5 quilos de frutos, enquanto uma palmeira de terra firme produz 8,5 quilos[2]. O tempo ideal para a coleta dos cachos é quando os frutos estão quase pretos e começam a cair. Depois de colhidos, os frutos devem ser protegidos do sol e podem ser conservados por até 3 dias.
Em Rio Branco, os frutos de açaí solteiro são vendidos por R$ 5 a R$ 6 a lata de 12 quilos. Em agosto de 2002 existiam 19 pontos de venda de açaí equipados com despolpadeiras. Em Rio Branco, os proprietários produziram e comercializaram 7.500 litros de açaí por semana, vendidos ao preço médio de R$ 1,50 a R$ 2 o litro. Com base na produção, 22 toneladas de frutos são comercializadas toda semana. A semente branca do açaí solteiro tem sido usada para artesanato na confecção de colares. Em Belém, meio quilo de sementes já furadas custou R$ 10 em 2004. Os colares de sementes amazônicas como guaraná, coco e açai estão chegando até Nova York, nos Estados Unidos. Os mais bonitos podem custar até R$ 490.
Fruto: preparo do “vinho”, sorvete, picolé e “chicha”, uma bebida fermentada apreciada pelos indígenas locais.
Semente: recentemente o artesanato feito com sementes amazônicas virou febre em todo Brasil. A semente mais usada é a do açaí solteiro. Depois de limpa, a semente fica branquinha, diferente da semente do açaí de touceira, que é violeta.
Palmito: consumido fresco ou em saladas.
Óleo: no Peru, os indígenas utilizam o óleo para embelezar os cabelos[3].
Folha: o suco obtido da prensagem da raiz nova e do “olho” das folhas novas é utilizado contra picada de cobras e para anemia[4]. Na Bolívia, as folhas são usadas pelos indígenas na confecção de vassouras e cobertura de casas[5].
Estipe (tronco): servem como vigas de estrutura de casas rústicas nas áreas rurais.
Raiz: no Peru, a raiz é utilizada para a cura de problemas hepáticos e renais[6].
Desde a época do “boom” da borracha, há 100 anos atrás, o açaí solteiro tem sido muito consumido pelos seringueiros do Acre. Veja como hoje em dia a sua importância continua grande: as 111 famílias da comunidade São Luiz do Remanso consumiram aproximadamente 1.665 quilos de frutos em apenas 1 ano[7]. Muitas pessoas no Acre consomem até 1 litro de “vinho” de açaí por dia. Cem gramas de açaí, dependendo da qualidade e da diluição, contêm de 88 a 265 calorias[8].
Segundo os moradores dos seringais Dois Irmãos e Caquetá, papagaios, araras, tucanos e jacus são os bichos que mais comem e dispersam sementes de açaí solteiro. Os cientistas concordam com os moradores e, além disso, descobriram que 59% da comida dos veados vermelhos e 80% da comida dos veados cinzentos é açaí[2].
Existem poucos estudos sobre o manejo do açaí solteiro, comparado com o açaí de touceira. Porém, os cientistas dão uma dica: colhendo os cachos durante o pico da safra e deixando os frutos caírem no chão no resto do ano, todos podem ganhar – os bichos matam a fome, o açaí se reproduz e você toma o “vinho”[1].
A extração do palmito de açaí solteiro resulta na morte das plantas. Não existem exemplos de exploração sustentável de palmito no Acre. Ao longo da estrada que liga o Acre ao Amazonas (BR-317), as populações de açaizeiros praticamente acabaram no fim da década de 1990. Isso foi o resultado da exploração intensiva de palmito por indústrias localizadas nas cidades de Senador Guiomard e Rio Branco.
Naquela época, os palmiteiros passavam pelas estradas vicinais e convenciam os moradores a vender palmito. Em 1994, eles pagavam o equivalente a 20 centavos cada tolete de palmito já tirado. No entanto, o preço do palmito caía para 10 centavos quando os palmiteiros faziam a colheita. Hoje, os proprietários dessas áreas terão que esperar muitos anos para que as plantas de açaí jovens cresçam novamente e atinjam o diâmetro ideal para corte.
Na Bolívia, o açaí também está sofrendo, pois a exploração predatória está quase provocando sua extinção local[9]. No Acre, as indústrias de palmito não existem mais porque o palmito acabou. Contudo, a valorização do “vinho” de açaí está tornando o manejo da palmeira para fruto muito mais atraente.
_____________
[1] Costa, J.A. 2001 / Denslow J.L. 1980
[2] Rocha, E. 2001
[3] Bodley, J.H. & Benson, F.C. 1979
[4] Ming, L. C.; Gaudêncio P. & Santos, V.P. 1997
[5] Boom, B.M. 1987
[6] Mejia, K. 1992
[7] CTA 1997 / CNS 1993
[8] De Castro, A. & Bovi, M.L.A. 1993
[9] Zuidena, P.A. & Boot, R.G.A. 2000
Margaret Cymerys
O “vinho” de bacaba é bastante nutritivo e muito consumido na Amazônia. Ele é mais oleoso que o de açaí e é um dos sabores preferidos em Belém e cidades do interior do Pará. Toda a produção de bacaba em volta da cidade é comercializada, não sobra nada. Tem gente que faz uma mistura de bacaba e açaí e chama essa bebida de “viúva alegre”. Esse nome vem do contraste das cores do açaí escuro e da bacaba mais clara. Em Belém, justamente na época de maior escassez de açaí no mercado, a bacaba entra com toda a força, em um sistema de revezamento[1].
No Brasil, a bacaba é usada pelos indígenas desde antes do descobrimento, mas ainda não foi domesticada[2]. É importante saber que existem muitas espécies de bacabeiras. A mais famosa é muito conhecida no Pará, seu nome científico é Oenocarpus bacaba. Ela só tem um estipe (tronco), é nativa da Amazônia e ocorre com mais freqüencia no Pará e Amazonas, em áreas de solos pobres e argilosos e não-alagados. Essa espécie pode crescer na sombra, contudo prefere áreas mais abertas e é resistente ao fogo, sendo encontrada em capoeiras e pastos[3]. No Pará, também existe a bacaba-de-leque (O. distichus). No Acre e no Alto Amazonas, a bacaba mais conhecida é a bacabinha (O. mapora), que possui vários estipes.No Acre também existe o bacabi (O. minor) e o bacabão que é considerado um cruzamento da bacabinha com o patauá.
Época de flor e fruto
No Pará, a bacabeira (O. bacaba) floresce de junho a agosto e seus frutos amadurecem entre dezembro e abril, no período mais chuvoso. Porém, não é raro encontrar bacaba na entressafra.
Densidade
Na mata alta, podemos encontrar de 1 a 20 palmeiras por hectare. A bacabeira não forma populações homogêneas como o açaí ou o tucumã e normalmente ocorre espalhada na mata[4]. No entanto, na capoeira, pode atingir de 20 a 50 palmeiras por hectare.
Produção
Cerca de 1 a 3 cachos são produzidos por ano, pesando 20 quilos de fruto. Palmeiras produtivas podem produzir 2 vezes mais frutos. A bacabeira produz 1 vez por ano e, geralmente, apenas 1 cacho. Contudo, a produção compensa porque o seu cacho floresce 5 a 6 vezes mais que o do açaí.
Em abril de 2004, no Ver-o-Peso, em Belém, a rasa de bacaba custou R$ 30 e o litro de “vinho” grosso R$ 3,50. Em Rio Branco, no Acre, o litro de óleo de bacaba é vendido por R$ 10. O “vinho” de bacaba tem grande consumo doméstico, mas seu mercado ainda é fraco. Antigamente, no Acre, o “vinho” era fabricado com poucas condições de higiene, então pouca gente comprava. Mais recentemente, com o sucesso do açaí, a bacaba está voltando a ter melhor saída, sendo possível comprar 1 rasa por R$ 10.
Fruto: comestível após cozido ou transformado em um “vinho” forte, feito por meio do mesmo processo ou máquina que produz o “vinho” de açaí. Também usado para fazer sorvete, picolé e chopp.
Óleo: utilizado na comida e para fazer sabão, sendo muito mais oleoso do que o óleo de açaí.
Palmito: comido fresco, mas se você gosta dos frutos ou do “vinho” de bacaba é melhor não extrair palmito e deixar a palmeira crescer.
Folhas novas: no sul do Pará, onde não ocorre o cipó-titica nem timbó-açu, as pessoas usam as folhas novas, ainda fechadas, conhecidos como “olhos”, para fazer vassoura. Mas cuidado, ao tirar os “olhos” a produção dos frutos acaba.
Estipe (tronco): duro, utilizado para esteio, vigas, ripas e cabo de ferramenta.
Caroço: adubo, ração para porcos e, quando seco, serve para fazer colar.
A polpa pode suprir a falta de gorduras, calorias e proteínas.
“Vinho” de bacaba
Deixe os frutos amolecerem em água quente. Amasse com a mão ou use máquina para extrair o suco. Uma crença popular (há quem jure ser verdadeira) diz que se uma folha nova de bacaba abrir na hora de você apanhar os frutos, o “vinho” não vai prestar (vai ficar travoso, com gosto ruim), pois a massa e a água não vão se misturar. Portanto, apanhe os frutos quando as folhas estiveram maduras. Use peconha para subir na palmeira. Os cachos de bacaba são bem pesados e podem facilmente cair, por isso o ideal é amarrar o cacho com um cipó ou corda e levá-lo cuidadosamente para o chão.
Óleo de bacaba
Coloque os frutos amolecidos no pilão e bata-os para soltar a massa. Retire e esquente a massa em uma panela com água. Quando a massa estiver quente, tire o óleo no tipiti – o óleo deve cair rápido como água – ou ainda você pode tirar o óleo que bóia sobre a água na panela. Uma outra maneira é deixar o “vinho” azedar de um dia para o outro e, em seguida, esquentá-lo na panela. Dizem que rende mais.
Muita caça come bacaba. Paca e cutia são os principais roedores dessa fruta. Tucano, papagaio, jacu, anta, queixada, catitu e veado também gostam de bacaba. Os índios Kayapó costumam deixar bacabeiras nas suas roças em pousio para atrair a caça[5].
As sementes de bacabeira germinam entre 2 e 3 meses e crescem lentamente[6]. Plântulas novas precisam de sombra para não secarem demais. Essas palmeiras produzem frutos depois de 6 anos, quando atingem de 3 a 4 metros. A bacabeira é conservada em quintais e roçados durante a broca, servindo para o consumo humano ou para atrair a caça. É difícil encontrar plantios de bacaba para o comércio. No entanto, em um experimento, a Universidade do Acre plantou a bacabinha em um espaçamento de 2,50 x 2,50 metros em áreas de pleno sol e áreas com sombra. As plantas desenvolveram-se bem nos 2 ambientes, mas quanto mais sombreada menos cresceram e menos produziram estipes (perfilharam).
_____________
[1] Cavalcante, P.B. 1991
[2] Rocha, A.A. 2001
[3] FAO 1987 / Clay, J. & Clement, C. 1993
[4] Balée, W. 1989
[5] Posey, D.A. 1985
[6] Lorenzi, H. 1966
Margaret Cymerys
Nivia Maria de Paula Fernandes
Onofra Cleuza Rigamonte-Azevedo
“Entre as variadas espécies de palmeiras da Amazônia, o buriti é das que apresentam mais elegantes e belos espécimes… o buriti é de linhas tão nobres e tão poéticas no seu todo que entre elas se salienta.”
A. Lustoso, Arcebispo do Pará, 1930
O buritizeiro é uma das maiores palmeiras da Amazônia, possuindo de 30 a 50 centímetros de diâmetro e de 20 a 35 metros de altura. Oferece um fruto nutritivo importante para as pessoas e animais da região. A distribuição geográfica do buritizeiro abrange toda a região amazônica, o Norte da América do Sul e estende-se pelo Nordeste e Centro-Sul do Brasil. Essa palmeira prefere áreas alagadas, igapós, beira de igarapés e rios, onde é encontrada em grandes concentrações. A água ajuda na dispersão das sementes, formando populações extensas de buritizais. Os frutos, folhas, óleo, pecíolo e tronco são utilizados para muitos fins. O buriti também é conhecido no Brasil como miriti, muriti e buriti-do-brejo; nas Guianas, como awuara e boche; na Venezuela, como moriche; na Colômbia, como carangucha, moriche e nain; no Peru, como aguaje e iñéjhe; e na Bolívia, como kikyura e palmeira real[1].
Época de flor e fruto
O buriti é uma espécie dióica, isto é, apresenta indivíduos masculinos e femininos. As plantas masculinas florescem nos mesmos meses que as femininas, porém nunca produzem frutos. Na área de Belém, o buritizeiro floresce de setembro a dezembro e frutifica de janeiro a julho e, por vezes, a partir de novembro ou dezembro. Os buritizais do Acre florescem entre abril e outubro. A maturação dos frutos pode ser bem heterogênea dentro de um mesmo buritizal, variando de 7 a 11 meses. Os frutos maduros podem ser encontrados entre março e outubro[2].
Densidade
O buritizeiro ocorre naturalmente com mais frequência em áreas inundadas. É comum encontrar 60 a 70 buritizeiros femininos e 75 a 85 buritizeiros masculinos por hectare.
Produção
Uma palmeira de buriti produz de 40 a 360 quilos de fruto. Em 1 hectare manejado podem ser produzidas de 2,5 a 23 toneladas de fruto por ano. Com base em levantamentos, no Acre, estima-se que 1 palmeira feminina de buriti produz de 1 a 9 cachos e, cada cacho, de 600 a 1.200 frutos[2]. Considerando uma média de 64 palmeiras femininas por hectare e uma produção média de 200 quilos de frutos, é possível obter 384 quilos de óleo da polpa por hectare. A produção das palmeiras declina somente após 40 a 60 anos.
O buriti é muito importante para os mercados formal e informal da Amazônia. Muitas mulheres trabalham nas ruas de Iquitos, no Peru, vendendo picolés de buriti[3]. A população de Iquitos gosta de buriti tanto quanto o paraense gosta de açaí. Em 1985, estimou-se que essas vendedoras ganharam cerca de 11 dólares por dia. No final do mês, o salário delas era 8 vezes maior que o salário mínimo. Em 2004, em Belém, 100 mililitros de óleo de buriti foram vendidos por R$ 5; o quilo da polpa atingiu R$ 8; e um paneiro com 15 frutos custou R$ 1. Entre 1997 e 1998, 20 frutos custavam R$ 0,50.
No Acre, políticas de incentivos ao aproveitamento da espécie vêm sendo efetivadas. No Vale do Juruá, os extrativistas processam a polpa de buriti para a obtenção de óleo. O objetivo dessa experiência pioneira é a comercialização em grande escala.
Polpa: “vinho”, doce, chopp (geladinho), sorvete e picolé.
Semente: botões, artesanato, semi-jóias e jóias (com prata ou ouro) e para produção de álcool combustível[4].
Óleo: para fritar peixe, fabricar sabão e cosméticos e como combustível para lamparina.
Folhas novas (ainda fechadas, conhecidas como “olhos”): corda, cestas, cintos, bolsas, esteiras, chapéus, sandálias, capas de agendas e redes. Na Região de Bragança, no Pará, extraem-se muitas folhas para fazer as sogas do tabaco. As folhas também são usadas como adubo orgânico.
Folhas adultas: no Acre, os talos da folha do buritizeiro são os mais procurados para fazer “papagaios” (pipas). No Pará, as folhas são muito usadas para tecer tipiti e paneiros. No passado, os índios Tupinambá ferviam as folhas de buritizeiro para obter um pó de cor castanha que era usado como sal[5].
Pecíolo (ou “braço”): fornece material leve e macio utilizado em artesanato. O “braço” tem uma parte interna esponjosa usada para a confecção de brinquedos, rolha de garrafa, papel higiênico e gaiola de passarinho.
Estipe: construção de pontes e, por causa de sua propriedade flutuante, o tronco é utilizado para transportar madeira nos rios. Nesse caso, geralmente, escolhem-se os buritizeiros masculinos. É no estipe de buritizeiros apodrecidos na água que se desenvolvem os turus. Os turus são grandes larvas e representam uma fonte de alto valor protéico, além de serem deliciosos crus ou cozidos.
Caça: o buriti é consumido por muitas espécies de caça. É importante para a nutrição das antas, queixadas e catitus.
Óleo: como extrair?
O óleo de buriti possui muitos usos, porém custa caro no mercado. Então, vale a pena saber como extraí-lo em casa. Veja como é fácil: bata cada fruto com uma colher ou pedaço de pau. Coloque os frutos em um tambor ou lata contendo água e cubra com folhas verdes para abafar. Leve ao fogo por 4 ou 5 horas sem mexer até que eles amoleçam (mas não deixe a água ferver). Retire os frutos do fogo quando eles estiverem bem moles e raspe a massa com uma colher. Coloque a massa na água para esquentar e, quando o óleo subir, retire-o com uma colher. Esse óleo é excelente para fritar peixe ou fazer bolinhos. O bagaço do fruto é um excelente adubo para roça ou horta.
O buriti possui uma das maiores quantidades de caroteno ou vitamina A entre todas as plantas do mundo. São 30 miligramas por 100 gramas de polpa[6] – 20 vezes mais que a cenoura. A deficiência de vitamina A é um problema freqüente na população brasileira. Por isso, as pessoas desenvolvem certas doenças como infecção na boca, dor de dentes, infecção nos olhos e cegueira noturna. No Nordeste, o doce de buriti está sendo usado para suprir essa deficiência. Um grupo de crianças comeu doce de buriti durante 20 dias. Pois não é que, depois disso, os sintomas causados pela falta de vitamina A desapareceram![7]
Além disso, o buriti pode fornecer uma boa quantidade de proteína na dieta humana. A polpa possui 11% de proteínas, quase igual ao milho. A fruta também é usada na prevenção e recuperação de crianças desnutridas. Além disso, o óleo de buriti tem ação purificante e desintoxicante. O buriti é um componente importante na dieta dos índios Apinayé. É comum ver os indígenas caminhando com paneiros cheios de buritis. Eles tiram a casca da fruta e chupam a polpa[8].
Açúcar de buriti
Em certas regiões do Pará, as pessoas furam o tronco das palmeiras masculinas e recolhem de 8 a 10 litros de seiva para produzir um açúcar amarelo-claro. Dom Antonio de Almeida Lustrosa, Arcebispo do Pará, escreveu na década de 1930: “o caboclo derruba a palmeira masculina e escava seu tronco para afluir a seiva”. Essa seiva é engrossada pela evaporação, transformando-se em mel[9].
Sagu de buriti
Do interior do tronco também se obtém uma farinha amilácea, utilizada para o preparo de mingau, idêntica ao “sagu”. Os índios chamam essa farinha de “ipurana”[10].
Polpa de buriti
A polpa de buriti pode ser feita em casa. Coloque os frutos em água morna e, em seguida, amasse-os em uma peneira grossa ou com as mãos. Use água filtrada ou fervida e lave bem as mãos antes de fazer a polpa. Você também pode usar uma despolpadora como a do açaí. A polpa ou “vinho” de buriti vão sair mais ou menos grossos dependendo da quantidade de água usada.
Doce de buriti
– 10 xícaras de polpa de buriti
– 10 xícaras de açúcar
– 1/2 copo de água
– cravinho a gosto
Misture a polpa com açúcar, acrescentando água enquanto estiver cozinhando. Quando o doce estiver quase no ponto (quando a massa soltar do fundo da panela), coloque o cravinho. Se quiser o doce em tabletes, ao tirá-lo do fogo, espalhe a massa em uma tábua bem limpa e corte-a em pedaços.
No Nordeste, o delicioso doce de buriti é vendido em caixinhas feitas com o “braço” (pecíolo) da palmeira. Em Teresina, no Estado do Piauí, o doce é comum nas feiras, em pequenos pacotes ou em grandes latas (cerca de 29 quilos)[11].
Creme de buriti
– 2 latas de leite condensado
– 2 latas de creme de leite sem o soro
– 3 dedos de 1 copo com suco de limão
– 700 g de polpa de buriti
Bata no liquidificador a polpa de buriti, o leite condensado e o creme de leite. Aos poucos acrescente o suco de limão, para dar consistência ao creme. Bata até adquirir a consistência desejada. Coloque a mistura em uma vasilha e leve-a para geladeira.
Os pesquisadores de palmeiras descobriram que o fruto deburiti pode produzir 2 tipos de óleo vegetal amplamente usados nas indústrias química e alimentícia. Da polpa dos frutos são extraídos óleos oléicos (similares aos óleos vegetais obtidos da maioria das culturas anuais). Das sementes, obtêm-se os óleos láuricos. Estima-se que com a densidade de 150 plantas femininas por hectare, o buriti pode produzir 3,6 toneladas por hectare de óleos oléicos. Essa quantidade é bem superior à produção dos óleos muito utilizados no mundo, tais como soja, girassol e amendoim, porém é inferior à do dendê[11].
O óleo da polpa do fruto de buriti também pode ser usado para fabricar protetor solar, pois absorve completamente as radiações eletromagnéticas de comprimento entre 519 nanômetros (cor verde) e 350 nanômetros (ultravioleta), que são prejudiciais à pele humana[9]. Atualmente, empresas de cosméticos vêm industrializando e comercializando, em larga escala, desodorantes corporais com óleo de buriti. Em Belém, uma pequena empresa está vendendo uma mistura de óleo de castanha e buriti para a renovação da pele por R$ 11,40 o vidrinho de 120 mililitros.
O óleo de buriti também pode representar uma fonte de energia elétrica alternativa para comunidades isoladas da Amazônia. Em Rondônia, o óleo de buriti foi utilizado na produção de energia elétrica eficiente e de baixo custo em um projeto piloto desenvolvido pelas universidades federais de Brasília e Rio de Janeiro[12].
Na região amazônica, o buriti apresenta importância muito grande para algumas tribos indígenas. As tribos esperam e saúdam alegremente a aparição dos frutos maduros dessa palmeira, realizando, nessa época, suas melhores festas e os casamentos ajustados[12].
Quando um homem da tribo Apinayé de Goiás quer casar, ele precisa passar por uma prova: carregar uma tora de buriti com 1 metro ou mais da floresta para o centro da vila. Assim, ele pode demonstrar sua força. Quando ele chega na vila com a tora, a irmã e a madrinha da noiva o levam até ela. O casal divide uma refeição para que o casamento seja consumado[10].
O jacu e o aracuã comem as flores do buritizeiro, enquanto os frutos são procurados por uma multidão de outros animais silvestres. Os caçadores colocam mutás embaixo das árvores de buriti para pegar veado, queixada, catitu, quati, anta e paca. O buriti também alimenta macacos, jabutis e até peixes. Um estudo no Peru mostrou a importância do buriti na dieta dos animais[13]. Na ordem das frutas mais consumidas, o buriti tomou a 1ª posição para a anta, 5ª para a queixada, 10ª para o caititu, 16ª para o veado branco e 18ª para o veado vermelho. As pessoas que moram nas áreas de várzea no rio Amazonas capinam as plantas em volta da árvore e colocam matéria orgânica no seu pé. Assim, melhoram a produção de buriti para atrair a caça.
Para aumentar a taxa de germinação, colete as sementes de buriti de cachos maduros, ainda nas palmeiras, com frutos de cor vermelha a vinho. Após o despolpamento, deixe as sementes de molho em água por pelo menos 12 dias. Em seguida, coloque-as para secar ao sol por 1 dia, por fim, enterre-as em areia com 2 centímetros de profundidade. Molhe o viveiro pelo menos 2 vezes ao dia. Depois de 24 dias, as sementes começam a germinar e, com 42 dias, 95% delas já terão brotado[2].
A muda de buriti pode ser plantada em solo alagado, porém não sobreviverá se permanecer sempre dentro da água. Além disso, o buritizeiro precisa de luz; no início, a muda usa os nutrientes das sementes para crescer, agüentando a sombra, mas ela precisa de sol para virar adulta. Para se desenvolver, o buritizeiro precisa de adubos orgânicos que podem ser obtidos do próprio buritizal[2].
Perto de Iquitos, no Peru, a maioria dos pés de buriti foi derrubada. Atualmente, os frutos vêm de longas distâncias, levando 2 a 3 dias de canoa. Como o seu valor doméstico e de mercado são excelentes, pense no futuro: não faz sentido derrubar os buritizeiros. Colher os frutos sem derrubar as árvores é garantir a sua produção ano após ano. Capine as plantas sem valor econômico para oferecer mais espaço aberto e sol para o buritizeiro crescer. Além disso, corte as palmeiras masculinas do buriti, aproveitando a seiva e deixando 15% a 20% para polinização das plantas femininas. Para melhorar a qualidade do fruto, colha sementes dos melhores pés e semeie-as nas áreas abertas dos buritizais[8].
_____________
[1] Henderson, A. 1992
[2] Paula-Fernandes, N. M. 2001
[3] Padoch, C. 1988
[4] Pesce, C. 1941
[5] Levi-Straus, C. 1997
[6] Lima, M.C.C. 1987
[7] Pio Correa, M. 1926
[8] Balick, M. 1986 e 1988b
[9] Moreira, G. C.; Morais, A. V. & Matias, J. G. N. S. 1998
[10] Cavalcante, P. 1991
[11] Lleras, E.E; Coradin, L. 1988
[12] Castro, A. 2000
[13] Bodmer, R. 1993
Margaret Cymerys
Evandro Ferreira
O inajazeiro é comum na Amazônia e ocorre em abundância em terra firme de solos pobres e arenosos. Essa palmeira é extremamente resistente ao fogo. Muitas vezes os inajazeiros são encontrados em pastos, capoeiras e nas propriedades de algumas comunidades; normalmente ocorre junto com outras palmeiras como o babaçu, o uricuri e o jaci. Talvez seja difícil diferenciar essas palmeiras. Para saber qual é o inajazeiro, preste atenção nos frutos, geralmente recobertos; nas folhas, com talos alongados e afiados; e na cobertura do cacho das flores, com final em forma de lança. O inajazeiro pode atingir até 14 metros de altura e 69 centímetros de diâmetro.
Antigamente, muitas casas e retiros de farinha eram feitos de palha de inajazeiro. O fruto é muito apreciado pelos animais silvestres e domésticos e por isso os caçadores gostam de usá-lo como isca para a caça. Quem protege essas palmeiras está aumentando o alimento dos animais silvestres. Além disso, quem tem inajazeiro ou tucumazeiro perto de casa não precisa se preocupar quando sair para passear, pois essas palmeiras vão protegê-la.
Época de flor e fruto
No Pará, o inajazeiro floresce entre outubro e março e frutifica entre janeiro e março do outro ano. No Acre, floresce em meados de julho e frutifica no começo de novembro.
Densidade
Nas florestas, o inajazeiro ocorre em baixa densidade e prefere áreas de terra firme. No Acre, em áreas de pastagem, foram contadas 16 palmeiras por hectare, mas existem áreas que podem ter mais de 100 indivíduos, especialmente em áreas abertas.
Produção
Uma palmeira produz normalmente de 5 a 6 cachos por ano, dando entre 800 a 1.000 frutos por cacho.
O inajá não tem um mercado grande, no entanto, está à venda todo começo de ano nas feiras de Belém. No Ver-o-Peso, em março de 2004, 30 frutos foram vendidos por R$ 1. Em outras feiras, no pico da safra, é possível encontrar o litro com 20 frutos por R$ 0,50. Além disso, na Praça da República, peças de artesanato fabricadas com sementes de inajá são bastante vendidas. Um anel, por exemplo, custa R$ 1; os brincos custam R$ 4; as pulseiras, R$ 6; e os colares, R$ 15.
Fruto: alimento para pessoas, animais domésticos e caça. Antigamente, nos seringais, os frutos eram queimados para a defumação da borracha.
Sabão: No passado era comum o preparo de um tipo rústico de “sabão vegetal” da polpa dos frutos maduros. No entanto, em muitas áreas, essa prática foi abandonada porque hoje é mais fácil comprar o sabão industrial.
Palha: usada na cobertura temporária de casas. Dependendo do tamanho, cada casa pode precisar entre 120 e 250 palhas. A tala é usada para fazer cacuri (armadilha para peixe).
Palmito: alimento para gado e pessoas. Ajuda a engordar os animais, aumentando a produção de leite.
Coaratá: a espata do cacho de inajá é usada como recipiente, pois pode durar até 3 meses. Serve para colocar água ou ração para porco, galinha ou cavalo. As crianças também gostam de usá-la como brinquedo.
Pedúnculo (liga o cacho à árvore): vira um espanador vegetal quando você o corta e bate, porém, assim, perdem-se os frutos.
Em contraste com o Pará, no Acre, o inajazeiro é pouco usado. Essa palmeira é pouco acessível para os seringueiros e ribeirinhos, pois ocorre em baixas densidades na floresta; sendo abundante apenas em áreas de fazenda. No entanto, para os seringueiros e ribeirinhos, o inajazeiro é importante porque seus frutos servem de alimento para a caça. No Acre, o inajá é chamado de “coco babão”, já que sua polpa de cor amarelo-pálida é pastosa e oleosa. As palhas de inajá não são muito usadas no Acre porque os extrativistas acham que elas se deterioram rapidamente.
Jurandir Galvão
Há duas décadas, quase todas as casas no interior da Zona Bragantina eram cobertas com a palha de inajazeiro. Hoje, os moradores utilizam uma mistura de telha, cavaco da mata e palha para construir casas. As pessoas conhecedoras dessa palmeira dizem que é melhor tirar a palha na época de lua nova, ou quando a noite é mais escura do que clara. Assim, a palha apodrece mais lentamente e fica menos suscetível aos insetos. Porém, uma das desvantagens das casas de palha em geral é a vulnerabilidade ao fogo.
O inajá pode ser consumido no estado natural ou cozido. Quase sempre as pessoas comem os frutos crus acompanhados de farinha. Os frutos maduros possuem 15% de óleo. Além disso, a polpa, que tem um sabor levemente doce, é usada no preparo de um mingal oferecido às pessoas com estado de fraqueza geral. A polpa de inajá é uma boa fonte de proteínas e calorias. Por isso, o inajá é muito importante para a população mais pobre da Amazônia.
Extração de óleo
O inajá possui um óleo semelhante ao do babaçu em qualidade e no uso. O óleo tem sabor picante e cor vermelho-alaranjada, atraente para a culinária. Além disso, pode ser usado na fabricação de um sabão de excelente qualidade. Porém, o seu consumo geralmente só ocorre quando existe escassez de outros tipos de óleos[1]. Existem equipamentos mecanizados para extrair óleo de inajá que permitem um rendimento de até 23%. O processo consiste em aquecer os cachos de inajá em vapor de água por 8 horas e, em seguida, amassar os frutos para retirar a polpa. O último passo é aquecer a polpa novamente a mais de 90oC e prensá-la para extrair o óleo.
Receita para vinho de inajá
Tire a casca da fruta, raspe a massa com uma colher, machuque-a e adicione água e açúcar a gosto.
O inajá é utilizado como isca para a caça. Os frutos maduros são espalhados no chão pelo caçador que, após 2 dias ou mais, volta para esperar a caça. O caçador João Lima, de Bragança, viaja 50 quilômetros para visitar os pais em Capanema. Durante essas visitas, ele sempre carrega cachos de inajá para colocar na sua mata. Seis dias depois, seus amigos aproveitam uma boa refeição da caça. O inajá é muito apreciado pela cutia, paca, catitu, veado, tatu, quati e macacos. Gado, porco, quatipuru e mucura também gostam de inajá. A dispersão das sementes é feita por mamíferos e roedores. Os porcos e gado engolem os frutos durante o dia e regurgitam as sementes à noite. Os roedores são muito importantes, pois enterram os frutos que muitas vezes são esquecidos. Esses frutos acabam formando um “banco de sementes” que mais tarde irão germinar.
Renda invisível da caça
Mesmo sendo ilegal caçar no Brasil, a caça de subsistência é uma necessidade para muitas pessoas do interior, sendo geralmente tolerada. Mas a caçada para fins comerciais não é permitida. Apesar de não ser vendida, a caça pode ser vista como uma fonte de renda, pois diminui a necessidade de comprar carne. Uma família que tem caça disponível em sua terra tem comida na barriga e dinheiro no bolso.
A maioria das famílias do Rio Capim, no Pará, compra ou troca caça com seus vizinhos durante o ano todo. Assim, economizam na alimentação. Uma família com caçadores experientes caçou mais ou menos 35 quilos de caça por mês, o que equivale a 21 quilos de carne. Se ela tivesse comprado os mesmos 21 quilos de caça na cantina comunitária teria pago R$ 3,50 por quilo. Assim, pode-se dizer que ela ganhou R$ 74 por mês de sua floresta. Se, ao invés de caça, ela tivesse comprado charque, que é mais fácil de encontrar na cantina, isso teria custado R$ 168 por mês, ou mais de R$ 2.000 por ano. Essa família economizou a mesma quantidade de dinheiro que recebe pela venda de 8 sacos de farinha por mês.
Custo de caça x preço de carne e charque
Entretanto, nem todas as famílias em Quiandeua têm caçadores e nem todos os caçadores conseguem muita caça sempre. Assim, não são todos os que ganham tanto quanto essa família com caçadores experientes. Mas, baseado no consumo de caça da comunidade inteira, pode-se calcular quanto uma família média economizou, por conta da caça, e quanto a comunidade ganhou de sua floresta.
Caça de graça da mata
Em um ano, 30 famílias em Quiandeua conseguiram 2.808 quilos de caça. Uma família média conseguiu 8 quilos e consumiu mais ou menos 5 quilos de carne por mês. Essa caça custaria R$ 17 por mês, ou R$ 210 por ano na cantina comunitária. Se não houvesse mais caça e essa família tivesse que comprar charque, isso custaria mais ou menos R$ 40 por mês, ou o equivalente a 1,5 saco de farinha. Por ano, seriam 96 quilos de caça que equivalem a R$ 480 em charque ou 21 sacos de farinha. Assim, a comunidade inteira ganhou em carne o valor de 49 sacos de farinha por mês, ou 584 sacos de farinha por ano.
Quiandeua economizou muito dinheiro por causa da caça que vive na sua floresta. E isso não é um caso único. Por exemplo, na Amazônia peruana, na comunidade Chino, perto de uma reserva comunitária, 34 famílias pegaram, em média, 54 quilos de caça por mês, ou mais de 600 quilos por família por ano[2]. Um caçador de Joíra, ao lado de Quiandeua, pegou mais de 700 quilos num ano. Naquela época, essa caça tinha o mesmo valor de aproximadamente 100 sacos de farinha, ou R$ 2.400.
Valor da caça x da farinha
Mas a floresta só pode oferecer tudo isso se for protegida. Ela é o habitat e alimentação da caça. Ao derrubar a floresta de forma predatória, estamos empobrecendo a mata e, por sua vez, espantando os animais. Lembre-se que uma área maior de floresta significa uma quantidade maior de caça. Os animais precisam de uma floresta grande para procurar comida o ano inteiro, pois uma árvore sozinha dá frutos somente de 1 a 4 meses por ano. Por essa razão, algumas comunidades juntam suas terras para fazer reservas comunitárias maiores.
Além disso, algumas espécies de caça mais sensíveis podem desaparecer por causa do aumento das caçadas. Animais que se reproduzem devagar como o macaco, a anta ou a arara, devem ser capturados raramente. Outros animais, como aqueles que têm muitos filhotes a cada ano (tatu, cutia ou caititu), podem ser capturados com mais freqüência.
Animais e pessoas são responsáveis pela dispersão das sementes de inajazeiro. O crescimento dessa palmeira é lento, e a frutificação começa somente após 4 ou 5 anos. Para o inajazeiro nascer mais rápido, deixe-o dentro do igarapé por 30 dias. O inajazeiro é conservado em roçados para atrair a caça e pode ser muito abundante em áreas onde a agricultura de corte e queima é praticada. As palmeiras sobrevivem ao corte e queima, espalhando-se na capoeira durante o pousio. Assim, depois de várias roças no mesmolugar, a densidade de inajazeiro pode aumentar. Nesse caso, e em capoeiras ou pastos degradados, essa palmeira pode ser manejada para aumentar a alimentação de animais silvestres.
Por toda a Amazônia, é possível observar a ocorrência de várias espécies de palmeiras em áreas agrícolas e de pastagens. As palmeiras geralmente formam grandes concentrações e, muitas vezes, tornam-se pragas nas áreas cultivadas. As palmeiras de inajá, babaçu, jaci, uricuri e tucumã são bons exemplos, pois são naturalmente resistentes ao fogo quando atingem a fase adulta. Seus estipes são muito grossos e duros. A casca é grossa e forma uma barreira eficiente contra o calor, protegendo a parte interna da planta. Além disso, a planta cresce inicialmente na direção do solo; somente depois de algum tempo, e ainda assim parcialmente, as folhas aparecem. A parte responsável pela produção das folhas novas, chamada de meristema apical, fica enterrada, protegida contra o fogo. Quando o homem põe fogo na terra, está estimulando o processo de desenvolvimento dessas palmeiras, pois elimina a concorrência com as outras espécies. Se o fogo é repetido anualmente, as sementes são estimuladas a germinar e, com o passar do tempo, a terra vai sendo ocupada por uma grande quantidade de plantas, geralmente de uma única espécie. É assim que aparecem as grandes concentrações de palmeiras. Na mata, onde o fogo não penetra, elas ocorremem densidade muito baixa e crescem muito lentamente.
_____________
[1] Blaak, G. 1984
[2] Bodmer, R.E. 1989
Daisy A. Pereira Gomes-Silva
O nome que os cientistas dão para o patauá significa “fruto de vinho”. Oeno quer dizer vinho e carpus quer dizer fruto. Bataua é o nome comum usado em alguns países. Os ribeirinhos e os extrativistas da Amazônia são os que mais usam o patauá para fazer “vinho” e óleo. O “vinho” é bebido acompanhado com carne de caça e farinha, e o óleo é usado para fritar peixe. Nas cidades, apenas o “vinho” é vendido, mas o óleo bem que poderia substituir o azeite de oliva nas frituras e saladas, pois possuem cheiro e sabor muito parecidos.
O patauazeiro é uma palmeira que prefere os lugares onde o chão da floresta fica mais úmido. Ele cresce durante muitos anos na sombra da floresta, porém, quando adulto, precisa de bastante luz. Patauazeiros ocorrem no Peru, Bolívia, Colômbia, Equador e Venezuela. No Brasil, ocorrem nos Estados do Acre, Amazonas, Pará, Rondônia até uma parte da Região Centro-Oeste do País. O patauazeiro pode atingir até 25 metros de altura, possui apenas 1 caule e folhas muito grandes, que podem alcançar mais de 10 metros. As flores e frutos ficam arrumados em forma de rabo-de-cavalo e podem ter até 350 ráquilas.
Época de flor e fruto
No Acre, a época de frutificação do patauazeiro é mais intensa nos meses de dezembro a março, período das chuvas, mas também encontramos frutos de patauá nos meses de julho a setembro. Os frutos demoram entre 10 a 14 meses para se desenvolverem e amadurecerem, por isso não é difícil achar plantas com flores e frutos ao mesmo tempo[1].
Densidade
O patauazeiro ocorre tanto na terra firme como na várzea e igapó. Ele é encontrado na terra firme de forma dispersa com 1 a 2 plantas adultas por hectare,[2] mas nos baixios pode tornar-se uma espécie dominante com 100 plantas adultas em 1 hectare. No Acre, o patauazeiro ocorre em quase todo o Estado e, na Reserva Extrativista Chico Mendes, já foram encontradas 48 plantas por hectare no baixio e 16 na terra firme. No Pará, no passado, o patauazeiro foi muito explorado, chegando a quase desaparecer em alguns lugares. Mas em outras áreas, como nos municípios do Baixo Tocantins, é possível encontrar grandes patauazais que são aproveitados tanto para o “vinho” como para o óleo.
Produção
O patauazeiro leva de 8 a 15 anos para frutificar[3] e produz até 3 cachos por ano, com mais ou menos 16 quilos por cacho[4]. Os frutos de patauá, como os de outras palmeiras, são medidos em latas de 18 litros. Em cada lata cabe cerca de 13 quilos de frutos. Na Colômbia, as coletoras de patauá fazem dieta especial antes de entrarem na mata. E só as mulheres que se guardam de alguns alimentos podem extrair o óleo.
Em Rio Branco, no Acre, é comum encontrar pontos de venda de “vinho” de patauá, juntamente com açaí e buriti, tanto no mercado dos colonos como em supermercados. No comércio, o preço da lata de frutos (18 litros) custa cerca de R$ 5 quando comprada diretamente do extrativista e entregue na cidade. O litro do “vinho” é vendido por R$ 2. Em Belém também existe mercado para o “vinho” de patauá. Se você gosta, pode encontrá-lo no Ver-o-Peso ao preço de R$ 3 o litro.
Hoje em dia, no Brasil, o comércio de “vinho” de patauá é maior que o de óleo. Durante a Segunda Guerra Mundial, com a escassez de azeite de oliva, o Brasil exportou mais de 200 toneladas por ano de óleo de patauá[5]. Infelizmente, nesse período, as árvores eram derrubadas para tirar o fruto causando a destruição de vários patauazais. Com o fim da Segunda Guerra, as vendas brasileiras de óleo caíram e hoje estão bem fracas. No Brasil, o óleo de patauá dificilmente é encontrado para livre comercialização nos mercados, como acontece no Peru, onde o comércio é bastante forte. Pode-se comprar óleo de patauá de comerciantes de ervas entre R$ 5 a R$ 6 o litro, mas é raro encontrá-lo.
Fruto: para fazer “vinho” e óleo. Os frutos são arredondados, quase ovais, possuem uma polpa que pode ser branca, esverdeada ou arroxeada, conhecidos como patauá-branco e patauá-roxo. Moradores da Reserva Extrativista Chico Mendes dizem que o patauá-roxo rende mais óleo.
Óleo: laxante, remédio para tuberculose, asma e outros problemas respiratórios. Tônico para amaciar o cabelo. Um famoso pesquisador que morava em uma aldeia Kayapó disse que os índios ficavam mais bonitos, nutridos e saudáveis na época de frutificação do patauazeiro[6].
Palmito: usado em saladas e comido fresco.
Palha: usada na cobertura de casas. Embora seja uma boa cobertura, só tem duração de 2 ou 3 anos, devido ao ataque de uma larva desconhecida. As fibras (talos) servem para confecção de instrumentos de caça, cordas e tecelagem.
Estipe (tronco, “braço”): serve para fazer pontes e hortas. Os índios também deixam o estipe apodrecer para criar tapurus, que servem de alimento.
Cachos: podem ser torrados e usados como suprimento de sal para o gado.
O óleo de patauá e o de oliva possuem gorduras muito parecidas. Portanto, o óleo de patauá pode substituir o de oliva em vários usos[3]. Esses óleos possuem grandes quantidades de gordura saudável (com grandes quantidades de ácidos graxos insaturados) e tendem a ser cada vez mais procurados para o consumo. Além disso, para cada 100 gramas de óleo, o patauá também possui 317 calorias e 47 gramas de carboidratos.
Tanto o óleo quanto o “vinho” de patauá possuem proteínas importantes em valores elevados, podendo ser comparados com a carne e o leite de gado[4]. O “vinho” de patauá é mais oleoso que o de açaí e o de bacaba, mas é altamente nutritivo e rico em energia[2].
Comparativo nutricional do óleo de patauá
Preparo do “vinho”
O “vinho” de patauá tem aparência de leite com chocolate e é preparado como o “vinho” de açaí. Primeiro selecione frutos maduros – uma maneira de saber se os frutos estão maduros é atirando uma pedra no cacho com uma baladeira; se alguns frutos caírem, o cacho está bom. Depois coloque os frutos para amolecer em água quente. Em seguida, retire a panela do fogo e deixe a massa descansar na panela tampada por cerca de 10 minutos. Amasse os frutos no pilão com um pouco de água até separar a polpa da semente. Por último, passe a massa pela peneira para separar as sementes que ainda restam e o “vinho” está pronto. Na cidade, hoje em dia, o “vinho” é feito utilizando a despolpadeira elétrica.
Bolo da Fabiana
– 2,5 xícaras de farinha de trigo
– 1,5 xícara de açúcar
– 1 copo de “vinho” de patauá
– 3 claras de ovos batidas em neve
– 1 colher de chá de fermento
Misture todos os ingredientes e mexa bastante. Em seguida, coloque a massa para assar em forno bem quente. O “vinho” de patauá é usado no lugar do leite e da manteiga. O bolo fica com aparência de bolo de chocolate. E fica melhor ainda se você colocar um pouco de castanha ralada[7].
Preparo do óleo
Cada mulher tem seu jeito e receita para extrair óleo. Porém, uma receita básica é deixar o “vinho” azedar de um dia para o outro para que a água se separe da “borra” ou “massa”. Algumas mulheres deixam a vasilha tampada, mas outras preferem deixá-la aberta durante esse tempo. No dia seguinte, essa “borra” é levada ao fogo para ferver até o óleo aparecer. Também é possível usar o tipiti para pressionar a massa e tirar o óleo[2]. Na produção tradicional, 1 lata de frutos de patauá rende cerca de 150 mililitros de óleo. Mas não seja muito curioso, os extrativistas no Acre dizem que só a pessoa que estiver tirando o óleo pode olhar para a panela, senão ele não aparece.
Os caçadores dizem que muitos animais como a anta, o veado, o porcão, o quandu e vários tipos de macacos comem patauá. As aves grandes como o tucano, a arara, o jacu, o maritaca e o maracanã são as que mais gostam dessa fruta. Alguns animais como o quandu e os macacos ajudam na distribuição da espécie na floresta, pois se alimentam de seus frutos; eles são chamados de dispersores. Mas também existem os animais predadores como o porquinho e o porcão que destroem as sementes. Além disso, podemos dizer que o homem também contribui para que o patauazeiro se distribua na floresta, pois depois de fazer o “vinho”, ele joga as sementes de patauá no chão[8].
Dentro da floresta, o patauazeiro tem um crescimento lento nos primeiros anos. Pode demorar mais de 5 anos até que os primeiros frutos apareçam. Agricultores que têm essas palmeiras plantadas a pleno sol nos quintais garantem que elas podem dar frutos aos 5 anos. O patauazeiro pode frutificar 2 anos após a formação do estipe[3]. Para colher patauá, você só precisa de uma peconha.
No manejo do patauazeiro, é importante não retirar os cachos de todas as palmeiras. Selecione 80% delas, deixando o restante para regeneração e alimentação de animais. Também é bom não retirar mais de 2 cachos de cada pé. Como o crescimento do patauazeiro dentro da floresta é lento, cuide para não cortar as folhas dos indivíduos mais jovens.
Depois de terminar de fazer o “vinho” ou retirar o óleo, espalhe as sementes em áreas próximas da casa ou mesmo em outra área que você escolher para fazer uma plantação. Alguns ribeirinhos acreditam que para conseguir o melhor óleo, na hora de coletar os frutos, a folha do “olho” da planta deve estar fechada. Experimente!
_____________
[1] Pedersen, H.B. & Balslev, H. 1993
[2] Balick, M.J. 1986 e 1988
[3] Gomes-Silva, D.A.P. 2001
[4] Clay, J.W. C.; Sampaio, P.B. & Clement, C.R. 2000
[5] Pereira, P.G. 1951
[6] Balick, M.J. 1988
[7] Peneireido, F. M. 2002
[8] Zonna, S. 2000
Margaret Cymerys
Charles R. Clement
A pupunheira foi uma das primeiras plantas domesticadas pelos indígenas em tempos pré-colombianos, provavelmente no sudoeste da Amazônia. Ao longo do tempo, ela foi distribuída por todos os trópicos úmidos baixos nas Américas. Acredita-se que a pupunheira foi domesticada inicialmente para extração de madeira e somente mais tarde para o fruto. Os primeiros frutos eram oleosos, mas com o avanço da domesticação foram obtendo mais amido. Atualmente, o fruto é consumido por muitas tribos indígenas, por moradores rurais e por pessoas nas cidades da Amazônia. Os cachos de frutas são vendidos nas feiras e nos supermercados. A pupunha é cozida e consumida em casa ou vendida nos cafés regionais e nas ruas.
A pupunheira alcança 25 metros de altura e cada tronco atinge de 10 a 25 centímetros de diâmetro. A planta forma uma touceira com até 15 troncos espinhosos. Há muitas variações na cor da casca do fruto (vermelha, amarela, alaranjada, branca, listrada), no teor de óleo (de 2% a 30% do peso fresco) e no tamanho do fruto (de 10 a 200 gramas). Além disso, existem frutos sem sementes.
Época de flor e fruto
A pupunheira floresce entre agosto e outubro e frutifica entre dezembro e março, raramente até abril. Porém, existem indivíduos que reproduzem fora dessa safra, especialmente em anos de chuvas abundantes e em solos mais ricos em nutrientes. Quando está com flores, a pupunheira é visitada por milhares de gorgulhos e outros besouros polinizadores.
Densidade
A densidade de plantio da pupunheira depende do uso e da intensidade do manejo pretendido. O mais comum são poucas plantas misturadas com outras frutíferas na roça ou na horta caseira. Plantios comerciais para frutos requerem uma densidade de 400 plantas por hectare, mas precisam de adubo e manejo intensivo. Plantios comerciais para palmito requerem uma densidade de 5.000 plantas por hectare, porém precisam ainda de mais adubo e manejo, além de muita experiência empresarial.
Produção
A pupunheira produz de 5 a 10 cachos por ano. No entanto, há palmeiras que chegam a produzir 25 cachos em apenas 1 ano chuvoso em solo bom. Cada cacho de pupunha pesa entre 2 a 12 quilos e contém aproximadamente 100 frutos, podendo atingir até 400 frutos por cacho. Uma pupunheira pode produzir de 10 a 120 quilos de frutos. A colheita de 1 hectare pode variar de 4 a 10 toneladas por ano. Às vezes, ocorre baixa produção por causa da polinização insuficiente, falta de chuva, falta de matéria orgânica ou solos compactados.
Um plantio de 5.000 palmeiras por hectare para produção de palmito pode produzir 1,2 tonelada de palmito tipo exportação por hectare por ano. Além do palmito, a pupunheira produz 2 a 3 toneladas de estipe tenro, que é a parte do tronco logo abaixo do palmito.
Em 2004, no mercado de Belém, o quilo da pupunha foi vendido por R$ 2 a R$ 4. Os preços de Manaus são muito parecidos mas, às vezes, a produção é maior que a procura pelo fruto. No Estado do Amazonas, a safra da pupunha em 1999 foi 2 vezes maior que o consumo, o que representou uma grande produção sem valor econômico, embora a pupunha não vendida tenha servido como alimento para porcos, galinhas, patos e peixes.
Fruto: pode ser comido depois de cozido com sal por 30 a 60 minutos em panela de pressão. Também pode ser utilizado para fazer farinha para pão ou bolo, ou ainda ração para animais domésticos.
Palmito: a pupunheira é cultivada para palmito no Sudeste do Brasil, especialmente no sul da Bahia, Espírito Santo, Rio de Janeiro, sul de Minas Gerais, sul de Mato Grosso do Sul, São Paulo e Paraná, bem como na Costa Rica e Equador.
Óleo: para cozimento e para alisar o cabelo. Em Oeiras-do-Pará, o óleo é utilizado como remédio para dor de ouvido e dor de garganta.
Tronco: a madeira é preta, com linhas amarelas, muito bonita quando bem trabalhada, servindo para movelaria e artesanato.
Festa da pupunha
As tribos indígenas do alto dos rios Solimões e Negro, no Amazonas, fazem uma festa durante a safra da pupunha. A festa é regada por caissuma e por comidas feitas com os frutos cozidos e farinha. Caissuma é uma bebida fermentada de pupunha e tem aroma de pêssego maduro. Por isso, Alexander Von Humboldt criou os nomes europeus para a pupunha: palmeira de pêssego (Portugal), palmera de melacotón (Espanha) e peach palm (Inglaterra).
A pupunha é formada por 90% de polpa e 10% de caroço. A polpa fresca tem entre 1% e 9% de proteína, 2% a 30% de óleo e 10% a 40% de carboidratos, principalmente amido. Também possui até 70 miligramas de caroteno por 100 gramas de polpa fresca, o que explica sua cor amarelada, alaranjada ou até avermelhada. Quanto mais avermelhada a polpa, mais vitamina A ela possui, contribuíndo para a saúde dos olhos, cabelos, unhas e pele. A polpa de pupunha também oferece cálcio, ferro e fósforo.
Purê de pupunha
Ingredientes:
– 500 g de pupunha cozida
– sal a gosto
– manteiga ou óleo para fritar a cebola
– 250 ml de leite
– 1 cebola média, 1 tomate e 1 maço de cheiro verde
Modo de fazer:
Cozinhe as pupunhas em água com sal por 30 a 60 minutos, retire a casca e amasse a polpa com um garfo. Frite a cebola picada na manteiga e, em seguida, adicione o tomate, o cheiro verde picado e o sal e mexa um pouco. Por último, adicione a pupunha e o leite e deixe-os ferver lentamente até ficar pastoso[1].
Pupunhas fritas
Algumas pessoas preparam pupunha como batatas fritas. Cortam as frutas cozidas em fatias finas, fritam e comem com sal.
Palmito de pupunha
As vantagens do palmito da pupunheira em relação às outras espécies do seu gênero é o pouco tempo para a formação do palmito, o seu sistema de perfilhamento e as qualidades químicas do próprio palmito. Ao cortar o primeiro palmito da palmeira (mãe), depois de 12 a 18 meses no campo, o perfilho já está bem crescido e dará seu palmito em mais 6 a 9 meses.
Bolo de pupunha
Ingredientes:
– 2 copos de pupunha cozida e amassada
– 2 copos de leite de coco ou leite comum
– 5ovos
– 1 colher (sopa) de manteiga ou margarina
– 2 copos de açúcar
– 2 colheres de sopa de farinha de trigo
– 1 pitada de sal
Modo de fazer:
Bata a pupunha e o leite no liquidificador por 5 minutos. Coloque em uma tigela a manteiga, o açúcar e as gemas, batendo-os bem. Em seguida, misture todos os ingredientes às claras em neve e acrescente a farinha de trigo até a massa ficar bem consistente. Coloque a massa em uma fôrma untada com manteiga e leve-a ao forno médio por 30 minutos ou até dourar.
Alguns animais silvestres gostam de pupunha. Veado, jacu e outros pássaros grandes comem essa fruta embaixo da palmeira. Alguns pássaros tentam comer as pupunhas antes que elas sejam colhidas pelo homem. Os animais de caça comem pupunha e as pessoas comem esses animais. Assim, até indiretamente a pupunha alimenta o homem!
A pupunheira cresce melhor em solos argilosos de textura média, com boa drenagem e matéria orgânica e nutrientes abundantes, embora também produza alguns frutos em solos arenosos e pobres. Essa palmeira pode produzir na várzea alta em anos de enchentes pequenas. Não produz bem em regiões onde há estiagem por 3 ou mais meses.
Plantio de pupunha
Para plantar pupunha, primeiro lave as sementes, eliminando qualquer resto de polpa. Em seguida, coloque as sementes para secar na sombra, em local arejado por 24 horas. Semeie em sacos de plástico ou canteiros de solo arenoso. A germinação ocorre em 3 meses e, após 3 a 6 meses, as mudas estão prontas para serem plantadas no campo. O plantio deve ser feito no início da época chuvosa. A pupunheira geralmente inicia a frutificação a partir do terceiro ano e frutifica regularmente depois de 6 anos[2].
Considerando que a pupunheira é uma planta de perfilhamento abundante, o seu manejo é feito retirando os perfilhos, tanto aqueles em excesso como os troncos velhos que atingirem alturas que dificultam a colheita. Assim, pode-se aproveitar o palmito e o tronco para madeira, além de renovar a touceira. Essa técnica de manejo, conhecida por desbaste, possibilita a produção de plantas mais vigorosas e produtivas. O desbaste ajuda no crescimento de novos filhos, portanto, deixe apenas os 4 melhores filhos quando fizer o manejo anual.
Os indígenas da Amazônia costumam conjugar as plantações de pupunha com maniva; a pupunha, nesse caso, é plantada no centro da roça. Assim, depois de colher a mandioca ainda resta a pupunha para comer ou atrair caça. Estudos de técnicas agrícolas também mostraram sucesso no consórcio de pupunheira com outros cultivos como abacaxi, maracujá ou hortaliças.
_____________
[1] SEBRAE.1995
[2] Calzavara,B.B.G.1987
Margaret Cymerys
O tucumã-do-pará possui muitas utilidades. Pessoas, peixes e outros animais apreciam os seus frutos; pescadores usam os bichos dos caroços de tucumã para isca; jovens fazem anéis dos caroços; e as crianças usam as sementes no jogo de peteca. Essa palmeira é considerada uma planta pioneira e invasora de pastos, mas também é encontrada em capoeiras e florestas. Desenvolve-se bem em solos pobres de terra firme. O tucumazeiro é resistente ao fogo, pois tem a capacidade de rebrotar após as queimadas. Regenera- se facilmente por perfilhar e alcança, em média, de 10 a 15 metros de altura, possuindo espinhos ao longo do tronco. O tucumã-do-pará provavelmente é nativo do Estado do Pará e ocorre em todo o leste da Amazônia brasileira,na Guiana Francesa e no Suriname[1]. Essa espécie é reconhecida por ter vários estipes (troncos) e frutos alaranjados.
Época de flor e fruto
O tucuma-do-pará floresce entre março e julho e frutifica na época chuvosa, ou seja, de janeiro a abril. Contudo, se bem manejada, essa palmeira pode dar frutos o ano inteiro.
Densidade
É difícil saber a densidade do tucumazeiro, pois ele ocorre “em manchas”. Pode-se andar vários hectares e não encontrar nenhum pé, ou pode-se encontrar concentrações de mais de 50 palmeiras em um único hectare.
Produção
Uma palmeira típica produz cerca de 50 quilos de frutos por ano, mesmo em solos pobres. Em geral, os tucumazeiros produzem de 2 a 3 cachos anualmente, mas podem chegar a mais de 5. Cada cacho pesa entre 10 a 30 quilos e contém de 200 a 400 ou mais frutos. A frutificação tem início entre 4 e 8 anos, quando as árvores medem de 1,5 metro até 5 metros de altura.
Em abril de 2004, no Porto da Palha em Belém, o litro de tucumã com 17 frutos foi vendido por R$ 0,50. No Ver-o-Peso, dependendo da qualidade, 20 a 50 frutos custaram R$ 1, enquanto o quilo da polpa custou R$ 3. Segundo os feirantes de São Bráz, em Belém, as frutas regionais dão uma margem de lucro maior que as de outras regiões. O uso do caroço de tucumã cresceu muito. Na Praça da República, por exemplo, um anel de tucumã pode sair por R$ 1; um par de brincos, por R$ 3; e um colar, por R$ 15.
Fruto: “vinho”, sorvete , picolé . Para fazer sabão , alimentação para porco, gado, peixe , galinhas e caça.
Caroço: para fazer anéis, pulseiras, colares, peteca e bichos (besouro). As jóias de tucumã e inajá não são apenas enfeites, elas também são usadas como proteção contra doença e mal olhado.
Óleo: para cozimento, sabão, cosméticos e medicamentos[2].
Palha: redes de pesca, chapéus, sacolas, tecidos, cordas (as fibras resistentes são superiores as da bacaba).
Espinho: usado nos brincos de tucumã, na ponta de dardos e em agulha para tecer varanda de redes para dormir. No Maranhão é fácil encontrar as tecedeiras de birro usando o espinho do tucumã.
Sementes para artesanato
A onda do artesanato chegou tão forte que, desde o começo de 2002, as sementes de várias plantas já estão na feira do Ver-o-Peso para a venda. Quando limpas, custam o mesmo ou até mais que o fruto inteiro. As sementes de tucumã e inajá são vendidas por R$ 0,05; as de uxi, por R$ 0,10; o ouriço de castanha, por R$ 1; e o de sapucaia, por R$ 3. O interesse em colares, pulseiras, brincos e anéis tem aumentado tanto que os artesãos não têm mais nem tempo para ir buscar as sementes na floresta.
O tucumã é uma fonte excepcional de vitamina A; sua polpa tem 3 vezes mais vitamina A que a cenoura.1 A dose de vitamina A é tão alta que apenas 1 fruto satisfaz as necessidades diárias de adultos ou crianças; tem médico que recomenda tucumã para ajudar no tratamento de vista. O tucumã também possui boas quantidades de vitamina B1, vitamina C, proteínas e uma grande quantidade de óleo, por isso é uma excelente fonte de calorias (247 calorias por 100 gramas de fruto fresco).
Munjica de tucumã da Graça
A receita que oferecemos aqui é uma sopa de galinha (também pode ser de carne de gado ou camarão) com molho de tucumã. As medidas são para uma panela pequena (como panela de pressão).
Ingredientes:
– 10 frutos de tucumã
– 1 galinha cortada em 8 pedaços
– 1 cebola cortada
– 2 dentes de alho
– sal
– pimenta-do-reino
– 1/8 copo de salsa picada
– 1 folha de louro ou manjericão
– Verduras cortadas: couve, batata, repolho e feijão verde
Modo de fazer:
Coloque os tucumãs num buraco no chão e cubra com terra para que amoleçam. Após 3 dias, verifique se os frutos estão bem moles e lave-os bem. Em seguida, retire as sementes dos frutos. Coloque a massa numa vasilha e amasse-a com um pouco de água separando a polpa do bagaço. Coe a polpa usando um pano ou passe-a numa peneira fina, como aquela feita de guarumã para peneirar o açaí. Por último, coloque o líquido de tucumã (3/4 da panela) no fogo para ferver.
Numa outra panela, refogue os pedaços de galinha com um pouco de óleo. Adicione o alho e a cebola e frite por 3 minutos. Acrescente um pouco de água (1 a 3 copos) e os demais temperos. Em seguida, adicione o suco de tucumã suficiente para cobrir todos os ingredientes e deixe ferver. Depois de 30 minutos, adicione as verduras e mais suco de tucumã. Ferva até as verduras e a galinha amolecerem. Em mais ou menos 1 hora estará pronto. Sirva com arroz.
Alimentação para pessoas e animais
Quando o tucumã está verde, algumas pessoas gostam de beber o líquido delicioso do seu interior. Outros também usam o tucumã para alimentar animais domésticos. Os caroços podem ser guardados depois que a polpa for tirada e, na entressafra, quebrados, para que os animais aproveitem as amêndoas. Muitos porcos do Marajó, criados naturalmente, comem tucumãs.
Bicho de tucumã – comida, remédio e óleo para cabelos
Os pescadores deixam os caroços no chão entre 6 meses a 1 ano e, depois, voltam para tirar o bicho do seu interior (uma larva de um besouro que se desenvolve no caroço). Eles usam o bicho como isca para pesca. Tem gente que frita e come essa larva, pois é muito nutritiva. O bicho de tucumã não serve somente como comida, mas também como óleo medicinal. Em caso de baques ou contusões, frite os bichos, tire o óleo e passe nos machucados. Para sair à noite com cabelos bonitos, aplique óleo de bicho de tucumã diretamente nos fios de cabelo.
Cestaria de tucumã
Valcléia Lima e Leandro Pinheiro
As mulheres da comunidade de Urucureá, no rio Arapiuns, em Santarém, no Pará, tradicionalmente fazem cestaria com palhas retiradas das guias (folhas novas) de tucumã. Essa é uma tradição indígena, repassada de geração para geração, resgatada e aprimorada por essas mulheres. São peças de um colorido vivo, tecidas em malhas finas e grossas, com acabamento feito de várias sementes e fios de curauá. Cada palmeira gera uma guia nova a cada 30 dias. Para que a palha seja boa e não fique manchada e dura depois de seca, as guias devem ser retiradas de palmeiras com 1 ano de idade. Cada guia tem em torno de 100 palhas, suficientes para fazer 2 peças pequenas, 1 média ou metade de uma grande como um pote ou cesto. Depois de retiradas das guias, as palhas são separadas e colocadas para secar. Quando secas, são fervidas com corantes naturais como urucum, jenipapo, mangarataia e capiranga. A cestaria começa a tomar forma nas mãos das mulheres – diversas cores e desenhos como flores enfeitam cestos de costura, mandalas e bolsas. As bolsas são vendidas por R$ 5 até R$ 25. Parte do lucro da venda forma uma reserva para as obras na comunidade. Os homens estão percebendo que a cestaria é um bom negócio e já estão querendo aprender a tecer com as mulheres.
O tucumã é comido e dispersado por muitos animais silvestres como paca, cutia, anta, veado, caititu, queixada, macaco prego, quatipuru e tucano. Os porcos silvestres comem grande quantidade dessa fruta. Em uma área da Amazônia Ocidental, o tucumã foi a 3a fruta mais importante na dieta do catitu, 4a na dieta da queixada e 10a na da anta[3].
A caça é uma fonte importante de proteína para muitas pessoas do interior, além de ser uma carne desejada em toda a Amazônia. A carne de caça tem aproximadamente 20% de proteína, igual a qualquer carne da cidade. Uma família em Quiandeua, no Pará, que mora perto da floresta
comunitária conseguiu 427 quilos de caça durante 1 ano, ou 36 quilos por mês. Os 2 caçadores hábeis dessa família conseguiram caça suficiente para suprir 80% das necessidades protéicas de sua família (pai, mãe e 4 filhos). A maioria das famílias ganhou pelo menos 22% das suas necessidades protéicas da caça. Isso mostra uma renda “invisível” e uma enorme vantagem em proteger as florestas com espécies nativas.
Os caroços de tucumã germinam muito lentamente, de 8 meses a 2 anos. Com um tratamento térmico, de 40oC por 60 dias, a germinação poderá ocorrer em 6 meses. As plântulas toleram, e talvez prefiram, a sombra. O crescimento é lento, demorando 8 anos para chegar à maturidade e alcançar de 5 a 6 metros de altura. A maior parte dos frutos coletados vem de palmeiras silvestres. Por ser resistente ao fogo, o tucumazeiro é freqüentemente deixado nos roçados feitos em capoeiras velhas. Assim, um pé de tucumã na roça pode servir para alimentar caça, pessoas ou animais domésticos durante a plantação e pousio.
_____________
[1] Cavalcante, P.B. 1991
[2] Lorenzi, H. 1966
[3] Bodmer R.E. 1993
Joanne Régis da Costa
Johannes van Leeuwen
Jarbas Anute Costa
Uma outra espécie de tucumã bem conhecida na Amazônia é o tucumã-do-amazonas. Essa palmeira ocorre principalmente nos Estados do Amazonas, Acre, Rondônia e Roraima, mas também em algumas partes do Pará, no Peru e na Colômbia. Até recentemente, o nome científico dessa palmeira era Astrocaryum aculeatum, agora é Astrocaryum tucuma.
O tucumã-do-amazonas é uma palmeira grande, podendo atingir até 25 metros de altura, possui um único tronco grosso e é temido por seus espinhos compridos. Seus frutos grandes são bastante nutritivos, são maiores e têm menos fibra que os do tucumã-do-pará e são muito apreciados por pessoas e animais. O tucumã-do-amazonas cresce sem problemas nos solos pobres de terra firme, onde pode produzir sem adubos durante anos. Sua boa resistência ao fogo e abundante produção de sementes aumentam a freqüência de plantas em áreas desmatadas como roçados, pastagens e capoeiras.
Época de flor e fruto
Próximo de Manaus, é comum o tucumã-do-amazonas florescer de julho a janeiro e frutificar de fevereiro a agosto[1]. No entanto, sempre há indivíduos que produzem fora dessa época e, em Manaus, há frutos de tucumã-do-amazonas à venda durante todos os meses do ano.
Densidade
Na mata fechada podem existir até 10 plantas adultas por hectare[2]. Nas capoeiras e pastos, onde originalmente há apenas 1 ou algumas poucas palmeiras, a cutia e o fogo ajudam na formação de novos grupos de plantas de tucumã-do-amazonas. Essa palmeira também é semeada pelos agricultores – assim podem surgir tucumãzais quase puros, com mais de 100 pés adultos por hectare. O tucumã-do-amazonas adulto ocorre 2 vezes mais na capoeira que na floresta[2].
Produção
Em média, 1 palmeira produz de 3 a 4 cachos por ano, no entanto, há palmeiras que produzem apenas 2 cachos por ano, enquanto outras produzem até 7 cachos por ano. O tamanho do cacho varia; 1 cacho médio possui 240 frutos, mas pode haver cachos de 35 a 700 frutos[1]. O peso do fruto varia entre 20 e 100 gramas[3]. Em um estudo de 2 anos sobre uma população de tucumãs em Manaus, a produtividade média de palmeiras foi de 12 quilos de frutos por ano[4]. Dez por cento dos indivíduos mais produtivos tiveram uma produção acima de 28 quilos por ano[4]. Uma árvore muito boa pode produzir até 50 quilos de frutos por ano[5]. A frutificação começa tarde, quando a planta tem pelo menos 7 anos e altura entre 6 a 9 metros.
Em Manaus, o tucumã-do-amazonas sempre foi muito vendido e, desde que surgiu o “sanduíche de tucumã”, a procura por essa fruta aumentou ainda mais. Em 2003, no período da safra, os frutos foram vendidos nas feiras e ruas de Manaus por R$ 0,50 a R$ 3 a dúzia; R$ 4 a R$ 10 o cento; e R$ 12 a R$ 80 a saca de 50 a 60 quilos. Na entressafra, o cento não é vendido por menos de R$ 8 e a saca custa de R$ 40 a R$ 100. O preço do quilo da polpa é próximo de R$ 20 e varia pouco durante o ano. Um café regional completo, que inclui sanduíche de tucumã, custa entre R$ 4,50 a R$ 9. Na área do baixo Tocantins, em Oeiras do Pará, as pessoas gostam muito do tucumã-do-amazonas. Lá, ele é conhecido como jabarana, pois normalmente substitui o jabá (charque). Nas feiras dessa região, podemos ver filas de gente querendo comprá-lo. Durante a safra, há famílias que sobrevivem da venda de jabarana.
Os comerciantes de Manaus distinguem principalmente 3 qualidades de tucumã-do-amazonas: boa, excelente e ruim. A qualidade do fruto determina o seu preço; uma saca de tucumã “excelente” vale até 5 vezes mais que uma saca de qualidade “ruim”. O tucumã-do-amazonas é comercializado em cidades como Porto Velho (Rondônia) e Rio Branco (Acre). No Acre, por exemplo, a cesta com 12 frutos é vendida por R$ 1.
Muitos usos são iguais entre o tucumã-do-pará e tucumã-do-amazonas, mas alguns são específicos do tucumã-do-amazonas:
Fruto: muito usado para fazer o famoso “sanduíche de tucumã” e também para recheio de tapioca. Os moradores de Manaus dizem que o tucumã-do-amazonas é muito mais gostoso que o do Pará. O que você acha?
Caroço: para alimentar animais domésticos e na defumação de borracha. Os índios Apurinã dizem que a casca preta do tucumã possui propriedades energéticas e é um protetor espiritual. O caroço do tucumã-do-amazonas não serve para fazer anéis, pois seu diâmetro é muito maior que o de um dedo da mão humana. No Amazonas e no Acre, uma outra espécie chamada tucumã-i (Astrocaryum acaule) tem o tamanho certo para fazer anéis.
Palha: para tecer leques e esteiras[5].
Tronco: bastante resistente e usado para construções rurais.
Diferenças entre o tucumã-do-amazonas e o tucumã-do-pará[6]:
A polpa de tucumã-do-amazonas é uma importante fonte de calorias, proteína e vitamina A. A polpa fresca contém 3,5 miligramas de caroteno para cada 100 gramas.3 No processo de digestão, o caroteno produz vitamina A, excelente para a saúde da vista. A polpa representa 22% do peso do fruto,6 contém 9% de proteína e 55% de óleo[3].
O sanduíche de tucumã é moda em Manaus
Há cerca de 20 anos, surgiu em Manaus o primeiro “café regional”. Nesse café, servia-se um café-da- manhã reforçado nos finais de semana. O café com leite vinha acompanhado por alimentos regionais como macaxeira, milho, batata-doce, cará, pupunha, banana, castanha, ovos, frutas, sanduíches e uma variedade de sucos. Pouco a pouco surgiram mais “cafés regionais” e, atualmente, Manaus e outras cidades possuem vários deles, luxuosos e populares.
Esses cafés sempre estão experimentando novas receitas. Uma delas é o sanduíche de tucumã, no qual a polpa de tucumã-do-amazonas substitui o queijo. Experimentou-se também a tapioca de tucumã, uma panqueca à base de goma de mandioca com recheio de polpa de tucumã. Ambos são muito populares. Do total de sanduíches vendidos nos cafés regionais, 60% a 80% são preparados com recheio de tucumã, enquanto as tapiocas com tucumã representam de 16% a 30% das tapiocas vendidas. Em seguida, começou a venda da polpa de tucumã-do-amazonas, comprada por quem preferia preparar o sanduíche em casa.
Antigamente, só quem comprava tucumã-do-amazonas eram as pessoas experientes, que sabiam escolher o fruto de boa qualidade na feira. O ato de degustar tucumã, da forma tradicional, é uma cerimônia transmitida de pai para filho. Portanto, o tucumã não entrava num lanche feito às pressas. Os “Paulistas da Zona Franca” não costumavam comer tucumã, e a maioria dos visitantes da cidade não conhecia tucumã-do-amazonas. O comércio da polpa e o sanduíche de tucumã, como “sensação” do momento, mudaram esse cenário. Hoje em dia, o tucumã-do- amazonas faz parte dos lanches rápidos da vida moderna e está ficando cada vez mais famoso, pois muitas pessoas de fora da Amazônia já não podem viver sem ele. No entanto, os mais antigos sabem que comer a polpa no caroço nunca vai deixar de ter um sabor especial.
O tucumã-do-amazonas é consumido por muitos animais silvestres como arara, papagaio, macaco, mutum, veado, catitu, queixada, cutia, paca e tatu. A cutia é a principal responsável pela dispersão do tucumã. Ela enterra as sementes a alguns centímetros de profundidade para procurá-las mais tarde. Muitas dessas sementes acabam germinando. Os animais também gostam das amêndoas de tucumã-do- amazonas. Por isso, depois de retirar a polpa do fruto, guarde os caroços para aproveitá-los na entressafra. Quebre-os e ofereça as amêndoas para os animais.
Inventário de tucumazeiros
Trabalhando em uma comunidade indígena, pesquisadores estavam buscando uma forma de saber quantos pés de tucumã existiam na área da comunidade. Para fazer um mapa das áreas com indivíduos produtivos, eles usaram um método com nome bastante complicado: “Inventário Florestal Sistematizado Pós-Exploratório com Múltiplos Inícios”. Depois de usar o método, descobriram que em uma área que deveria ter 400 palmeiras produzindo, na verdade só existiam 16! Enquanto se perguntavam onde estavam as outras palmeiras uma forte chuva começou a cair e foi ali, debaixo d’agua, que eles descobriram que o método com nome difícil não funcionava.
E agora, o que fazer? Um técnico resolveu perguntar para os índios: “Vocês sabem onde estão as palmeiras que produzem, não sabem? Então vamos lá!” E lá foram eles marcar e desenhar no mapa cada pé de tucumã que a comunidade desejava manejar. Eles queriam descobrir quanto cada pé podia produzir por ano. Dessa forma, somando a produção de todas as palmeiras, era possível prever o número total de sementes daquela área. A partir disso, os artesãos indígenas poderiam ter uma idéia da quantidade de artesanato que poderia ser feito durante o ano e, por conseqüência, o quanto eles poderiam ganhar com o seu trabalho.
A ciência complica, o índio explica
Artesanato dos índios Apurina
No Acre, os índios Apurinã fazem lindos colares de tucumã. Para fabricar 48 colares, eles usam em média 2 cachos de frutos, ou seja, 1 lata de 18 litros de caroços que, depois de cortados, resultam em 4 litros de contas. Cada colar é vendido por R$ 5 a R$ 7. Por safra, os índios Apurinã coletam recursos suficientes para produzir artesanato, garantir a renda familiar e conservar a floresta.
Os agricultores trabalham principalmente manejando plantas de tucumã-do-amazonas que nascem sem serem plantadas. Quando eles queimam um terreno para preparar a roça, o calor ajuda na germinação das sementes. No entanto, há pessoas que plantam tucumã-do-amazonas onde ele não existe naturalmente. Isso é muito fácil: é só “plantar como a cutia faz”. Com a ponta do facão abra uma pequena cova, coloque o caroço e cubra com terra.
A germinação demora até 2 anos. No início, a planta cresce devagar e tolera muito bem o sombreamento. Para plantar, escolha os frutos maiores, mais gostosos, com pouca fibra e muita polpa. Também vale observar se a planta-mãe produz todo ano e se produz muitos cachos e frutos.
Sidney Ferreira
É possível fazer a semente germinar mais rápido. Quando os frutos estiverem maduros, ou já passados, retire a polpa, lave os caroços e coloque-os para secar na sombra por 1 ou 2 semanas. Em seguida, quebre os caroços para retirar as sementes. Antes de quebrar, balance os caroços para ouvir se as sementes estão soltas. Deixe as sementes de molho por 3 a 5 dias. Nesse caso, use água corrente ou troque a água diariamente para evitar que as sementes apodreçam. Por último, basta plantar as sementes em um canteiro. A germinação pode começar em apenas 30 dias. Quando as mudas já estiverem com 4 a 5 folhas, já podem ser plantadas nos locais definitivos.
Götz Schroth, Maria do Socorro Mota,
Ricardo Lopes, Aurélio Freitas
A 80 quilômetros de Manaus, no sítio Pindorama, no Rio Preto da Eva, um grupo de pesquisadores manejou e monitorou 272 tucumazeiros durante 2 anos. O objetivo do estudo foi aumentar a produção de frutos de alta qualidade e assim acessar novos mercados. O manejo de populações espontâneas que crescem livremente nas pastagens e capoeiras não requer investimentos financeiros e ajuda o melhoramento progressivo da propulação nativa (domesticação in situ). Para fazer o manejo foi necessário:
1) Controlar a população de palmeiras para cachos maduros a cada 10 a 14 dias.
2) Limpar a vegetação em volta de palmeiras produtivas para facilitar o monitoramento e a coleta e evitar grupos muito densos de palmeiras, deixando um espaço de pelo menos 2 metros entre plantas vizinhas.
3) Monitorar a produtividade e a qualidade dos frutos; identificar indivíduos que combinam alta produtividade e qualidade.
4) Eliminar palmeiras que produzem cachos com frutos de qualidade inferior (amargos e sem sabor) e manter indivíduos que podem ser comercializados para outros fins, por exemplo, frutos muito pequenos para artesanato.
5) Coletar todos os cachos, inclusive cachos pequenos, para não favorecer a regeneração de indivíduos pouco produtivos e eliminar palmeiras que são altas demais para a coleta, com a exceção de bons reprodutores (palmeiras com produtividade alta e frutos de boa qualidade).
6) Usar um sistema de coleta rotativo, excluindo em cada ano uma parte da área da coleta. Isso irá facilitar a regeneração natural das palmeiras e a preservação da fauna que se alimenta dos frutos (cutia, paca e outras).
7) Eliminar indivíduos da espécie tucumã-í (Astrocaryum acaule), que parece formar híbridos com o tucumã[4].
_____________
[1] Khan, F. & Moussa, F. 1999
[2] Costa, J.A.; Duarte, A.P. & Comunidade Indígena Apurinã. 2002
[3] FAO 1987
[4] Schroth, G.et al.2004
[5] Milliken, W. et al.1992
[6] Cavalcante, P.B. 1991 e este artigo
[7] Kahn, F.& Moussa, F.1999
Douglas C. Daly
Quem percorre a Amazônia brasileira encontra centenas de qualidades de plantas que fornecem frutos, nozes, remédios e seivas. Isso não poderia ser diferente, pois a Amazônia é muito grande – sua bacia cobre 5 milhões de quilômetros quadrados no Brasil. No entanto, a riqueza de recursos na Amazônia não pode ser explicada apenas pelo fato de ela ser imensa. Também não é suficiente afirmar que 1 hectare de mata amazônica normalmente contém entre 125 a 200 e até 300 espécies de árvores. Isso porque 1 hectare no Acre amostra uma flora bem diferente de 1 hectare no Pará. Ou seja, os frutos e outros produtos variam entre as regiões da Amazônia, tanto na diversidade de espécies como em sua abundância.
A riqueza única de cada região deve-se a um conjunto especial de fatores como localização geográfica, condições ambientais e história geológica. São peças de um quebra-cabeças que ajudam a decifrar a diversidade biológica. Juntando essas peças, temos uma série de mosaicos em várias escalas: de região para paisagem e de paisagem para parcela de mata.
A localização geográfica interage com a história porque a flora de cada lugar é influenciada pelas floras dos arredores, por migrações e pela evolução de novas espécies ao longo do tempo. Ainda não se sabe a razão, mas certos grupos de plantas têm-se diversificado rapidamente e mais ou menos recentemente na Amazônia. Esses grupos incluem alguns gêneros de frutíferas. O grupo dos ingás (Inga spp.) compreende mais ou menos 130 qualidades (espécies e subespécies), com mais de 50 tanto no Pará como no Acre. Também há mais de 100 qualidades de árvores de Pouteria, o gênero principal dos abius e abioranas, das quais 52 têm sido registradas no Pará e mais de 30 no Acre.
Os Estados do Acre e Pará são mosaicos bem divergentes de diversidade e, conseqüentemente, as suas floras apresentam complementos distintos de frutíferas e outros recursos. Observar cada um pode ajudar a entender a diversidade da Amazônia.
O Acre ocupa apenas entre 2% a 3% da bacia amazônica, mas sua flora é uma das mais diversas e interessantes da região. Sua flora é estritamente ligada com a flora da Amazônia ocidental – especificamente com o restante do sudoeste da Amazônia no Peru e na Bolívia – e muito menos com o restante da Amazônia brasileira.
Os parentes de algumas das espécies mais conhecidas de frutíferas também produzem frutos comestíveis e valorizados. O Acre constitui um centro de diversidade para vários grupos de frutíferas: os ingás (cerca de 58 espécies), os cacaus (mais de 7 espécies), as abioranas (31 espécies ou mais), os biribás/atas bravas (mais de 7 espécies), os cajás/cajaranas (3 espécies e 1 variedade), os apuruís (8 espécies) e os araçás/azeitonas da mata (mais de 23 espécies). Além disso, há espécies desconhecidas fora de certas partes do sudoeste da Amazônia como o cajarana ou cajá de jabuti (Spondias testudinis, registrada apenas no Acre, Huánuco e Ucayali/Peru e Pando/Bolívia), a envira caju (Onychopetalum krukovii, no Acre e Madre de Dios/Peru) e 2 das atas bravas (Rollinia calcarata, somente no Acre, e R. mammifera, no Acre e em San Martín/Peru). Finalmente, o chamado bacuri da várzea, uma árvore com frutos deliciosos, comum nas várzeas de alguns afluentes menores do rio Purus, ainda não foi identificado e pode até ser uma espécie desconhecida pela ciência. Isso destaca a importância e a urgência de acelerar o levantamento da flora acreana.
Em grande contraste com o Acre, no outro extremo da Amazônia, fica o Estado do Pará. Como no restante da Amazônia, as várzeas do Pará são ricas em frutíferas, principalmente palmeiras como o açaí, buriti, patauá e murumuru, mas também árvores como o bacuripari (Rheedia brasiliensis), alguns araçás (por exemplo, Eugenia feijoi Berg), o famoso camu-camu (Myrciaria dubia (H.B.K.) McVaugh) e alguns dos ingás (por exemplo, Inga cinnamomea Benth. e I. nobilis Willd.).
Três frutos com polpa oleosa e muito apreciados no Pará são o uxi (Endopleura uchi), registrado nas Guianas, na Amazônia Oriental e Central e no sul da Venezuela e 2 espécies de umari (Poraqueiba paraensis Ducke e P. guianensis), aparentemente ausentes na Amazônia Ocidental. A P. sericea, muito popular em Iquitos, ocorre apenas na Amazônia Central e Ocidental[1]. Veja a seguir como existem espécies ainda pouco conhecidas mas muitoimportantes para a população da Amazônia.
A Amazônia possui abioranas de vários tamanhos, formas e cores – todos comestíveis. Muitas das árvores de abiorana são grandes, possuem látex branco em todas as partes, e são valorizadas pela madeira. A maioria das espécies não é muito comum; as espécies mais conhecidas são Pouteria caimito, P. glomerata subsp. glomerata e P. macrophylla, todas conhecidas como abiu, e P. pariry, conhecida como pariri. Veja a seguir as características específicas de cada espécie[1].
A ameixeira possui de 25 a 37 metros de altura e até 80 centímetros de diâmetro, normalmente com sapopemas. O fruto é amarelo ou alaranjado, globoso-achatado, liso, com 6 centímetros de diâmetro. A casca é fina e uma polpa doce envolve o endocarpo duro. É registrada no Acre, Pará e Roraima; ocasional em mata de terra firme. Frutifica de outubro a novembro, ou em março. A ameixa é bastante valorizada onde ocorre; a polpa é usada para fazer refrescos.
No Acre, além do araçá-boi (Eugenia stipitata McVaugh) – árvore nativa do Peru mas amplamente cultivada na Amazônia – também ocorrem seus parentes silvestres com frutos comestíveis. Veja a seguir:
Piero Delprete
Borojoa é um gênero com cerca de 15 espécies que ocorrem em florestas úmidas da América Central e do Sul. Todas as espécies produzem frutos comestíveis que são consumidos frescos ou usados para fazer sucos e sorvetes. Os frutos variam em tamanho – de 6 a 15 centímetros de diâmetro – e seu mesocarpo é carnoso. O gênero é representado por arbustos e árvores de 4 a 10 metros de altura.
Existem várias espécies de Borojoa no Acre, mas as 2 que produzem os frutos mais consumidos são Borojoa sorbilis e Borojoa claviflora. Essas espécies são muito apreciadas pela população, no entanto, os frutos ainda não são vendidos no mercado local. Os caboclos sempre sabem onde estão algumas árvores de apuruí e normalmente estão atentos para a estação de frutificação. Essas espécies ocorrem em várzea, em florestas sazonalmente inundadas e crescem na sombra do dossel da floresta. Por isso, o cultivo poderia ser feito com impacto mínimo sobre a vegetação natural. As áreas de várzea – onde a maior parte das culturas amazônicas não se adapta – também seriam uma alternativa.
O Acre constitui um centro de diversidade de biribazeiros. Na maioria deles, o fruto parece escamoso, como a ata verdadeira (Annona spp.), enquanto outros são lisos e irregularmente lobados quando as sementes amadurecem. Em alguns, a “escama” tem um ponto agudo mas nunca muito duro. Das 7 espécies de biribás conhecidas, 3 têm distribuição restrita ao Acre e a uma pequena parte do Peru ou da Bolívia, adjacente ao Acre[2].
Na família Burseraceae existem 6 gêneros: Bursera, Protium,Crepidospermum, Dacryodes, Tetragastris e Trattinnickia, com centenas de espécies. Algumas dessas espécies produzem resinas aromáticas. A densidade média das árvores que produzem resina na reserva dos índios Tembé, no Pará, é de 1 árvore por hectare (maiores que 10 centímetros de diâmetro à altura do peito), mas pode atingir até 10 árvores por hectare. Como se estivessem nos dando presentes, as árvores de breu botam para fora do tronco pedaços de resina prontos para serem usados como remédio, para iluminação e para calafetar barcos e espantar insetos.
A resina é produzida dentro da árvore e sai naturalmente em resposta a vários tipos de ferida. Em algumas espécies de breu, o ataque de insetos provoca o escorrimento da resina. Os caroços são geralmente vermelhos com cobertura branca[11] e chamam a atenção dos bichos como pacas, porcos e jabutis[12] que as espalham na mata dando mais chance para as mudas nascerem. Muitos caçadores aproveitam para passar embaixo do pé de breu para ver se encontram algum jabuti comendo os frutos.
Além do famosíssimo cacau e do valorizado cupuaçu, na Amazônia, existem mais 5 espécies desse mesmo grupo que merecem atenção. Os frutos de todas as espécies crescem ou no tronco ou nos galhos principais das árvores; têm 5 fileiras de sementes juntas a um eixo central envolvidas em uma polpa saborosa. As sementes assadas de algumas dessas espécies rendem chocolate ou, no caso de T. bicolor, tira-gosto.
É um gênero de aproximadamente 20 espécies de árvores do sub-bosque. A polpa dos frutos é usada para fazer refrescos, balas, picolés, sorvetes, geléias e outros produtos[3].
O gênero Spondias compreende pelo menos 8 espécies de frutíferas nas américas tropicais.Todas produzem grandes quantidades de frutos carnudos, amarelados ou alaranjados. A casca dos frutos é relativamente fina, a polpa, da mesma cor da casca, é ácida, doce, cheirosa e agradável. Os frutos caídos são coletados e podem ser consumidos na mata. No entanto, as pessoas normalmente retiram a casca e separam a polpa com peneira. Nas comunidades, prepara-se um refresco; já nas cidades há sorvete de cajá e polpa congelada para a venda. Algumas famílias ribeirinhas do Acre elaboram um molho de pimenta com os frutos do cajá-de-jabuti. Na floresta, as espécies nativas servem como “árvores de espera” porque os frutos caídos atraem vários animais como porcos do mato, antas e jabutis.
A castanha-de-porco serve como “árvore de espera” para caça como paca e porco do mato. Na Venezuela, é cultivada em escala modesta para o comércio de sementes comestíveis, que normalmente são assadas. Frutifica de outubro a novembro e em abril.
A árvore é de médio até grande porte, com 15 a 40 metros de altura. Cresce em mata de terra firme, muitas vezes em terreno ondulado. É uma espécie da Amazônia Ocidental, no entanto, também se encontra no rio Jari; no Acre, está aparentemente restrita à parte oriental do Estado (conhecida, por enquanto, nos rios Iaco, Macauã e Tarauacá).
O fruto é uma cápsula globosa de aproximadamente 4 centímetros de comprimento, com 3 lobos e abre em 3 partes. As sementes têm cerca de 3 centímetros de comprimento.
Cocão é uma palmeira que ocorre agrupada em populações densas. A semente de cocão é usada para extração de óleo e na elaboração de vários alimentos. Os seringueiros queimam o endocarpo do fruto para defumar a borracha. Essa espécie merece atenção especial porque é nativa, parece ser abundante onde ocorre e pelo menos 1 de seus produtos, o óleo, não é imediatamente perecível.
A planta é solitária, robusta e com altura de 8 a 19 metros. Os frutos são marrons com 12 a 13 centímetros de comprimento por 6 a 7 centímetros de diâmetro. A casca é dura e fibrosa, cobrindo uma camada fina de amido em cima de um endocarpo lenhoso com 2 a 3 sementes ricas em óleo. Ocorre no sub-bosque ou no dossel em mata de terra firme. O cocão é nativo no oeste e sudoeste da Amazônia, ocorrendo no Peru e no Acre, na bacia do alto Juruá.
O fruto de envira caju é bastante valorizado pelas comunidades tradicionais que conhecem bem essa espécie. Falta, no entanto, conhecer melhor algumas características importantes do fruto para avaliar o seu potencial comercial na região. Por exemplo, os frutos são adstringentes até estarem totalmente maduros. Além disso, não se conhece a produtividade das árvores.
Envira caju é uma fruta vermelha, globosa, com aproximadamente 4 centímetros de diâmetro e possui polpa doce. A árvore tem de 8 a 28 metros de altura; é freqüente em matas de terra firme, muitas vezes em terreno ondulado. A sua distribuição é aparentemente restrita ao Acre e ao Departamento de Madre de Dios, no Peru. No Acre, parece estar restrita à parte oriental do Estado (desde Tarauacá para o leste). Frutifica em outubro e novembro.
Inga é um dos gêneros de árvores mais importantes na Amazônia, pois além da sua diversidade (aproximadamente 130 espécies na região), possui características que aumentam seu potencial como recurso para sistemas agroflorestais, recuperação de áreas degradadas e comercialização de frutos. O gênero é abundante em vários ambientes e vários dos ingás ocorrem em florestas secundárias ou em florestas de várzea. Muitas são árvores pequenas que crescem rapidamente e mostram alta produtividade. Por serem leguminosas (parentes do feijão), contribuem para a fertilidade dos solos, que nos trópicos normalmente são pobres. Tanto o Pará como o Acre abrigam mais de 50 espécies de Inga.
Os frutos das ingazeiras são pendentes e, dependendo da espécie, podem medir desde 5 centímetros até mais de 1 metro de comprimento. Apesar de não abrirem espontaneamente são fáceis de abrir com a mão. As sementes de algumas espécies são envolvidas em uma polpa comestível, branca, fofa e doce. Os frutos de algumas espécies são vendidos nos mercados de Belém, Manaus, Iquitos (Peru) e outras cidades na Amazônia, sendo a maioria colhida na mata. Poucas espécies são cultivadas.
A tabela seguinte resume a distribuição geográfica (nativa) para alguns dos ingás, bem como os ambientes onde são encontrados[4].
Sapota e sapota macho são árvores de grande porte, alcançando 40 metros de altura nas matas de terra firme. O fruto da sapota é ligeiramente ovóide ou, às vezes, globoso, liso, com 7 a 15 centímetros de comprimento por 5 a 15 centímetros de diâmetro. O fruto da sapota macho é globoso e menor, rugoso, com até 7 centímetros de diâmetro. Os frutos de ambas espécies são marrom-amarelados ou alaranjados, com pêlos e casca coriácea (menos espessa em M. bicolor). A polpa alaranjada, que envolve um endocarpo duro, é um pouco fibrosa e doce, parecida com a da manga[5].
_____________
[1] Pennington, T. D. 1990
[2] Maas, P. J. M.; Westra, L.Y. Th. e colaboradores. 1992
[3] Cuatrecasas, J. 1964
[4] Pennington, T. D. 1997
[5] Cavalcante, P. 1991
A floresta tem diferentes valores dependendo da perspectiva de cada um. Por exemplo, um caçador entra na mata e logo vê o rastro do tatu. O madeireiro está interessado no ipê; a parteira, nas cascas e folhas; enquanto o geólogo anda com a cabeça para baixo olhando as pedras no chão. A floresta pode oferecer recursos para todos por muito tempo; para isso ela precisa ser manejada de acordo com os diferentes objetivos de exploração.
Hoje em dia, tem muita gente explorando a floresta amazônica. Sabe por que? Na década de 1960 e 1970, a construção de estradas abriu novas áreas de floresta que antigamente eram acessíveis apenas por barco. Logo chegaram os fazendeiros, madeireiros e colonos do Sul do País para aproveitar os recursos que a mata oferece. No Sul também havia muita madeira e outros recursos florestais, mas a mata foi explorada de maneira predatória e acabou. Sem as matas do Sul, a Amazônia tornou-se a nova fonte de madeira para satisfazer a demanda doméstica. Além disso, como as florestas da Ásia e África também estão acabando, a Amazônia pode tornar-se a principal fonte de madeira tropical do mundo.
Pesquisas recentes têm mostrado que é o conjunto, freqüência e intensidade de muitas atividades sem controle que tornam a mata vulnerável[1]. Depois do desmatamento e vários ciclos de corte e queima a mata volta, mas nem sempre com todas as espécies. A Drª. Ima Vieira, ecóloga do Museu Goeldi, descobriu no município de Peixe Boi que depois de vários ciclos de corte e queima, cerca de 65% das espécies de árvores nativas parecem não regenerar bem e aproximadamente 43% estão sob risco ou ameaça de extinção local[2]. Entre essas espécies estão as frutas, remédios e cipós mais usados pelas pessoas do campo e cidades amazônicas. As mudanças no uso da terra como extração de madeira, corte e queima e agropecuária funcionam como uma peneira, impedindo a regeneração de várias espécies importantes. Os cientistas estão descobrindo agora o que pessoas da mata já sabiam há muito tempo. Como disse Sr. Marcelo do Ananim: “depois do corte e queima a mata nunca volta a ser a mesma coisa”.
Regeneração das espécies da floresta
depois do corte e queima[2]
Floresta atual
Mudanças no uso da terra
Espécies sob risco
Madeira: troca justa
Mesmo sabendo bem o valor que a mata tem em pé, é fácil vender barato a madeira ou as frutas que ela oferece. Assim aconteceu com muita gente no mundo inteiro; as pessoas necessitadas acharam que o dinheiro “chegaria rápido, sem suar”. Na realidade, pouco dinheiro chega e logo desaparece. Hoje, vários caboclos querem ajudar os outros a pensar bem antes da venda da madeira. Uma forma é compartilhar as histórias já vividas. A seguir, veja exemplos de pessoas que venderam barato, outras que negociaram e outras que conservaram suas matas.
Madeira por forno
Sr. Sebastião trocou 5 alqueires de mata virgem por 1 forno que custou R$ 140. Logo, ele se arrependeu. Porém, 2 anos depois, entrou num novo negócio e vendeu 20 alqueires de mata virgem por apenas R$ 150 o alqueire, ou seja, aproximadamente R$ 3 a R$ 4 por árvore. O madeireiro pagou apenas uma parte do dinheiro, foi passear e nunca mais voltou.
Madeira por bicicletas
Na mesma época, no final de 1997, uma comunidade vizinha vendeu 148 alqueires de mata por R$ 100 cada alqueire. Dizem que o madeireiro tirou até as varas e, logo depois, o fogo “comeu” o resto. E o que aconteceu com o dinheiro? A maior parte foi gasta em “besteiras e festa”. Como dona Severina disse: “até gato andou de bicicleta.” Mas alguns meses depois todo mundo estava passando fome, enquanto as peças de bicicletas, radiozinhos e gravadores ficaram espalhados pelo chão.
Madeira por remédio
Também tem muitos casos de pessoas doentes, precisando de tratamento médico, vendendo madeira sob pressão. Por exemplo, sentindo pena do filho doente, um pai no Baixo Tocantins vendeu 5 pés de piquiá para conseguir uma injeção. Sobrou um pouco de dinheiro para comprar um prato de comida em frente ao hospital. Se a madeira em tora dessas 5 árvores fosse vendida nas serrarias poderia render mais de R$ 600.
Cuidado com o Zé Madeireiro
Zé não gostava de trabalhar na roça nem de caçar ou coletar frutas na mata. Um dia um madeireiro chegou dizendo: “se você convencer a sua comunidade a vender a mata, vou te pagar bem”. O madeireiro colocou R$ 300 na mão de Zé e 1 parcela de R$ 3 mil na mão da comunidade. A comunidade logo aceitou vender 180 alqueires por R$ 18 mil divididos em 6 parcelas. Mas depois da madeira retirada, quantas parcelas você acha que eles receberam? Só mais 1 e, para consegui-la, o coordenador da comunidade viajou 250 quilômetros por 3 vezes, ficando 7 dias fora da roça. No final, cada uma das 30 famílias da comunidade recebeu R$ 200. O dinheiro acabou rápido e ficou cada vez mais difícil arranjar frutas e cipós da mata. Zé mudou para a cidade, onde tudo tem que ser comprado e custa caro. Sem dinheiro, ele voltou a andar com os madeireiros visitando outras comunidades.
Cuidado, pois um homem chamado Zé um dia pode bater a sua porta! Esse exemplo mostra como as pessoas da mata têm poucas opções para garantir a renda e por isso acabam vendendo madeira por um preço bem baixo. Nesses casos, é bom pesquisar o preço para receber o valor justo da madeira.
O campo de futebol – e o que mais?
No Baixo Tocantins algumas comunidades passaram a negociar melhor com os madeireiros. É possível negociar para conservar as frutíferas, as plantas medicinais e outras árvores úteis. Além disso, as comunidades podem identificar uma parte da floresta mais rica em caça e assim marcar limites de uma reserva. As famílias que negociam com o madeireiro ficam com caça e frutas, além do campo de futebol que o madeireiro oferece para as comunidades onde ele compra madeira.
Reserva para o futuro
A comunidade de Muruteuazinho, no Rio Guamá, reconhecendo a enorme perda da floresta, decidiu proteger o pedaço de mata que ainda restava e colocar suas roças apenas na capoeira. Eles intensificaram a produção das capoeiras plantando laranja, maracujá e coco. Mapearam a reserva e criaram uma barreira contra o fogo, cercando a mata. Também começaram a criar abelhas.
P. Shanley, M. Cymerys, L. Luz, J. Galvão e G. Medina
O Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Paragominas, no Pará, junto com comunidades ao longo do rio Capim queria saber se a mata vale mais pela madeira ou por outros produtos como caça, frutas e cipós. A pergunta parece simples, mas a resposta depende de muitas informações, por exemplo, espécies de valor, abundância, produção, distância para o mercado e preços.
A equipe de pesquisa fez um levantamento da mata, do mercado e do consumo de produtos florestais. Grande parte da coleta de dados foi feita pelas comunidades do Rio Capim que contaram e pesaram todas as frutas, fibras e caça de uso familiar em 1993. Quando a pesquisa começou, em 1993, os 3.000 hectares de mata já tinham sido vendidos 5 vezes. Nesses casos, as vendas foram seletivas, com a extração de apenas 10 espécies.
Os resultados mostram que mesmo depois dessas vendas, embora as famílias tivessem que andar mais distante, cada uma ainda consumiu em média 96 quilos de caça, 20 quilos de cipó e 89 quilos de frutas por ano. Na época, se elas tivessem que comprar tudo isso, custaria o equivalente a US$ 300, que hoje seriam R$ 900.
Renda invisível
Consumo médio por família depois de 5 vendas de madeira (1993)
Em 1993, cada família das comunidades do Capim consumiu em média 383 frutas. Foram 161 bacuris, 150 uxis e 72 piquiás por família. Mas mesmo conhecendo bem o valor que a mata tem em pé, é fácil vender madeira ou terra bem barato. Assim acontece com muita gente no mundo inteiro. De 1993 a 2003, as comunidades do Capim venderam madeira mais 8 vezes[3]. Quando as vendas se tornaram muito freqüentes e a exploração muito intensa (mais de 50 espécies), o acesso às frutas e outros produtos da mata diminuiu[4].
Consumo de piquiá depois 13 de extrações de madeira
Nas comunidades do Capim, depois de a mata ter pego fogo em 1997, o consumo médio de piquiá diminuiu de 72 frutos (14,5 quilos) para 14 frutos (2,8 quilos) por família – uma queda de 80%. A partir daí, passou a existir um conflito de uso entre a extração industrial de madeira e o consumo comunitário de produtos não-madeireiros. Além disso, estudos têm mostrado que para cada árvore tirada na extração de madeira, outras 27 morrem ou são danificadas no processo[5]. Como a estrutura da mata é bastante alterada com a extração convencional de madeira, torna-se fácil para o fogo entrar e “comer”o que resta[1].
E por que será que o consumo de piquiá diminuiu? Porque dos 109 piquiazeiros, dos quais a comunidade coletava frutos em 1993, só sobraram 41 vivos em 2003, ou seja, 63% dos piquiazeiros morreram. Nas primeiras vendas, os madeireiros só tiraram madeira de lei, portanto os piquiazeiros e outras frutíferas foram poupados. Mas a partir de 1996, o número de espécies extraídas aumentou e chegou a mais de 50. Nas últimas décadas, o número de espécies extraídas pela indústria de madeira na Amazônia Oriental aumentou de 12 para 300[6]. Um terço delas também tem valor como alimento, remédio, goma e resina[2]. Nas comunidades do Capim, em 1996, as 15 espécies mais valorizadas por atrair caça, produzir frutos e remédios começaram a ser extraídas para a produção de madeira, entre elas, os piquiazeiros.
A extração de madeira foi a causa da morte de 80% dos piquiazeiros (55 árvores). O fogo na roça contribuiu para a morte de 10 árvores, o vento derrubou 2 árvores e uma família da comunidade derrubou 1 árvore para a construção de 1 barco.
Aconteceram 3 tipos de venda de madeira que, ao longo do tempo, afetaram muito a comunidade. Primeiro, os madeireiros extraíam as poucas espécies mais valiosas. Em seguida, um número bem maior era extraído, incluindo frutíferas e oleosas. Por último, os madeireiros passaram a comprar por área (alqueire), tirando todas as árvores que queriam. Quando a intensidade e a freqüência da exploração foram maiores que a capacidade de recuperação da floresta, o consumo de frutas pelas famílias da comunidade diminuiu de forma irreversível. Essa mesma história acontece em muitas comunidades da Amazônia. No entanto, reconhecendo e avaliando os custos e benefícios da exploração, as comunidades podem vender madeira e também ficar com o que precisam para sobreviver.
Extração compatível virou conflituosa
Consumo de piquiá pelas famílias do Capim, depois de 13 vendas de madeira
A história mostra que:
• O uso da madeira pode ser compatível ao uso dos outros produtos da mata dependendo da freqüência e intensidade da extração. Nas comunidades do Capim, isso aconteceu até 1997, quando foram extraídas poucas espécies e somente as árvores adultas de cada espécie.
• Existe um ponto irreversível a partir do qual a floresta não consegue mais se recuperar das perdas provocadas pela extração da madeira. No Capim, em 1997, foi extraída uma grande quantidade de árvores de um grande número de espécies e, depois da extração, um fogo acidental queimou 1/4 da área das comunidades. A partir daí, o consumo de frutas pelas famílias diminuiu significativamente.
• Para avaliar os custos e benefícios da venda de madeira, as comunidades e os madeireiros precisam de informações ecológicas, econômicas e culturais. Além disso, precisam de planejamento e treinamento para o manejo florestal de baixo impacto e uso múltiplo. É importante levar em consideração os produtos florestais não-madeireiros (frutas, caça, remédios e cipós) de importância local na hora de negociar a venda de madeira.
Se você for vender madeira, qual é o melhor negócio: vender por árvore, alqueire (4,8 hectares) ou metro cúbico? Sabia que os madeireiros podem tirar o quanto eles quiserem da sua área se você vender a madeira por alqueire? Normalmente, eles extraem entre 25 e 50 árvores por alqueire quando a extração é seletiva e até 200 árvores por alqueire se a extração é predatória (convencional).
Quando você vende por árvore, é mais fácil controlar o que fica e o que vai. E, quando vende por metro cúbico, você sabe exatamente quanta madeira está saindo e pode negociar melhor e ganhar mais dinheiro. Vamos comparar para saber qual negócio renderia mais, tirando uma média do que as pessoas do Rio Capim estão recebendo recentemente por venda. Os preços da árvore por alqueire variam de R$ 2 a R$ 6 (R$ 100 a R$ 150 por alqueire); enquanto os preços da árvore em pé estão em torno de R$ 10 e R$ 25. Quando a comunidade vende por metro cúbico e negocia bem, pode receber entre R$ 20 e R$ 45 por árvore (R$ 6 a R$ 15 por metro cúbico).
Valor de 1 árvore conforme o tipo da venda: Região do Rio Capim 2002
Está claro que o produtor pode receber mais vendendo por metro cúbico e por árvore que por alqueire. No Pará, as comunidades ainda se sentem pressionadas para vender por alqueire. No Mato Grosso, ao contrário, elas só vendem por metro cúbico, valorizando o recurso e recebendo mais por ele.
Fazendo esse cálculo por espécie, 1 árvore de piquiá vale R$ 3 quando vendida por alqueire; R$ 13 quando vendida em pé; e pode valer R$ 24 se for vendida por metro cúbico (R$ 8 por metro cúbico). Veja outro exemplo: 1 árvore de maçaranduba por alqueire vale R$ 4; em pé vale R$ 20; enquanto a mesma árvore por metro cúbico vale R$ 36 (R$ 12 por metro cúbico).
Preço da árvore vendida pela comunidade, Paragominas, 2004
É aconselhável pensar sobre como vender sua madeira, procurar saber por quanto o madeireiro a revende para a serraria e por quanto a serraria revende a madeira já serrada. Uma árvore de maçaranduba é comprada no Capim por R$ 4. O madeireiro a revende por R$ 150 para a serraria de Tomé-açu (R$ 50 por metro cúbico). Depois de serrada, a serraria revende a árvore por R$ 1.500 (R$ 300 por metro cúbico). Vale lembrar que precisamos descontar os custos da extração, transporte e manejo da madeira vendida pelo madeireiro (estimados em R$ 25 por metro cúbico)[7].
Ganho bruto por árvore de maçaranduba vendida em 2004
André Dias e Marli Mattos
Para saber a quantidade de madeira de uma árvore, os madeireiros calculam seu volume em metros cúbicos. Por isso, estão sempre falando em cubagem de madeira e dizendo: “esta árvore tem 3 metros cúbicos” ou “esta só tem 2 metros cúbicos”.
Mas você sabe como calcular quantos metros cúbicos uma árvore tem? Para poder negociar bem com os madeireiros, a comunidade precisa aprender a língua deles. Os madeireiros usam o cálculo do volume geométrico para conhecer o volume da árvore em pé. Nesse cálculo, é preciso saber qual é o rodo (circunferência) da árvore e qual é o comprimento do tronco. O rodo é medido à altura do peito (aproximadamente a 1,30 metro do solo) usando uma fita métrica. Se a árvore tiver catanas (sapopemas) baixas, deve-se medir o rodo logo acima das catanas. Se as catanas forem muito altas, como em certos tauaris, o rodo deve ser estimado “a olho”. O comprimento do tronco pode ser estimado com o auxílio de uma vara de 4 metros. Como as toras serradas pelas indústrias possuem mais ou menos 4 metros, é possível calcular quantas toras de 4 metros pode-se obter do tronco. Basta aproximar a vara do tronco para estimar quantas vezes ela “cabe” nele. Por exemplo, se a vara couber 5 vezes no tronco, então ele terá 20 metros.
Se você sabe qual é o rodo e o comprimento do tronco, é fácil saber o volume geométrico da árvore. Basta multiplicar como na fórmula acima[8]:
O rodo e o comprimento do tronco devem ser medidos em metros.
Por exemplo, uma árvore com 2 metros de rodo e 20 metros de tronco terá:
Volume = 2 x 2 x 20 x 0,06
Volume = 4,8 metros cúbicos
É importante saber como se calcula o volume de uma árvore em pé, como fizemos anteriormente. Mas você também pode descobrir esse volume usando a tabela que preparamos. Para usar a tabela, você precisa: (1) marcar o rodo da árvore na primeira linha da tabela e (2) marcar o comprimento da árvore na primeira coluna. Em seguida, basta ligar o rodo com o comprimento para descobrir a quantidade de metros cúbicos de sua árvore.
Natalino Silva
Os engenheiros florestais calculam o volume das árvores em pé nos inventários florestais usando uma fórmula especialmente desenvolvida para a floresta que está sendo inventariada. Esse é o chamado “volume cilíndrico”, que o Ibama usa como base para as autorizações de exploração madeireira.
Quando as árvores já foram derrubadas e transformadas em toras, o seu volume pode ser obtido por meio de 2 cálculos: do “volume geométrico” e do “volume Francon”. O volume geométrico é calculado no romaneio, como se a tora fosse um cilindro. Nesse caso, mede-se o rodo bem no centro da tora. Já o cálculo do volume Francon serve para saber quantos metros cúbicos de madeira esquadriada (transformada em pranchas) podem ser tirados de cada tora. Nesse cálculo, todas as partes da tora que não são aproveitadas pela serraria já são descontadas, incluindo a casca e os defeitos internos (ocos e podridão). A prestação de contas da exploração com o Ibama é feita com base nesse volume.
Como a prestação de contas no Ibama é feita em volume Francon, para transformar o volume geométrico em Francon, basta multiplicar o volume geométrico por 0,7854, como mostra a fórmula abaixo[9]:
Vf=Vg x 0,7854
Por exemplo, uma árvore com volume geométrico de 4,8 m3 terá:
Vf = 4,8 x 0,7854
Vf = 3,77 metros cúbicos de madeira esquadriada.
• Pesquisar os preços. Em 2003, as comunidades do Rio Capim, no Pará, venderam os direitos de extração de madeira de sua mata por R$ 100 o alqueire (R$ 20 o hectare).
• Identificar e marcar as árvores úteis que não devem ser extraídas (frutíferas, as que atraem caça e aquelas que fornecem óleo e resinas).
• Criar uma reserva na mata com base na densidade e distribuição das árvores úteis e na ocorrência de caça. Marcar e mostrar os limites da exploração para o madeireiro.
• O madeireiro deve contratar um engenheiro florestal para orientar a exploração. O engenheiro elabora o mapa de distribuição das árvores e, com base nesse mapa, faz o planejamento das estradas e localização dos pátios (esplanada). Essa prática evita a abertura de estradas desnecessárias que destroem uma quantidade maior de floresta.
• Vender madeira para madeireiro que puxa a tora com trator skidder em vez de trator de esteira. O sistema de torre e guincho do skidder permite tirar a tora sem chegar perto do local de sua queda, por isso provoca menos danos à floresta.
• Pedir para o madeireiro arrumar a estrada depois da exploração. Isso é mais provável de acontecer se você cobrar antes da última carrada de madeira.
• Insistir em ser pago no dia certo e renegociar o preço quando o trabalho demorar mais de 1 ano.
• Acompanhar a extração e anotar o volume de madeira retirado da floresta.
• Ter contrato escrito e assinado com todos os pontos importantes.
Jack Putz
Leia a história deste cientista e veja como é fácil ser enganado no mundo inteiro:
“Tenho cerca de 50 hectares de floresta de pinhos, no interior de Gainesville, Flórida, nos Estados Unidos. Poucos anos atrás, um ataque de besouros ameaçou minha floresta. Por isso, decidi contratar um madeireiro para cortar algumas árvores e vender polpa de celulose. Quando nos encontramos para fechar o negócio, o madeireiro chegou em um dos caminhões mais calhambeques que eu já tinha visto. Tinha pensado em pedir um adiantamento, mas quando vi sua situação, desisti. Acertamos que ele poderia me pagar pela madeira conforme fosse vendendo para as serrarias. Uma semana depois, ele voltou com seus 2 filhos e outro caminhão velho para tirar a madeira. Eu estava ocupado dando aulas e não tive como supervisionar a operação de perto.
Comecei a me preocupar quando fui receber meu dinheiro, depois de o madeireiro ter trabalhado alguns dias e levado poucos carregamentos de madeira. Quando perguntei para um dos filhos sobre o pagamento, ele disse que eu teria que falar com seu pai que, naquele momento, estava levando a madeira para a serraria. No outro dia, o pai prometeu que o pagamento seria feito direto pela serraria. Ele disse que estava tendo problemas com o banco e que por isso não podia pagar com cheque. Resultado: 2 dias depois, eles transportaram as últimas árvores sem terem pago pelas primeiras.
Foi quando percebi que seria difícil receber o dinheiro, a não ser que tomasse uma atitude. Tive a idéia de contratar um advogado e mandar o madeireiro para o tribunal. Mas, como os advogados custam caro e, mesmo que ganhasse, não receberia o bastante do madeireiro, decidi que deveria aceitar um pagamento menor e aprender com meu erro.
No ano passado, o clima estava seco novamente e os besouros voltaram. Então, mesmo com os baixos preços da madeira contratei outro madeireiro. Desta vez, escolhi uma empresa com uma melhor reputação. Como o mercado estava ruim, nenhum madeireiro em minha região estava disposto a comprar madeira pagando adiantado, por isso, novamente, aceitei receber depois. Desta vez, tive o cuidado de isolar áreas que eu não queria que o madeireiro entrasse e marquei as árvores que queria proteger durante as operações de derruba e extração.
Infelizmente, todo meu sistema de proteção ambiental tornou o trabalho do madeireiro mais difícil e, portanto, o preço despencou. O madeireiro pagou pela madeira que tirou e não mexeu na área que eu havia marcado, mas, no final, conseguiu cortar apenas metade do que eu precisava vender e isso significou um pagamento muito menor do que eu esperava.
Aprendi que não é fácil vender madeira e que existem várias possibilidades de o negócio não dar certo. Também aprendi que para evitar perder as árvores e ficar sem pagamento, deve-se buscar informações das pessoas mais experientes. Daqui para frente, vou observar os conselhos dos vizinhos mais experientes, de livros[10] e da internet[11]”.
Uma boa venda de madeira permite conservar espécies frutíferas e oleaginosas importantes para a família. Como não é fácil para produtores distantes do mercado vender frutas, vamos ver quais são as dicas das comunidades que aprenderam, por meio de erros e acertos, a fazer uma boa venda.
Selecione e guarde árvores úteis
Selecione as frutíferas que a comunidade mais gosta e que produzem bem. Quando você sabe que uma árvore vai produzir muito, faça a limpeza embaixo dela para não perder frutos. Visite a árvore freqüentemente para colher os frutos antes que os bichos os comam.
Preste atenção: produção variável
Como as árvores nativas descansam entre um ano e outro, tente conhecer o ritmo de suas frutíferas. Lembre-se de onde as árvores ficam e preste atenção na produção de cada uma delas. Observar a floração pode ajudar a prever a sua safra. Se você tiver árvores que produzem frutos na entressafra, pode conseguir preços melhores (2 a 6 vezes mais).
Embalagem: frutas perecíveis
Depois de colher e carregar um bocado de frutas pesadas e perecíveis, pense bem sobre a embalagem que você vai usar para levá-las para o mercado. Se você jogar todas as frutas dentro de um saco, elas podem estragar facilmente. Use saco somente para as frutas com casca grossa. Para as outras, use paneiros, rasas ou jamaxis.
Pesquisa de preço/cooperativa
Faça uma pesquisa de preços nas feiras, com vizinhos e marreteiros para não sair perdendo. Para conseguir um lugar bom na feira, você deve chegar bem cedo. Além disso, se você vender seus produtos junto com outras famílias ou na cooperativa, é possível que sua renda aumente.
Transporte: lama, chuva e espera
O acesso aos mercados é difícil para muitas comunidades. Como a safra das frutas ocorre durante a época de chuva, chegar à feira fica ainda mais complicado. Por isso, é importante planejar bem antes da safra. Negocie com as pessoas que têm transportes (barqueiros, prefeitos, madeireiros, fazendeiros).
Responsável: lucro para festa ou família?
Se você manda alguém vender seu produto na feira, fique alerta! Deve ser alguém bem conhecido, de confiança, ou seu lucro pode rapidamente virar um litro de 51.
Beneficiamento: aumentar o valor
Quer aumentar o seu ganho com as frutas? Então faça doce, geléia, chopp, polpa e sabão. Quanto mais produtos você fizer, maior é o seu ganho. Anote: para fabricar esses produtos, você precisa primeiro treinar bem as pessoas nas questões de higiene e qualidade.
Selo: produto com qualidade
O selo de qualidade garante que o seu produto é feito de forma sustentável e com rigorosas regras de qualidade. Isso pode aumentar a procura pelo produto e, possivelmente, o seu ganho. Para garantir a legitimidade do selo e conquistar o consumidor, os produtores podem estar organizados em cooperativas ou associações.
Diversificação – menos risco, maior ganho
E quando a safra das frutas acabam, o que fazer? Algumas mulheres guardam a polpa, o doce e a geléia para vender na entressafra. Além disso, fazem remédios caseiros, produtos de cipó e também constroem redes de garimpeiros – tudo para vender. E, em vez de dividir o lucro total entre elas, preferem reinvestir pelo menos 20% na Associação para a compra de mais matéria-prima (tecidos, linhas, frutas). Elas são inteligentes: seguem a regra dos grandes empresários – diversificar para correr menos risco e ganhar mais dinheiro.
Comunitários do Capim (Dona Ana Mendes, Benedito de Souza, João Brito, José Maria Pantoja)
_____________
[1] Cochrane, M. A. & Laurence, W.F. 2002 / Nepstad, D. et al. 1999
[2] Vieira, I. et al. 1996
[3] Medina, G. 2004
[4] Shanley, P.; Luz, L. & Cymerys, M. 2004
[5] Veríssimo et al. 1996
[6] Martini, A.; Rosa, N.A. & Uhl, C. 1998
[7] Amaral, P.; Veríssimo A.; Barreto, P. & Vidal, E. 1998
[8] Mattos, M.M.; Nepstad, D.C. & Vieira, I.C.G. 1992
[9] Barros, P.L.C. & Silva, J.N.M. 2002
[10] Por exemplo: Demers, C. & Long, A. 2004
[11] Por exemplo: Savelle, W. & Eshee. W.D. 2002
Muitas comunidades rurais, especialmente as comunidades tradicionais, possuem uma longa tradição de uso da floresta com habilidades, práticas e conhecimento necessário para garantir o manejo de seus recursos. Manejar a floresta significa usá-la com cuidado. O manejo florestal deve contemplar o uso múltiplo dos recursos, que inclui não apenas madeira mas também frutas, caça e plantas medicinais – os chamados produtos florestais não-madeireiros.
Reservas de floresta
Algumas comunidades e fazendeiros pensam primeiro na alimentação dos seus filhos e criam reservas de floresta, onde a caça pode reproduzir, garantindo assim alimento para netos e bisnetos. Eles não vendem suas florestas porque sabem que com as frutíferas ninguém passa fome. Ter uma reserva de floresta é como ter uma conta no banco – o seu valor sempre aumenta.
Mas uma reserva não tem importância alguma para a comunidade se não sabemos quais são as árvores e que tipo de animais moram na área. Para proteger as reservas, é preciso criar e seguir algumas regras sobre o uso e manejo dos recursos (caça, madeira e frutas). É melhor escolher uma área que esteja ligada a outras florestas vizinhas para criar um corredor que permita o movimento e a reprodução da caça.
Uma reserva dinâmica
M. Almeida, E. Costa, S. Dewi, M. Pantoja,
A. Postigo, A. Puntodewo, M. Ruiz
A primeira reserva extrativista criada no Brasil, em 1990, foi a Reserva Extrativista do Alto Juruá, no Acre, com meio milhão de hectares e uma população de cerca de 5.000 pessoas. Nos últimos 100 anos, a borracha foi o seu principal produto de venda. Contudo, a queda nos preços da borracha desafiou os moradores. Em resposta, eles desenvolveram novas fontes de renda combinadas com o sistema de subsistência já existente.
Durante os anos 1990, parte da população mudou do interior da Reserva, onde se concentram as colocações ricas em seringueiras, para as margens dos rios. O deslocamento da população resultou numa pressão maior sobre a floresta das margens dos rios e diminuiu a pressão nas áreas de terra firme. Contudo, o desmatamento na Reserva nos últimos 10 anos foi de apenas 0,2%, ou seja, 98,5% da área foi mantida com cobertura florestal.
Hoje, apenas 21% das famílias produzem borracha. Essa mudança resultou numa queda de 82% da produção. Entre as novas fontes de renda estão os produtos não-madeireiros como o sabonete de murumuru, as bolsas e roupas de couro vegetal e as vassouras de piaçava. Além disso, o feijão produzido nas margens dos rios substituiu a borracha como o principal produto comercial. A criação de gado já envolve 41% das famílias que, em geral, possuem apenas 2 cabeças de gado. No entanto, um pequeno número de moradores já consolidou seus rebanhos criando fazendas no interior da Reserva.
Os salários municipais, aposentadoria e as funções administrativas da Reserva estão transformando a economia local. Isso contribui para uma maior estabilidade das famílias. Seguindo a tendência mundial, a economia da Reserva está mudando do setor primário para o setor de serviços.
A primeira década da Reserva mostra um sistema que conseguiu se adaptar às condições econômicas em mudança, mantendo a cobertura florestal e uma população relativamente estável. As novas tendências irão trazer novos desafios para os moradores da Reserva. Alguns desafios são a expansão da pecuária, uma maior presença do Estado, mudanças nas políticas e a influência de outros países.
Sr. João recria a floresta
Infelizmente para algumas comunidades já é tarde demais: elas não têm mais floresta. As pessoas estão morando no meio da juquira sem maçaranduba para fazer cavaco, bacuri para comer e jabuti para caçar. Isso aconteceu para o Sr. João Paulo. Ele morava em um sítio bonito com castanha, manga, caju e bacaba, mas um dia recebeu a visita de um fazendeiro e sabe o que houve? Sr. João Paulo vendeu o sítio e foi morar com sua família no meio de uma juquira, sem árvores e sem água. Mas mesmo com 60 anos de idade, Sr. João deu a volta por cima e logo começou a plantar novamente. Ele enriqueceu a capoeira com árvores que produzem frutas, resinas, madeira e outros produtos de valor tanto para sua família como para o mercado. Hoje, ele tem árvores como pau d’arco, mururé, cedro, sucupira, ameixa, graviola, uxi, piquiá e muitas outras espécies. Se você ou sua comunidade plantam frutíferas ou criam uma reserva é importantíssimo proteger e manejar sua mata.
Dicas para proteger a floresta
Aceiro (barreira contra o fogo)
Cerca de 12% da floresta amazônica foi destruída por desmatamento e fogo entre 1970 e 2002. Além da enorme perda de plantas e animais, as queimadas provocam o aumento da temperatura e mudanças no clima. Cada vez mais é importante criar barreiras contra o fogo. Para fazer um aceiro é preciso retirar do chão da floresta qualquer vegetação que possa pegar fogo como árvores, arbustos, galhos secos e capim. Geralmente, os aceiros têm uma largura aproximada de 4 a 6 metros. Quanto mais largo, menor o risco de pegar fogo. Além disso, preste atenção na temperatura, força e direção dos ventos, período de queimada, tipo de vegetação, inclinação do terreno, além do acordo com seus vizinhos.
Roça na capoeira
Lembre-se sempre de fazer a sua roça somente na capoeira. Assim, você evita a destruição da floresta primária. O uso das capoeiras é uma boa maneira de reduzir o desmatamento e obter produtos úteis. Mas cuidado com o fogo: colocar sua roça na capoeira é como jogar fósforo na pólvora.
O manejo de capoeiras pode render bons frutos
Socorro Ferreira,
Marli Mattos e Cesar Sabogal
A capoeira geralmente se forma após o cultivo do terreno para roça. O agricultor deixa a capoeira para que a terra “descanse” e tenha condições de ser cultivada novamente, o que acontece em um intervalo de 4 a 10 anos. Enquanto a capoeira está “descansando a terra” serve para muitas coisas: abriga animais como paca, tatu, cutia, nambu, juruti e muitos outros; produz madeira para construção de casas, barracos, currais e chiqueiros; e mantém o ambiente mais fresco.
Além disso, as famílias de agricultores deixam parte dos seus terrenos de capoeira como “reservas”, ou seja, mantêm áreas sem derrubar, o que torna a vegetação mais desenvolvida, capaz de oferecer mais produtos. Em um levantamento feito no nordeste paraense, os pesquisadores observaram que mais de 20% das áreas de capoeira nos lotes são capoeiras médias a antigas[2].
As capoeiras mais antigas (mais de 10 anos) podem ser manejadas com a finalidade de favorecer a maior produção de alguns recursos como madeira para construção rural, plantas medicinais, frutos comestíveis, fibras e resinas.
Dentre as espécies manejadas em áreas de capoeira de agricultores familiares podemos citar:
Medicinal
Açoita cavalo (Lueheopsis duckeana)
Paricazinho (Stryphnodendron guianense)
Sucuuba (Himatanthus sucuuba)
Madeira para diversos usos
Amaparana (Thyrsodium paraense)
Anani (Symphonia globulifera)
Cumaru (Dipteryx odorata)
Cumatê (Myrcia atramonfidera)
Cupiúba (Goupia glabra)
Ingá vermelho (Inga alba)
Jarana (Lecythis lurida)
Louro prata (Ocotea guianensis)
Parapará (Jacaranda copaia)
Pau jacaré (Laetia procera)
Sapucaia (Lecythis usitata var. paraensis)
Frutos comestíveis
Bacuri (Platonia insignis)
Bacuripari (Rheedia macrophylla)
Um exemplo é o manejo do bacuri. Quando a vegetação ainda é jovem, os arbustos mais vigorosos da regeneração natural são selecionados e a vegetação ao redor é desbastada. Quando a capoeira já está formada, é preciso eliminar a competição com outras espécies e cipós por luz e nutrientes. Isso também evita a deformação do tronco e copa dos bacurizeiros.
Com esse manejo, espera-se que os indivíduos de interesse para as famílias agricultoras possam se desenvolver e produzir mais rápido, favorecendo a obtenção de produtos úteis ao consumo e possibilitando a venda nos mercados local e regional.
Benefícios das plantas da capoeira
Montserrat Rios
Diversos estudos científicos têm estimado que 30% da cobertura vegetal da Amazônia está representada por capoeiras. Uma situação especial é a do nordeste paraense. Com 1 século de corte e queima, hoje, as capoeiras representam a vegetação predominante na paisagem. A história ecológica e a etnobotânica revelam que as capoeiras, desde épocas passadas, têm sido utilizadas pelas diversas populações humanas que moram na Amazônia. A capoeirinha, capoeira e capoeirão são capazes de fornecer plantas com grande potencial de uso para alimento, medicina, construção ou combustível, ajudando na subsistência cotidiana.
Um estudo, na comunidade de Benjamin Constant, no município de Bragança, no Pará, mostra que as famílias de pequenos agricultores conhecem e usam cerca de 135 espécies vegetais da capoeira. Muitas plantas são importantes tanto pela variedade de usos como pelas diferentes partes das plantas utilizadas. Um exemplo é o amapá [Parahancornia fasciculata (Poir.) Benoist] que produz um leite empregado no tratamento de anemia, vermes, doenças do fígado, diarréia, inflamação do estômago, gastrite e peito aberto[1]. Além de seu poder medicinal, o amapá tem uma madeira de alta qualidade que serve para construção. Como no mundo inteiro as áreas de capoeira estão aumentando, será importante incentivar uma pesquisa mais profunda sobre o potencial dos produtos vegetais das capoeiras, desenvolver programas de manejo sustentável para essas áreas e disseminar conhecimento científico para as comunidades de maneira prática e produtiva.
Aproveitando o que tem em casa
Antônio José
David McGrath
Charles Peters
Nas margens do rio Tapajós, 4 comunidades estão aproveitando a madeira de árvores mortas, que sobraram na roça, para fabricar móveis (bancos, cadeiras e mesas). Os defeitos e qualidades de cada peça são valorizados para criar móveis bonitos, decorativos e úteis. O trabalho começou com os homens, no entanto, na comunidade de Surucuá, metade dos trabalhadores já são mulheres.
A madeira preferida é o jacarandá que, nessas áreas, chega a ser mais valorizada que o mogno. Há 3 a 4 anos atrás, 1 tora era vendida por R$ 10 e, como conseqüência, em algumas comunidades, o jacarandá já está quase extinto. Hoje, essas comunidades não vendem mais madeira em tora. Instalados em barracas simples, os artesãos usam apenas instrumentos manuais básicos como serrotes, martelos, formões, plainas e enxós para entalhar os móveis. Cada grupo produz em média 80 peças por ano. De cada árvore grande (com cerca de 3 metros cúbicos de madeira) eles podem produzir cerca de 1.000 tábuas de cortar, 190 bancos e 50 mesas de centro. Hoje, o preço das peças varia de R$ 10 para uma tábua de cortar até R$ 120 para uma mesa de centro. A tabela mostra a quantidade de tábuas, bancos ou mesas que pode ser produzida com 1 metro cúbico de madeira.
Existe diferença entre o potencial de produção das matas: 1 hectare pode render cerca de 6.000 bancos na comunidade de Nuquini ou 46.500 bancos na comunidade de Nova Vista. No passado, os grupos usavam apenas madeira morta mas, com o aumento da procura, já pretendem trabalhar com madeira retirada de áreas de manejo. Cada grupo já demarcou uma reserva florestal de 200 hectares e fez um inventário de 10% da área para determinar a abundância, volume e distribuição das mais de 30 espécies que utiliza. Além disso, está monitorando o crescimento de árvores de cada espécie para determinar o volume que pode ser retirado sem afetar o estoque original.
Agregando valor: 1 árvore por R$ 10 ou R$ 5.000
Número de produtos por 1 m3 de madeira e 1 hectare de mata*
* Assumindo gravidade específica de 0,75 g/cm3
O que é certificação?
Tasso Rezende de Azevedo
Quando compramos um produto sempre procuramos algumas informações sobre ele, não é? Por exemplo, observamos a sua data de validade para saber se ainda podemos consumi-lo com segurança. Muitas pessoas gostariam de comprar produtos florestais com a certeza de que estão ajudando a conservar a floresta e ao mesmo tempo ajudando a garantir renda e benefícios sociais para o produtor. O consumidor pode ter essa garantia visitando o local onde o produto foi produzido. No entanto, é difícil visitar todos os locais de produção dos diversos produtos que ele consome. Para o produtor também seria difícil receber a visita de todos os consumidores. Já pensou? Ninguém conseguiria trabalhar dessa forma. Porém, mesmo visitando os locais de produção muitas pessoas não saberiam como avaliar se realmente a compra de um produto está beneficiando a comunidade e promovendo a conservação da floresta.
O sistema de certificação foi criado para ajudar o consumidor a tomar uma boa decisão na hora da compra, pois ele garante que um produto foi fabricado de forma sustentável. Nesse sistema, uma equipe vai até os produtores e faz uma avaliação do trabalho que está sendo feito. A equipe compara o trabalho com uma série de normas que foram desenvolvidas por um grupo de trabalho envolvendo consumidores, produtores, entidades de assistência, sindicatos, empresas, governos e pesquisadores.
Se o produtor trabalha seguindo essas regras, ele recebe um certificado que permite colocar no seu produto um selo. O selo garante ao consumidor que aquele produto segue as regras de um bom manejo da floresta. Existem 2 tipos principais de certificação para produtos florestais não-madeireiros: o FSC (Conselho de Manejo Florestal) garante que a floresta está sendo conservada e que os produtores estão sendo beneficiados e estimulados a continuar produzindo em longo prazo. E a Certificação Orgânica garante que os produtos não possuem contaminação com agrotóxicos e são saudáveis.
Produtos certificados
Na ilha de Marajó, no Pará, uma empresa de alimentos trabalha junto com a comunidade ribeirinha para produzir açaí (palmito e polpa) a partir do manejo sustentável. O manejo sustentável garante palmito e polpa de açaí para sempre, pois essa forma de extração não destrói a floresta completamente. Além disso, garante benefícios para os produtores. Dizer que um produto é certificado é o mesmo que dizer que ele foi manejado de forma sustentável.
Manejo de açaizeiros na ilha de Marajó
Os açaizais são a maior fonte de alimento das famílias que moram na ilha de Marajó. Mas, durante muitos anos, foram ameaçados pelo corte excessivo para produzir palmito sem o cuidado para que novas plantas se estabelecessem. Diante desse problema, empresas e comunidade desenvolveram um plano de manejo para extrair da floresta somente aquilo que pudesse se recuperar e produzir novamente. Hoje, a colheita de palmito é feita de 4 em 4 anos. Em cada colheita, retira-se apenas os estipes adultos, deixando os mais novos para que as palmeiras possam crescer e voltar a dar palmito. Assim, todos os anos, o fruto também pode ser colhido para alimentação da comunidade e comercialização.
No entanto, com esse manejo, muitas áreas de floresta estão se tornando áreas repletas somente de açaí. Isso tem ocasionado a escassez de outros produtos também importantes para a comunidade como plantas medicinais, caça, palhas e óleos. Para evitar essa perda de biodiversidade, empresas e comunidade estão trabalhando para manter um número mínimo e máximo de touceiras de açaí por hectare, de forma que outras árvores e os animais possam sobreviver na área.
Mas não adianta cuidar apenas da mata, é preciso que as pessoas também sejam beneficiadas e se sintam estimuladas a trabalhar para a conservação da floresta e da vida silvestre na região. Portanto, uma empresa deve incluir em seu plano o apoio à educação e saúde dos trabalhadores, suas famílias e pessoas que moram próximo das áreas de manejo florestal. Somente dessa forma, ela pode receber a certificação de manejo florestal do FSC.
Manejar a mata para encher a barriga e o bolso
Paulo Amaral e Manuel Amaral Neto
A floresta amazônica é tão grande que, no passado, os madeireiros, os políticos e as comunidades rurais não pensavam que seus recursos um dia poderiam acabar. No entanto, explorar a floresta sem pensar no futuro significa grandes perdas tanto para pequenas comunidades como para grandes empresários.
A partir da década de 1990, a população, o governo e os pesquisadores começaram a perceber que o manejo pode ser uma boa opção para o consumo local e venda dos produtos da mata. Inicialmente pensaram em manejo somente para a venda de madeira, no entanto, hoje já estão pensando em manejo de uso múltiplo.
Existem 18 iniciativas de Manejo Florestal Comunitário (MFC) na Amazônia[1]. A vantagem dessas iniciativas é que grande quantidade de floresta está nas mãos das populações que sabem como usar os recursos. E, além disso, algumas comunidades já estão recebendo apoio financeiro e técnico de algumas instituições. No entanto, enquanto muitas comunidades já praticam o uso múltiplo da floresta, muitos dos novos projetos, conhecidos como “manejo comunitário”, ainda têm um enfoque apenas na extração de madeira. Entre as dificuldades do manejo comunitário estão: políticas públicas não muito favoráveis, ausência de crédito para a atividade florestal e assistência técnica fraca. Dos 14 projetos que existiam em 2000, 45% foram pensados por organizações não-governamentais (Ongs), 44% por financiadores e 11% por técnicos[2]. As dificuldades para a realização do MFC são maiores quando a idéia nasce fora da comunidade. Confira a tabela ao lado para saber mais sobre as oportunidades e dificuldades do MFC. É importante lembrar que no processo de estabelecer esse manejo, cada um – governo e comunidade – desempenha um papel fundamental.
Desafios para as comunidades
Magna Cunha
O manejo de madeira pelas comunidades está sendo cada vez mais reconhecido e apoiado. Muitas agências financiadoras reconhecem nesta atividade a verdadeira vocação da Amazônia. Entretanto, a complexidade e o dinamismo dos modelos técnicos de manejo desenvolvidos apresentam ainda algumas incertezas e riscos, especialmente quando se analisa sua sustentabilidade.
Alguns aspectos para refletir:
Diversidade é segurança
As decisões sobre a melhor forma de manejar os recursos naturais na comunidade dependem do conhecimento sobre o funcionamento e a inter-relação dos variados sistemas tradicionais de produção. Como os riscos e incertezas do manejo florestal comunitário para a produção de madeira são muitos, uma opção é integrar esse manejo ao manejo dos recursos não-madeireiros. Assim, a comunidade continua com sua rede de segurança local: caça, frutas, plantas medicinais enquanto vai aprendendo a negociar bem a madeira.
_____________
[1] Rios, M. et al. 2001
[2] Smith, J. et al. 1996
Bastante generosa, a natureza oferece remédios, cipós, caça, frutas e madeira sem cobrar nada. Além dos recursos naturais, a floresta também oferece benefícios espirituais. Por exemplo, alguns indígenas quando ficam muito cansados, depois de andar bastante na mata, sentam em cima da raiz ou abraçam uma árvore. Assim, eles recebem energia e ficam fortalecidos para continuar a caminhada. Por isso, é importante pensar bem quando colhemos plantas e caçamos animais. Às vezes, a gente não lembra, mas as lendas, as mulheres da comunidade e a música – cada uma tem um papel importante na transmissão de valores sobre a mata.
Muitas tribos indígenas têm o costume de agradecer à natureza, rezando ou oferecendo alguma coisa para ela, por exemplo, tabaco. Mas esses costumes, e também as lendas e mitos que tradicionalmente protegem a mata e as pessoas, estão desaparecendo. Muitos acham que os mitos são apenas superstições, porém eles possuem funções práticas (para ecologia, socioeconomia e saúde) e espirituais importantes.
Antigamente, as lendas eram transmitidas dos pais para os filhos, mas hoje em dia poucos jovens sabem contar lendas. Os idosos sabem lendas como as do curupira, cobra grande, onça, mapinguari e caçador. Ouvir o seu avô contar essas lendas é bem mais interessante do que assistir à televisão. Se você conhece um idoso que conta lendas, vai lá – escute, respeite e reconte as histórias para seus amigos.
Lendas: respeitando a natureza
Carla Panzer e Eliete Timóteo
Em todas as culturas do mundo, na escuridão da noite, os mais velhos contam histórias assustadoras que deixam os outros tremendo de medo. Aquele medo gostoso que faz seus filhos e netos correrem para a rede na hora de dormir. O que você acha das lendas e mitos da floresta amazônica? Servem apenas como diversão, ou podem ter base psicológica e ecologica profundas?
Junto com seus alunos, a professora Eliete Timóteo, do Acre, estudou algumas lendas da Amazônia e descobriu que a maior parte delas sempre tem personagens feios, malvados e assustadores. Por que será? Segundo a professora e alunos, essas lendas, desenvolvidas por povos da floresta (seringueiros, índios, ribeirinhos etc.), são assustadoras para deixar com medo qualquer pessoa que tenha a intenção de ameaçar as fontes de sobrevivência: a mata, os rios ou a caça. E não é só a criançada que acredita em lendas – os melhores caçadores, professores e cientistas também escutam e respeitam essas histórias.
A professora conta que a preservação da floresta pelas comunidades é mais antiga do que parece. Antes mesmo das reservas extrativistas, as pessoas do Acre já haviam desenvolvido suas próprias maneiras de preservar os recursos naturais. Quem sabe, quantas matas ainda permanecem virgens, sem a violência dos homens, devido a muitas crenças e aos mistérios que envolvem essa imensidão tão verde[1].
Curupira: protegendo a floresta
A história seguinte é sobre um pretinho com os pés para trás e cabelo enrolado que protege a floresta. Quando você fica perdido na mata, andando em círculo, voltando sempre ao mesmo lugar, é ele, o Curupira, que está atrás de você! Alguma coisa errada você fez para ele ficar bravo. Os pés do Curupira são para trás para enganar os caçadores que, ao querer seguir o pretinho, tomam a direção contrária e se perdem na mata[2]. Para achar o caminho de volta, deixe um cigarro para o Curupira. Se você não fuma, o jeito é fazer uma roda de cipó e esconder a sua ponta em um nó. Jogue o cipó para trás de suas costas; enquanto o Curupira procura a ponta do cipó saia correndo. O Curupira protege as árvores, as plantas e a caça da mata. Se você entrar na mata e não respeitá-la, o Curupira te pega. Você nunca deve caçar demais ou tratar as plantas e os animais como não gostaria de ser tratado.
“O curupira jamais vai perdoar a malvadeza de quem anda para trás quando agride a natureza”.
Paulo Vieira
Mapinguari: o amigo da mata
Mapinguari é o nome de um animal monstruoso da selva amazônica, conhecido por antigos seringueiros, índios e caçadores. Alguns cientistas e índios acreditam que ele existe. As histórias contam que ele é um verdadeiro gorila, misterioso, considerado o terror para as pessoas que moram na selva. Com um tamanho amedrontador, boca no umbigo e olho no meio da testa, onde ele passa, seu rastro é conhecido. O Mapinguari tem uns berros de arrepiar tudo, um sopro que pode até derrubar árvores e um cheiro que pode matar qualquer um que seja mais fraco.
Histórias de quem já fez xixi nas calças ou saiu correndo nu pela floresta com medo são muito comuns onde existe o Mapinguari. Sr. José Paraíso , um seringueiro de Santarém, conta que estava dormindo sozinho em casa quando, meia noite, escutou uma voz em seu sonho[3].
– Acorda. Acorda, aí vem o bicho!
Acordei, estava tudo escuro e só ouvi o bicho andando. Ouvi aquele iiiiiiiiiiii. Me apavorei e lembrei que estava sozinho naquela colocação. Se aquele bicho me destruísse, quem iria saber de mim? Depois ele gritou mais perto – estava vindo:
– UUUUUUUUUUUuuuuuuuuuuÉégh.
Se o bicho estivesse vindo mesmo, a única saída que eu tinha era subir em uma árvore bem alta. O grito horrível chegou mais perto, estava pertinho mesmo. Parecia um temporal:
– Rouoouu-rouoouuu.
Barulhava nas folhas do mato e roncava, aquele ronco forte mesmo. Eu procurei um pau pra subir. De repente, veio aquele fedor, aquela catinga do bicho. Senti o poder dele de perto. Fiquei desesperado, achei que era meu fim. Aí, foi quando o barulho começou a diminuir. Escutei o grito do bicho cada vez mais longe:
– Uuuuuuu. Depois mais assim:
– Uuuu…
Graças a Deus, ele foi embora. Se eu não tenho esta sorte, talvez não estaria aqui contando esta história para vocês.
Os espíritos da natureza
Gabriel Medina
Os indígenas desenvolveram vários costumes e celebrações para escutar mais claramente seus deuses. Um deles é o uso de um chá especial, a ayahuasca. O chá é feito com uma mistura de cipó jagube (Banisteriopsis caapi) com folhas de um arbusto chamado chacrona (Psychotria viridis). Os efeitos mais comuns do chá são vômitos, tremores, tonteiras e sono. Antes e durante o sono ocorrem visões maravilhosas ou assustadoras; é um bom momento para refletir sobre a vida.
Tradicionalmente, o uso da ayahuasca foi restrito aos costumes de saúde e religião de tribos indígenas. Agradecer à natureza sempre fez parte de rituais ligados aos animais e plantas da Amazônia. Os índios Maku, no Alto Rio Negro, usam o chá na pajelança e na consulta aos ancestrais para a escolha do nome de um recém-nascido. Além disso, quando os velhos começam a perder a visão e a força para caçar, isolam-se em um acampamento de caça e tomam o chá. Sob seu efeito, entram no corpo de uma onça-pintada e saem caçando pela mata; por isso é perigoso caçar onças-pintadas[4].
O consumo do chá, a princípio de domínio indígena, aumentou nas últimas décadas. Hoje, a ayahuasca é largamente consumida pelos praticantes das religiões Santo Daime, União Vegetal e Barquinha, que congregam mais de 10 mil pessoas[5]. Alguns praticantes do Santo Daime afirmam que o chá propicia uma abertura espiritual para a maior aproximação com Deus. Recentemente, as classes média e alta urbanas estão consumindo ayahuasca como substância psicoativa e para expansão espiritual[6]. Além disso, pessoas da cidade, muito afastadas da natureza, têm procurado se aproximar da cultura da mata através do consumo de ayahuasca. Um indicador dessa mudança é a pequena mas forte indústria de turismo da ayahuaska no Peru, Equador e Brasil[7]. No Acre, para assegurar uma fonte sustentável das plantas que compõem o chá, algumas igrejas estão plantando e manejando o jagube e a chacrona.
Mulheres da Mata
Lygia Contantina da Silva
Maria Inês S. Evangelista
Como as mulheres são responsáveis pela alimentação e saúde da família, elas podem ficar mais prejudicadas com a perda da floresta. Além das técnicas e crenças necessárias para cuidar da mata e suas frutíferas, as comunidades que funcionam bem são aquelas que têm união, organização e a participação das mulheres. Quando elas participam e expressam suas idéias, trazem perspectivas diferentes que ressaltam outros aspectos da importância da floresta.
As mulheres seringueiras, que têm um passado de resistência e luta, estão quebrando velhos preconceitos e mostrando que a participação das mulheres no movimento social favorece o grupo[8]. No Pará, em áreas degradadas, a Associação de Mulheres de Nova Timboteua tomou conta do replantio de espécies nativas como andiroba, copaíba, mogno, pupunha e sapucaia. Por meio de uma horta, seminários de saúde, alfabetização e conscientização dos adultos estão desenvolvendo uma nova relação familiar, social, política e econômica. Além desses grupos, veja como mulheres desde o Acre até o Maranhão estão aproveitando os diversos produtos de suas matas para saúde, dinheiro, alimentação e artesanato.
Guardiãs da floresta: o olhar feminino das parteiras do Alto Juruá
Concita Maia e Luciana Pinheiro
A floresta, em seu quase isolamento diante do resto do mundo, contribuiu para que as parteiras conquistassem uma posição de respeito dentro das comunidades. Elas são a única opção de acompanhamento das mulheres grávidas e realizam seu trabalho com extremo respeito e carinho. As parteiras podem representar a diferença entre a vida e a morte de mães e bebês que nascem na floresta.
No Acre, seus conhecimentos milenares trazem os saberes, as experiências e improvisações de uma cultura surgida da interação de nordestinos e indígenas. A grande maioria aprendeu a arte de partejar com a avó, mãe, sogra, tia – muitas vezes por necessidade. Elas também conhecem os “remédios da mata”, as “plantas que curam”, as rezas e orações. Aquela que já “pegou muito menino” e que sabe lidar com a mulher “perigosa” é chamada de “parteira fina” e, normalmente, também é “rezadeira” e “curandeira”.
Dona Zenaide, de Marechal Thaumaturgo, no Acre, conta: “- Eu tinha 10 anos de idade quando fiz o primeiro parto. Fiz por necessidade! Aí, eu decidi que ia ser parteira. Aprendi com minha avó. Ela foi a parteira da minha mãe. Parteira fina. Eu andava mais ela. Aprendi assim, aprendi com ela. A parteira trabalha quase de sol a sol. Trabalha na roça e trabalha em casa. Passa noite, às vezes, de 3 dias acordada, acompanhando a mulher quando ela não tem logo, né!”
No Acre, as parteiras estão começando a se organizar. A luta das parteiras do Alto Juruá pela valorização do seu trabalho começou em 1996[9]. O projeto de capacitação de parteiras está crescendo – já aconteceram vários encontros em comunidades indígenas dos municípios de Sena Madureira e Freijó, no Acre, e Pauini, no Amazonas[10].
Quebradeiras de coco babaçu
Gabriel Medina
Há muitos anos atrás, todo mundo podia ir aos babaçuais maranhenses e coletar os cocos babaçu para fazer óleo, pois o “coco era de graça”. Mas logo, muita terra passou a ter dono e pouca gente passou a ter muita terra. Em 1985, apenas 14 fazendas tinham mais que 2 vezes o tamanho dos lotes dos posseiros. Também tinha muito fazendeiro derrubando os babaçuais para plantar pasto. Resultado: as pessoas que precisavam do óleo ficaram sem nada. Por causa disso, somente em 1985, aconteceram mais de 100 conflitos pelos direitos da coleta.
A partir de 1988, muitos coletores de coco começaram a se organizar fortemente. Lutavam para ter a posse dos babaçuais e evitar o desmatamento. A partir daí, começou o movimento das “quebradeiras de coco babaçu”, que passou a ser um dos maiores movimentos de organização de mulheres em todo o Brasil. A grande força do movimento está no Maranhão, que concentra 71% das áreas de babaçuais. Em 1991, aconteceu um grande encontro com quebradeiras também do Pará e Piauí. O movimento continua crescendo e ultimamente não se limita mais às áreas de babaçuais.
Hoje, com o óleo produzido da parte branca do coco, o movimento está fabricando sabonetes que, em 2002, foram vendidos por R$ 0,60 a unidade. O mesocarpo do fruto é usado para produzir flocos e pó (farinha) que servem para fazer um mingau muito nutritivo. O bagaço que sobra é aproveitado para ração animal, e as famílias usam a casca como carvão. No movimento das quebradeiras de coco babaçu, a cooperação política é muito forte, mas a cooperação diária (de amigas que vivem juntas) continua marcante. As mulheres vão em grupos para os babaçuais e ficam sentadas em forma de círculo, quebrando os cocos e conversando, sempre próximas umas das outras[11].
Música da mata
Rubens Gomes
Já pensou que sem as árvores nós não teríamos violão, cavaquinho e bandolins? E nem a música encantada que nasce deles. As árvores que produzem madeira para instrumentos são especiais, pois nem toda árvore serve para esse fim. A madeira varia em cor, textura, densidade, figura e direção das fibras. Diferentes partes de várias espécies servem para a confecção de diferentes partes de um instrumento de cordas. Por exemplo, o peso específico de uma madeira para o tampo deve ser menor do que o da madeira usada para o fundo. Além disso, cada parte do instrumento deve ter combinações certas. Para o tampo, deve-se usar cores claras; para os fundos e laterais, espécies de cor marrom-escura; e para a escala ou espelho, espécies de cor preta.
As madeiras tradicionalmente usadas na confecção de instrumentos como violão são ébano (Diospyros spp.) para a escala; jacarandá-da-bahia (Dalbergia nigra) para o fundo e lateral; e mogno (Swietenia macrophylla) para o braço. Mas,em algumas regiões, todas essas espécies estão sofrendo grande pressão de exploração. Em Manaus, a Oficina Escola de Lutheria da Amazônia está buscando espécies amazônicas para a confecção de instrumentos de corda. Eles estão comparando as características e propriedades físicas, mecânicas e acústicas de cada madeira para indicar as espécies que podem substituir as tradicionais (ébano, jacarandá e mogno). Veja algumas espécies amazônicas que já estão sendo usadas:
Mensageiros da mata
Além das madeiras, as árvores amazônicas têm outros tesouros que também criam música: seus caroços e sementes. Há 15 anos, o músico e artesão Ronaldo Farias, do Pará, tem andado em muitas matas, várzeas e igapós buscando sementes para a confecção de instrumentos musicais. Como uma mágica, ele transforma as sementes em chocalho-de-cacho que faz o som de chuva, de água dos igarapés e de revoada de pássaros. Ronaldo está sempre buscando experimentar novos sons das sementes.
Ele usa cuia, imbaúba, coco, pregos de acapu e couro de búfalo para instrumentos como o maracá, a matraca e o pau-de-chuva. Para os chocalhos, usa sementes de sapucaia, castanha, imbaúba, jatobá, seringa, uxirana, buiuçu e mata-matá.
“Buscar sementes faz parte do meu trabalho do ano inteiro. Tenho que ir atrás das sementes de inajá e tucumã logo depois que elas caem porque elas apodrecem rápido. Jupati e murumuru ficam no alagado, é preciso pisar na lama e meter a mão, sempre tomando cuidado para evitar os espinhos do murumuru. Às vezes, usar luva é mais prático. Depois da coleta, é preciso limpar as sementes. No caso do tucumã e inajá, você pode deixar as sementes de molho por 1 semana e depois socá-las com areia para que as fibras saiam mais rápido. O próximo passo é usar um motor elétrico para cortar as sementes. Por fim, é preciso imunizar, furar, modelar e lixar 3 vezes até o acabamento”.
Além de construir instrumentos, Ronaldo também trabalha no resgate da cultura amazônica oferecendo oficinas de confecção de instrumentos e ritmos regionais. Sua paixão pelo artesanato é compartilhada pela família. Sua mulher, Delomarque Fernandes, faz biojóias como colares, anéis, pulseiras, braceletes e lindos brincos. As palmeiras que ela usa são: tucumã, inajá, babaçu, dendê, murumuru, mucajá, jupati, mumbaca, açaí branco, açaí regional, bacaba e coco. Além das palmeiras, Delomarque gosta de usar uxi, uxirana, tento, cedro e castanha-do-brasil. “O jupati é descoberta nossa; ninguém trabalhava antes com jupati ou uxi, uma descoberta maravilhosa que dá peças exclusivas”.
Letras de músicas
A música pode mostrar o que aconteceu com algumas comunidades como um alerta para o futuro. Também pode falar de nossas lendas, da força das mulheres e de nossa história. Ela fala da realidade de cada pessoa em cada momento. O canto é um bem que vem do espírito.
Lógico ecológico
Lá vai a paca, a cutia, o arancuã.
Vai vai veado, foi tão belo teu passado,
é tão triste o amanhã.
Lá vai arara, a piquiá, capivara.
Lá vai mucura,
está acabando a mata escura,
tão acabando as imbiaras.
Quero ver a onça,
só se for pintada
Quero ver coruja,
só embalsamada.
E cadê a bicharada ?
tá fungindo da queimada,
tá fugindo da espingarda.
Lá vai o rio Tocantins ameaçado.
Vai com coragem, não permita que a barragem,
Te faça ficar parado.
Lá vai a mata se deitando pelo chão,
Mata sem pernas, tua base é enraizada,
Tu não podes fugir não.
Quero ver a onça,
só se for pintada.
Quero ver coruja,
Só embalsamada.
E cadê a bicharada ?
Tá fugindo da queimada,
Tá fugindo da espingarda
Lá vai o homem sendo expulso do seu chão.
Chegou o gado, o dinheiro e cercado,
prá fazer ocupação.
Lá vai o povo ocupar a periferia.
Vai tanta gente, vai faminto, vai doente,
Amargando a sua agonia.
Brega Ecológico
Para onde vão nossos peixes,
Que moravam no mar?
Onde está o bacuri,
O fruto doce do Pará.
Já não tem mais a madeira,
Já não dá mais pra tirar.
Enquanto tudo se vai
Só vem a fome ficar.
Tudo está diferente de antigamente,
de uns anos passados.
Tenho bem na memória, era outra história,
está tudo mudado.
Venho falar de mudança,
mas só a ganância aumenta demais.
Antes tinha madeira do tipo primeira,
hoje não tem mais.
Para onde vão nossos peixes,
Que moravam no mar?
Onde está o bacuri,
O fruto doce do Pará
Já não tem mais a madeira,
Já não dá mais pra tirar.
Enquanto tudo se vai,
Só vem a fome ficar.
Já estou preocupado,
olhando o passado analisando o futuro.
Vejo que a natureza,
fonte de beleza, de um ar que é puro.
Está sendo atacada,
por grandes queimadas, projetos barragens.
É triste a natureza,
perder a beleza de suas paisagens.
Para onde vão nossos peixes,
Que moravam no mar?
Onde está o bacuri,
O fruto doce do Pará.
Já não tem mais a madeira,
Já não dá mais pra tirar.
Enquanto tudo se vai
Só vem a fome ficar.
Canto de Limoeiro de Ajuru
Lavrador vendeu a terra
Lavrador vendeu a terra,
e foi morar na cidade.
Coitado de seus meninos,
passando necessidade.
Quando ele morava aí,
neste pedaço de chão.
Plantava arroz e milho,
mandioca e feijão.
Agora vendeu a terra,
está na mão de barão.
Nem que ele queira voltar,
agora não volta não.
Lavrador vendeu a terra,
e foi morar na cidade.
Coitado de seus meninos,
passando necessidade.
Agora acabou o dinheiro,
o dinheiro desta terra.
A mulher briga com ele,
na casa virou uma guerra.
Ele ficou arrependido,
já pensa em voltar.
A mulher fala para ele,
nem morta volta para lá.
Lavrador vendeu a terra,
e foi morar na cidade.
Coitado de seus meninos,
passando necessidade.
A mulher fala para ele,
amanhã tem que dar jeito,
amanhã tu vais cedinho.
Vê se fala com o prefeito.
O prefeito falou para ele,
não tenho emprego para dar.
O emprego que nós tinha,
era rua para capinar.
Pedro Gaia -cantor e compositor
de Oeiras do Pará
Xote ecológico
Não posso respirar, não posso mais nadar!
A terra está morrendo, não dá mais pra plantar!
E se plantar não nasce, e se nascer não dá,
Até pinga da boa está difícil de encontrar!
Cadê a flor daqui – poluição comeu!
O peixe que é o mar – poluição comeu!
Verde onde é que está – poluição comeu!
Nem o Chico Mendes sobreviveu!
Cantado por Luiz Gonzaga
Do jeito que a gente é
Acordo de manhã cedinho,
tomo o rumo do igarapé.
Vou olhar no espelho d’agua,
flores de mururé.
Catando os frutos da mata,
vou ouvindo o passarin cantar.
Semeando na roça e várzea,
antes da vida tardar.
Num mote pego a canoa,
vou de acordo com a maré.
Para dizer numa boa,
do jeito que a gente é.
Ronaldo Farias e José Felix
Grupo Curuperé
Sem medo de ser mulher
Prá mudar a sociedade,
do jeito que a gente quer.
É só participando,
sem medo de ser mulher.
Pois sem a mulher a luta vai pela metade,
participando sem medo de ser mulher.
Fortalecendo os movimentos populares,
participando sem medo de ser mulher.
Prá mudar a sociedade,
do jeito que a gente quer.
É só participando,
sem medo de ser mulher.
Porque a luta não é só dos companheiros,
participando sem medo de ser mulher.
Pisando firme sem pedir nenhum segredo,
participando sem medo de ser mulher.
Prá mudar a sociedade,
do jeito que a gente quer.
É só participando,
sem medo de ser mulher.
Na aliança operária camponesa,
participando sem medo de ser mulher.
Pois a vitória vai ser nossa com certeza,
participando sem medo de ser feliz.
Mutá
Quando cheguei na mutá do igarapé
Saci falou vem ver como é que é
Curupira chegou quis me amundiá
A mãe d’agua subiu o Maguari e o rio Guamá
Longe a Matita Pereira começou a assobiar
Veio de dentro da mata Mapinguari espiar
Nas pegadas do raio do sol e cheiro de luar
Tava sentado na beira do igarapé
Apreciando o luar
Admirando essa coisa infinita, criadora
Que eu não sei onde vai parar
E os males espanto porque sei
Que é meu canto e esse é o meu cantar
Ronaldo Farias, José Félix e Nego Rai
Hino do Seringueiro
Vamos dar valor ao seringueiro
Vamos dar valor a essa nação
Pois é com o trabalho desse povo
Que se faz pneu de carro e pneu de avião
Fizeram o chinelinho, fizeram o chinelão
Inventaram uma botina que a cobra não morde não
Tanta coisa da borracha que eu não sei explicar não
Encontrei pedaços dela em panela de pressão
Vamos dar valor ao seringueiro
Vamos dar valor a essa nação
Pois é com o trabalho desse povo
Que se faz pneu de carro e pneu de avião
Pneu de bicicleta não é de requeijão
Não é couro de gado o pneu de avião
Não é com chifre de vaca que se apaga letra não
São produtos de borracha feitos pelas nossas mãos
Vamos dar valor ao seringueiro
Vamos dar valor a essa nação
Pois é com o trabalho desse povo
Que se faz pneu de carro e pneu de avião
Pneu de bicicleta não é de requeijão
Não é couro de gado o pneu de avião
Não é com chifre de vaca que se apaga letra não
São produtos de borracha feitos pelas nossas mãos
Vida de Seringueiro
Sou filho do povo/ deste lugar/
Aqui eu nasci/ aqui eu cresci/ e estou a
trabalhar
Tudo que sei/ meu pai me ensinou/
Aprendi com mamãe/ também com vovô
Já fui roceiro/ fui pescador
Tenho orgulho de ser/ seringueiro ôô…
Refrão (bis): Eu sou seringueiro/
seringueiro eu sou
Produzo a borracha/ pro carro do
doutor
Logo bem cedo/ já estou a cortar
Eu vou fazer placas/ e depois defumar
Tenho uma família/ pra sustentar
Pro açúcar e café/ pelo menos vai dar
Refrão: Eu sou seringueiro…
Sei que neste País/ não tenho valor
Mas a minha borracha/ vale muito doutor
Sou mal educado/ não sei nem falar
Mas sei que um dia/ a história vai mudar
Refrão: Eu sou seringueiro…
Marivaldo Ferreira de Oliveira
Comunidade de Solimões, RESEX
Tapajós – Arapiuns
Carimbó da mucura
A mucura formou um conjunto de carimbo para tocar
Ela mesmo tocava no banjo
No tambor era o tamanduá
Quati no saxofone
Porco espinho no ganzá
Depois do conjunto foi formado
Chamaram o urubu somente para cantar
Era assim
Chen chem chem. Urubu já não vale um vintém
O urubu veio aqui para cantar
E não para falar da vida de ninguém
Originais de Peixe-Boi
Além das árvores frutíferas alegrarem nossa barriga, elas também alimentam a nossa imaginação. Sem a riqueza e amizade das plantas, a nossa vida seria muito triste. Veja como é bonito este trecho sobre o buriti :
“…Me deu saudade de algum buritizal,
na ida duma vereda em
capim tem-te que verde, termo da chapada.
Saudades, dessas que respondem ao vento;
saudade dos Gerais.
O Senhor vê: o remôo do vento
nas palmas dos buritis todos,
quando é ameaço de tempestade.
Alguém esquece isso? O vento é verde.
Ai, no intervalo, o senhor pega o
silêncio põe no colo. Eu sou donde eu nasci.
Sou de outros lugares.”
(Grande Sertão: Veredas – João Guimarães Rosa)
_____________
[1] Zannini, I. C. C. 1989
[2] Smith, N. 1999
[3] Adaptado de: Wawzyniak, J. V. 2001
[4] Pozzobon, J. 2003
[5] Labate, B.C. & Araújo, W.S. 2002
[6] Alexiades, M.N. 2002
[7] Gruenwald, J. 1998
[8] Cruz, T.A. 2000
[9] Associação dos Seringueiros e Agricultores da Reserva Extrativista do Alto Juruá. 1998
[10] Mama. 2001
[11] Almeida, A.W.B. 1995
Árvores e palmeiras com capítulos completos
Outras árvores e palmeiras mencionadas neste livro
Animais silvestres mencionados neste livro
This post was published on 25 de novembro de 2015
Evento será no Teatro Gasômetro, em Belém, e mostrará experiências de proteção ao meio ambiente…
Pesquisadoras e pesquisadores do Imazon foram para Florianópolis, em Santa Catarina, para mostrar os principais resultados…
O Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) está com edital aberto para…
Resumo Neste relatório avaliamos a situação da exploração madeireira no estado entre agosto de 2015…
Resumo Os frigoríficos que compram gado da Amazônia têm sido pressionados por campanhas ambientais e…