La Niña do ano passado fez superfície de água do bioma crescer pela primeira vez depois de 12 anos seguidos abaixo da média
Após 12 anos consecutivos com a superfície de água abaixo da média, a Amazônia teve em 2022 o seu primeiro saldo positivo devido à chuvarada provocada pelo fenômeno La Niña. Conforme dados divulgados pela plataforma MapBiomas Água, a Amazônia apresentou no ano passado uma superfície de água de 11,3 milhões de hectares, 13% a mais do que em 2021. Porém, assim como as secas são ruins, o excesso de chuva também, pois inunda cidades gerando prejuízos e riscos às pessoas e também afeta a produção de alimentos.
Além disso, a série histórica dos últimos 38 anos mostra que o bioma está mais seco, o que coloca em risco produções de várzea importantes para a economia regional, como o açaí. Entre 1985 a 2022, a Amazônia viveu 23 anos com superfície de água abaixo da média, 14 anos acima e apenas um ano na média. E o pior cenário de seca ocorreu recentemente, entre 2016 e 2021, quando a superfície de água variou de 8% a 4% abaixo da média.
Outro ponto que chamou a atenção dos pesquisadores durante o monitoramento da água foi a alta variação entre 2021, um ano de seca na maior parte do bioma, e 2022, quando as chuvas superaram as médias. Enquanto em 2021 a superfície de água na Amazônia ficou 4% abaixo da média, em 2022 estava 6% acima. Ou seja: uma oscilação de 11 pontos percentuais entre um ano e outro.
Na prática, populações do bioma tiveram de enfretar problemas como escassez de água e de alimentos e dificuldade de deslocamento em 2021 por causa da seca, como por exemplo na bacia do Rio Acre, que ficou com o menor nível de água desde 2016. Depois, em 2022, os habitantes da Amazônia tiveram de sofrer novamente por causa do clima, mas agora devido às chuvaradas. Em maio de 2022, por exemplo, cheias e alagamentos afetaram mais de 400 mil pessoas no Amazonas, com municípios tendo de decretar situação de emergência. Embora esse tenha sido o saldo geral dos dois últimos anos na Amazônia, em alguns casos esses extremos entre seca e cheias chegaram a ocorrer no mesmo ano.
Desequilíbrio que está relacionado e é agravado pelo aquecimento global. Conforme os últimos relatórios do Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês) da Organização das Nações Unidas (ONU), quanto maior for o aumento da temperatura global, mais o mundo sofrerá com fenômenos climáticos extremos como secas e tempestades. Isso porque eles passarão a ser mais frequentes e mais intensos conforme o Planeta for aquecendo.
“O cenário ideal é o de equilíbrio da superfície de água, ou seja, com ela perto da média. Porém, o que estamos vendo são variações entre períodos de alta e baixa. E é por isso que precisamos urgentemente discutir medidas de mitigação e de adaptação da Amazônia e do Brasil às mudanças climáticas. No caso do bioma, é essencial levar em conta também o quanto a superfície de água é importante para a vida dos povos e comunidades tradicionais, que tiram dos rios e das espécies de várzea grande parte da sua alimentação e geração de renda”, alerta o pesquisador do Imazon Carlos Souza Jr., coordenador técnico do MapBiomas Água.
Além das chuvas, Carlos também salienta que a superfície de água da Amazônia tem sido afetada por obras de infraestrutura, que vão desde as represas em fazendas para irrigação ou para bebedouro dos animais até a construção de hidrelétricas, e pelo uso da terra de forma não sustentável, com o desmatamento inclusive nas margens dos rios. Outro fator preocupante é a contaminação dos rios da Amazônia por mercúrio e rejeitos dos garimpos clandestinos. “Ainda não temos um diagnóstico da qualidade das águas da Amazônia. Além da seca, os rios podem estar poluídos, tornando o problema da escassez ainda maior”, completa Carlos.
Garimpos estão a menos de 1 km de 8% da superfície de água yanomami
A grave crise humanitária vivida pelo povo yanomami também é identificada pelos dados do MapBiomas Água. Conforme a plataforma, 1,6 mil hectares da superfície de água da Terra Indígena Yanomami (8%) estão a pelo menos 1 km de distância de algum garimpo.
“Se olharmos para uma distância ainda menor, de 250 metros de um corpo hídrico, identificamos que 605 hectares da superfície de água do território yanomami estão afetados pelo garimpo, o que corresponde a 3% do total. Essa distância nunca foi tão curta”, explica Bruno Ferreira, também pesquisador do Imazon e do MapBiomas Água.
Segundo ele, é importante salientar também que os impactos do garimpo nas águas vão além dessa distância, já que o mercúrio e outros contaminantes percorrem o curso dos rios e poluem também as águas subterrâneas. “Por isso, além de retirar de forma permanente a operação ilegal de garimpo no território, é preciso realizar diagnósticos de avaliação da qualidade das águas, indicando os pontos próprios e impróprios para o uso. E também adotar medidas de descontaminação e de recuperação dos rios”, conclui Bruno.