SÃO PAULO – O desmatamento no Mato Grosso volta a preocupar os especialistas. Em abril, foram suprimidos 72 quilômetros quadrados de florestas no estado, a maior área de desmatamento detectada pelo levantamento da ONG Imazon na Amazônia Legal no mês passado. Se considerados os últimos dois anos — de maio de 2012 a abril deste ano — o estado colocou abaixo 670 km² de árvores nativas, uma área similar à da metade da cidade do Rio. O alvo dos desmatadores é a parte Norte, que, junto com o Oeste do Pará e o Sudeste do Amazonas, vem sendo alvo de uma corrida de grileiros para a ocupação de terras devolutas e até mesmo unidades de conservação. No caso do Mato Grosso, há ainda a derrubada de árvores em terras particulares a fim de aumentar a fronteira de plantio de grãos. Na Amazônia Legal como um todo, no entanto, a tendência de queda continua.
— Acendeu a luz amarela do desmatamento no Mato Grosso — afirmou o pesquisador do Imazon Adalberto Veríssimo, ao apresentar os números. — Nos últimos anos, caiu a diferença entre o desmatamento registrado no estado e no Pará, que tem quase o dobro de floresta. É preciso lembrar que o Mato Grosso já tem uma grande área desmatada consolidada e que metade de seu território é do bioma Cerrado, fora da Amazônia Legal. Portanto, estamos falando na derrubada de um estoque de floresta que já não é muito expressivo como o do Pará.
Próximos meses serão cruciais
Se comparado com 2013, o desmatamento na Amazônia Legal como um todo teve queda. Entre agosto de 2013 e abril deste ano, a área desmatada foi de 662 km² — uma redução de 58% em relação aos 1.570 km² de floresta suprimida entre agosto de 2012 e abril de 2013. No período, os satélites detectaram 140 km² de desmatamento no Pará, 122 km² em Rondônia e 122 km² no Amazonas. O total de floresta degradada por ação de madeireiras ou queimadas chegou a 407 km².
Segundo Veríssimo, a queda percebida até agora é muito positiva, mas os próximos meses, até julho, quando fecha o calendário do desmatamento, são cruciais, pois aumenta a visualização por satélite na região, permitindo-se obter dados mais precisos. Em abril, enquanto o Mato Grosso estava praticamente sem nuvens, com apenas 12% encobertos, 58% do restante da Amazônia Legal estavam invisíveis aos satélites.
Na avaliação do pesquisador, região de influência da obra de asfaltamento da BR-163, a corrida em direção à floresta continua.
— Há uma ação de grileiros para ocupar terras devolutas nesta região. Os grileiros apostam que a derrubada da floresta cria um fato consumado e que o governo vai acabar aceitando a ocupação não só de terras como, até mesmo, de unidades de conservação — explica Veríssimo. — Em geral, quando a fiscalização chega, os que estão na área desmatada são apenas os “laranjas” (ou testas de ferro dos grandes grileiros).
Veríssimo diz que nas áreas privadas do Mato Grosso, onde a situação estava sob controle, também tem ocorrido desmatamento para produção agrícola futura.
— Nas terras particulares há uma espécie de teste para ver se o governo vai combater o desmatamento ou não. O Brasil não precisa mais desmatar para acomodar a produção de grãos, mas o dono da terra não pensa assim — afirma o pesquisador. — Há uma afronta, um desafio dos desmatadores, e o Ibama tem de fazer um trabalho heroico, com equipes andando dias e dias pelo meio da mata. Se não tiver pulso firme, o desmatamento volta.
Do desmatamento registrado em abril, 101 quilômetros quadrados na Amazônia Legal, 87% estavam em terras privadas, devolutas ou ocupadas por posseiros; 9%, em unidades de conservação; e 4%, em assentamentos da reforma agrária. Das dez cidades que mais desmataram no mês, sete estão no Mato Grosso — Feliz Natal, Nova Maringá e Porto dos Gaúchos lideram a lista
No início do mês, proprietários de terras embargadas por desmatamento ilegal na floresta Amazônica no Mato Grosso foram multados em R$ 500 milhões. Durante a operação Onda Verde, que estava em andamento desde agosto do ano passado, foram mais de 130 mil hectares de terras embargadas, sendo 66 mil hectares somente no Norte do Mato Grosso, resultando em 500 autos de infração. No estado se concentra mais da metade das terras embargadas pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) em todo o país.
Outra preocupação é em relação às investidas para reduzir ou modificar áreas de preservação. A Comissão de Meio Ambiente, Defesa do Consumidor e Fiscalização e Controle (CMA) do Senado fez audiência pública sobre um projeto de lei que divide a Reserva Biológica Nascentes da Serra do Cachimbo, no Sul do Pará, transformando parte dela em Área de Proteção Ambiental, que tem regras mais flexíveis e permite atividades econômicas sustentáveis.
Pela proposta em discussão, a área de proteção integral ficaria com 162 mil hectares, menor do que os 178 mil hectares que seriam flexibilizados.
Um estudo publicado pela revista “Conservation Biology” mostrou que, entre 1981 e 2012, foram feitas 93 alterações em Unidades de Conservação (UCs) no Brasil, o que resultou na perda de proteção legal de 5,2 milhões de hectares, uma área maior que a do Estado do Rio de Janeiro.
No fim de semana, uma ação de ativistas do grupo Greenpeace ocupou a madeireira Pampa Exporações, em Icoaraci, perto de Belém, no Pará, para expor a fragilidade do sistema de controle de madeira na Amazônia.
Segundo o Greenpeace, que realizou uma investigação de dois anos sobre o tema, o atual sistema de controle não apenas é falho, como também alimenta a degradação da floresta e o desmatamento. De acordo com os ativistas, muitas vezes a madeira obtida de forma ilegal e predatória no Brasil é enviada ao exterior e vendida de volta ao país como se fosse legal.
Fonte: O Globo, 20 de maio de 2014.
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