Desmatar, extrair madeira ilegalmente e qualquer crime ambiental dentro de áreas de conservação na Amazônia dificilmente resulta em alguma punição. De 86% dos delitos, a maioria cometidos em território paraense, tornaram-se alvos de ações do Ministério Público Federal (MPF), mas não sofreram nenhum tipo de castigo judicial. O procurador da República Ubiratan Cazetta diz que a raiz do problema está na falta de estrutura de órgãos de fiscalização, como o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e a Polícia Federal.

Um acúmulo de demoras, desde a investigação dos órgãos competentes até o julgamento dos processos, tem deixado livre os criminosos. Mas não apenas isso. Cazetta assinala que também há dificuldade para identificar os reais culpados e até mesmo o local onde estão ocorrendo as infrações. ‘Infelizmente, todos os órgãos fiscalizadores são pequenos em relação ao tamanho do Estado e a quantidade de crimes cometidos dentro do território. A própria prática de grandes operações demonstra que não há um trabalho contínuo para prevenir esses crimes’, observa Cazetta.

Um dos problemas se refere ao início das investigações. Quando o Ibama não consegue coletar dados de forma satisfatória para o inquérito, é preciso acionar a Polícia Federal. Mas a falta de estrutura da PF também configura um obstáculo para finalizar o procedimento investigativo e encaminhá-lo à Justiça. ‘Atualmente, apenas quatro delegados estão trabalhando no combate a crimes ambientais. É pouco para o tamanho do Pará’, aponta Cazetta. Embora encare também como um grande problema, o procurador afirma que a demora no Judiciário acaba sendo uma barreira até menor diante das questões que antecedem a chegada do caso à mãos de um juiz.

DEMORA

“Quando entra na fase judicial, a demora é decorrente de achar as pessoas para as devidas citações, dos prazos regulares e dos recursos previstos em lei. A parte mais complexa, no entanto, é conseguir identificar o crime ambiental dentro das áreas de conservação federal, sempre de difícil acesso, para fazer a denúncia formal à Justiça, destaca Ubiratan Cazetta. Ele diz ainda que hoje é mais fácil para o MPF identificar onde estão ocorrendo delitos, inclusive com a parceria do Instituto do Homem e do Meio ambiente da Amazônia (Imazon), através de imagens de sátelites.

Mas o combate muitas vezes emperra nesta primeira etapa. “Com as imagens de satélite, conseguimos a indicação exata de determinada área de desmatamento. Mas, muitas vezes, a informação que deveria ser um avanço, acaba se tornando um aviso de algo que se está deixando de fazer, porque não temos como checar os crimes ambientais sem estrutura e apoio dos órgãos de fiscalização, como o Ibama e a Polícia Federal.

Processos têm a duração média de 5,5 anos

As estatísticas sobre a falta de punição aos devastadores estão na pesquisa “A impunidade de crimes ambientais em áreas protegidas federais na Amazônia, de autoria dos pesquisadores Paulo Barreto, Elis Araújo e Brenda Brito. Barreto diz que o trabalho é apenas uma amostra dos crimes contra o meio ambiente nas áreas ambientais e alerta que a situação é muito mais grave. Ele ressalta que a duração média das etapas dos processos faz com que os casos se arrastem até 5,5 anos, em média, entre a investigação até a sentença. De acordo com o estudo, 66% dos processos analisados ainda estavam ainda em tramitação; 16% haviam prescrito e 4% tinham sido absolvidos por falta de provas.

O grupo de estudiosos se debruçou sobre as 51 ações judiciais encontradas no MPF, referente a agressões ambientais em áreas de conservação federal. Dos 14% dos casos achados com algum tipo de punição, 4% apontam acordos já cumpridos pelos acusados para evitar o processo ou para suspendê-lo. Nos outros 10%, os infratores ainda estavam cumprindo as penas. Barreto destaca que a demora provoca um outro fênomeno jurídico benéfico a quem ataca as áreas protegidas por lei.

As penas mínimas para delitos ambientais vão de um a dois anos. Caso cheguem a julgamento, se os réus forem punidos de forma branda terão pagado as penas enquanto aguardam a sentença. Paulo Barreto demonstra ainda as consequências da falta de punição. Já são 22,5 mil quilômetros quadrados de desmatamento em unidades de conservação entre 2000 e 2008, principalmente nas áreas próximas a estradas. Para se ter noção da gravidade desses atos, o Imazon destaca que 42% de todo o território da Amazônia brasileira são constituídos de áreas protegidas.

A pesquisa demonstra ainda que a grande maioria dos crimes cometidos levam ou a rubrica de “causar danos a unidade ou “desmatamento ilegal. Em relação ao desmatamento, o pesquisador aponta como problema mais grave a ser enfrentado. Ele diz que os infratores cometem o ilícito e começam a se fixar na área, tornando ainda mais difícil a regularização e a retirada os invasores de dentro das unidades “A fixação é perigosa. Chega um dado momento em que se vai aplicar a lei, e os infratores começam a buscar apoio político e outros formas de permanecer nas áreas, assinala Barreto.

Estudo sugere prevenção como prioridade

O estudo sobre impunidade recomenda que, para reduzir o problema, continuem a ser implementadas medidas já em andamento pelos órgãos fiscalizadores para priorizar a prevenção, uma vez que o Judiciário não tem dado conta de responsabilizar os causadores de danos ambientais. “É necessário sinalizar e demarcar as áreas protegidas para esclarecer seus limites físicos e as proibições de uso, além de investir na sua vigilância por meio de rondas sistemáticas em pontos e épocas críticas, aconselha um dos trechos do estudo.

O Imazon também aponta que o próprio Ministério Público Federal pode contribuir para o aperfeiçoamento do sistema de registro e acompanhamento processual. Com isso, poderão ser discriminados os referentes a crimes ambientais e agilizadas as propostas de ações em áreas prioritárias para a conservação ou mais regiões onde a ameaça seja mais patente. Também poderão ser direcionadas propostas para acordos que visem a reparação ou proteção ambiental, uma vez que a maior parte das penas aplicadas estão desvinculadas da reparação do dano ambiental. O estudo mostra que somente 28,5% obrigam ao infrator alguma forma de compensar as áreas onde o dano foi causado.

Outro ponto para vencer a impunidade, conforme o estudo, é a uniformização da jurisprudência quanto à competência da Justiça Federal para julgar crimes ambientais em imóveis privados em áreas protegidas federais. Há ainda conflito de competências, mas 74% dos acórdãos encontrados no Tribunal Regional Federal da 1ª Região e no Superior Tribunal de Justiça (STJ) aceitam a competência da Justiça Federal para julgar crimes. Porém, “é urgente padronizar essa interpretação majoritária para evitar atrasos desnecessários, orientam os pesquisadores do Imazon.


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