Esta é a principal conclusão de estudo do Imazon e ICV que mapeou a localização de 157 frigoríficos que compram 93% do gado abatido na Amazônia
Em 2009, após sofrerem pressões do Greenpeace e processos do Ministério Público Federal (MPF), frigoríficos do Pará se comprometeram, por meio de Termos de Ajustamento de Conduta (TACs), a comprar apenas de fazendas sem novos desmatamentos. O MPF focou nos frigoríficos porque é crime ambiental comprar de áreas embargadas e pelo fato de que a pecuária para criação de gado é a atividade que mais contribui para o desmatamento da Amazônia, ocupando 65% da área desmatada. O rebanho bovino na Amazônia Legal cresceu de 37 milhões de cabeças (23% do rebanho nacional) em 1995 para 85 milhões em 2016, ou quase 40% do rebanho nacional.
Depois de novos processos do MPF, frigoríficos de outros estados da Amazônia Legal também assinaram TACs. Sete anos após o início dos acordos, pesquisadores do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) e do Instituto Centro de Vida (ICV) foram a campo para avaliar se os frigoríficos podem contribuir para zerar o desmatamento na região. Com base em dados inéditos e na revisão de estudos, o relatório mostra que os acordos avançaram, mas muito ainda precisa ser feito para que o setor contribua efetivamente para ajudar a zerar o desmatamento na Amazônia.
Após mapear onde estão os frigoríficos signatários e não signatários do TAC na Amazônia Legal e quais suas características, o relatório apontou que 110 empresas são responsáveis por 93% dos abates de gado bovino na região. Elas detêm um total de 157 frigoríficos com registros nos Sistemas de Inspeção Estadual (SIE) (que podem vender carne apenas nos estados onde estão localizados) e no Sistema de Inspeção Federal (SIF) (que podem vender em todo o Brasil e, com credenciamento adicional, podem exportar). Considerando os dados de abate de gado do IBGE, essas empresas podem influenciar, direta ou indiretamente, cerca de 390 mil fazendas na Amazônia Legal.
Com base na distância máxima que cada frigorífico pode comprar gado, o estudo estimou as zonas potenciais de compra de cada uma das 157 plantas frigoríficas. Agregando todas as zonas potenciais de compras, os pesquisadores encontraram que 88% das áreas desmatadas e embargadas pelo Ibama e 88% da área desmatada entre 2010 e 2015 (excluindo-se as áreas embargadas) estavam nas zonas potenciais de compras dessas empresas.
Para Paulo Barreto, um dos autores do estudo, “tentar engajar os frigoríficos como aliados contra o desmatamento é uma estratégia inteligente, pois é mais fácil influenciar diretamente o comportamento de 110 empresas frigoríficas que podem ter seus representantes reunidos em um auditório do que mudar a atitude de 390 mil fazendeiros que ocupariam cinco estádios Maracanã”. Ele acrescenta que “os frigoríficos são as principais porteiras entre milhões de consumidores e esses fazendeiros. Se os frigoríficos fecharem as porteiras para o gado criado em fazenda que desmatou ilegalmente, o desmatamento cairá”.
Os frigoríficos mapeados pelos estudo. Os inativos estavam fechados durante o levantamento em 2016.
Os acordos resultaram em alguns avanços, como o aumento do número de fazendas cadastradas no Cadastro Ambiental Rural, uma das exigências das empresas frigoríficas que assinaram o TAC. Entretanto, os acordos ainda não foram suficientes para reduzir de forma sustentada o desmatamento na Amazônia. As taxas anuais de desmatamento caíram entre 2010 e 2012 (7 mil para 4,5 mil quilômetros quadrados), mas atingiram 8 mil quilômetros quadrados em 2016, em um período em que mais empresas haviam assinado os acordos.
O efeito dos acordos tem sido limitado por quatro razões principais, segundo a análise. Primeiro, metade das plantas frigoríficas, responsáveis por cerca de 30% da capacidade de abate na Amazônia Legal, não assinaram os acordos e não há indícios de que elas boicotem as fazendas ilegais. Assim, quando um fazendeiro é boicotado por um frigorífico que respeita o TAC, ele pode vender para um frigorífico sem compromisso com o TAC.
Segundo, mesmo as empresas que assinaram TACs podem estimular o desmatamento, uma vez que a maioria delas não controla os fornecedores indiretos – que são as fazendas que produzem bezerros e novilhos, vendem para as fazendas de engorda, que vendem o boi gordo para os frigoríficos. A JBS é a empresa que está mais exposta ao risco do desmatamento, pois possui 32 plantas frigoríficas na região (das quais 21 estavam ativas em 2016). A empresa, que assinou TAC, verifica o cumprimento das regras pelas fazendas fornecedoras diretas, mas não adota a verificação da origem indireta do gado. A JBS e outras empresas apoiam iniciativas de teste de controle dos fornecedores indiretos, mas falta ampliar o uso desses controles.
Terceiro, depois dos acordos, alguns fazendeiros passaram a burlar os controles dos frigoríficos que assinaram os TACs. Por exemplo, alguns fazendeiros passaram a redesenhar o mapa de suas fazendas no cadastro ambiental para excluir as áreas desmatadas ilegalmente. Essas fraudes foram facilitadas pela demora na realização das auditorias independentes que deveriam ter sido realizadas para verificar o cumprimento dos acordos. Além disso, a falta de divulgação dos dados do transporte de animais (Guia de Trânsito Animal – GTA) entre as fazendas e das fazendas para os frigoríficos dificulta a identificação de gado de origem ilegal.
Quarto, o poder público enfraqueceu as leis ambientais e reduziu a fiscalização, permitindo que frigoríficos continuassem comprando impunemente de áreas desmatadas ilegalmente. Por exemplo, desde a anistia de parte do desmatamento aprovada pelo novo Código Florestal em 2012, a taxa de desmatamento aumentou 75% na Amazônia.
Os pesquisadores apontam soluções. Ritaumaria Pereira, co-autora do relatório, afirma que é importante trazer todos os frigoríficos para o grupo de signatários do TAC. Assim, se eliminaria a competição desleal daqueles sem TAC contra aqueles que assinaram o acordo.
Além disso, Paulo Barreto destaca que é necessário pressionar as empresas a adotarem o controle de todo o rebanho, inclusive dos fornecedores indiretos. Ele lembra que os frigoríficos e fazendeiros são pragmáticos e mudam quando o mercado ou regras críveis demandam mudanças. “Já vimos isso ocorrer no caso do controle da febre aftosa quando era necessário vacinar o gado para abrir mercados. A regra internacional era clara e imutável – a maioria dos países não comprava de áreas sem controle da doença. Assim, o governo brasileiro e o setor privado lançaram um programa nacional que aumentou a vacinação de cerca de 10% para 98% do rebanho. Da mesma forma, plantadores de soja reduziram o desmatamento em suas fazendas por causa da Moratória da Soja.”, afirma.
Os autores avaliam que a pressão sobre os frigoríficos pode vir tanto do setor público quanto do mercado. Em abril de 2017, o Ibama realizou a Operação Carne Fria, que embargou frigoríficos operando no Tocantins, Bahia e Pará, acusados de comprarem de áreas embargadas no sul do Pará. Supermercados que compram de alguns desses frigoríficos têm questionado os frigoríficos para que comprovem que a carne está livre do desmatamento.
Embora os frigoríficos tenham sido desembargados por recursos administrativos e judiciais, o Ibama demandou que os frigoríficos apresentem em 90 dias soluções par evitar a compra de áreas irregulares. Além disso, o Ibama sugeriu ao MPF do Pará a execução das sanções estabelecidas no TAC contra os frigoríficos que descumpriram o acordo. O MPF pode aplicar as sanções extrajudicialmente (sem intervenção de um juiz), o que poderia acelerar a adoção de melhores práticas. Portanto, o efeito da operação no curto prazo dependerá, em grande medida, da decisão do MPF, que informou que está aguardando as manifestações dos frigoríficos para decidir sobre as recomendações do Ibama.
Além disso, 22 empresas que assinaram o TAC no Pará e 12 em Mato Grosso contrataram auditorias independentes. Se o MPF e o mercado punirem os frigoríficos que eventualmente violarem os acordos, as empresas tenderão a fortalecer o controle, inclusive dos fornecedores indiretos.
O jogo contra o desmatamento também pode virar por causa de campanhas ambientais que podem ocorrer a qualquer momento e minar as forças favoráveis ao desmatamento. Por exemplo, o Greenpeace suspendeu as negociações com a JBS sobre o Compromisso Público da Pecuária logo após a operação Carne Fria. Em seguida, também suspendeu a participação no acordo com todas as empresas deste compromisso dada a falta de avanços, a revelação do envolvimento dos sócios controladores da JBS em corrupção e os retrocessos de políticas ambientais.
Outra fonte de pressão podem ser os compromissos e promessas do setor privado ou de iniciativas multi-setorias contra o desmatamento. Por exemplo, Em 2010, o Fórum de Bens de Consumo (Consumers Goods Forum-CGF), composto por grandes corporações internacionais como Unilever, Walmart e MacDonalds, prometeu atingir o desmatamento líquido zero em sua cadeia de suprimentos até 2020. Entretanto, estudos recentes mostram que as promessas internacionais de médio e longo prazo avançaram pouco. Por isso, as críticas sobre esses compromissos têm aumentado e têm surgido iniciativas para monitorar tais compromissos.
Os autores do estudo concluem que o sucesso das promessas e acordos de médio prazo depende de passos ou marcos de implementação mais contundentes no curto prazo – como punições e restrições de mercado se determinadas metas não forem cumpridas. Considerando o histórico de comportamento das empresas do setor, os autores avaliam que sem uma pressão externa clara e permanente, seja do mercado, da sociedade civil ou de agentes públicos, é provável que muitos frigoríficos não assumam compromissos e que os acordos não sejam implementados efetivamente. Neste cenário, milhares de fazendeiros da região continuariam derrubando florestas para criar gado.
O relatório “Os frigoríficos vão ajudar a zerar o desmatamento da Amazônia?”, que apresenta lista das empresas com e sem TAC e mapas de riscos de desmatamento nas potenciais zonas de compra de cada planta frigorífica, já está disponível para download em: http://bit.ly/2sTUz9f
Contatos:
Paulo Barreto – Pesquisador Associado do Imazon– [email protected]
Stefânia Costa – Comunicação Imazon 91 98149-7972 / 91 99144-7044
Ana Paula Valdiones – Analista de Gestão Ambiental do ICV. Disponível em Cuiabá, Mato Grosso [email protected]