Na semana passada, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a Medida Provisória (MP) 458, que trata da regularização fundiária na Amazônia. Por isso, o Amazonia.org.br conversou com três especialistas sobre os impactos da medida. Nas entrevistas, Nilo D´Ávila, do Greenpeace, João Meirelles, do Instituto Peabiru, e Paulo Barreto, do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), deixam claro que a nova norma pode promover ainda mais a grilagem na região amazônica.

Confira o bate-papo abaixo.

Amazonia.org.br – Qual a sua opinião sobre MP 458, sancionada na semana passada?

Nilo D´Ávila – Sou contra a MP num primeiro momento porque é uma MP. Acho que a regularização fundiária é mais do que necessária, mas acredito no processo republicano em que o Legislativo tem uma função fundamental de fazer as leis, de realizar as audiências públicas. Da maneira como ela (a medida) foi transitada, a sociedade não teve espaço para fazer mais nada a não ser protestar. Em segundo lugar, sou contra pelo ponto do texto em que a vistoria não é anterior ao título.

Nunca valeu tanto ou não a palavra de um cidadão brasileiro. Da mesma forma a pessoa que tem o real direito de posse e o especulador irão pedir a regularização. E ali, no balcão, a pessoa que irá fazer esse cadastro não terá a menor possibilidade de julgar isso. Acredito que as pessoas que moram nos grotões, nos confins do Amazonas, que vivem da terra, que moram na terra, não vão ter nem informação, nem acesso ao balcão. A vistoria prévia poderia sanar isso com um agente avaliando do Incra ou do Ibama avaliando in loco se o que o cara declarou no balcão realmente vale.

Outro problema é a falta de licitação publica. As terras da União na Amazônia são um bem público e, pela CF, só poderiam ser disponibilizadas por licitação. Acho que, para até quatro módulos, é aceitável transferir a terra sem licitar, já que o Estatuto da Terra dá uma sobre guarda para isso. Mas, acima disso, você já está beneficiando diretamente grileiros. Não acredito em posse de pessoas que vivam da terra que tenham 1500 hectares.

João Meirelles – É um desastre para a Amazônia. Com isso, vemos que várias conquistas se perdem numa canetada.

Paulo Barreto – Em geral, o Imazon é favorável à regularização fundiária na Amazônia, mas essa MP [458] possui vários instrumentos que são inadequados, que podem ter um efeito negativo, e, no final das contas ela pode incentivar o modelo que nós temos de ocupação: as pessoas ocupam irregularmente – de várias formas- e depois vem uma medida governamental para regularizar isso.

Inclusive, regularizar de forma bastante vantajosa e atrativa. Esse é o principal risco. Por exemplo, ela [a medida] prevê a doação [de terras] até 100 hectares; compra de terras por um preço abaixo do mercado, e dá um prazo muito longo para as pessoas pagarem. Acaba criando vários incentivos.

Alguns têm dito que o governo está regularizando as pessoas que foram atraídas para a região na década de 1970, durante o governo militar. Isso não é verdade porque a medida regulariza de forma facilitada as terras de quem ocupou até novembro de 2004.

Amazonia.org.br- Como você vê os dois vetos a dois pontos do texto da medida feitos por Lula?

Nilo D´Ávila – Lula fez o óbvio. Quanto ao ponto que permitia a concessão de títulos a empresas, uma empresa não pode tomar posse. Para ter uma empresa, você deve ter um endereço ou precisa ter alugado ou propriedade. Que empresa é essa que existe numa posse? Você abre uma empresa em Brasília em 30 dias e, com 700 reais, você tem um CNPJ. Esse ponto da MP era uma porta para a grilagem que foi fechada e nem deveria ter sido aberta. O governo deveria ter trabalhado isso no congresso.

Sobre a posse de prepostos, o espírito da medida é fazer justiça social a quem vive da terra. E a concessão de título de propriedade ao preposto era sinal de que quem seria beneficiado seria alguém que botou um sujeito qualquer lá para tomar conta da terra.

Paulo Barreto – O veto não muda tanto o estrago mais global que a medida pode ter. Claro que os vetos são importantes, mas a medida original é ruim. Foi positivo o veto com relação às empresas, mas a raiz da história, os problemas mais genéricos continuam. Ela vai continuar facilitando a situação irregular.

Amazonia.org.br– A partir de agora, o que deve ser feito para conter a ocupação ilegal da Amazônia e os impactos da MP 458?

Paulo Barreto – Há duas coisas para se fazer: uma delas é a necessidade de cobrar transparência, o zelo pela lei e o responsável por sua implementação. Então, temos que monitorar as ações do ministro Guilherme Cassel [Desenvolvimento Agrário]. O Ministério Público Federal e o Tribunal de Contas da União têm que prestar atenção a isso.

Outra coisa é a necessidade de o governo tomar conta das áreas que são da União. O governo tem que quebrar o padrão histórico de “ocupa que depois será regularizado”, ao tomar conta da área que pode ser invadida nos próximos anos. Para isso, ele tem que fazer outro tipo de regularização que é o de criar e reconhecer as terras indígenas que ainda não foram criadas, criar Unidade de Conservação (UC) onde é preciso, tomar conta das áreas que já foram criadas como UC e que já estão em perigo por causa de invasões etc. É preciso fazer isso, senão, daqui a dez ou 20 anos, haverá a necessidade de outra MP.

João Meirelles – Eu acho que tem que continuar a mobilização porque a medida não se implementa de imediato. Tem uma série de ações que isso vai gerar e que devem ser discutidas, talvez por priorização geográfica e outros critérios. Ainda há essa possibilidade de o MP questionar a legalidade da medida perante o STF. Acho que é uma grande esperança.

Nilo D´Ávila – Continuaremos denunciando o desmatamento na Amazônia. Os cidadãos comuns de Sul, Sudeste, Centro Oeste, e até das cidades dos estados da Amazônia estão observando que agora será só ir até lá que te darão um papel da terra. Estaremos observando se essa medida daqui para frente irá provocar uma corrida de terras à Amazônia e denunciaremos as disparidades no processo.


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