Coordenador do Programa de Monitoramento da Amazônia do Imazon e responsável técnico pela plataforma, pesquisador fala sobre a esperança de ver os dados aplicados em ações efetivas de proteção às florestas em 2023
Em 2022, 80% do desmatamento mapeado pelo Imazon ocorreu em até 4 km do previsto pela PrevisIA, plataforma inovadora que utiliza inteligência artificial para prever as áreas sob maior risco de derrubada na Amazônia. O problema é que a instituição criou a ferramenta justamente para que ela errasse sua previsão.
Se isso ocorresse, significaria que os governos agiram para evitar que a devastação estimada pela ferramenta virasse realidade. Porém, com a redução das fiscalizações e das punições federais a crimes ambientais, o cenário vivido pela Amazônia nos últimos anos foi o de uma quebra consecutiva de recordes nas áreas devastadas.
A partir de 2023, com o ingresso de uma nova gestão no Ministério do Meio Ambiente (MMA), pasta que será novamente comandada por Marina Silva, a promessa é de que o país verá uma política efetiva de combate ao desmatamento. Desafio que não vai ser fácil: conforme a PrevisIA, se o ritmo de devastação seguir o mesmo, a Amazônia deve perder mais 11.805 km² de floresta, área equivalente ao tamanho de 10 cidades do Rio de Janeiro.
Em entrevista, o coordenador do Programa de Monitoramento da Amazônia do Imazon e responsável técnico pela plataforma, Carlos Souza Jr., conta sobre seu surgimento, funcionamento e assertividade. E, também, sobre a esperança que a ferramenta seja usada para evitar o desmatamento em 2023.
Como surgiu a ideia de criar a PrevisIA e quanto tempo durou seu desenvolvimento?
Monitoramos a Amazônia todos os meses com o SAD [Sistema de Alerta de Desmatamento], a partir de imagens de satélites. Porém, quando o satélite registra a remoção da floresta, a vegetação já se foi, juntamente com os serviços ambientais, além de gerar problemas e conflitos sociais. A pergunta que motivou a criação da PrevisIA veio em 2016: é possível gerar modelos de predição de desmatamento de curto prazo, ou seja, para o próximo ano? Isso permitiria se antecipar e previnir a derrubada. Os modelos de predição de desmatamento existentes eram de longo prazo, com previsões para décadas. Precisávamos de uma nova ferramenta que pudesse se antecipar à devastação. Por isso, desenvolvemos um modelo capaz de gerar predições anualmente, que foi publicado na revista científica Spatial Statistics em 2017. Porém, necessitávamos de uma plataforma computacional robusta para colocar esse modelo em operação. Além disso, tínhamos de ter mapas de estradas atualizados, e o mapeamento era feito com interpretação visual, o que demorava muito.
Em 2021, após termos conseguido a capacidade de processamento em nuvens de computadores necessária para rodar o modelo e criado um algoritmo de inteligência artificial para mapear estradas, o que agilizou o processo, lançamos oficialmente a PrevisIA. Isso ocorreu por meio de uma parceria do Imazon com a Microsoft e com o Fundo Vale.
Como funciona o modelo de risco da ferramenta e qual a importância do uso da inteligência artificial?
O modelo de risco da PrevisIA tem dois componentes. O primeiro é baseado em regressões estatísticas com variáveis preditoras que possuem alta correlação com o desmatamento, entre elas o PIB municipal, a densidade populacional, a densidade de infraestrutura de estradas, os assentamentos e as propriedades rurais. Incluímos, também, variáveis que representam barreiras ao desmatamento, entre elas as áreas protegidas [terras indígenas, unidades de conservação e territórios quilimbolas], corpos hídricos e áreas com topografia desfavorável à expansão agrícola, como aclives ou declives acentuados. Esse primeiro componente do modelo explica boa parte do desmatamento. O segundo foca na tendência, pois é preciso estimar o quanto de área será desmatada no próximo ano. Para isso, usamos a série histórica do desmatamento segundo o Prodes [sistema governamental de monitoramento anual da derrubada na Amazônia] e a geoestatística para modelar a correlação da devastação no espaço e no tempo. A ideia central é separar as áreas de fronteira do desmatamento antigas das recentes . Quanto mais recente for a fronteira, maior será o risco de desmatamento das florestas mais próximas.
Assista aqui o lançamento da PrevisIA:
As previsões da plataforma têm se consolidado? Por quê?
Essa é a parte mais importante da pesquisa. Temos que avaliar como o modelo de risco de desmatamento da PrevisIA está acertando e onde está errando. Já temos predições de 2021 e 2022 para avaliar a assertividade do modelo. A primeira avaliação foi feita com dados do SAD. Os resultados apontam que os alertas de derrubada ocorrem principalmente em áreas indicadas na PrevisIA como sob risco alto ou muito alto de devastação.
A assertividade chega em torno 80% num raio de 4 km. Isso é incrível e significa que a PrevisIA pode, sim, contribuir para evitar novos desmatamentos.
No passado, o controle da derrubada era feito embargando municípios inteiros. Agora, com essa tecnologia, é possível embargar regiões mais críticas dentro das cidades. Isso permite que os produtores rurais que tenham suas propriedades regularizadas, tanto na questão fundiária quanto na ambiental, possam desenvolver suas atividades econômicas sem sofrer com o embargo a todo o município. O que é importantíssimo no cenário atual de pressão nacional e internacional cada vez maior para que os produtos agrícolas vindos da Amazônia sejam livres de desmatamento.
A partir desses primeiros resultados de assertividade, vocês farão mudanças na ferramenta para aumentar ainda mais sua precisão? Como isso será feito?
Os resultados iniciais são muito promissores e mostram que a PrevisIA já pode ser usada para priorizar áreas críticas e evitar novos desmatamentos. Além disso, faremos ajustes no modelo a partir dessas análises de assertividade, que são importantes para identificar e caracterizar os erros. Isso permite entender quais são as outras variáveis que têm correlação com o desmatamento, como por exemplo a distância para garimpos e para a exploração de madeira ilegal. Uma vez identificados esses novos vetores da derrubada, vamos incluí-los no modelo da PrevisIA para aprimorarmos a sua assertividade.
A PrevisIA já motivou parcerias do Imazon com Ministérios Públicos Estaduais. Como essa colaboração pode ajudar a prevenir o desmatamento nos estados?
Desde o início do projeto, buscamos um diálogo com os potenciais parceiros e usuários. Conduzimos oficinas para entender as suas demandas e o potencial de uso da PrevisIA. Os primeiros parceiros do projeto foram os Ministérios Públicos dos Estados. Já firmamos parceiras com os MPs do Pará, Amazonas, Acre e Mato Grosso. A inovação é integrar o monitoramento por satélite com mapas de risco de desmatamento da PrevisIA para indicar as áreas prioritárias para controle da derrubada. Foi criado, também, pelos técnicos e promotores estaduais, uma ferramenta para subsidiar as ações de embargo e sanções contra os desmatamentos ilegais.
Os Ministérios Públicos Estaduais possuem mecanismos legais para acessar dados de autorizações de desmatamento e responsabilizar os gestores estaduais por eventuais omissões de suas funções administrativas. Esperamos que as ações já comecem a acontecer em 2023.
Saiba mais sobre a parceria da PrevisIA com os MPs:
Para além dos MPs, como outros órgãos públicos podem usar a ferramenta? Quais vantagens ela oferece para as ações de fiscalização?
Orgãos públicos federais, estaduais e municipais podem usar as informações da PrevisIA para priorizar áreas sob risco de desmatamento no próximo ano em suas ações preventivas, que são menos custosas do que as de repressão. Além de salvar florestas, a prevenção é a base para gerar créditos de carbono por desmatamento evitado. As instituições privadas do agronegócio também podem se beneficiar da PrevisIA, comprando produtos agrícolas de áreas livres de desmatamento. E o setor financeiro, público ou privado, pode evitar investimentos que podem aumentar o risco de derrubada.
Como o senhor gostaria de ver os dados da plataforma sendo usados em 2023?
Gostaria que a PrevisIA fosse usada em 2023 para guiar as ações de prevenção e controle de desmatamento, principalmente pelo governo federal. Gostaria também de ver novas áreas protegidas sendo criadas para evitar futuras derrubadas, principalmente em áreas sob maior risco. E gostaria, ainda, de ver o agronegócio aumentando a sua produtividade em áreas livres de desmatamento. O Brasil já fez isso no passado focando em controle e repressão da destruição da floresta na escala dos municípios.
Agora, graças às tecnologias como a PrevisIA, temos informações mais detalhadas para atuar em áreas críticas com alto risco de desmatamento.
Qual o futuro da PrevisIA? Vocês planejam implementar melhorias na plataforma ou firmar novas parcerias?
O futuro da PrevisIA é contribuir para evitar o desmatamento. E, também, para atrair investimentos livres da destruição da floresta e pagamentos por serviços ambientais relacionados à derrubada evitada. Mas, para isso, a informação precisa ser usada efetivamente pelos órgãos de controle. Em 2023, vamos buscar intensificar as parcerias e implementar melhorias na plataforma para que as informações da PrevisIA possam ser mais úteis para proteger as nossas florestas. Temos planos, inclusive, de expandir a ferramenta para outros países amazônicos. Vamos rodar os primeiros testes na Bolívia, ainda em 2023, e seguir com a sua expansão. Temos a ambição de fazer do futuro sustentável a nossa única previsão.