Falta de acesso aos dados dos estados impede checagem total da legalidade, que só é possível em Mato Grosso e no Pará
Uma área quase três vezes maior do que a cidade de São Paulo teve exploração madeireira na Amazônia entre agosto de 2019 e julho de 2020. E a falta de acesso aos dados sobre as autorizações para o manejo florestal impede a checagem da legalidade dessa exploração na maioria dos estados — só é possível em Mato Grosso e no Pará.
Os dados são de um levantamento inédito realizado pela Rede Simex, integrada por quatro organizações de pesquisa ambiental: Imazon, Idesam, Imaflora e ICV. O mapeamento, baseado em imagens de satélite, identificou 464 mil hectares de exploração madeireira no período, sendo mais da metade apenas em Mato Grosso.
O estado concentrou 236 mil hectares com exploração de madeira, o que corresponde a 50,8% do total mapeado pelos pesquisadores. A segunda maior área explorada foi no Amazonas, de 71 mil hectares (15,3%), e a terceira, em Rondônia, de 69 mil hectares (15%).
“A criação da Rede Simex foi fundamental para expandir o mapeamento, que se concentrava apenas no Pará e Mato Grosso. A rede também conduziu a capacitação de técnicos dos órgãos ambientais estaduais e transferiu a tecnologia de mapeamento para que os estados tenham autonomia. Essas informações vão permitir um diagnóstico mais preciso dos distúrbios na floresta, que vão além do desmatamento, e contribuir para a transparência do setor florestal”, afirma Carlos Souza Jr., pesquisador do Imazon e coordenador-geral da Rede Simex.
Em relação às categorias fundiárias, os pesquisadores identificaram que a maior parte da área explorada foi em imóveis rurais cadastrados, que concentraram 362 mil hectares (78%). Já nos assentamentos rurais foram explorados 19 mil hectares (4%), nos vazios fundiários, 17 mil hectares (4%), e nas terras não destinadas, 12 mil hectares (3%).
“As terras não destinadas são áreas públicas que ainda não tiveram seu uso decretado. Por isso, não têm autorização para serem exploradas e ficam suscetíveis a ações de ilegalidade. Precisamos de políticas públicas que contemplem essa questão”, explica Tayane Carvalho, pesquisadora do Idesam.
Unidades de conservação e terras indígenas tiveram 11% da exploração
Nas áreas protegidas, a exploração madeireira somou mais de 52 mil hectares, o que corresponde a 11% do total mapeado. Especificamente nas unidades de conservação, onde a atividade pode ser autorizada dependendo de sua categoria, foram explorados 28 mil hectares (6%). O Parna dos Campos Amazônicos (AM), unidade de conservação de proteção integral, onde a exploração é proibida, foi a que teve a maior área mapeada, de 9 mil hectares.
Já nas terras indígenas, foram mapeados 24 mil hectares (5%). Os territórios com as maiores áreas exploradas foram Tenharim Marmelos (AM), com 6 mil hectares, Batelão (MT), com 5 mil hectares, e Aripuanã (MT), com 3 mil hectares.
“A alta ocorrência de exploração madeireira no Parna dos Campos Amazônicos e na TI Tenharim Marmelos chama atenção pela sua localização, na tríplice divisa entre Amazonas, Mato Grosso e Rondônia. Uma região que vem sofrendo grande pressão por desmatamento nos últimos anos e, como esses dados mostram, também por exploração madeireira”, comenta Vinicius Silgueiro, coordenador de inteligência territorial do ICV.
Falta de acesso a dados impede análise da ilegalidade
O levantamento envolveu sete dos nove estados da Amazônia Legal: Acre, Amazonas, Amapá, Mato Grosso, Pará, Rondônia e Roraima, que concentram praticamente 100% da produção de madeira. Todos contarão com relatórios específicos em breve.
Devido aos diferentes níveis de disponibilidade de dados de autorizações de planos de manejo nos estados, os pesquisadores não puderam diferenciar a exploração madeireira autorizada da não autorizada para toda a região. Apenas Mato Grosso e Pará possuem processos de transparência que permitem essa análise, que será divulgada nos estudos detalhados para cada estado.
“A transparência é fundamental para qualificar o debate sobre o setor florestal na Amazônia e para combater a madeira ilegal. Enviamos pedidos de acesso aos dados via LAI, a Lei de Acesso à Informação, e temos dialogado com todos os órgãos estaduais de meio ambiente visando a construção de uma agenda positiva e o compartilhamento de conhecimento”, ressalta Leonardo Sobral, gerente florestal do Imaflora.
Após a publicação dos mapeamentos detalhados dos estados, a Rede Simex também lançará um relatório completo sobre a exploração madeireira na Amazônia.
Degradação – A exploração madeireira pode provocar a degradação florestal, que é um dano ambiental diferente do desmatamento. Na degradação, a floresta é continuamente empobrecida por distúrbios, como no caso da retirada de madeira sem planos de manejo. O empobrecimento da floresta ocorre com a redução da biomassa florestal, da biodiversidade e dos estoques de madeira comerciais. Já o desmatamento é quando ocorre o chamado “corte raso”, a remoção completa da vegetação, que pode ser feita com objetivo de converter a área em pastagem, lavoura ou garimpo, por exemplo.
Sobre a Rede Simex – Integrada por pesquisadores do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), do Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável da Amazônia (Idesam), do Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora) e do Instituto Centro de Vida (ICV), foi formada para que o Sistema de Monitoramento da Exploração Madeireira (Simex), que já era realizado no Pará e Mato Grosso, pudesse ser ampliado para outros estados da Amazônia.