Há recursos e territórios disponíveis para remover ocupantes ilegais das UCs, mas faltam ações integradas e uma coordenação eficiente.
Em tempos de escassez de água em Estados do sudeste do Brasil, muitos olhos se voltam para a abundância de água em regiões mais verdes, onde o índice de chuvas e a preservação da vegetação mantêm os mananciais abastecidos. E não é à toa. Mais de um terço da água para consumo humano no Brasil é captada ou vem de rios que se beneficiam da proteção existente em Unidades de Conservação.
Algumas dessas áreas, porém, embora estabelecidas e oficialmente protegidas, sofrem a ação de ocupações irregulares que podem gerar alto impacto ambiental, seja por pessoas que de alguma forma possuem título de propriedade, por ocupantes que já habitavam a área antes do estabelecimento da UC ou até mesmo por invasores.
De acordo com Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), órgão responsável pela gestão das UCs federais, não há recursos suficientes para solucionar o passivo fundiário existente, que demandaria R$1,65 bilhões para a regularização de cerca de 3 milhões de hectares ocupados em unidades na Amazônia – tomando como base o valor médio estipulado pelo Programa Terra Legal para aquisição de terras na região. Essa quantia seria usada para indenizar os ocupantes por benfeitorias realizadas (como construções e plantações) e/ou pela terra desapropriada (se houver título válido).
Segundo o Tribunal de Contas da União (TCU), se o governo federal mantiver a média de gastos com regularização fundiária de UCs registrada entre 2009 e 2012, levará 102 anos para resolver o problema. O risco deste tamanho atraso seria a degradação e extinção de UCS como já vem ocorrendo. Entre 1995 e 2012, governos federal e estaduais reduziram 2,8 milhões de hectares de UC na Amazônia por causa de ocupações.
Já um estudo que o Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) lança hoje argumenta que os custos para regularizar as áreas deveriam ser menores do que estimado pelo governo e que existem recursos para regularizar as áreas ocupadas legitimamente. Para os pesquisadores Elis Araújo e Paulo Barreto, autores do relatório Estratégias e fontes de recursos para proteger as Unidades de Conservação da Amazônia, é necessário realizar um levantamento do real direito sobre a terra que esses ocupantes têm e aí sim calcular o montante necessário para indenização.
Um exemplo fonte de recurso para regularização das UCs seria a venda de terras já ocupadas na Amazônia. De acordo com o Programa Terra Legal do governo federal, existem atualmente na Amazônia 38 milhões de hectares de terras públicas sem destinação definida e que estão sendo doadas ou vendidas a preços abaixo do mercado. Se apenas 8% dessas terras fossem vendidas praticando o valor médio estipulado pelo próprio programa, os recursos sanariam a demanda para regularização em todas as Unidades de Conservação federais amazônicas. Outra fonte de recursos seria a arrecadação efetiva de multas ambientais. De acordo com o TCU, o governo também dispõe de R$15,4 bilhões em multas emitidas entre 2009 e 2013. A arrecadação de 11% desse valor também seria suficiente para acabar com esse passivo fundiário.
O Ministério Público Federal também propõe outras saídas, entre elas a utilização de verbas oriundas de acordos judiciais ou recursos provenientes de Fundos de Meio Ambiente. O ministério também recomendou, em julho de 2014, que promotores se engajassem no tema de regularização fundiária em Unidades de Conservação, demandando do ICMBio o estabelecimento de acordos para retirada dos ocupantes ou, na ausência de destes, iniciando ações contra o órgão e contra os ocupantes.
Entre as recomendações do relatório também está agilidade na execução dos recursos de compensação ambiental que, por lei, devem ser usados prioritariamente na regularização fundiária das UCs.
Outro entrave apontado pelo ICMBio seria a falta de terras para reassentar ocupantes com perfil de beneficiários de projetos de reforma agrária. O estudo do Imazon também questiona esse ponto: de acordo com a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), existem 9,7 milhões de hectares de pastos mal utilizados na Amazônia, o que demonstra o mau uso da terra na região. A baixa produtividade da terra poderia ser combatida com a cobrança efetiva do Imposto Territorial Rural (ITR), que é amplamente sonegado. “De acordo com a lei, quanto maior a propriedade e menor a produtividade do uso do território, mais alto é a alíquota do imposto, o que desestimularia a abertura de áreas para especulação”, afirma o pesquisador Paulo Barreto, que também é co-autor de um estudo lançado no final de 2014 sobre o papel do ITR no combate ao desmatamento. Além disso, o combate efetivo à grilagem de terras públicas iria aumentar a disponibilidade de territórios para o reassentamento.
O Imazon também recomenda monitoramento de áreas críticas, eficácia na fiscalização e punições mais severas para crimes ambientais em Unidades de Conservação, além de estímulos aos Estados que mantém UCs, como formas de reduzir as pressões sobre essas áreas. Segundo Elis Araújo, “as UCs produzem benefícios que vão além dos limites dos Estados e municípios onde estão localizadas. As localidades com as maiores áreas protegidas podem sofrer perdas financeiras decorrentes das restrições de uso. Por isso, é recomendável que haja uma compensação”. É o caso de um projeto de lei complementar no Senado (PLS 53/2000), que propõe que 2% do Fundo de Participação dos Estados sejam redistribuídos às unidades da Federação que tenham UCs e terras indígenas demarcadas em seus territórios.
Elis afirma ainda que existe hoje a possibilidade da Compensação de Reserva Legal em UC como uma solução para retomar os territórios ocupados. “O proprietário de terra que desmatar mais do que o permitido dentro de sua propriedade – desrespeitando a chamada Reserva Legal – pode receber perdão por essa infração se, em troca, comprar algum território ocupado irregularmente dentro de uma UC e doar essa área de volta ao ICMBio”, explica. “Um dano ambiental não pode ser reparado com a perpetuação de outro. O uso desse instrumento deve ser restrito a casos que não resultem em degradação ambiental progressiva”.