Andrea Azevedo, Mario Mantovani e Paulo Barreto
O Brasil apresentará na 21ª Conferência do Clima, em Paris, seu plano de controle de emissões de gases estufa até 2025, a INDC. Ela consiste em um conjunto de medidas e metas para cortar a quantidade dessas substâncias que o país produz, e que acumuladas na atmosfera levam ao aquecimento global.
A INDC brasileira traz alguns avanços – o maior é reconhecer que é necessário descolar o desenvolvimento de um país do aumento de queima de combustíveis fósseis. Porém, questões que tangem as florestas preocupam.
O desmatamento e as queimadas são a principal contribuição brasileira para o efeito estufa. Muita floresta tropical, com muita biomassa, caiu e queimou em décadas de exploração, liberando carbono no ar e, ao mesmo tempo, deixando de absorver o que foi para a atmosfera.
Por isso, quando o país promete “fortalecer o cumprimento do Código Florestal” para atingir o objetivo de reduzir em 37% suas emissões até 2025, com relação a 2005, é preciso pontuar a distância entre intenções e realidade.
Para começo de conversa, zerar o desmatamento ilegal apenas na Amazônia dá a perigosa indicação que a ilegalidade será admitida nos demais biomas. Se o governo federal empreende esforços para legalizar a agropecuária com a nova legislação ambiental, é contraproducente assumir que o desmatamento proibido continuará, ainda que com data para acabar.
Segundo: se o governo tem a intenção real de implantar a lei, é preciso arrumar a casa. O novo código ainda engatinha após três anos e meio em vigor.
Das ferramentas previstas, uma única saiu do papel e de forma parcial. Apenas o primeiro módulo do Cadastro Ambiental Rural (CAR), de registro autodeclaratório, está em funcionamento: em seu segundo ano, tem 60% da área cadastrável do país, com o objetivo de chegar a 100% até maio de 2016.
O módulo de análise do CAR, quando as informações fornecidas pelos produtores rurais são checadas, está em teste. E a terceira fase, que vincula o cadastro a um plano de recuperação ambiental, está em planejamento.
Os estados são responsáveis pela execução do CAR e muitos apresentam fraquezas estruturais, orçamentárias e em alguns casos interesses contraditórios com os objetivos do código. Mesmo em estados com mais adesão, como Mato Grosso e Pará, o CAR não coibiu a emissão de gases estufa pelo desmatamento.
Outro problema são as regulamentações estaduais. Diversas apresentam problemas e são mais permissivas do que a lei federal. Um exemplo é o Rio Grande do Sul: o decreto que a institui foi publicado em junho e contestado um mês depois pelo Ministério Público Federal, que entende que os pampas perderam proteção.
Já no Nordeste, nenhum estado regulamentou o Código Florestal até hoje.
Enquanto isso, no Congresso, parlamentares ligados ao agronegócio querem flexibilizar ainda mais a lei. Em setembro, em votação na Comissão de Meio Ambiente da Câmara dos Deputados, os reservatórios não perderam suas matas ciliares pela diferença de um voto – isso em meio a uma crise hídrica que afeta milhões de brasileiros.
Ruralistas têm dito em suas bases eleitorais que o novo Código Florestal não precisa ser cumprido porque será mudado novamente. Os produtores, em busca de respostas, olham para o poder Executivo e, ao observar a demora na implementação da lei, começam a acreditar na fala dos ilustres parlamentares.
Considerando que a administração federal consiga resolver essas questões, ainda há outras a serem olhadas. A recuperação dos passivos ambientais é um dos maiores objetivos do Código Florestal, mas nada caminhou até o momento. E isso que a INDC contempla “restaurar e reflorestar 12 milhões de hectares de florestas até 2030”.
O Código Florestal permite que a restauração seja feita com espécies nativas e exóticas. Esse caminho, se escolhido, impacta o balanço de carbono, ponto fundamental no combate às mudanças climáticas. A floresta amazônica contém, em média, 150 toneladas de carbono por hectare. Já uma floresta de eucalipto tem cerca de um terço disso. Isso sem contar a perda de biodiversidade e demais serviços ambientais.
Já deixar cortar para depois restaurar não faz sentido. Primeiro: é preciso quatro hectares de floresta secundária com 20 anos para se obter tanto carbono quanto há em um hectare de floresta nativa; segundo, restaurar um hectare de floresta amazônica pode custar mais do que o valor da própria terra; e terceiro, um hectare de floresta secundária com 20 anos pode ter a mesma quantidade de espécies que a original, mas com composição diferente.
Outra questão: calcula-se que o Código Florestal permitiria até 88 milhões de ha de desmatamento legal no país. Um caminho para evitar esse cenário é a intensificação da pecuária via Plano de Agricultura de Baixo Carbono (Plano ABC), que poderia liberar cerca de 40 milhões de ha de áreas agricultáveis só na Amazônia, somada a uma política de crédito que estimule a produção nesses espaços.
Outro mecanismo previsto na lei, a cota de reserva ambiental (CRA), poderia ajudar a manter a floresta. A CRA consiste na compra de excedentes florestais de quem preservou por quem desmatou além do permitido pela lei. Acontece que ela ainda não foi criada e, dependendo de suas regras, pode estimular o desmatamento em vez da preservação.
Implantar o novo Código Florestal para preservar o que existe é essencial para reduzir as emissões de carbono: caso seguido à risca, ele promoverá a manutenção de 189 milhões de hectares, além da recuperação de 21 milhões de hectares de vegetação nativa. Isso significa retirar da atmosfera até 9 gigatoneladas CO2e só com restauração, equivalente a cinco anos de emissões do Brasil em 2013. Por isso, vinculá-lo aos compromissos brasileiros no enfrentamento às mudanças climáticas é um passo decisivo e acertado.
Porém, a nova lei deve ser cumprida, e o maior impulso para isso acontecer precisa partir no governo, com diretrizes de execução mais claras. Se o processo não começar agora, em dez anos o Brasil não será capaz de entregar o que promete.
Artigo originalmente publicado no jornal Valor Econômico em 9 de novembro de 2015.