As novas usinas hidrelétricas, a perspectiva de mudanças no Código Florestal e a falta de destinação adequada às florestas públicas por parte do governo federal estão por trás do atual cenário de desmatamento na Amazônia – que cresceu 9% nos últimos doze meses, de acordo com o Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon). À frente do instituto – que faz o monitoramento paralelo do desmatamento na região -, está o engenheiro agrônomo Beto Veríssimo. Ele é pesquisador sênior do Imazon e mestre em Ecologia pela Universidade Estadual da Pensilvânia (EUA). Nesta entrevista exclusiva, ele aponta as contradições entre o que o governo fala sobre a política federal de combate ao desmatamento e o que está acontecendo na prática. Boa Leitura!


O aumento de 9% no índice de desmatamento na Amazônia nos últimos dozes meses chegou a assustar?

Estamos fechando o ano com o aumento de 9% no desmatamento na região e isso mostra que houve uma reversão de uma tendência que apontava para baixo nos números dos dois últimos anos. Isso nos deixou em alerta. Esse aumento de 9% é preocupante, mas ainda não está fora do controle. Se houver um esforço, é possível voltar ao padrão de desmatamento anterior.

O que motivou essa reversão?

O desmatamento relacionado aos empreendimentos hidrelétricos do rio Madeira, em Rondônia, na área de influência das usinas de Jirau e Santo Antônio, ajudou a puxar o índice pra cima. No Mato Grosso, houve mudança na legislação estadual, com flexibilização do zoneamento, conjugada à sinalização de anistia com a aprovação do projeto do Código Florestal, na Câmara dos Deputados, fazendo o desmatamento no estado subir de modo expressivo. Felizmente, no Pará houve uma queda forte, o que neutralizou o aumento explosivo nos outros dois estados.

E o que fez o Pará para reduzir seus índices?

O principal fator foi a ação do Ministério Público com a campanha Carne Legal, que ajudou a balizar o fluxo do desmatamento no estado. Houve ações fortes na Justiça contra a carne de origem em desmatamentos ilegais. Isso obrigou os frigoríficos e supermercados a procurarem um acordo e uma das cláusulas é zerar o desmatamento. Tem ainda a iniciativa que começou em Paragominas com os Municípios Verdes. Hoje, são cerca de 80 municípios que aderiram – pelo menos no papel – ao pacto pela redução do desmatamento.

E de onde veem os principais sinais de alerta neste momento?

As obras de infraestrutura, sobretudo as hidrelétricas, estão se revelando importantes agentes e fatores do desmatamento na Amazônia. Apesar do discurso do governo de que elas estão sendo feitas com todos os cuidados, com estudos prévios e mitigações, isso na prática não está acontecendo. O desmatamento está subindo nas áreas desses empreendimentos. Em Altamira, o desmatamento está crescendo onde será feito o reservatório de Belo Monte. Além disso, existe ainda a perspectiva de mudança na legislação federal, com a alteração do Código Florestal, que pode sinalizar anistia aos desmatadores ilegais, incentivando novas derrubadas. Este é um sinal ruim e está se refletindo no comportamento dos agentes no campo. Em terceiro lugar, não houve avanço nos últimos anos na destinação das florestas públicas. Tem muita área que está na mão do governo e que os grileiros e ocupantes ilegais estão partindo para cima. Até o final do governo Lula havia um processo de criação de áreas protegidas e UCs. Isso diminuiu muito no final do governo Lula e agora cessou completamente.

E por que parou?

Muitos empreendimentos hidrelétricos estão em torno de áreas que seriam destinadas a unidades de conservação, então o governo deve estar imaginando que essas unidades sejam um obstáculo aos reservatórios e hidrelétricas, quando não são. As unidades de conservação são uma maneira de proteger esses empreendimentos. Há ainda os interesses minerais que inibem o governo, fazendo com que o ministério de Minas e Energia e as mineradoras considerem as áreas protegidas um empecilho. Em alguns casos, acho até que seja possível a exploração mineral em unidades de conservação, desde que se tenha um marco regulatório para isso. E a indefinição no marco regulatório está inibindo a criação de novas unidades. Não tem uma liderança no governo que puxe essa agenda.

O ministério do Meio Ambiente não tem sido capaz?

A ministra tem perdido todas as batalhas e isso preocupa.

E a MP que reduziu duas unidades de conservação na Amazônia?

Um retrocesso. Note que, até então, o processo de desafetação de unidades de conservação era feito pelo Legislativo e, agora, o Executivo é quem está definindo as regras. Isso revela que há um impasse no governo em relação às unidades de conservação, as hidrelétricas e a mineração. Há uma visão de que unidades de conservação sejam obstáculos a serem removidos. Ao contrário, elas deviam ser parte da solução. Esse debate tem de estar na agenda de soluções. O governo precisa voltar a criar unidades de conservação, discutir o marco regulatório dessas unidades para permitir, eventualmente, que para as hidrelétricas que vierem a ser aprovadas, as unidades de conservação funcionem como um tampão no processo do desmatamento.

Fonte -Fórum Amazônia Sustentável (29.08.2011)


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