Ambiente-Pesquisador diz que ponto de ruptura para a floresta é desmatamento de 30% — ele já está em 15%

O agrônomo Adalberto Veríssimo voltou terça à noite de Paragominas, a 300 km de Belém, onde mora, depois de encontrar uma dúzia de prefeitos locais. Queriam saber como é que se faz para parar o desmatamento e andar na trilha da legalidade. Reclamaram que estão perdendo negócios porque os compradores não aceitam mais que se desmate para produzir carne ou soja.

Um líder pecuarista chegou a sugerir que se mande prender quem insistir na derrubada. Mesmo que ninguém ali tenha tido uma paixão súbita pelo ambientalismo e estejam todos buscando salvar basicamente o próprio bolso, perseguem a mesma meta domais radical dos verdes—desmatamento zero na Amazônia.

O movimento seria impensável na Paragominas de 20 anos atrás, uma terra sem lei conhecida pela fúria das motosserras. Foi nesta época que Veríssimo e outros três pesquisadores fundaram, em Belém, a instituição de pesquisa que é hoje referência nos estudos da Amazônia, o Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia, Imazon. Não é uma ONG típica nem um instituto de pesquisa governamental. Os trabalhos dos 20 pesquisadores são financiados por um mix de fontes e os recursos podem vir de projetos com a União Europeia, de fundações dos Estados Unidos, do governo brasileiro.O Banco Mundial, em relatório recente, definiu o Imazon como um “think-and-do tank, um centro avançado do conhecimento que também põe a mão na massa. A massa, no caso, é sempre a Amazônia, a floresta que, reforça Veríssimo, o Brasil tem pouco tempo para salvar. “Não precisa chegar a 100 graus no termômetro para alguém morrer, diz. “Com 43 graus já era, não é?.No caso da floresta, o ponto de ruptura é um desmatamento de 30%. “Neste ritmo temos só mais 15 a 20 anos.

Vinte anos depois de chegar à Amazônia, Veríssimo, que é paraibano e viveu no Ceará, vê uma história que sempre se repete. É a dinâmica do boom-colapso, o ciclo econômico onde a floresta finan-cia sua própria destruição e não produz bem-estar social, ao contrário. “É hora de pensar grande,diz, lembrando que a Amazônia precisará de investimentos robus- tos para sair desta armadilha e mudar a história para algo de futuro e de baixa emissão de carbono.Há claro, vários obstáculos. Um deles é que “Brasília entende muito pouco de Amazônia, que anda junto com “o governo não temum plano de desenvolvimento econômico para a região. Nesta entrevista ele menciona nós crônicos, como a caótica situação fundiária e o debate pela revisão do Código Florestal, e agudos, como o temerário projeto de pavimentar a BR-319,que liga Manaus a Porto Velho. Veja a seguir trechos da entrevista:

Valor: Quanto já perdemos da Amazônia?

Adalberto Veríssimo: A área de influência da chamada Grande Amazônia é 8 milhões de km2, dos quais 5 milhões de km2 estão no Brasil. Mas 3 milhões não estão e boa parte das cabeceiras dos principais formadores da bacia amazônica fica fora do Brasil. Já perdemos 15% da Amazônia, perto de 900 mil km2. É uma área do tamanho da Venezuela. Obviamente o problema ambiental está mais do lado brasileiro: o grosso disto, cerca de 730 mil km2, foram perdidos no Brasil. Corresponde a duas ve-es o Estado de São Paulo mais Paraná e Santa Catarina. E não incluímos nestes dados a degradação.

Valor: É só desmatamento?

Veríssimo: Sim, só corte raso.Apenas a soma de áreas onde não sobraram árvores, só os tocos no chão. Do lado brasileiro já temos aí 17% de desmatamento. Sobram 83% de florestas no Brasil mas parte já foi degradada.

Valor: Quanto está degradado?

Veríssimo: Ninguém sabe ao certo, talvez uns 20%. São áreas ainda com florestas, mas onde já foi tirada madeira. Existem florestas pouco mexidas onde tiraram uma ou duas árvores por hectare e não voltaram. Um leigo que entrar ali vai achar que é uma floresta intacta.Mas quando se entra em uma área com degradação severa encontram-se muitos galhos no chão, árvores caídas e clareiras. Geralmente evolui para a próxima etapa até ser quase uma floresta morta. A degradação é um ciclo.

Valor: Como funciona?


Veríssimo: Começa com a retirada do que se chama de “filé da floresta, as madeiras de valor. Depois tiram as madeiras vermelhas e, finalmente, as brancas. O fogo também aparece porque estas áreas de exploração madeireira estão ao lado de pastagens. A mata intacta é imune ao fogo, resiste muito, mas começa a degradar e vira sensível.Vão ficando galhos secos e aberturas que permitem a entrada do sol.O ambiente resseca, a floresta fica circundada por pastos e cria-se um ambiente muito perigoso. Quando já está meio moribunda, vem o golpe final que destrói o que sobrou. Esforços de fiscalização podem ser orientados para deter o processo no início. Monitorar a degradação é fundamental porque o desmatamento é como um câncer, se instala aos poucos.

Valor: O que é o fogo rasteiro?

Veríssimo: É o que entra na floresta e não chega a subir pelas árvores. Ninguém acredita que tem um fogo consumindo a floresta por dentro. Ele mata as raízes e o berçário das plantas, queima a próxima geração da mata. Para o satélite, aquela floresta continua OK, o satélite não enxerga. No ano seguinte o fogo tende a voltar porque a área fica seca e a cada vez degrada mais a floresta.

Valor: Quanto se desmata e quanto se produz de madeira?

Veríssimo: Por ano se extraem da Amazônia cerca de 24 milhões de metros cúbicos de tora. Isso dá 6 milhões de árvores. A conta final é que na extração de 6 milhões de árvores danificam-se outras 4 milhões. Quando se derruba uma árvore na floresta, derrubam-se outras e machucam-se muitas. O cálculo mais conservador é que de cada 4 árvores destruídas, apenas uma vira de fato móvel, piso ou forro. Outras viram carvão, pó de serra ou galhos que ficam por lá.

Valor: E o manejo, avança?

Veríssimo: Precisamos transformar o manejo, que é exceção, na regra. A produção de madeira manejada na Amazônia representa 10% ou 15%, no máximo, do volume. O problema é que a oferta de áreas legalizadas é muito tímida, a demanda de madeira continua, o setor que opera na clandestinidade cresce nesta crise e quem é responsável sofre pra caramba. Estas são as contradições. É uma questão de política, o grande dilema da Amazônia para qualquer atividade é o caos fundiário.

Valor: Como está este caos?

Veríssimo: Temos 53% do território da Amazônia Legal sem uma definição clara de quem é o dono. Os outros 47% são, basicamente, 43% de áreas protegidas e um pouco de títulos privados. Tem uma grande caixa preta de quem é quem nesta área fundiária e a disputa da terra é um motor do desmatamento. Só que para fazer manejo, reflorestamento, intensificar a agropecuária tem que ter título.

Valor: Qual o risco das mudanças na revisão do Código Florestal?

Veríssimo: Temos um problema no Brasil que é o seguinte: Brasília entende muito pouco de Amazônia. Geralmente o que sai de Brasília são fórmulas genéricas de aplicação para o território todo e a Amazônia é muito heterogênea. O jeito que a bancada ruralista resolveu este movimento é sempre tentar uma permissão para desmatar mais. O Brasil precisa primeiro concluir o zoneamento econômico-ecológico, que tinha que ter sido feito há muito tempo e é a base técnica para se ver onde serão aqueles 20% do território que a gente deve alocar para uso agropecuário, energético, de reflorestamento ou ocupação humana.

Valor: Como assim?

Veríssimo: Caiu a ficha que é importante pactuar em torno do zoneamento, é um pacto político Precisa primeiro fazer o zoneamento antes de se discutir a flexibilização da reserva legal. Ou seja em algumas áreas da Amazônia vamos ter 100% de floresta, em outras vai ser 80% e em outras, 50%.Em áreas que já tenham ocupação muito expressiva, por exemplo, fazem mais sentido intensificar aquilo que já foi ocupado e evitar que se avance sobre as florestas remanescentes. E também está ficando claro que o limite da ocupação na Amazônia e o limite do desmatamento estão próximos.

Valor: Qual é o ponto de não retorno da floresta amazônica?

Veríssimo: Já temos talvez uns 40% do território da Amazônia desmatado ou severamente empobrecido. Isso nos obriga a ter uma visão bem pragmática e de curto prazo, ou seja, nos próximos 3 ou 4 anos precisamos parar o desmatamento da Amazônia, reduzir ao máximo a exploração madeireira predatória e colocar no lugar uma economia que tira recurso da floresta sem afetar a saúde da Amazônia. Não nos sobra muito tempo.

Valor: Por que a urgência?

Veríssimo: Porque não precisa chegar a 100 graus no termômetro para alguém morrer. Geralmente com 43 graus já era, não é? Em relação à Amazônia, com o que desmatamos e o que se degradou, já estamos em uma zona perigosa. Os cientistas que trabalham com modelagem climática estimam o ponto de ruptura em torno a 30%. Isto quer dizer que quando o desmatamento chegar na casa dos 30%,mesmo que a gente pare, mesmo que decidamos por uma moratória, a floresta vai entrar em um processo irreversível de destruição.Metade da chuva da Amazônia vem da própria floresta, a floresta depende de chuva… Este 30% não é um número que se tirou da cartola, mas que vem das pesquisas. Não estamos muito longe deste ponto de ruptura, neste ritmo de desmatamento temos só 15 a 20 anos.

Valor: Como se para o desmate?

Veríssimo: Veja o que ocorreu em Tailândia, onde o governo entrou forte com a repressão e acabou com a atividade predatória. O problema é que não ofereceu nenhuma alternativa econômica e se criou um município com desemprego altíssimo, delinquência, alcoolismo. É o combate ao desmatamento feito com custo social dramático, se multiplicar isso na Amazônia veremos tragédias. O confisco de madeira que vimos em Tailândia e gerou aquela confusão toda correspondia a 0,01% da madeira ilegal que opera na Amazônia. Imagina o que vai ser confiscar o grosso da coisa. E o governo federal não tem um Plano B.

Veja a íntegra da entrevista em www.valor.com.br


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