A floresta amazônica é pródiga em bens e serviços para a humanidade. Para os moradores do interior da Amazônia a mata é principalmente um santuário de frutas, plantas medicinais, animais e madeira para uso local. Para quem reside nas cidades grandes da Amazônia como Macapá, a floresta está presente, ainda que indiretamente, em toda parte: nas madeiras utilizadas nas construções, nas frutas utilizadas na culinária regional, nos óleos e remédios comercializados nas feiras e farmácias. Mesmo para as pessoas que moram em outros países e continentes, a floresta amazônica oferece serviços essenciais como a regulação do clima global.
Porém, a floresta não está sendo valorizada de forma adequada. A utilização dos recursos florestais ainda é largamente predatória. Os preços dos produtos oriundos da floresta não são suficientemente valorizados. Além disso, a repartição dos benefícios econômicos derivados do uso da floresta ainda é desigual. Entretanto, há ações concretas em curso para reverter essa situação. O Governo do Amapá, por exemplo, estabeleceu um programa de utilização da castanha-do-Brasil na merenda escolar nas escolas públicas do Estado.
Um grande desafio ao uso sustentável da floresta é a exploração madeireira. Se essa atividade for conduzida de forma manejada, ela será capaz de conciliar desenvolvimento e conservação. Na Amazônia, porém, a exploração madeireira tem sido amplamente realizada de forma desordenada e predatória. Entretanto, há fatos que estão contribuindo para o uso racional do recurso madeireiro. Primeiro, os consumidores estão cada vez mais conscientes, procurando saber sobre a origem da madeira (se ela é manejada ou não). Além disso, existe um amadurecimento do conhecimento científico e das técnicas de manejo florestal. Finalmente, há um número crescente de extrativistas, pequenos produtores, povos indígenas e empresários realizando experiências piloto de uso sustentável dos recursos madeireiros.
Foi a partir desse contexto que nasceu a idéia do Governo do Estado do Amapá, através da Secretaria de Agricultura, Pesca, Floresta e Abastecimento (Seaf), de avaliar a situação atual e elaborar um programa para o desenvolvimento sustentável do setor madeireiro no Estado. Os resultados da primeira fase desse trabalho estão, a partir de agora, disponíveis no livro O Setor Madeireiro no Amapá: Situação Atual e Perspectivas para o Desenvolvimento Sustentável.
O livro documenta através de um amplo levantamento de campo a situação atual da exploração madeireira no Amapá. O livro discorre de maneira descritiva e quantitativa sobre como os agentes econômicos e grupos sociais exploram, transportam, processam e comercializam os produtos madeireiros no Estado. Em síntese, os autores revelam que o setor madeireiro do Estado encontra-se ainda em um estágio inicial de desenvolvimento quanto à tecnologia empregada, renda e emprego. Entretanto, ao invés de fornecer apenas mais um relato da situação atual, a segunda parte do estudo apresenta uma série de sugestões concretas e bem documentadas para a solução das questões madeireiras no Estado.
Em termos específicos, os autores propõem a definição das áreas de uso madeireiro, elaboração de políticas públicas de apoio ao manejo florestal, estabelecimento de reservas estaduais para a produção madeireira, formação de recursos humanos, reformulação do sistema de monitoramento e controle da atividade de madeira e, finalmente, uma política de comercialização baseada na certificação florestal para a abertura de mercados ambientalmente sensíveis na Europa, Estados Unidos e Centro-Sul do Brasil.
Este livro é único, não apenas pelo seu conteúdo, mas pelo pioneirismo, visão estratégica e soluções concretas para o desenvolvimento do setor florestal do Amapá. Serve como uma bússola para nos guiar na travessia difícil, porém absolutamente necessária em direção a um desenvolvimento sustentável do nosso Estado.
João Alberto Rodrigues Capiberibe
Governador do Estado do Amapá
Em 1998, o Governo do Estado do Amapá, através da Secretaria de Agricultura, Pesca, Floresta e Abastecimento (Seaf) encomendou ao Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) um estudo sobre o setor madeireiro do Estado. O objetivo do estudo era realizar um diagnóstico da exploração, processamento e comercialização de madeiras, bem como elaborar um conjunto de propostas para apoiar o desenvolvimento sustentável dessa atividade no Estado.
O estudo foi realizado de forma participativa e contou com a liderança de uma equipe mista composta de pesquisadores do Imazon e técnicos da Seaf. Inicialmente foi realizado um seminário público em junho de 1998, com a finalidade de apresentar um panorama da exploração madeireira na Amazônia e discutir as oportunidades de um estudo sobre o setor madeireiro no Amapá. Esse seminário foi realizado na Federação das Indústrias do Estado e contou com a presença de aproximadamente 50 pessoas.
Em seguida, técnicos da Seaf e do Imazon realizaram o levantamento de campo no período de junho a agosto de 1998. Com base nos dados de campo e na revisão da literatura do setor florestal, redigiu-se uma versão preliminar do estudo para ser apreciada por técnicos de outras instituições como Secretaria de Meio Ambiente (Sema), Secretaria de Planejamento (Seplan), Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), Instituto de Pesquisas Científicas e Tecnológicas do Amapá (Iepa), Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) etc. As sugestões e críticas ao documento foram coletadas durante uma reunião técnica em novembro de 1998.
Finalmente, a versão pré-final do documento foi elaborada e apresentada em um amplo seminário realizado em Macapá no início de maio de 1999. O seminário Situação e Perspectivas para o Setor Madeireiro do Amapá reuniu aproximadamente 150 pessoas entre técnicos de órgãos do Estado (Embrapa, Seplan, Sema, Iepa, Rurap, Ibama, Batalhão Florestal), empresários locais, Organizações Não-Governamentais (Instituto Socioambiental, Amigos da Terra, Imaflora), agências financeiras e de cooperação (Banco Mundial, Banco da Amazônia, Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico Social, Agência Norte-Americana de Cooperação Internacional), Universidade de São Paulo (USP) e representantes do Ministério do Meio Ambiente e Governo do Acre.
Procuramos incorporar no texto final a maioria dos comentários e críticas feitos durante os seminários e reuniões. Só não foi possível inserir aquelas sugestões que, embora relevantes, não correspondiam ao escopo definido pelo estudo.
O livro está organizado em duas partes. Inicialmente, apresentamos os resultados do diagnóstico sobre o setor madeireiro do Estado do Amapá. Em seguida, descrevemos uma série de iniciativas a serem consideradas pelo governo para o desenvolvimento de um setor florestal sustentável no Estado.
Muitas pessoas contribuíram para a realização deste estudo com comentários e sugestões. Agradecemos especialmente a Jorge Araújo de Sousa Lima (Embrapa), Silas Mochiutti (Embrapa), José Antônio Leite de Queiroz (Embrapa), Cláudio Roberto Baptistão (Rurap), Antônio Cláudio Almeida de Carvalho (Sema), Nazir de Melo Salman (Ibama), Gilda Ferreira Pereira (Seaf), Sílvia Maria Lopes Meirelles (Seaf), Carlos Alberto Vasconcelos da Nóbrega (Seaf), Sueli Gomes Pontes dos Santos (Seaf), Luís Arlindo Correia (Federação das Indústrias do Amapá), Arnaldo Biancheptti (Embrapa) e Fernando Antônio Matias Pereira (Seaf), e Paulo Amaral (Imazon). Gostaríamos também de agradecer a Elson Vidal e Sandro Corrêa (Imazon) pelo apoio administrativo à realização desse estudo.
O Estado do Amapá (143.453 km²) é rico em florestas de valor madeireiro. Entretanto, a atividade madeireira tem uma participação modesta na economia do Estado. Em 1998, havia 66 madeireiras de pequeno porte em funcionamento; 51 estavam localizadas na região de várzea e 15 na terra firme. Naquele ano, essas serrarias reunidas consumiram aproximadamente 140.000 m³ de madeira em tora e produziram 47.000 m³ de madeira processada. A produção do Amapá representa apenas 0,5% da madeira processada na Amazônia Legal.
A margem de lucro das madeireiras localizadas no Amapá é similar à observada em outras regiões da Amazônia (em torno de 15%). A renda bruta gerada por este setor foi estimada em R$ 7,6 milhões (0,5% da renda total da Amazônia). A eficiência no processamento é baixa, oscilando de 28% a 35%, ou seja, são necessários até 3,5 m³ de madeira em tora para produzir 1 m³ de madeira serrada.
O Amapá possui uma situação vantajosa para o estabelecimento de um programa efetivo de desenvolvimento sustentado para o setor florestal. Primeiro, o Estado conserva 99% de sua cobertura florestal original. Segundo, a pressão demográfica sobre os recursos naturais é reduzida. Terceiro, o Estado tem uma posição geográfica estratégica na foz do Amazonas com amplas possibilidades de atingir mercados ambientalmente sensíveis, como é o caso da União Européia. Finalmente, há um interesse explícito do Governo do Estado em desenvolver, em bases sustentáveis, o setor florestal.
Para promover o desenvolvimento sustentado do setor madeireiro é necessário estabelecer uma política florestal que inclua o zoneamento florestal do Estado, incentivo à adoção do manejo florestal privado e comunitário, capacitação de técnicos e mão-de-obra local, fortalecimento do sistema de monitoramento e controle, criação de Florestas Estaduais de Produção (isto é, Unidades de Conservação passíveis de exploração madeireira sob regime de manejo sustentado), assistência técnica, crédito e infra-estrutura básica (em especial, energia e sistema portuário) para o melhor aproveitamento industrial da madeira.
Os recursos florestais da Amazônia são caracterizados pela enorme diversidade florística e elevado potencial de aproveitamento econômico. A partir do século XVI até a metade do século XX, a exploração concentrou-se em produtos florestais não-madeireiros (castanha, borracha, raízes aromáticas, sementes oleaginosas etc.) e madeiras nobres. Entretanto, a partir da década de 70, com a abertura das estradas ligando a Amazônia ao restante do País, a exploração madeireira ganhou impulso. Em três décadas a participação da Amazônia na produção nacional de madeira em tora passou de 4,5 milhões (14% do País), em 1976, para 28 milhões em 1998 (80%) (Veríssimo & Lima,1999).
A exploração de madeira da Amazônia contribui para a liderança do Brasil na produção e consumo mundial de madeira em tora[1]. Atualmente, a maioria (86%) da madeira extraída na Amazônia é consumida no mercado interno, enquanto apenas 14% são exportados (Veríssimo & Smeraldi, 1999).
Em 1997, a renda bruta gerada pelo setor madeireiro na Amazônia ficou em torno de US$ 2,2 bilhões (Veríssimo & Lima, 1999). Esse setor representa 15% a 20% do Produto Interno Bruto (PIB) dos Estados de Rondônia, Pará e Mato Grosso. A atividade madeireira emprega aproximadamente 5% da população economicamente ativa da região (Veríssimo & Lima, 1999). Entretanto, a qualidade desses empregos é baixa e os riscos de acidentes de trabalho são elevados, especialmente durante o corte e arraste de árvores na floresta.
A exploração madeireira na Amazônia é feita largamente de forma predatória, provocando danos significativos às florestas; pressão excessiva sobre algumas espécies madeireiras (por exemplo, mogno, virola, pau amarelo e acapu); e aumento da propensão a incêndios florestais e à invasão de cipós (Uhl & Kauffman, 1990; Veríssimo et al., 1992). Além disso, a atividade madeireira contribui indiretamente para o desmatamento regional. Atualmente são os madeireiros que, na maioria das vezes, constroem e mantêm estradas de acesso às florestas. O estabelecimento dessas estradas geralmente conduz à colonização espontânea por pequenos agricultores e fazendeiros (Veríssimo et al., 1995).
A exploração madeireira, entretanto, pode ser conduzida de forma racional. A adoção de práticas de manejo florestal é capaz de manter a estrutura e a composição florística da mata. O manejo garante a produção de madeira, reduz os danos e os desperdícios da exploração e diminui drasticamente os acidentes de trabalho. Além disso, assegura a conservação dos recursos naturais, mantendo desta forma os serviços ambientais da floresta, especialmente o ciclo hidrológico e a retenção de carbono (Amaral et al., 1998).
Apesar das vantagens comparativas, a proporção de madeira manejada na Amazônia é inferior a 1%. Entre as principais causas desse fraco desempenho, incluem-se a abundância dos recursos florestais e o livre acesso a esses recursos, a ineficiência do sistema de monitoramento e controle, as políticas de incentivo à agropecuária e a insegurança fundiária (Veríssimo & Amaral, 1996).
A maioria (93%) da exploração e processamento de madeira ocorre nas florestas de terra firme ao longo de um arco que vai do leste do Pará, passando pelo norte de Mato Grosso, até Rondônia. A madeira oriunda das florestas de várzea representa apenas 7% do volume total extraído na Amazônia. A atividade madeireira de várzea ocorre principalmente no estuário do Amazonas e baixo Tocantins (Veríssimo & Lima,1999).
O Amapá tem uma participação pequena (menos de 1%) na produção madeireira regional. Dado o padrão predatório dominante nos outros Estados, essa incipiente produção representa uma vantagem comparativa. Ou seja, o Amapá pode planejar o desenvolvimento do setor florestal em uma direção diferente e única. O Estado tem o potencial de produzir madeira de forma manejada, agregar renda na cadeia produtiva e distribuí-la de maneira justa para as suas diversas camadas sociais.
Objetivos. Os objetivos deste estudo são caracterizar a atividade madeireira nas florestas de várzea e terra firme do Amapá e apresentar sugestões para a elaboração de um plano de desenvolvimento sustentável para o setor madeireiro no Estado.
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[1] De acordo com o ITTO, a Índia seria o maior consumidor de madeira tropical. Entretanto, o próprio ITTO admite graves falhas nos dados de consumo de madeira tropical na Índia. Por essa razão, Veríssimo & Smeraldi (1999), em livro recente sobre o comércio de madeira tropical no Brasil, sugerem a exclusão da Índia.
O Estado do Amapá possui 143.453 km². É amplamente coberto por florestas ombrófilas de valor madeireiro (75%) (Figura 1). Cerrados e campos naturais ocupam respectivamente 6% e 12% da superfície do Estado. As florestas de igapó e as zonas de transição floresta-cerrado representam 6%, enquanto as áreas desmatadas representam apenas 1% do Amapá (Inpe, 1997).
A precipitação anual no Estado varia de 2.000-3.000 mm e o clima é super úmido. A maioria (54%) dos solos do Amapá é latossolo vermelho-amarelo (IBGE, 1989) caracterizado por baixa quantidade de minerais e escassez em nutrientes disponíveis às plantas. Os solos mais férteis ocorrem nos manguezais, representando 12% dos solos no Estado. O relevo varia de plano no sul do Amapá, passando por suavemente ondulado na área central, até acidentado no noroeste do Estado.
Figura 1. Vegetação do Estado do Amapá.
A população do Estado é de aproximadamente 400 mil habitantes distribuídos em 16 municípios. Oitenta e sete por cento da população é urbana. As cidades de Macapá e Santana concentram aproximadamente 300 mil habitantes, ou seja, 75% da população do Estado. A densidade demográfica fica em torno de 2,8 habitantes/km² (IBGE, 1997).
O Estado do Amapá possui 41 mil km² (29% do Estado) de suas terras legalmente protegidas. Desse total, a exploração madeireira é proibida nas Áreas Indígenas (8% do Estado) e nas Reservas da Natureza ou Unidades de Uso Indireto (9% do Estado) (Figura 2). A exploração é permitida sob regime de manejo apenas nas Reservas de Produção ou Unidades de Uso Direto, tal como Reservas Extrativistas, Florestas Nacionais e Reservas de Desenvolvimento Sustentável (12% do Estado). No restante do Estado (71%), a exploração madeireira não sofre restrição legal no que se refere à propriedade. A maioria (82%) dessas terras está sob jurisdição do Incra, enquanto apenas 18% ficam sob a tutela do Estado.
A economia do Estado é baseada no extrativismo vegetal (açaí, palmito, castanha-do-Brasil e sementes oleaginosas), silvicultura, pesca, mineração (ouro, manganês e caulim) e comércio (zona franca). Atualmente, o Amapá é o maior produtor nacional de caulim (Chagas, 1996). A exploração madeireira tem uma participação reduzida na economia do Estado. Entretanto, como revela este estudo, o setor madeireiro pode se tornar uma das principais atividades econômicas do Estado.
Figura 2. Áreas protegidas do Estado do Amapá.
Inicialmente procuramos obter informações secundárias sobre a localização e o porte das indústrias madeireiras do Estado. As principais fontes de consulta foram o cadastro do Ibama-Amapá, Seaf e Sema. Com base nessas informações, optamos por dividir a coleta de dados entre as florestas de várzea e as florestas de terra firme. O levantamento dos dados foi feito por duas equipes, uma para cada ecossistema. A equipe de terra firme era composta por um técnico do Imazon e outro do Governo do Amapá, enquanto a equipe de várzea era formada por um guia local, dois técnicos do Imazon e um técnico do Estado. A localização dos rios, igarapés e furos foi bastante facilitada pela experiência do nosso guia.
Para caracterizar a atividade madeireira (exploração, transporte, processamento e comercialização), entrevistamos as 51 microsserrarias existentes na região de várzea e as 15 serrarias que exploram madeiras na terra firme do Amapá. Em cada uma dessas empresas aplicamos questionários para determinar: (i) localização do estabelecimento; (ii) dados gerais dos proprietários (origem e experiência anterior); (iii) dados gerais da madeireira (tipo de empresa, ano de instalação, número de empregados, envolvimento com a exploração etc.); (iv) produção anual de madeira processada (serrada, beneficiada, laminada e compensados); (v) consumo anual de madeira em tora; (vi) espécies extraídas (nome comum e diâmetro médio); (vii) sistema de exploração utilizado (manual ou mecanizado); (viii) origem da matéria-prima (tipo de propriedade, distância e condições de acesso); (ix) preço das diversas espécies de madeira (em pé, em tora e serrada); (x) custos de exploração, transporte e processamento; (xi) destino da madeira serrada (estadual, nacional e exportação).
A posição de cada uma das serrarias foi obtida de forma precisa (latitude e longitude) através de aparelhos de GPS (Sistema de Posicionamento Global). As microsserrarias de várzea estavam situadas principalmente nos rios, igarapés e furos (área de influência das florestas de várzea) do estuário do Amazonas, enquanto as serrarias de terra firme estavam localizadas nas rodovias Amapá 156 e 210.
Em 1998, havia apenas 66 madeireiras em atividade no Estado. Desse total, 51 estavam localizadas nas matas de várzea ao longo dos rios Bailiqui e Matapi. As 15 madeireiras restantes estavam localizadas nas florestas de terra firme ao longo das rodovias AP 156 e 210 (Figura 3). Como veremos a seguir, há diferenças significativas no sistema de exploração, transporte, tecnologia de processamento e nível de organização entre as empresas de várzea e as de terra firme.
Figura 3. Localização das serrarias no Estado do Amapá.
Características das florestas de várzea. As florestas de várzea do estuário do Amazonas são áreas úmidas que sofrem duas inundações diárias, uma vez que o nível do rio varia de acordo com as marés do Oceano Atlântico. As várzeas do Amapá somam aproximadamente 9.000 km², ou 6% da superfície do Estado (Sema, 1997) (Figura 1). A mata de várzea é um ecossistema rico e distinto no que se refere à biodiversidade, diversidade de uso dos recursos naturais (madeira, castanha, borracha, palmito, frutos, essências aromáticas e sementes oleaginosas) e elevada produtividade primária. Os solos da várzea estão entre os mais férteis da Amazônia devido à renovação contínua dos nutrientes carregados pelas águas do Amazonas.
Quanto ao valor madeireiro, as florestas de várzea possuem uma diversidade menor de espécies do que as florestas de terra firme. Do total de espécies extraídas na Amazônia, 30 espécies (10%) são exclusivas de florestas de várzea, enquanto 195 (64%) são típicas de florestas de terra firme. Há 73 (24%) espécies que ocorrem nos dois ecossistemas (Martini et al., 1998).
As principais espécies utilizadas pelo setor madeireiro na várzea do Amapá são: Anani (Sinphonia globulifera), Andiroba (Carapa guianensis), Pau Mulato (Calycophylum spruceanum), Macacaúba (Platymiscium sp.), Pracuúba (Trichilia sp.), Tamaquaré (Caraipa sp.), Virola (Virola surinamensis) e Jacareúba ( Calocophylum brasiliense).
Com relação aos produtos não-madeireiros, a floresta de várzea tem uma alta diversidade, com destaque para o açaí (Euterpe oleracea Mart.), castanha-do-Brasil (Bertholletia excelsa), seringueira (Hevea brasiliense), copaíba (Copaifera ducke) e andiroba (Carapa guianensis Aubl).
História da exploração madeireira na várzea. Por mais de três séculos a exploração madeireira na várzea ficou restrita a algumas poucas espécies. A produção supria a baixa demanda local e, ocasionalmente, o mercado europeu. As exportações de madeira de várzea só ganharam uma certa importância na primeira metade do século XX, com a venda de dormentes para a Europa e Sul do Brasil (Barros & Uhl, 1997). Somente a partir dos anos 80 houve um incremento significativo na produção. A rápida urbanização da população do estuário amazônico, em especial Belém e Macapá, criou uma forte demanda por madeiras de várzea para a construção civil de baixa renda.
Exploração de madeira na várzea. Há dois padrões de exploração madeireira nas florestas de várzea do Amapá (Figura 1). O primeiro é altamente seletivo e envolve apenas a virola (Virola surinamensis). O corte é feito com machado e o arraste é feito manualmente. O sistema é similar ao descrito por Barros & Uhl (1997) para as florestas de várzea do Pará. Os extratores procuram utilizar as enchentes para remover as toras de virola do interior da floresta. Isso é possível porque a virola é uma madeira leve e, portanto, pode flutuar. Nos casos em que a área de exploração está fora do alcance das cheias, a alternativa é a construção de estivas de madeira. Essas estivas funcionam como trilhos por onde as toras são arrastadas até os cursos de água (Barros & Uhl, 1997). Finalmente, as toras são transportadas via jangadas até as serrarias. Entretanto, por causa da exaustão dos estoques naturais de virola, esse padrão de exploração tem sido reduzido nas várzeas do Amapá. Atualmente, a maior parte da exploração de virola ocorre no alto Amazonas e tributários, especialmente nos municípios de Tefé e Benjamim Constant (Amazonas).
A partir dos anos 80, um padrão de exploração mais intensivo tem se tornado freqüente na várzea. Nesse padrão, entre 30 e 50 espécies de valor econômico são aproveitadas, resultando em uma intensidade média de cinco a dez árvores extraídas por hectare (Barros & Uhl, 1997).
Rendimento extrativo. Nas várzeas do Amapá, a maioria (60%) do corte é feita com machado e o restante (40%) com motosserra. O volume extraído reportado pelos extratores variou entre 9 e 12 m³, ou sete a dez árvores por hectare. Essa estimativa de intensidade de exploração foi mais que o dobro do valor obtido por Barros & Uhl (1997) para as florestas de várzea do Pará.
Origem da matéria-prima na várzea. A maioria (48%) da madeira extraída na várzea era oriunda de áreas de ocupação das famílias proprietárias das microserrarias; 28% eram provenientes de áreas de terceiros (especialmente pequenos proprietários) e 24% tinham origem não-identificada (Figura 4).
Transporte. O transporte das toras é fluvial, podendo ser via jangada, no caso das toras que flutuam, ou balsa para as toras mais densas que não flutuam. Em geral, a distância da área de exploração para as microsserrarias variou entre 15 e 25 km. Entretanto, dado o baixo custo de transporte, é possível extrair madeira a distâncias maiores. De acordo com as entrevistas, o custo unitário de transporte fluvial foi R$ 0,01 m³/km em jangadas e R$ 0,07 m³/km em balsas. O transporte do produto serrado (tábuas) das áreas de processamento até as estâncias em Macapá é realizado por pequenos barcos.
Figura 4. Origem da madeira em tora nas florestas de várzea no Estado do Amapá.
Empregos no setor madeireiro da várzea. A exploração, o transporte e o processamento das toras são simplificados. As funções de localizar, cortar, arrastar, transportar e desdobrar as toras são distribuídas igualmente entre os membros da equipe. A mão-de-obra é geralmente familiar, embora haja contratação de diaristas para complementar as equipes de extração. O trabalho de extração e transporte ocorre ao longo de quatro meses e envolve temporariamente cerca de 230 pessoas (Tabela 1). A maioria desses trabalhadores continua envolvida, em tempo parcial, com o processamento das toras durante os oito meses restantes do ano.
Processamento na várzea. Das 51 microsserrarias entrevistadas na região de várzea, 80% foram instalados na década de 90 e o restante (10%) na década de 80. Das serrarias instaladas nos anos 90, mais da metade foi estabelecida nos últimos três anos (Figura 5).
Informações qualitativas obtidas junto aos moradores locais indicam que a maior parte das microsserrarias existentes no início da década de 90 foi fechada. Os madeireiros afirmaram também que o volume de madeira processado atualmente é inferior ao volume processado no início da década. Restrições legais na exploração e exportação de virola (Medida Provisória No 1963), bem como a demanda limitada no mercado regional (especialmente da construção civil em Macapá) foram apontadas como as maiores causas para a retração na produção.
Tabela 1. Características das microsserrarias nas florestas de várzea no Amapá, 1998.
Figura 5. Período de instalação das Microserarias nas florestas de várzea do Amapá.
Perfil da produção madeireira. A capacidade produtiva das serrarias de várzea é extremamente reduzida. Essas microsserrarias utilizam serras circulares de 40 a 50 polegadas para o processamento de madeira. Por causa da restrição no tamanho da serra, apenas as toras com diâmetro entre 20 e 45 cm são aproveitadas. Para movimentar as serras são utilizados motores movidos a diesel. O trabalho é feito por uma equipe de cinco a seis pessoas, em geral, membros da própria família, em galpões simples de madeira coberto com palha.
A maioria (90%) das microsserrarias tem uma produção anual de madeira serrada inferior a 500 m³; 6% das empresas produzem entre 500 e 750 m³ e apenas 4% têm uma produção maior que 750 m³ e inferior a 1.000 m³ por ano (Figura 6). As serrarias de várzea produzem basicamente tábuas com dimensões de 3 a 4 metros de comprimento por 0,17 a 0,25 metros de largura e 0,02 a 0,03 metros de espessura. A madeira é consumida no próprio Estado, especialmente para a construção civil de baixa renda.
Figura 6. Período de instalação das Microsserarias nas florestas de várzea do Amapá.
Em 1998, a produção total de madeira das 51 microsserrarias foi 15.296 m³ (Tabela 2). O rendimento na conversão de madeira em tora dessas serrarias é extremamente baixo: 28%. Isto é, são necessários 3,5 m³ de madeira em tora para produzir 1 m³ de madeira serrada. Utilizando esse fator de conversão, as 51 microsserrarias da várzea consumiram aproximadamente 53.536 m³ de madeira em tora em 1998.
Das 51 famílias que operavam nas microsserrarias na várzea, 40% desenvolviam outras atividades econômicas, incluindo a coleta do fruto e extração do palmito do açaí e a pesca. Em geral, essas atividades complementam o orçamento doméstico, mas no caso do açaí (fruto e palmito) a renda bruta pode ser maior do que a obtida com a extração e o processamento de madeira (Arima et al., 1998).
Tabela 2. Características das serrarias no Estado do Amapá, 1998.
Economia das microsserrarias de várzea. Uma microsserraria típica de várzea produz anualmente, em média, 300 m³ de madeira serrada a partir de 1.050 m³ de madeira em tora. A renda bruta foi estimada em R$ 24.000, ou R$ 80/m³ de madeira serrada. O custo total de produção foi estimado em aproximadamente R$ 19.000, ou R$ 63 por metro cúbico serrado. A receita líquida foi estimada em R$ 5.000, ou R$ 17/m³. A margem de lucro foi calculada em aproximadamente 21%, um valor similar ao obtido por Barros & Uhl (1997) para as microsserrarias da várzea do Pará (Tabela 3).
Tabela 3. Estimativa de custos e renda de uma microsserraria na várzea do Amapá, 1998.
Embora a exploração madeireira esteja concentrada na várzea, nas duas últimas décadas houve uma expansão da indústria madeireira do Amapá para as zonas de terra firme. As causas para essa expansão são o aumento da demanda por madeiras de média e alta densidade (mais comuns nas florestas de terra firme) para a construção civil. Além disso, a melhoria da rede de estradas no Estado facilitou o acesso às florestas interfluviais.
As florestas de terra firme. As florestas densas de terra firme (69% do Estado) têm uma diversidade maior de espécies de valor madeireiro quando comparadas com as matas de várzea. A maioria das madeiras de terra firme é de média e alta densidade e, portanto, não flutua. No Amapá, as principais espécies extraídas são angelim vermelho (Dinizia excelsa), angelim pedra (Hymenolobium sp), maçaranduba (Manilkara sp), jatobá (Hymenaea courbaril), ipê (Tabebuia sp), pau amarelo (Euxilophora paraensis), angelim pedra (Hymenolobium excelsum), acapu (Vouacapoua americana) e mandioqueiro (Qualea acuminata Spruce).
Exploração de madeira na terra firme. As árvores de valor econômico são localizadas e identificadas na floresta. Em seguida, utilizam-se motosserras para fazer o corte e divisão das árvores em tora. Na seqüência, são usados tratores agrícolas para arrastar as toras do local de queda das árvores até os pátios de estocagem. Por último, as toras são geralmente embarcadas diretamente nos caminhões através do sistema de catraca. Nesse sistema, as toras são erguidas com auxílio de um cabo de aço, utilizando o princípio da alavanca.
A exploração madeireira na terra firme é seletiva, com cerca de 25 a 30 espécies sendo extraídas. De acordo com as entrevistas, o volume médio extraído por hectare foi 25 m³ de madeira em tora, ou cinco a oito árvores. Essa estimativa de intensidade de exploração estava próxima daquelas obtidas em estudo de campo por Veríssimo et al. (1991) em Tailândia, Pará.
Transporte. O transporte das toras é geralmente feito por caminhões com capacidade de carga de 12 a 13 m³ de madeira em tora. A distância média percorrida por esses caminhões, entre a área de exploração e as serrarias, oscilou entre 30 e 140 km, sendo a distância média igual a 113km (s=56). As condições das estradas eram variáveis. Em termos proporcionais, 10% da distância era percorrida em estradas de boa qualidade (estradas com recapeamento asfáltico), 38% em estradas razoáveis (estradas de chão com piçarra e niveladas), 32% em estrada de baixa qualidade (estradas de chão sem piçarra e sem nivelamento). Em torno de 20% das indústrias de terra firme do Amapá utilizavam sistema misto de transporte, ou seja, usavam balsas para transporte fluvial combinado com transporte terrestre, enquanto 80% usavam somente transporte terrestre. O transporte do produto serrado, no caso da terra firme, é realizado por caminhões até as cidades de Macapá e Santana.
Origem da matéria-prima na terra firme. A maioria (57%) da madeira extraída na terra firme era oriunda de áreas próprias das indústrias; 31% eram provenientes das áreas de terceiros (especialmente pequenos proprietários) e 12% tinham origem não-identificada (Figura 7).
Figura 7. Origem da madeira em tora nas florestas de terra firme no Estado do Amapá.
Empregos na exploração de terra firme. A exploração madeireira é intensiva no que se refere à mão-de-obra e necessita de diversas habilidades para a sua realização. A equipe da exploração de terra firme deve incluir mateiros (responsáveis pela localização e identificação das árvores), ajudantes, motosserristas, tratoristas e motoristas de caminhão.
As serrarias da terra firme empregavam durante o período de exploração (aproximadamente seis meses) 190 trabalhadores, incluindo motosserristas, ajudantes, tratoristas e motoristas de caminhão. Como a atividade de exploração e transporte é sazonal, o número de empregos na exploração reduz drasticamente no período de chuvas.
Em geral, a proporção de funcionários legalizados na exploração é menor do que na serraria. Os motivos para isso são vários, incluindo a maior rotatividade da mão-de-obra florestal, os encargos sociais elevados e o isolamento na floresta, o que dificulta a fiscalização do Ministério do Trabalho.
Processamento na terra firme. A maioria (65%) das 15 madeireiras de terra firme utilizava serras de fita, enquanto apenas 35% utilizavam serras Induspan. Das 15 serrarias em funcionamento no Amapá em 1998, 81% haviam sido instalados na década de 90, enquanto apenas 19% haviam sido estabelecidos na década de 80 (Figura 8). Essas madeireiras de terra firme estão em sua maioria integradas verticalmente, isto é, realizam a exploração, o transporte e o processamento de madeira.
A maior parte (64%) das serrarias de terra firme tem produção anual entre 500 a 1.500 m³ (Figura 9). Em 1998, as 15 serrarias produziram aproximadamente 20.000 m³ de madeira serrada e 12.300 de m³ madeira beneficiada (portas, janelas e móveis). Para um rendimento médio de 35%, o volume de madeira em tora consumido ficou em torno de 87.000 m³.
Figura 8. Período de instalação das serrarias de terra firme no Estado do Amapá.
Figura 9. Produção das serrarias de terra firme no Estado do Amapá.
As serrarias de terra firme têm uma capacidade produtiva bastante variável. Essa variação ocorre em parte por causa do maquinário utilizado. A produção das serrarias que utilizam serra de fita era significativamente maior (até 19 vezes) que das serrarias que utilizam serras Induspan.
Quanto à mão-de-obra, as serrarias de terra firme empregam aproximadamente 160 trabalhadores. A maioria dos trabalhadores (53%) é originária do próprio Estado, enquanto 32% são oriundos do Pará, principalmente dos municípios de Breves, Afuá e Gurupá. O restante (15%) é proveniente da Região Nordeste (principalmente do Maranhão).
Preço da madeira em pé na floresta. Em geral, o valor da madeira em pé varia em função da espécie e da distância entre a floresta e a área de processamento. Nas florestas de terra firme do Amapá, o valor da madeira variou de R$ 2,50 (valor médio para as espécies de baixo valor) para R$ 8 (valor médio para as espécies de médio e alto valor). Em termos comparativos, esses valores são aproximadamente metade dos obtidos para essas mesmas espécies nas florestas de terra firme do norte de Mato Grosso.
Preço da madeira em tora. O valor da madeira em tora inclui os custos da madeira em pé, exploração (corte, arraste e embarque) e transporte. No Amapá, o preço da madeira em tora na serraria variou para cada categoria de espécie: R$ 15 para espécies de baixo valor; R$ 29 para espécies de médio valor; e R$ 44 para espécies de alto valor. Esses preços são inferiores (em torno de 30%) aos valores praticados no norte de Mato Grosso e oeste do Pará (Veríssimo & Lima, inédito).
Preço da madeira serrada. Com relação ao preço da madeira serrada, essas espécies podem ser classificadas em três categorias de valor: baixo, sendo o preço médio R$ 110/m³ (faveira); moderado, cujo preço médio é R$ 150/m³ (maçaranduba, jatobá); e alto para as madeiras com preço médio de R$ 210/m³ (angelim vermelho, ipê, roxinho) (Tabela 4).
Rentabilidade do processamento. Uma serraria típica de terra firme produz, em média, 1.600 m³ de madeira serrada a partir de 4.500 m³ de madeira em tora. A renda bruta foi estimada em R$ 272.000, ou R$ 170 por metro cúbico de madeira serrada. O custo total de produção foi R$ 225.020, ou R$ 141 por metro cúbico de madeira serrada. A análise financeira para as serrarias típicas de terra firme pode ser melhor observada na Tabela 5. A margem de lucro para atividade sem beneficiamento foi 16%, um valor similar ao reportado por Veríssimo & Lima (1999) em outras áreas produtoras na Amazônia.
Tabela 4. Preços médios das principais espécies florestais utilizadas pelas indústrias na região de terra firme no Estado do Amapá, 1998.
É importante observar que esse lucro médio de 16% deve variar entre as empresas e ao longo do tempo. As principais causas para essas variações são o custo de capital, custo de transporte (condições da estrada e distância), madeira em pé (espécie, distância e controle da terra) e valor da madeira final (influenciado pela flutuação de preços). Além disso, as ações de fiscalização com relação ao manejo florestal podem significar custos adicionais e, portanto, influenciar diretamente na lucratividade.
Uma visão esquemática das atividades de exploração, transporte, processamento e comercialização nas florestas de várzea e terra firme no Amapá está representada na Figura 10. Na terra firme, a exploração ocorre em distâncias inferiores a 130 km. As madeiras são processadas nas serrarias localizadas ao longo das rodovias AP 156 e 210 e comercializadas no próprio Estado. Nas florestas de várzea, as toras são retiradas de matas próximas às serrarias e transportadas via fluvial para as microsserrarias ao longo dos rios. Após o processamento, as madeiras serradas são transportadas via fluvial e comercializadas nas estâncias de Macapá, principalmente nos bairros de Pedrinhas e Beiradão. O mercado para as madeiras de várzea é a construção civil de baixa renda. Observamos ainda que 54% da madeira comercializada nas estâncias é oriunda do Estado do Pará, principalmente do município de Afuá.
Tabela 5. Estimativa dos custos e rendimentos de uma serraria da terra firme no Estado do Amapá, 1998.
Figura 10. Tipos de extração, formas de transporte de toras e madeira serrada e processamento de madeira no Estado do Amapá (adaptado de Barros e Uhl, 1997).
No Amapá, as madeireiras apresentam as seguintes características: elevado consumo de matéria-prima (rendimento no processamento entre 28% e 35%); utilização de poucas espécies no processamento (20 a 30 espécies); impactos ecológicos moderados no nível do ecossistema, mas potencialmente severos na escala de espécies (especialmente para aquelas extraídas intensivamente); baixa qualidade da madeira serrada (especialmente pelas microsserrarias de várzea); empregos pouco qualificados no processamento e temporários na exploração; margem de lucro similar à observada em outros pólos de produção de madeira na Amazônia; e comercialização restrita (a maior parte da madeira é consumida no próprio Estado).
As 66 madeireiras operando nas florestas de várzea e terra firme utilizaram aproximadamente 140.000 m³ de madeira em tora em 1998. Essas empresas produziram aproximadamente 47.300 m³ de madeira processada, sendo 35.000 m³ de madeira serrada e 12.300 m³ de madeira beneficiada.
Em 1998, a área de floresta afetada pela exploração foi estimada em apenas 7.000 hectares. Isso considerando um volume médio extraído por hectare igual a 20 m³ de madeira em tora.
De acordo com o levantamento de campo, o setor madeireiro do Amapá emprega diretamente em torno de 580 pessoas na exploração e processamento de madeira. Entretanto, além de a maioria dos trabalhos ofertados ser temporária (quatro a seis meses), há falta de segurança e baixa qualidade do emprego.
A renda bruta gerada pelo setor madeireiro do Estado foi estimada em R$ 7,6 milhões. Esse valor equivale a 0,3% da renda total da produção madeireira na Amazônia Legal. A margem de lucro das microsserrarias de várzea é similar à obtida pelas madeireiras de terra firme: em torno de 20%. Essa margem de lucro é semelhante à obtida por outras empresas madeireiras no Pará e Mato Grosso. Entretanto, dado o padrão predatório dominante nas outras regiões, o Amapá tem o potencial de produzir madeira de forma manejada, agregar renda na cadeia produtiva e distribuí-la de forma justa para as diversas camadas sociais.
O Estado do Amapá é uma das unidades da federação com maior chance de utilizar seus recursos naturais de forma ordenada. Primeiro, o Estado conserva 99% de sua cobertura florestal original. Segundo, a pressão demográfica sobre os recursos naturais é reduzida. Terceiro, o Estado tem uma posição geográfica estratégica na foz do Amazonas com amplas possibilidades de atingir mercados ambientalmente sensíveis, como é o caso da União Européia. E, finalmente, o Amapá possui a estabilidade política necessária e o interesse explícito do Governo do Estado no desenvolvimento sustentável do setor florestal.
O Amapá possui uma situação vantajosa para o estabelecimento de um programa efetivo de desenvolvimento sustentado para o setor florestal. Todavia, se não forem adotadas medidas para o planejamento do uso dos recursos naturais, a mesma situação das várias regiões da Amazônia (onde as florestas estão sendo substituídas por agropecuária) pode se repetir. A seguir, enumeramos uma série de sugestões que poderiam ser implementadas pelo Governo do Amapá para promover o desenvolvimento do setor madeireiro do Estado.
O primeiro passo para promover o desenvolvimento da indústria madeireira no Amapá é fornecer informações ao governo e à sociedade sobre a situação atual e as perspectivas dos recursos madeireiros no Estado. O próximo passo, após o diagnóstico madeireiro apresentado neste trabalho, é incorporar informações geográficas sobre a quantidade e localização dos estoques de madeira, biodiversidade, áreas protegidas (parques, florestas nacionais, terras indígenas etc.), relevo e outros elementos físicos em um Sistema de Informações Geográficas (SIG). Essa sobreposição de dados espaciais fornece aos planejadores uma base para a discussão sobre o zoneamento da atividade madeireira.
Em essência, o zoneamento florestal deve delimitar as áreas a serem protegidas da exploração madeireira (devido ao alto valor biológico), destinguindo-as das áreas com nítida vocação para produção florestal. Os critérios para o zoneamento devem incluir informações sobre vegetação, áreas prioritárias para conservação, topografia, situação fundiária, acesso (rodovias e hidrovias) e áreas economicamente acessíveis à exploraçãomadeireira. Usando essa base de informações é possível selecionar áreas prioritárias para exploração madeireira. Além disso, seria possível identificar as regiões onde não há recurso madeireiro (i.e., savanas, campos naturais e áreas desmatadas) e onde estão localizadas as terras protegidas (Terras Indígenas, Reservas Militares, Unidades de Conservação) e as zonas com altíssima prioridade para conservação da biodiversidade.
Mas para o Estado do Amapá chegar a um tipo de zoneamento como o sugerido, seria necessário envolver os atores chaves, incluindo os madeireiros (desde grandes empresas até comunidades interessadas na exploração de madeira), agências reguladoras (Ibama e Sema), agências de pesquisa e planejamento (Iepa, Seplan) e representantes de Organizações NãoGovernamentais (ONGs). Um facilitador profissional poderia dirigir as discussões para assegurar uma maior confiança entre os participantes. A primeira parte dessa iniciativa seria restringir o problema. Cada setor deveria definir áreas de interesse, deixando de lado o que para eles está além do problema. Assim que a questão estivesse definida, os próximos passos seriam (i) identificar soluções; (ii) encontrar um denominador comum; e (iii) atingir o consenso. Essa abordagem já foi testada em vários lugares do mundo com considerável sucesso (Veríssimo et al., 1998).
O zoneamento madeireiro deve estar articulado com os esforços do macrozoneamento do Amapá, liderado pelo Iepa. Essa atividade pode ser desenvolvida integralmente em 1999. Os recursos financeiros adicionais para a sua realização poderiam ser obtidos a partir de fontes como o Subprograma de Políticas de Recursos Naturais (SPRN), Programa de Gestão Integrada.
A certificação florestal é um instrumento de mercado para valorizar os produtos oriundos de áreas manejadas (Viana, 1996a). A certificação envolve a análise das práticas de uso da floresta de acordo com critérios reconhecidos internacionalmente. Essa análise é realizada por instituições independentes. A princípio, a certificação é um instrumento para influenciar empresas a adotar determinadas práticas de produção, através da promoção do melhor preço para produtos ou linhas de produção que provem ser socialmente justas, ecologicamente saudáveis e economicamente viáveis.
Para isso é necessário obter vantagens comparativas na comercialização desses produtos (maior preço, mercado preferencial etc.). Os produtores que praticam o bom manejo florestal têm custos adicionais e seus produtos precisam ser valorizados pelo mercado. Para Viana et al. (1996b), essa valorização deve ser suficiente para (i) pagar os custos adicionais do manejo em relação aos sistemas predatórios de exploração florestal; (ii) pagar os custos diretos da certificação, incluindo as auditorias periódicas; e (iii) oferecer uma remuneração adicional ao produtor.
A certificação pode criar oportunidades econômicas significativas, especialmente na área de serviços, gerando empregos e oportunidades para profissionais de diferentes áreas. Apesar de ter um potencial promissor, a certificação não pode ser vista como uma panacéia para todos os problemas de sustentabilidade dos sistemas de produção florestal (Viana, 1996a).
Embora a certificação seja dirigida por instituições não-governamentais e privadas, o Governo do Estado pode ser pró-ativo no estabelecimento de incentivos à instalação de novas empresas no Estado. Nesse caso, o governo poderia estimular o estabelecimento de empresas certificadas oferecendo incentivos e infra-estrutura básica para o parque industrial. Recursos financeiros para apoiar empresas madeireiras interessadas em manejo estão disponíveis no Programa Terra Capital do Banco Axial, Sudam, Basa (FNO) e BNDES. Entretanto, recomendamos que o governo realize, em 1999, uma análise econômica mais detalhada sobre as melhores alternativas para promover a fixação de indústrias madeireiras certificadas no Estado.
As Reservas de Produção são Unidades de Conservação onde é permitido o uso direto dos recursos naturais (madeira, produtos não-madeireiros, pesca etc.) desde que sob regime de manejo sustentado.
Existem várias categorias de Reservas de Produção, incluindo as Florestas Nacionais (Flonas), Florestas Estaduais, Reservas Extrativistas (Resexs) e as Áreas de Proteção Ambiental (Apas).
As áreas mais indicadas para a criação de Resexs no Amapá são as várzeas do Estado. Essas áreas apresentam as características exigidas por lei, ou seja, população extrativista, potencial para a produção manejada e interesse ecológico e social sobre a área. Além disso, oferecem potencial para solução dos problemas de controle, posse e superexploração dos recursos naturais. As várzeas oferecem ainda a vantagem de serem biologicamente mais produtivas do que a terra firme.
Segundo Arima et al. (1998), os ingredientes necessários para o sucesso econômico da criação de uma Resex são: (i) diversificação da produção; (ii) qualidade dos produtos; (iii) boa organização coletiva; e (iv) uso do recurso de forma sustentável.
Diversificação da produção. O sucesso econômico das Resexs dependerá da habilidade de seus moradores em adotar medidas contra possíveis quedas nos preços dos produtos. A diversificação é uma estratégia comum no mercado financeiro para contornar incertezas em relação aos preços futuros e diminuir o impacto de investimentos mal sucedidos. As Resexs precisam adotar este procedimento, pois os preços dos principais produtos florestais comercializados atualmente têm se mostrado bastante voláteis (Arima et al., 1998).
Qualidade do produto. Os produtos florestais oriundos das várzeas, geralmente, não são de boa qualidade. Um melhor acabamento no produto final pode incentivar grandes vendas, do contrário, o mercado ficará restrito a pequenos compradores. Em geral, a qualidade do produto é o principal fator responsável pelo lucro. Avaliando especificamente as serrarias da várzea, seria necessário melhorar de maneira significativa o processamento (aquisição de maquinário moderno e treinamento de mão-de-obra) para ampliar o mercado de madeira serrada (Arima et al., 1998).
Boa organização coletiva. A Resex de Cajari é um exemplo de organização comunitária e de pessoas interessadas no funcionamento de uma reserva. É imprescindível que a Resex tenha uma associação ou cooperativa formada por moradores. A associação de moradores é responsável por elaborar o plano de utilização da reserva, estabelecer regras, fiscalizar e monitorar a adoção do plano de manejo e até mesmo aplicar penalidades àqueles que não cumprirem os acordos (Arima et al., 1998).
Uso dos recursos de forma sustentável. A conservação do estoque e a diversidade de recursos naturais são essenciais para a estabilidade da renda e do consumo, uma vez que possibilitam o uso de diferentes fontes de renda em anos de baixos rendimentos. Além de ser uma estratégia econômica, o uso sustentável dos recursos naturais é uma exigência legal para a formação das Resexs (Arima et al., 1998).
Como estabelecer Resexs. O primeiro passo para estabelecer uma Resex é identificar comunidades organizadas que se disponham a trabalhar em associações ou cooperativas, em locais onde a propriedade privada não é caracterizada, facilitando, desta maneira, a regularização fundiária. Antes da formação da reserva, é necessário trabalhar no fortalecimento dessa associação e na capacitação dos moradores para o seu bom gerenciamento.
O ideal é que a implementação de Resexs nas várzeas do Estado do Amapá seja feita inicialmente através de projetos pilotos. Nesses projetos os erros são cometidos em pequena escala e a correção é mais fácil de ser feita, o que caracteriza uma vantagem.
O Programa Piloto para Proteção das Florestas Tropicais (PPG-7) poderia ser uma fonte de recurso para testar projetos agroextrativistas nas áreas de várzea. O Banco da Amazônia (Basa) também possui crédito para execução de atividades agroextrativistas.
O Governo do Amapá poderia ter um papel ativo na administração do manejo florestal em áreas designadas para atividade madeireira através da criação de Florestas Estaduais de Produção. Para aumentar as chances de sucesso dessas concessões de longo prazo deve-se incluir treinamento em manejo, fiscalização e marketing (contatos com compradores, fornecimento de informações sobre preços de mercado etc.).
A criação de Florestas Estaduais de Produção no Amapá deve ser baseada em um planejamento estratégico para diminuir ou mesmo evitar os conflitos de terra, pois, por princípio, as Florestas Estaduais de Produção devem ser criadas em locais de baixa densidade demográfica.
Um dos grandes problemas na criação de Florestas de Produção na Amazônia foi não observar esse ponto. Atualmente um dos exemplos mais claros é o da Floresta Nacional do Tapajós, a qual foi criada em local onde já existiam populações tradicionais de ribeirinhos. Esse fato tem proporcionado uma série de conflitos entre os agentes do governo (Ibama), moradores da área da Flona e ONGs como Greenpeace, Amigos da Terra e Saúde e Alegria.
O manejo florestal é uma opção viável para a produção de madeira a nível empresarial e comunitário. No entanto, a falta de práticas de manejo florestal bem documentadas e com alto potencial demonstrativo tem sido uma das causas para a inércia do governo e da sociedade com relação a essa alternativa. Todavia, há resultados animadores oriundos de projetos de manejo florestal em andamento na Amazônia. Esses projetos estão sendo executados por vários agentes econômicos, desde empresas privadas, governos estaduais, pequenos produtores rurais até comunidades tradicionais. Essas iniciativas oferecem oportunidades de treinamento para mão-de-obra, educação florestal e geração de tecnologias de baixo custo e, portanto, podem ter um efeito catalisador para mudanças das práticas de exploração madeireira na região.
O Governo do Amapá poderia incentivar projetos pilotos de manejo comunitário e industrial. Além disso, o Estado deveria estimular o manejo florestal tanto em áreas públicas (Florestas Estaduais de Produção) como nas áreas comunitárias (Resexs). Assim, o Estado estaria preenchendo a lacuna de carência de práticas de manejo florestal bem documentadas e com alto potencial demonstrativo. Esse tipo de projeto poderia ser patrocinado pelo Governo do Estado através do processo de licitação às empresas e organizações sociais com interesse em manejo florestal para a produção de madeira. A vantagem desse tipo de iniciativa é a possibilidade de treinamento para os operadores florestais e fiscais. Na Amazônia, os Estados de Rondônia e Mato Grosso já iniciaram projetos dessa natureza. Recursos financeiros adicionais poderiam ser obtidos junto à União Européia, Usaid (Agência Norte-Americana de Desenvolvimento Internacional), Governo Alemão e Promanejo/PPG7 (Projeto de Apoio ao Manejo Florestal). Essas atividades poderiam ser iniciadas, ainda que parcialmente, em 1999. Recomenda-se o envolvimento da Embrapa (Amapá) na definição desse componente por causa da larga experiência técnica dessa instituição.
A produção florestal (madeireira e não-madeireira) na Amazônia começa a sentir os efeitos da globalização da economia e, ao mesmo tempo, da internalização do conceito de desenvolvimento sustentável. Os sistemas tradicionais de produção florestal predatória devem enfrentar problemas crescentes no acesso aos mercados nacional e internacional. O mesmo pode ser dito com relação ao acesso a financiamentos e incentivos governamentais. O setor florestal encontra-se numa fase de revisão de paradigmas.
Atualmente, a maior parte da produção de madeira do Brasil vem da Amazônia; essa região está próxima de se tornar o maior exportador de madeira tropical do mundo. É provável que o Brasil ultrapasse a Malásia (atualmente o maior exportador) antes de 2.005. O aumento da participação do Brasil no mercado externo e a posição de maior consumidor mundial de madeira tropical têm sido baseados numa exploração predatória e muitas vezes ilegal dos recursos florestais.
Por outro lado, uma série de iniciativas têm sido tomadas para incentivar e viabilizar o manejo florestal sustentável. Essas iniciativas incluem os projetos de manejo do Imazon, Fundação Floresta Tropical (FFT), Mil Madeireira, Programa Piloto/PPG-7, Embrapa (Amazônia Oriental), Instituto de Pesquisa da Amazônia (Inpa), Organização dos Seringueiros de Rondônia (OSR), Centro dos Trabalhadores da Amazônia (CTA-Acre), entre outros.
Estudos da Sudam realizados no setor madeireiro identificaram a falta de técnicos florestais capacitados, sobretudo de nível médio, como um dos grandes fatores limitantes para a implantação de boas práticas de manejo florestal na Amazônia. No Brasil, embora mais de 50% do território nacional seja coberto por florestas, existem apenas três escolas com cursos técnicos voltados à área florestal: Escola florestal de Irati (PR), Escola de Ji-Paraná (RO) e Escola Agrotécnica Federal de Manaus.
A criação de uma escola técnica para formação de técnicos florestais de nível médio no Estado do Amapá é importante. Esse curso teria a finalidade de preparar profissionais para atuarem nas empresas madeireiras, empresas florestais não-madeireiras, movelarias e carpintarias, órgãos governamentais (assistência técnica, pesquisa e fiscalização), empresas privadas de produção, ONGs e movimentos sociais.
Escola florestal aberta à comunidade. A Escola Florestal Estadual poderia funcionar como um veículo de treinamento, não somente para os alunos como também para os atores envolvidos diretamente com a extração, ou seja, madeireiros, comunitários, trabalhadores etc.
O investimento em educação é imprescindível para o desenvolvimento do setor florestal. Sugere-se a criação de escolas formadoras de profissionais de nível técnico florestal. Esses profissionais teriam a capacidade de analisar as realidades regionais, suas potencialidades e perspectivas para desenvolver atividades de manejo florestal, tanto a nível industrial como comunitário.
Profissionais no Amapá, com experiência em técnicas de manejo florestal podem ser treinados num horizonte de curto prazo. O Estado necessita principalmente de técnicos capacitados para trabalhar com comunidades, nas atividades de gerenciamento, comercialização e tecnologia emmanejo florestal de produtos madeireiros e não-madeireiros. As iniciativas de manejo tanto a nível industrial quanto comunitário no Amapá ainda são incipientes. Desta forma, se for criada a oferta de técnicos florestais capacitados, o Estado teria melhores possibilidades de usar seus recursos de forma racional.
Além disso, é essencial a formação de técnicos florestais e trabalhadores ligados à área de tecnologia da madeira. Portanto, seria importante a criação, num horizonte de curto prazo, do curso de técnico florestal voltado para a tecnologia da madeira. Os objetivos seriam a melhoria da qualidade do produto serrado das serrarias e microsserrarias e a formação de profissionais com experiência em fabricação de móveis e esquadrias.
O Ministério da Educação (MEC) e a Sudam poderiam apoiar financeiramente o ensino técnico florestal. O MEC recentemente mudou o ensino técnico em todo o País. A partir do ano 2000 será possível a criação de cursos técnicos para o 3º grau. O Amapá poderia criar uma escola alternativa para formação de técnicos florestais, principalmente nas áreas de gerenciamento, operações técnicas de manejo florestal, tecnologia da madeira e carpintaria. Nesse caso, seria exigido a conclusão do 2º grau, como recomenda o MEC.
O Estado do Amapá deveria apoiar as iniciativas de fabricação de móveis finos. Uma maneira seria estabelecer contato com alguns países e regiões do Brasil que possuem tecnologia de ponta na fabricação de móveis (por exemplo, França, Itália, Argentina e o Sul do Brasil). Assim poderia haver um intercâmbio de técnicos que viriam ao Amapá para treinar trabalhadores, como também técnicos do Amapá visitando essas regiões para conhecer tecnologias inovadoras.
Este estudo não aborda a indústria moveleira. No entanto, essa indústria tem um grande potencial de tornar-se uma importante fonte de recursos para a região, principalmente por agregar valor à produção. É necessário que um estudo mais detalhado seja realizado para avaliar esta tendência, começando com um diagnóstico desta atividade.
Para que o manejo florestal seja adotado no Estado do Amapá e no restante da Amazônia, duas linhas de ação devem ser consideradas prioritárias e trabalhadas conjuntamente. De um lado, é preciso apoiar a adoção do manejo através da extensão, crédito e estabilidade fundiária e do outro, é preciso monitorar o uso da floresta para que o manejo seja aplicado adequadamente. Essas tarefas são complexas e devem ser compartilhadas pela sociedade e pelo governo. No entanto, regionalmente, nenhum desses setores apresenta-se bem preparado para desempenhar tais tarefas.
Como tornar o monitoramento da atividade florestal efetivo? O monitoramento efetivo requer quatro atitudes: (i) identificar objetivamente as irregularidades e riscos das práticas de exploração; (ii) não estar suscetível à negligência e à corrupção; (iii) estimular mudanças nas práticas irregu-lares; e (iv) monitorar a atividade em toda distribuição geográfica e escalas de produção. A seguir, enumeramos maneiras de abordar essas atitudes.
Protocolo de manejo florestal. O manejo florestal envolve um protocolo de medidas para evitar impactos negativos ao ambiente, bem como estimular a regeneração e crescimento da floresta. Essas medidas podem ser apreciadas em duas escalas: da paisagem e da unidade de exploração. O monitoramento também poderia considerar essas escalas.
Manejo e monitoramento da paisagem. É preciso considerar como o uso da floresta pode afetar a paisagem, bem como criar medidas que evitem ou diminuam esses efeitos.
Quais são os impactos prováveis da exploração madeireira sobre a paisagem? Sabe-se que a exploração madeireira sem planejamento fragmenta a floresta tornando-a suscetível ao fogo. O aumento da exploração em áreas contínuas e ladeadas pela agropecuária deixa imensas áreas sujeitas a incêndios. Por isso, os planos de manejo deveriam incluir medidas de prevenção de incêndios florestais. Esses mecanismos poderiam ser: (i) faixas de floresta intacta ao redor das áreas que seriam exploradas; e (ii) exploração alternada dos talhões. Considerando que os riscos de incêndios diminuem à medida que a floresta se regenera após a exploração (Amaral et al., 1998).
O uso da floresta pode ter impacto negativo na rede hidrográfica. Por isso, a legislação prevê a proteção das margens dos rios e nascentes. Nesse caso, o protocolo de monitoramento deveria incluir mecanismos como visitas a essas margens, bem como a sua localização georeferenciada (GPS) para futuras inspeções.
Manejo e monitoramento da unidade de manejo florestal. O talhão é a área de floresta explorada a cada ano. No talhão ocorrem a derrubada das árvores, o arraste das toras até o pátio de estocagem e a abertura de estradas para o transporte das toras. Essas atividades danificam diretamente a cobertura vegetal. Dessa maneira, as principais medidas de redução de danos (planejamento da exploração) devem ser tomadas no talhão.
A extração correta depende do bom planejamento (técnicas e equipamentos adequados) e da perícia dos encarregados de sua execução, ou seja, os trabalhadores de extração. A Instrução Normativa 80 incorpora a maioria dos temas de um bom planejamento. Contudo, entendemos que a regulamentação pode ser mais específica e a vistoria mais objetiva.
A segurança do sistema de monitoramento. Duas estratégias podem ser usadas para garantir que o sistema de monitoramento seja seguro. Primeiro é preciso tornar o sistema transparente, permitindo que instituições e indivíduos interessados participem do monitoramento. Por exemplo, o cronograma de vistorias seria obrigatoriamente divulgado a um certo número de cidadãos credenciados para participar de cada vistoria.
A segunda estratégia para tornar o monitoramento confiável é realizar auditoria externa. Além de manter a confiabilidade do sistema, a auditoria teria como meta refinar os critérios do protocolo (com o tempo, alguns itens podem ser abandonados, enquanto outros podem ser introduzidos).
A estratégia de monitoramento para todo o Estado. Com a posse de um bom modelo básico de monitoramento, do conhecimento do universo a ser monitorado (por exemplo, número de serrarias e número de áreas de exploração) e do custo para monitorar cada unidade, seria possível estimar a capacidade atual do Estado do Amapá para monitorar a atividade madeireira em toda a sua extensão. Acreditamos que, dada a pequena quantidade de serrarias no Estado, a disponibilidade de recursos para realização do monitoramento não seria fator crítico.
Contudo, se o Amapá não dispor de recursos para investimento em um sistema mínimo de monitoramento, pode-se pensar em um sistema alternativo. O Estado poderia privatizar parte do monitoramento. Por exemplo, poder-se-ia credenciar e contratar, através de concorrência pública, profissionais/empresas autônomas para o monitoramento. Para isso, o Estado elaboraria termos de referência com os protocolos e o padrão mínimo de qualidade/segurança exigido. Dessa forma, o Estado poderia dedicar especial atenção à auditoria do sistema. Essa estratégia talvez seja a mais viável, uma vez que existem outras demandas importantes na área ambiental como controle da agropecuária e mineração. Ou seja, dificilmente o Estado será capaz de criar, de uma só vez, um mega sistema de monitoramento ambiental.
O Estado do Amapá possui riquezas naturais e uma complexidade e diversidade socioeconômica e ambiental propícias para o desenvolvimento sustentável. Desta forma, o Estado tem a responsabilidade de liderar o processo de organização das atividades produtoras rumo à sustentabilidade.
Atualmente, o Estado do Amapá produz menos de 1% da madeira em tora extraída e processada na Amazônia. Entretanto, por causa da sua localização estratégica em relação aos mercados internacionais, a exploração de madeira no Estado poderá crescer expressivamente nas próximas décadas. Sem o controle e planejamento por parte do governo estadual, o setor madeireiro pode crescer de forma desordenada, resultando em impactos negativos sobre o meio ambiente e a população. Além disso, os benefícios econômicos podem ficar concentrados em poucas empresas.
O Governo do Amapá pode se antecipar aos problemas típicos do setor madeireiro em outros Estados da Amazônia. A adoção do manejo, a definição do zoneamento florestal, o treinamento da mão-de-obra local, o fortalecimento dos órgãos de monitoramento e controle, a ampliação das reservas de produção (em especial, das Florestas Estaduais de Produção) e uma política de vendas para o mercado externo apoiada na produção madeireira sustentada poderão tornar o Amapá um referencial para o uso dos recursos florestais no País.
This post was published on 14 de dezembro de 2015
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