Os frigoríficos que compram gado da Amazônia têm sido pressionados por campanhas ambientais e processos legais a combater o desmatamento praticado pelos fazendeiros. A pressão para zerar o desmatamento, legal ou ilegal, é crescente, pois esta é a atividade mais poluidora do país se considerarmos a emissão de gases da queima de florestas que contribuem para o aquecimento global. Algumas empresas frigoríficas se comprometeram a comprar apenas de fazendas sem desmatamento após 2009. Sete anos depois do primeiro acordo, fomos a campo para responder se os frigoríficos, de fato, podem contribuir para zerar o desmatamento na região. Com base em dados inéditos e na revisão de estudos, mostramos que os acordos avançaram, mas muito ainda precisa ser feito para que o setor contribua efetivamente para ajudar a zerar o desmatamento na Amazônia.
Em 2009, o Ministério Público Federal (MPF) e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) processaram frigoríficos no estado do Pará que compravam de fazendas embargadas por desmatamento ilegal e o MPF também ameaçou processar empresas, como supermercados e indústrias de couro, que continuassem a comprar desses frigoríficos. Na mesma época, o Greenpeace fez uma campanha global que alertou compradores de produtos dos frigoríficos que estavam associados ao desmatamento ilegal.
Para se livrarem de processos criminais e do boicote de parte do mercado, vários frigoríficos, incluindo os quatro maiores na época, assinaram acordos (Termos de Ajustamento de Conduta – TAC) com o MPF e um compromisso público com o Greenpeace. O TAC é um compromisso legal que, se descumprido, autoriza o MPF a executar as sanções sem necessidade de intervenção judicial. Os frigoríficos signatários do TAC se comprometeram a só comprar de fazendas livres de desmatamentos após 2009, fora da lista de trabalho análogo a escravo do Ministério do Trabalho, registradas no Cadastro Ambiental Rural (o CAR reúne um mapa da fazenda e informações do detentor do imóvel e serve como carteira de identidade da fazenda) e que não estejam em Áreas Protegidas. Depois, outros frigoríficos assinaram TAC em outros estados da Amazônia, criando a expectativa de que esse tipo de acordo pode ser um instrumento promissor contra o desmatamento. A seguir, resumimos a situação dos acordos, os avanços e os desafios.
• Metade dos frigoríficos ativos, responsáveis por 70% da capacidade de abate, assinaram acordos contra o desmatamento
110 empresas são responsáveis por 93% dos abates na Amazônia Legal. Começamos com um mapeamento para descobrir onde estão os frigoríficos signatários e não signatários do TAC na Amazônia Legal e quais suas características. Usando dados governamentais e imagens de satélite, encontramos 157 plantas frigoríficas registradas no SIE e SIF, que foram responsáveis por 93% dos abates em 2016 na Amazônia Legal segundo o IBGE – Os frigoríficos registrados no Sistema de Inspeção Estadual (SIE) podem vender somente nos estados onde se localizam e os registrados no Sistema de Inspeção Federal (SIF) podem vender para todo o país e, se atenderem critérios adicionais, podem exportar.
Entrevistas com representantes das empresas proprietárias dos frigoríficos revelaram que as 157 plantas mapeadas na Amazônia Legal pertenciam a 110 empresas, mas somente 128 plantas, pertencentes a 99 empresas, estavam ativas em 2016.
Os frigoríficos com registro no SIF (que podem vender em todo Brasil e exportar) têm, em média, maior capacidade de abate (708 animais/dia), demandam mais fornecedores e percorrem, em média, 360 km para comprar gado, de acordo com entrevistas e nossas estimativas. Um frigorífico registrado no SIF precisaria de, em média, cerca de 580 mil hectares de pasto para abastecer sua demanda anual, considerando o uso total da sua capacidade média de abate e a produtividade média dos pastos.
Já os frigoríficos com registro no SIE (que só vendem no estado de localização) podem abater, em média, 181 animais/dia, podem comprar gado até uma distância média máxima de 153 km e precisariam de 25% da área de pasto de um frigorífico com registro no SIF para abastecer sua demanda anual.
99 empresas podem comprar de zonas que atingem 390 mil fazendas detentoras de 93% do rebanho amazônico. Estimamos que as zonas potenciais de compra de todos os 128 frigoríficos ativos se estendem por regiões que atingem 91% dos pastos existentes na Amazônia – o que é compatível com o fato de que eles são responsáveis por 93% do abate de gado na região. Assim, estimamos que as 99 empresas, proprietárias das 128 plantas ativas, podem influenciar, direta ou indiretamente, 390 mil fazendas que somam um rebanho aproximado de 79 milhões de reses (93% do total).
Estimamos ainda que as zonas potenciais de compra dos frigoríficos atingem regiões onde está contida a maior parte dos problemas associados ao desmatamento na Amazônia Legal: 88% do total de áreas embargadas pelo Ibama, 88% da área desmatada entre 2010-2015 que não foi embargada (apesar de que grande parte pode ser ilegal) e cerca de 90% das áreas sob maior risco de desmatamento entre 2016-2018 (de um total de 1,68 milhão de hectares de florestas).
Portanto, cobrar que as 110 empresas frigoríficas – que são as portas para o mercado – cumpram a lei ou se comprometam com o desmatamento zero parece um caminho mais promissor para reduzir o desmatamento do que vigiar individualmente os 390 mil fazendeiros.
• Os avanços e desafios dos acordos contra o desmatamento
Nossas análises revelaram vários avanços dos acordos e muitos desafios.
70% da capacidade de abate são de frigoríficos que assinaram TAC. Cruzando nossa lista de frigoríficos com os registros dos Ministérios Públicos na Amazônia, descobrimos que 49% dos frigoríficos ativos (63 dos 128) com registros no SIF e SIE assinaram TAC e que eles detêm 70% da capacidade de abate de todas as plantas frigoríficas. Trinta e oito empresas controlam esses frigoríficos. As zonas de compra dessas empresas conjuntamente cobrem 86% do total de áreas embargadas pelo Ibama, 83% da área desmatada entre 2010-2015 que não foi embargada (apesar de que grande parte pode ser ilegal) e cerca de 85% das áreas sob maior risco de desmatamento entre 2016-2018 (de um total de 1,68 milhão de hectares de florestas). Assim, se todas cumprissem os acordos, o potencial de redução do desmatamento seria expressivo.
Há evidências de que algumas das empresas estão boicotando compras de fazendas irregulares, incluindo um estudo científico sobre uma empresa frigorífica (JBS) e auditorias independentes do compromisso público das três maiores empresas frigoríficas operando na região (JBS, Marfrig e Minerva). Entretanto, ainda não foi verificado se todos os signatários estão controlando os fornecedores, seja por causa de atrasos nas auditorias independentes que deveriam ter sido feitas por todos os signatários ou por falta de divulgação dos resultados de auditorias feitas em Mato Grosso.
Mesmo as empresas que assinaram TAC estão expostas aos riscos associados ao desmatamento. O primeiro problema é que fazendeiros têm burlado os boicotes por mecanismos de lavagem. Por exemplo, fazendeiros arrendam fazendas embargadas para outros fazendeiros, os quais vendem o gado usando documentos (CPF, CNPJ, CAR) diferentes do constante nas listas de embargo do Ibama ou dos estados. As fraudes são facilitadas porque os gestores públicos dificultam ou proíbem o acesso a informações públicas sobre o CAR e às informações sobre o transporte de gado entre as fazendas e das fazendas para os frigoríficos (as Guias de Trânsito Animal-GTA). As GTAs são obrigatórias e são emitidas por agências estaduais de controle sanitário animal. O Pará é o único estado da região que permite acesso público completo aos dados do CAR das fazendas.
O segundo maior desafio é que a maioria dos frigoríficos não controla as fazendas fornecedoras indiretas, ou seja, aquelas onde o gado nasceu e passou algum tempo antes de chegar às fazendas de engorda, que vendem o gado gordo para os frigoríficos. Uma empresa frigorífica avaliou que cerca de metade das fazendas fornecedoras diretas compra o gado de outras fazendas antes de engordá-lo e vendê-lo aos frigoríficos. Há meios para controlar os fornecedores indiretos, como demonstram projetos piloto na região e experiências em outros países, mas nem o mercado nem o MPF cobram ainda efetivamente o controle dos indiretos.
Após a primeira auditoria piloto do TAC no Pará, em 2014 o governo do estado iniciou uma abordagem inovadora que facilitaria o controle de todas as fazendas, inclusive das indiretas: só emitir a autorização de transporte de animais (GTA) para as fazendas que tivessem registro no CAR. Porém, por resistência da agência de controle sanitário do Pará, a Adepará, e dificuldades de coordenação entre a Adepará e Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Pará (Semas), o calendário inicial não foi cumprido. Após novas cobranças do MPF, um novo calendário foi instituído e a vinculação da emissão da GTA ao CAR deveria ser exigida de todas as fazendas no Pará até outubro de 2018, mas informantes declararam que esta vinculação foi paralisada novamente.
O terceiro desafio é que 30% da capacidade de abate é de frigoríficos que não assinaram o TAC. São 65 frigoríficos ativos, pertencentes a 63 empresas. Em geral, esses frigoríficos compram nas mesmas zonas que os frigoríficos com TAC. Assim, parte dos fazendeiros boicotados pelas empresas com TAC consegue vender para os frigoríficos sem TAC – o que caracteriza um vazamento do efeito dos acordos e uma competição injusta com as empresas que estão tentando assumir custos para excluir os fazendeiros que desmatam. Por exemplo, os fazendeiros do Pará podem vender tanto para frigoríficos no próprio estado como para frigoríficos de estados vizinhos, como o Tocantins, Amapá, Amazonas e Maranhão. Frigoríficos do Amazonas sem TAC também compram de Rondônia e, portanto, podem “exportar” o risco de desmatamento para aquele estado.
Essas barreiras aos avanços dos acordos e o fato de que o poder público vem reduzindo a proteção ambiental, facilitam o aumento do desmatamento. Por exemplo, desde 2012 a taxa de desmatamento aumentou 75% depois que o Congresso e a então presidente da República perdoaram uma parte do desmatamento ao mudar o Código Florestal e reduziram o tamanho e o grau de proteção de Unidades de Conservação e o número de fiscais no Ibama e no Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) da Amazônia.
• As empresas mais expostas aos riscos associados ao desmatamento
A grande maioria das empresas continua exposta aos riscos associados ao desmatamento: as signatárias de TAC porque sofrem os efeitos das fraudes e não controlam os fornecedores indiretos; e as não signatárias, porque não adotam qualquer controle dos fornecedores.
As empresas mais expostas aos riscos possuem várias plantas distribuídas na região, atendem ao mercado nacional e podem exportar (SIF) ou atendem a um mercado estadual grande em regiões com pouca oferta local de gado e, assim, compram de áreas distantes por meio de transporte fluvial barato.
As empresas com TAC que estão no topo do ranque de risco provavelmente seriam as que mais se beneficiariam com os esforços para melhorar o controle. Elas já adotam algum tipo de controle e teriam custos menores para avançar e poderiam ser premiadas mais rapidamente pelo mercado. Além disso, se beneficiaram da fiscalização à competição injusta daqueles que não adotam nenhum controle. Neste grupo está a JBS, a empresa potencialmente mais exposta aos riscos associados aos desmatamento, pois possui 32 plantas na região, das quais 21 estão ativas. Nas zonas potenciais de compra dessas plantas estão 4,6 milhões de hectares com algum tipo de risco, incluindo 1,7 milhão de hectares embargados, 1,6 milhão de hectares de área desmatada entre 2010-2015 e 1,2 milhão de hectares de floresta com risco de desmatamento entre 2016 e 2018. Outras quatro empresas ocuparam um segundo nível de exposição de risco. O frigorífico Redentor, no norte de Mato Grosso, ocupou a segunda posição no ranque com apenas uma planta, mas situada em região com altos índices de embargos de desmatamento recente e com alto risco de desmatamento futuro. As outras três empresas possuem mais de uma planta: Marfrig (5 plantas), Vale Grande (3 plantas) e Frigorífico Mercúrio (2 plantas).
É notável que várias empresas sem TAC também ocupem posição de destaque no ranque de exposição potencial ao risco de desmatamento. Fazer essas empresas boicotarem gado associado ao desmatamento poderia resultar em ganhos rápidos no controle do desmatamento. No topo deste ranque está o frigorífico Frigo Manaus, que se destaca por comprar em uma zona que alcança, no período das cheias, animais a até mais de 1.000 km de distância, no Pará e Rondônia, quando fica escassa a oferta de animais no entorno de Manaus. Um segundo grupo com maior exposição inclui dez empresas, nove delas registradas no SIF – isto é, podem vender carne e subprodutos no mercado nacional e, se habilitadas, também no mercado externo –, que compram de longas distâncias (p. ex., Bovinorte, em Manaus-AM) ou que possuem mais de uma planta (p. ex., Total, em Rolim de Moura e Ariquemes e Distriboi, em Cacoal e Ji-Paraná, todas em Rondônia), ou que estão localizadas em áreas sob grande pressão por novos desmatamentos (p. ex., T. M. da Silva de Carvalho, em Novo Progresso-PA).
• A pecuária continuará associada ao desmatamento na Amazônia?
Depois de avaliar os avanços e desafios até agora, refletimos sobre o futuro: os acordos feitos pelas empresas serão consolidados e ampliados e levarão à redução drástica do desmatamento? Ou uma parte do mercado vai continuar comprando de fazendeiros que desmatam? Para responder a estas perguntas analisamos as forças a favor e contra o desmatamento e sua relação com os acordos da pecuária. O histórico do setor mostra que mudanças significativas de comportamento dos fazendeiros e das empresas frigoríficas só ocorreram quando as empresas foram boicotadas ou estavam na iminência de ser e/ou quando estavam em risco acentuado de penas legais e/ou de reputação (que poderiam levar à perda futura de mercado ou de financiamento).
Considerando as lições do passado e as possibilidades futuras, concluímos que as forças favoráveis ao desmatamento estão em vantagem no curto prazo, mas há possibilidades para virar o jogo. Há várias promessas de compromissos nacionais e internacionais para zerar ou reduzir drasticamente o desmatamento entre 2020 e 2030. Entretanto, os avanços ainda são modestos e o cumprimento das metas é incerto.
• Retrocessos e possibilidades no curto prazo
Em 2016, as exportações aumentaram a partir da abertura do mercado chinês, o que pode aumentar a pressão para desmatar. Ao mesmo tempo, o poder público continua negando o acesso aos dados sobre a identificação dos detentores de imóveis rurais registrados no CAR e do transporte de gado (GTAs), que poderiam facilitar o controle de gado vendido direta e indiretamente. Além disso, o presidente da República e o Congresso estão aprovando leis que reduzem o grau de proteção de Unidades de Conservação e que estendem o prazo para ocupantes ilegais solicitarem a regularização de posses de terras públicas.
Em abril de 2017, uma operação do Ibama no Pará (a Carne Fria) embargou frigoríficos e um exportador de gado vivo acusados de comprar gado de áreas embargadas. Entretanto, esses resultados imediatos foram enfraquecidos por ações do governo federal, de políticos regionais e pelo Judiciário. Apesar disso, o Ibama demandou que as empresas desembargadas administrativamente apresentem em 90 dias soluções para evitar compras de áreas irregulares. Depois disso, alguns dos grandes supermercados têm cobrado informações de frigoríficos acusados pelo Ibama e indicado que podem deixar de comprar se as respostas não forem satisfatórias. Essa cobrança está ajudando a acelerar o desenvolvimento de um projeto piloto de controle de fornecedores indiretos que vinha sendo discutido por fazendeiros no Pará. As reuniões que o governo do Pará convocou para avaliar as opções para aperfeiçoar a implantação do TAC após a operação Carne Fria podem ser um espaço para ampliar as iniciativas piloto. As primeiras reuniões incluíram Ibama, Ministério do Meio Ambiente (MMA), MPF, produtores e frigoríficos. O projeto poderia ser acelerado com a participação de grandes compradores de produtos dos frigoríficos e os outros setores necessários do governo como o Ministério da Agricultura, Pecuária a Abastecimento (Mapa). A Associação Brasileira de Supermercados (Abras), que assinou compromisso com o MPF, também deveria se engajar para fortalecer o papel do varejo. Como nossos dados mostram, menos de 50 empresas são responsáveis pela grande maioria dos abates.
A operação Carne Fria pode ainda resultar em outros impactos indiretos. O Ibama sugeriu ao MPF do Pará a execução das sanções estabelecidas no TAC contra os frigoríficos que descumpriram o acordo. O MPF pode aplicar as sanções extrajudicialmente (sem intervenção de um juiz), o que poderia acelerar a adoção de melhores práticas. Portanto, o efeito da operação no curto prazo dependerá, em grande medida, da decisão do MPF, que informou que está aguardando as manifestações dos frigoríficos para decidir sobre as recomendações do Ibama.
No curto prazo, as auditorias do TAC e as sanções do TAC decorrentes da operação Carne Fria podem ser os eventos mais promissores contra o desmatamento. Vinte e duas empresas que assinaram o TAC no Pará e 12 em Mato Grosso contrataram auditorias independentes. Se o MPF e o mercado punirem os frigoríficos que eventualmente violarem os acordos, as empresas tenderiam a fortalecer o controle, inclusive dos fornecedores indiretos.
Entretanto, as reações contra a operação Carne Fria mostram que é necessário barrar as pressões políticas contra órgãos ambientais. O setor ambiental poderia aprender com a experiência recente de combate à corrupção no Brasil. O uso de estratégias de comunicação tem ajudado os investigadores da Lava Jato a obter apoio da população e barrar as pressões políticas.
Um plano de comunicação poderia ter duas vertentes. Uma que ressalta os impactos sociais, ambientais e econômicos negativos do desmatamento. A outra que demonstra que o combate ao desmatamento não tem impedido e nem impedirá o desenvolvimento econômico do país, pois é possível aumentar a produção nas vastas áreas desmatadas mal utilizadas, tanto na Amazônia, quanto no resto do país.
O jogo contra o desmatamento também pode virar por causa de campanhas ambientais que podem ocorrer a qualquer momento e minar as forças favoráveis ao desmatamento. O Greenpeace suspendeu as negociações com a JBS sobre o Compromisso Público da Pecuária logo após a operação Carne Fria e depois suspendeu a participação do acordo com todas as empresas dada a falta de avanços, a revelação do envolvimento dos sócios controladores da JBS em corrupção e os retrocessos de políticas ambientais. Em virtude do aumento do desmatamento na Amazônia, é plausível que ocorram novas campanhas focadas nos frigoríficos que operam na região.
• Promessas e regras de médio e longo prazos contra o desmatamento
Várias promessas do setor privado, de governos e de organismos multilaterais contra o desmatamento têm 2020 e 2030 como prazos limites. Por enquanto essas medidas têm pouco efeito imediato no campo. Se as promessas forem cumpridas, podem ter efeito especialmente em relação às maiores empresas.
Acordos e iniciativas internacionais. Em 2010, o Fórum de Bens de Consumo (Consumers Goods Forum-CGF), composto por grandes corporações internacionais como Unilever, Walmart e MacDonalds, prometeu atingir o desmatamento líquido zero em sua cadeia de suprimentos até 2020. O desmatamento líquido zero implica que a perda de floresta deve ser compensada por meio de reflorestamento ou regeneração natural.
Em 2014, governos, empresas e sociedade civil aprovaram a Declaração de Nova Iorque sobre Florestas (NYDF), que é uma declaração internacional voluntária e não vinculativa para tomar medidas para reduzir o desmatamento global. A meta dois da NYDF é apoiar e ajudar o setor privado a eliminar o desmatamento vinculado à produção de mercadorias agrícolas como óleo de palma, soja, papel e carne até no máximo 2020. Dentre as empresas estão a Cargill, Unilever, Procter & Gamble, McDonald´s, Johnson & Jonshon e a Nestlé. O governo brasileiro não é signatário, mas os estados do Acre, Amapá e Amazonas são.
Em 2015 o governo brasileiro e outros países aderiram às Metas do Desenvolvimento Sustentável da Organização das Nações Unidas (ONU), que incluem parar o desmatamento em 2020. O Brasil, como signatário, acordou apresentar anualmente uma Revisão Nacional Voluntária sobre os avanços para os atingimentos das metas. Embora voluntário, este acordo é mais ambicioso do que as políticas nacionais sobre mudanças climáticas cuja meta é reduzir o desmatamento amazônico a menos de 3.800 quilômetros quadrados até 2020 e de zerar o desmatamento ilegal até 2030 (referente ao acordo de Paris do qual o Brasil também é signatário). A revisão anual exporá os países que não avançarem rumo às metas, mas as consequências são incertas.
Políticas nacionais. Os governos brasileiro e estaduais têm instituídas outras metas. O Conselho Monetário Nacional e o Banco Central, por meio da Resolução nº. 4.327/2014, demandam que instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil estabeleçam e implementem a Política de Responsabilidade Socioambiental (PRSA) a partir de fevereiro de 2015. O governo de Mato Grosso prometeu reduzir em 90% o desmatamento até 2030 e zerar o desmatamento ilegal até 2020. Em 2016, os governos federal e o estadual aumentaram a fiscalização no estado, mas 95,4% da área desmatada em Mato Grosso não possuía autorização do órgão ambiental. Em 2016 o desmatamento caiu apenas 6% em Mato Grosso em relação a 2015. O poder dissuasório das fiscalizações provavelmente tenha sido enfraquecido por causa das anistias recentes.
No Pará, em 2012, o governador do estado estabeleceu como meta zerar o desmatamento líquido até 2020. Apesar dos programas do estado, como o Programa Municípios Verdes e a estratégia Pará 2030, o desmatamento no estado continua elevado e subiu 75% entre 2012 e 2016. O caso do Pará parece mostrar que planos locais são insuficientes para lidar com as forças do mercado e planos nacionais que favorecem o desmatamento, como a redução de proteção legal e grandes projetos de infraestrutura que atraem imigrantes sem a execução de medidas de mitigação. Esta situação é grave uma vez que parece improvável que os atuais chefes dos poderes Executivo e Legislativo federais irão reforçar espontaneamente as medidas contra o desmatamento. Os avanços dessas políticas dependerão de aumento da pressão sobre esses agentes públicos, da sociedade civil brasileira, agentes do mercado e da comunidade internacional.
• Avanços insuficientes das promessas de médio e longo prazo
Entretanto, as promessas internacionais de médio e longo prazo apresentam avanços insuficientes. Uma análise global de 500 empresas, investidores e governos revelou que os compromissos como o do CGF e da NYDF não serão cumpridos até 2020 ou 2030 se for mantido o ritmo de progresso observado até 2016. A maioria dos países importadores de produtos vinculados ao desmatamento não possui medidas restritivas de compras.
As forças contra o desmatamento podem mudar se essas avaliações dos compromissos inspirarem ações concretas no curto prazo. Por exemplo, oito empresas estão trabalhando com o Carbon Disclosure Project (CDP) para coletar informações de seus principais fornecedores sobre como eles estão gerenciando os riscos associados ao desmatamento. A análise dos dados de fornecedores coletados no ano piloto de 2017 será publicada no relatório anual da cadeia de suprimentos do CDP em janeiro de 2018. Dentre as oito empresas estão a JBS e a Arcos Dorados, franquia da McDonald’s na América Latina.
Em síntese, o sucesso das promessas e acordos dependem de passos ou marcos de implementação mais contundentes no curto prazo – como punições e restrições de mercado se determinadas metas não forem cumpridas. As experiências anteriores mostram que os fazendeiros e a agroindústria respondem de forma pragmática quando as pressões e incentivos são claros e consistentes. Sem uma pressão clara de fora do setor (do mercado, da sociedade e de agentes públicos), é provável que muitos frigoríficos não assumam compromissos e que os acordos não sejam implementados efetivamente. Neste cenário, milhares de fazendeiros na Amazônia continuariam derrubando e queimando florestas para criar gado.
Diariamente, fazendeiros na Amazônia recebem uma mensagem do mercado: compro seu gado. Os mensageiros do mercado, que chegam por rios e estradas, são comerciantes intermediários e funcionários de frigoríficos que transportam o gado por meio de caminhões e balsas por até centenas de quilômetros até o local de abate. Dos frigoríficos, a carne e vísceras seguem para clientes diversos como açougues locais, grandes redes de supermercado em grandes cidades brasileiras e internacionais e redes de restaurantes. O couro segue para curtumes e depois de processado vira sapatos, bolsas, capas de banco de automóveis e outros produtos no Brasil e no exterior. Cerca de 23% da produção de carne brasileira é exportada e, o restante, abastece o mercado interno (IFNP, 2016).
Respondendo ao apetite do mercado, fazendeiros locais e novos imigrantes na Amazônia desmataram mais áreas para plantar pasto. Como consequência, o rebanho na Amazônia Legal[1] cresceu de 37 milhões de cabeças (23% do rebanho nacional) em 1995 para 85 milhões em 2016, ou quase 40% do rebanho nacional. Assim, em 2016, havia na região aproximadamente quatro cabeças de gado por habitante. O crescimento da pecuária na Amazônia Legal também é apoiado por políticas públicas como o crédito rural e a vigilância sanitária, e em 2006 envolvia aproximadamente 393 mil fazendas, conforme dados mais recentes do IBGE (IBGE – Censo Agropecuário, 2006; Rivero et al., 2009).
Porém, crescentemente, a pecuária tem sido vista como uma grande ameaça ambiental, especialmente por causa do desmatamento associado, em sua grande maioria ilegal. Em torno de 65% da área desmatada na Amazônia era ocupada por pastos em 2013-2014 (Inpe/Embrapa, 2015 e Inpe/Embrapa, 2016). As queimadas usadas para limpar o solo depois do desmatamento respondem por cerca de 37% das emissões do país de gases que causam o aquecimento global (SEEG, 2016). Além de afetar o clima, esta poluição causa mortes prematuras por doenças respiratórias na região, no restante do país e na América do Sul para onde a fumaça se espalha[2]; e provoca partos prematuros de crianças e o nascimento de bebês abaixo do peso (Bermúdez et al., 2014). Ademais, a pecuária é campeã de casos de trabalho análogo a escravo (CPT, 2016) e está fortemente associada à grilagem de terras, que é a ocupação ilegal de terras públicas (Veja exemplo em MPF-PA, 2016).
Para combater os aspectos negativos da pecuária na Amazônia, em 2009 organizações não governamentais (ONGs) ambientais realizaram campanhas e procuradores do Ministério Público Federal (MPF) e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) no Pará conduziram ações legais contra fazendas, frigoríficos, supermercados, curtumes, varejistas (supermercados) e indústria (Greenpeace, 2009; MPF, 2009; Smeraldi & May, 2009). A ação do MPF baseou-se em lei que permite a responsabilização de empresa que compre produtos derivados de crimes ambientais e no fato de que o governo passou a divulgar uma lista com áreas embargadas por desmatamento ilegal (MPF, 2013). Em resposta a essas ações, várias empresas deixaram imediatamente de comprar carne de 11 empresas frigoríficas do Pará.
Para reganhar o mercado e para se livrarem de processos legais, várias empresas frigoríficas assinaram acordos que visam reduzir o desmatamento, promover a regeneração de áreas desmatadas ilegalmente e coibir o trabalho escravo. Elas se comprometeram a boicotar o gado oriundo de áreas com pelo menos um destes problemas: desmatadas após outubro de 2009, embargadas pelo Ibama, condenadas por ocorrência de trabalho análogo à escravidão constantes na lista do Ministério do Trabalho, sobrepostas a áreas protegidas (Unidades de Conservação e Terras Indígenas), sem registro no Cadastro Ambiental Rural (CAR) e sem Guia de Trânsito Animal (GTA) (Barreto e Araújo, 2012; Gibbs et al., 2015). Além disso, foi dado um prazo às empresas frigoríficas para que elas desenvolvessem mecanismos para monitorar também os fornecedores indiretos e garantir que essas propriedades também não tenham desmatado após outubro de 2009 (Greenpeace, s.d.). Os fornecedores indiretos são as fazendas que produzem bezerros e novilhos e depois os vendem para as fazendas de engorda de onde os frigoríficos compram os bois gordos para abate. O cumprimento dos acordos seria avaliado por auditorias independentes. Após os acordos no Pará, frigoríficos em outros estados também assinaram TAC (MPF, 2013).
Outros desdobramentos ocorreram após os primeiros acordos. Ainda em 2009, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) lançou diretrizes para financiamento de empresas frigoríficas, nas quais prometeu exigir que até dezembro de 2015 todo o gado que abastecesse as empresas financiadas deveria ser rastreado, desde o nascimento até o abate (BNDES, 2009). A Associação Brasileira de Supermercados (Abras) também prometeu lançar um sistema de certificação de origem da carne de forma a evitar compras de carne bovina de áreas desmatadas na Amazônia e associadas a outras irregularidades ambientais e sociais
(Inacio e Froufe, 2009; Abras, 2013). Além disso, em 2016, após a campanha divulgada no relatório “Carne ao Molho Madeira”, do Greenpeace, que mobilizou consumidores, três grandes redes de supermercados (Walmart, Pão de Açúcar e Carrefour) se comprometeram a monitorar seus fornecedores diretos (frigoríficos) e desenvolver ferramentas para evitar comprar de áreas com desmatamento recente e ocorrência de trabalho análogo a escravidão. Tais acordos geraram muitas expectativas pelo caráter inovador e pelo fato de que o Brasil é o maior desmatador do planeta (Greenpeace, 2016b).
Entretanto, os acordos ainda não foram suficientes para reduzir de forma sustentada o desmatamento na Amazônia. As taxas anuais de desmatamento caíram entre 2010 e 2012 (7 mil para 4,5 mil quilômetros quadrados), mas subiram desde 2013, chegando a 8 mil quilômetros quadrados em 2016 (Inpe, 2016), num período em que mais empresas haviam assinado os acordos. Enquanto isso, o rebanho bovino e os abates na região continuaram a crescer, segundo dados do IBGE (2017 e 2017a) e Pnefa (2016) (Figura 1). O abate só caiu em 2015 por causa da recessão econômica no país (Azevedo e Portugal, 2016).
Portanto, empresas envolvidas com pecuária na Amazônia (produtores, processadores, compradores, financiadores) continuam correndo riscos (diretos e indiretos) de ações legais, de perda de reputação por campanhas ambientais e de perda de mercado.
Sete anos depois do primeiro acordo, fomos a campo para descobrir se os frigoríficos, de fato, podem contribuir para zerar o desmatamento na região. Com base em entrevistas, levantamentos de dados inéditos e revisão de estudos e políticas das empresas e do poder público, respondemos as seguintes perguntas:
1. Onde estão as empresas frigoríficas (proprietárias dos frigoríficos) signatárias e não signatárias de TAC na Amazônia Legal e quais suas características?
2. Onde cada frigorífico (planta frigorífica) provavelmente compra gado (zona potencial de compra de gado) e quais os riscos associados ao desmatamento nessas zonas considerando as áreas embargadas pelo Ibama por desmatamento, o desmatamento entre 2010-2015 e o risco de desmatamento futuro (2016-2018)?
3. Quais empresas frigoríficas estão mais expostas aos riscos associados ao desmatamento?
4. Por que o desmatamento persiste apesar dos acordos?
5. O desmatamento para a pecuária vai continuar dadas as forças atuais e tendências pró e contra o desmatamento?
Nossa análise conseguiu tratar da maior parte da indústria de processamento de carne, pois mapeamos os frigoríficos responsáveis por 93% dos abates em 2016, segundo o IBGE (2017a). Estes são os frigoríficos registrados nos Sistemas de Inspeção Estaduais (SIE), os quais podem vender apenas nos estados onde estão localizados, e no Sistema de Inspeção Federal (SIF), que podem vender para todo país e eventualmente exportar, se atenderem critérios adicionais. Não mapeamos os frigoríficos e matadouros registrados nos Sistemas de Inspeção Municipais (SIM), que podem apenas vender nos municípios onde estão registrados. Embora em maior número, as empresas com registro no SIM seriam responsáveis por apenas 7% dos abates IBGE (2017a) e seus dados são mais difíceis de encontrar, pois não estão disponibilizados publicamente de forma sistemática. Existem ainda matadouros clandestinos que não estão registrados em nenhum sistema de inspeção sanitária, os quais representavam menos de 10% do abate em 2012 de acordo com Cepea (Cepea, 2014). Como mostraremos depois, as zonas de compra analisadas cobriram a quase totalidade das áreas de pastos. Assim, as limitações de dados municipais não resultou em perda significativa para a análise.
Figura 1. Rebanho e abates de gado bovino na Amazônia Legal de 2009 a 2016
Utilizamos metodologias específicas para cada uma das três partes do estudo, conforme apresentamos abaixo.
Esta estimativa requereu quatro passos.
2.1.1 Mapear os frigoríficos registrados no SIE e SIF na Amazônia Legal
O primeiro passo foi mapear os frigoríficos. Obtivemos seus endereços nos bancos de dados do Mapa (Mapa, 2016) e das agências estaduais de defesa agropecuária na Amazônia Legal (Adaf, Adapec, Adepará, Aderr, Aged, Diagro, Idaf, Idaron e Indea). Em seguida, identificamos quais frigoríficos estavam ativos e inativos. Para isso, entrevistamos por telefone representantes dos frigoríficos e das agências de defesa agropecuária e consultamos sites especializados em pecuária[3].
Na sequência, validamos os endereços dos frigoríficos utilizando imagens de satélite disponíveis na plataforma do Google Earth[4]. Inserimos individualmente os endereços na plataforma, que nos direcionou ao local indicado na imagem, onde verificamos se a imagem do local correspondia às características de uma planta frigorífica. Isso foi possível porque uma planta frigorífica possui uma estrutura padronizada com currais e tanques de armazenamento e tratamento de água, conforme mostramos na Figura 2. Quando o endereço não coincidiu exatamente com a planta frigorífica na imagem de satélite, ajustamos manualmente as coordenadas geográficas para que o ponto ficasse exatamente sobre a planta. O produto final desta etapa foi uma tabela no ambiente do Fusion Table App[5] e um mapa com a localização validada dos frigoríficos na plataforma Google Earth e no programa ArcGis 10.3.
Figura 2. Imagens de satélite de dois frigoríficos na plataforma do Google Earth
2.1.2 Obter as distâncias máximas de compra de gado pelos frigoríficos
O segundo passo foi obter os dados das distâncias máximas de compra de gado pelos frigoríficos. Isso foi feito entrevistando-se por telefone, entre março e abril de 2016, representantes de 40 plantas[6], que correspondem a 31% das unidades ativas. Para os frigoríficos que não conseguimos contato, estimamos uma média regional das distâncias com base nos dados conhecidos dos três frigoríficos mais próximos e, quando não tínhamos informações suficientes para calcular essa média, estimamos uma média estadual de acordo com o tipo de inspeção – ou seja, estimamos que aqueles com registro no SIF teriam uma escala de abate e distância de compra de gado na mesma faixa de outros que também têm registro federal. O produto desta etapa foi uma planilha do Fusion Table App com o registro das distâncias máximas para cada planta frigorífica.
Consideramos que os dados fornecidos pelos entrevistados se referem à época mais seca do ano, que é quando os frigoríficos percorrem maiores distâncias para comprar gado. A exceção é para os frigoríficos localizados no estado do Amazonas, que percorrem distâncias maiores durante o período de cheias, quando há escassez de animais em seu entorno e precisam utilizar os rios para comprar gado em regiões mais distantes. Esses caminhos são uma rede de estradas oficiais e não oficiais e/ou rios navegáveis.
2.1.3 Estimar as zonas potenciais de compra de gado
O terceiro passo foi estimar as zonas potenciais de compra de gado dos frigoríficos, que é a região onde é viável para eles comprarem o gado (Veja exemplo de zona na Figura 3). Essa estimativa foi realizada em duas etapas. Primeiro, projetamos as zonas considerando as distâncias máximas de compra informadas pelos entrevistados e as vias de acesso. Depois, quando necessário, ajustamos as zonas considerando fatores que restringiam ou ampliavam as zonas de compra em situações particulares. Destacamos que a estimativa aponta a zona potencial máxima de compra e não necessariamente a região de compra efetiva. A estimativa dessa zona, portanto, serve para mapear a exposição potencial de risco, mas não atribui um risco preciso da compra efetiva das empresas.
Figura 3. Zona potencial máxima de compra de gado de um frigorífico no sudoeste do Pará em 2016
Para projetar as zonas potenciais máximas de alcance de compra de gado de cada frigorífico utilizamos uma função de um programa (Cost Distance do ArcGis) que permite identificar e percorrer todos os caminhos disponíveis no entorno das plantas até atingir a distância máxima de compra obtida. Para tanto, utilizamos a localização dos frigoríficos e consideramos os seguintes caminhos: estradas oficiais (IBGE, 2012) e não oficiais[7] (Imazon, 2012), rios navegáveis (Inpe/Prodes, 2015) e pastos em 2014 no bioma Amazônia (Inpe/Embrapa, 2016) e em 2010 na parte do bioma Cerrado contido na Amazônia Legal (Lapig, 2010). Veja um exemplo de zona potencial de compra de um frigorífico na Figura 4A.
Para confirmar se as zonas potenciais de alcance de compra de gado geradas pelo ArcGis eram plausíveis, consultamos a literatura, informantes chave (seis no total, incluindo produtores rurais e veterinários das agências de defesa agropecuária) e o banco de dados do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), que nos forneceram os destinos de animais para abate de cada estado. Quando as informações geradas pelo ArcGis e as fornecidas pelas fontes mencionadas acima não coincidiram, tivemos que excluir ou acrescentar áreas às zonas definidas pelo ArcGis. Esse ajuste resultou em um corte de 7% da zona calculada inicialmente. Os principais ajustes foram feitos no Amazonas, Pará e Amapá. Isso ocorreu, por exemplo, quando o ArcGis registrou a zona potencial de compra de um frigorífico ou parte dela em uma área de um estado vizinho de onde a empresa não compra gado segundo a bibliografia, informantes chave e ou o banco de dados do Mapa consultados. Por exemplo, nossas fontes de dados informaram que é comum o trânsito de animais para abate saindo do Pará em direção ao Tocantins, mas não no sentido oposto. Nesses casos, então, excluímos da zona o território do estado vizinho (Veja uma ilustração desse exemplo na Figura 4B). Outro exemplo foi quando a zona de compra de gado de um determinado frigorífico não atingiu municípios que de fato são seus fornecedores, e tivemos que ampliar a zona de acordo com as informações dadas por nossas fontes de dados.
Figura 4. Definição da zona potencial de alcance do frigorífico Rio Maria, situado no município de Rio Maria, PA. A – Alcance máximo calculado. B – Alcance máximo ajustado, após a exclusão de áreas no Tocantins a partir de informações de que o frigorífico não compra naquele estado
2.1.4 Ranquear as empresas frigoríficas quanto à exposição ao desmatamento
O quarto e último passo foi ranquear as empresas frigoríficas quanto à exposição ao risco de comprar gado oriundo de desmatamento. Para estimar a exposição de cada frigorífico cruzamos o mapa da zona potencial de compra de cada um deles aos mapas das áreas embargadas pelo Ibama (até novembro de 2016) com maior somatória de áreas desmatadas recentemente (2014-2015) e em risco de desmatamento futuro (2016-2018). Depois ranqueamos os frigoríficos de acordo com as maiores somatórias dessas variáveis. Para evitar dupla contagem de áreas desmatadas, subtraímos as áreas embargadas das áreas desmatadas.
Utilizamos o método de classificação natural de Jenks para classificar as empresas de acordo com a variância interna e possibilitar a visualização de diferentes grupos de risco.
No caso das empresas que possuíam mais de uma planta (frigoríficos), somamos as áreas dessas variáveis dentro das zonas de compra de todas as plantas da empresa. Usamos o programa de computador ArcGis para fazer o cruzamento e a somatória de todas as variáveis. A Figura 5 mostra o exemplo do cruzamento da zona de compra de um frigorífico com os indicadores avaliados.
Em uma análise complementar, sobrepusemos às zonas de compra das empresas frigoríficas as áreas de pastos formados até 2014 a fim de estimarmos a área de pasto potencialmente acessível por cada empresa.
Figura 5. Zonas de compra de gado de um frigorífico com a sobreposição de pasto (A), desmatamento recente (B), áreas embargadas (C) e com risco de desmatamento (D)
Para a análise dos fatores que contribuem para a persistência do desmatamento na Amazônia após os acordos da pecuária, utilizamos informações da literatura e nossos dados sobre: i) as empresas signatárias e não signatárias de TAC, com dados de todos os estados da Amazônia Legal obtidos no MPF; ii) os avanços e falhas nos acordos da pecuária, incluindo os resultados das três auditorias das empresas signatárias do acordo com o Greenpeace (Marfrig, Minerva e JBS[8]); e iii) o enfraquecimento da política ambiental no Brasil.
Analisamos as forças a favor e contra o desmatamento e sua relação com os acordos da pecuária usando o método de campos de força de Lewin (Ramalingam, 2006). Esta análise permite avaliar o potencial de mudança de uma situação considerando os fatores favoráveis à mudança (neste caso, reduzir desmatamento) e as forças de resistência (favoráveis ao desmatamento). Primeiro, listamos as forças com base na revisão da literatura, de eventos recentes (por exemplo, mudanças de leis) e promessas de ações futuras (por exemplo, promessas de metas de redução de desmatamento por empresas e governo).
Depois, atribuímos uma nota às forças (de um a cinco) considerando o seu poder de influenciar as mudanças ou a resistência. Consideramos que mudanças significativas de comportamento das empresas do setor da pecuária só ocorreram quando as empresas foram boicotadas ou estavam na iminência de ser, e/ou quando estiveram sob riscos acentuados de penas legais e/ou de reputação (que poderiam levar à perda futura de mercado ou de financiamento). Esse padrão pode ser observado no caso da Moratória da Soja, que ajudou a reduzir o desmatamento direto para plantio de soja na Amazônia (Apêndice 1), e também nas restrições que levaram os fazendeiros com apoio do governo a ampliar o controle da febre aftosa para conseguir exportar carne fresca (Apêndice 2). Assim, consideramos que ações restritivas, duradouras e com ampla aplicação são mais fortes contra o desmatamento, enquanto promessas de médio e longo prazos e ações piloto são fracas. Da mesma forma, ações concretas no curto prazo que bloqueiam as medidas contra o desmatamento são fortes a favor do desmatamento.
Esta análise não pretende ter precisão matemática, mas indicar a ordem de grandeza das forças e identificar medidas que poderiam favorecer mudanças.
Mapeamos na Amazônia Legal 157 frigoríficos com registros no SIF e SIE (lista completa no Apêndice 3). Destes, 128 estavam ativos (82%) e 29 inativos em maio de 2016 (Figura 6 e Tabela 1). Os estados do Pará, Mato Grosso e Rondônia juntos concentraram 62,9% dos frigoríficos ativos, 75,3% do rebanho bovino e 74,9% da área total de pasto da Amazônia Legal (Figura 7). O Quadro 1 explica as prováveis causas de fechamento de frigoríficos. Os 128 frigoríficos ativos pertenciam a 99 empresas e somavam a capacidade de abate de 59.824 animais por dia (equivalente a 78% do total da capacidade de abate instalada das plantas registradas no SIE e SIF – Tabela 1).
Quarenta e nove por cento (63 dos 128) dos frigoríficos ativos pertenciam a 38 empresas signatárias de TAC e somavam 70% da capacidade de abate ativa (ou 54% da capacidade total de abate instalada, incluindo os frigoríficos inativos). Os frigoríficos registrados no SIF representaram 91% da capacidade de abate dos frigoríficos ativos signatários de TAC e os frigoríficos registrados no SIE somaram apenas 9% dessa capacidade. As três maiores empresas frigoríficas (JBS, Marfrig e Minerva) são signatárias de TAC e possuíam 27 frigoríficos ativos (21% dos frigoríficos ativos) e 42% da capacidade de abate das unidades ativas. Já os 51% (65 dos 128) restantes dos frigoríficos ativos pertenciam a 72 empresas não signatárias e somavam 30% da capacidade de abate ativa (ou 24% da capacidade total de abate instalada, incluindo os frigoríficos inativos).
Dez empresas[9] concentraram 59% da capacidade total de abate dos frigoríficos ativos. Os 41% restantes estão distribuídos entre empresas menores (Figura 8). Essa distribuição terá implicações na capacidade de influenciar a intensificação dos problemas ou soluções do setor, como discutiremos na seção 4.
Figura 6. Localização dos 157 frigoríficos ativos e inativos registrados no SIE e SIF na Amazônia Legal em abril de 2016. Os números ao lado dos pontos de localização dos frigoríficos correspondem ao número identificador no Apêndice 3
Tabela 1. Número de empresas, de frigoríficos e sua capacidade de abate geral e com e sem TAC entre os frigoríficos com registro estadual (SIE) e federal (SIF) na Amazônia Legal em 2016
Figura 7. Número de frigoríficos ativos, rebanho bovino e área de pasto por estado da Amazônia Legal em 2016
Quadro 1. Por que 18% dos frigoríficos estavam inativos em 2016?
Dos 29 frigoríficos inativos, 21 (72%) tinham registro no SIF e 8 (28%) no SIE. A maioria (14) estava em Mato Grosso e Rondônia (9). O Pará e o Acre possuíam respectivamente 2 e 4 unidades inativas. A capacidade diária de abate dos frigoríficos variou de 1.400 cabeças (JBS em Vila Rica, MT) a 60 cabeças (Frigovale Jaciara, em MT e Frigoisa, em RO). A capacidade média de abate dos inativos com registro no SIF foi de 743 animais/dia e no SIE, foi de 193 animais/dia.
Quatro fatores podem ter contribuído para a desativação desses frigoríficos.
Figura 8. Número de frigoríficos ativos e inativos por empresa e capacidade de abate cumulativa de todos os frigoríficos e somente dos ativos na Amazônia Legal em 2016
As zonas potenciais de compra de gado dos frigoríficos revelam situações importantes para a gestão dos acordos pelo desmatamento zero.
A extensão das zonas difere principalmente conforme a capacidade de abate que é influenciada pelo potencial mercado (estadual ou federal e exportação), a disponibilidade de gado nas proximidades dos frigoríficos e o preço do frete (terrestre ou fluvial) (Figura 9). Por exemplo, no Acre, um frigorífico que abastece o mercado local e que tem suprimento suficiente de gado em seu entorno, compra gado até no máximo 20 km de distância. Enquanto que no Amazonas, um frigorífico que abastece apenas o mercado de Manaus (uma grande cidade), mas com baixa oferta local e com disponibilidade de transporte fluvial, que é mais barato do que o terrestre, compra gado até 1.050 km, no estado de Rondônia (Figura 9).
As maiores zonas foram as de frigoríficos com registro no SIF, que podem vender em todo o Brasil e exportar, se credenciadas. As plantas registradas no SIF têm, em média, maior capacidade de abate (708 animais/dia), demandam mais fornecedores e percorrem maiores distâncias (em média 360 km) para comprar animais. Um frigorífico com registro no SIF precisaria de, em média, aproximadamente 580 mil hectares de pasto para abastecer sua demanda anual, considerando o uso total da sua capacidade média de abate e a produtividade média dos pastos. As zonas potenciais de compra dos frigoríficos com registro no SIF foram de, em média, cerca de 15 milhões de hectares.
Já os frigoríficos registrados no SIE (que só vendem no estado de localização) tiveram a capacidade de abate média de 181 animais/dia (máxima instalada de 500
animais/dia e mínima de 15 animais/dia), compram gado de até uma distância média máxima de 153 km e precisariam de uma área de pasto quatro vezes menor do que um frigorífico registrado no SIF para abastecer sua demanda anual (Tabela 2).
As zonas potenciais de compra são bem mais amplas do que a área de pasto total necessária para o abastecimento da planta porque os pastos estão dispersos em regiões que incluem outros usos do solo, Unidades de Conservação, Terras Indígenas e áreas que são imprestáveis para pastos. Além disso, em geral, há vários frigoríficos operando em uma mesma região (cujas zonas de compra se sobrepõem) e eles precisam comprar gado a distâncias maiores do que a oferta no seu entorno imediato. A sobreposição de zonas de compras é mais intensa onde há mais gado e há vários frigoríficos instalados, como em Mato Grosso, leste do Pará e Rondônia (Figuras 10 a 15).
Os mapas mostram que há ampla sobreposição de frigoríficos com e sem TAC em várias regiões, o que cria o risco de vazamento – quando um signatário do TAC se recusa a comprar de uma fazenda irregular, o fazendeiro pode vender para outros sem TAC ou para um com TAC que não está cumprindo plenamente o acordo.
Os fazendeiros do Pará podem vender para frigoríficos sem TAC no próprio estado ou em estados vizinhos como o Tocantins, Amapá, Amazonas e Maranhão (Figuras 14, 16, 18 e 19). Frigoríficos do Amazonas sem TAC também compram de Rondônia e, portanto, podem exportar o risco de desmatamento para aquele estado. Frigoríficos sem TAC no oeste do Acre podem comprar no sul do Amazonas (Figura 17). Na seção 3.5.1 discutiremos este risco de competição injusta.
Tabela 2. Frigoríficos que atendem o mercado nacional e internacional (SIF) têm maior capacidade de abate e compram gado a distâncias máximas maiores do que os credenciados a vender apenas nos estados onde estão localizados (SIE)
Figura 9. Exemplos de características que influenciaram as zonas potenciais de compra dos frigoríficos mapeados na Amazônia Legal em 2016
Figura 10. Zonas potenciais de compra de gado de 12 frigoríficos ativos e inativos registrados no SIE e SIF e com e sem TAC localizados no sudeste de Mato Grosso em 2016. O ID corresponde ao número do frigorífico no Apêndice 3
Figura 11. Zonas potenciais de compra de gado de 19 frigoríficos ativos e inativos registrados no SIE e SIF e com e sem TAC localizados no sudoeste de Mato Grosso em 2016. O ID corresponde ao número do frigorífico no Apêndice 3
Figura 12. Zonas potenciais de compra de gado de 19 frigoríficos ativos e inativos registrados no SIE e SIF e com e sem TAC localizados no norte de Mato Grosso em 2016. O ID corresponde ao número do frigorífico no Apêndice 3
Figura 13. Zonas potenciais de compra de gado de 19 frigoríficos ativos e inativos registrados no SIE e SIF e com e sem TAC localizados no sudeste e oeste do Pará em 2016. O ID corresponde ao número do frigorífico no Apêndice 3
Figura 14. Zonas potenciais de compra de gado de 17 frigoríficos ativos e inativos registrados no SIE e SIF e com e sem TAC localizados no nordeste do Pará e no Maranhão em 2016. O ID corresponde ao número do frigorífico no Apêndice 3
Figura 15. Zonas potenciais de compra de gado de 24 frigoríficos ativos e inativos registrados no SIE e SIF e com e sem TAC localizados em Rondônia em 2016. O ID corresponde ao número do frigorífico no Apêndice 3
Figura 16. Zonas potenciais de compra de gado de 13 frigoríficos ativos e inativos registrados no SIE e SIF e com e sem TAC localizados no Tocantins em 2016. O ID corresponde ao número do frigorífico no Apêndice 3
Figura 17. Zonas potenciais de compra de gado de 19 frigoríficos ativos e inativos registrados no SIE e SIF e com e sem TAC localizados no Acre em 2016. O ID corresponde ao número do frigorífico no Apêndice 3
Figura 18. Zonas potenciais de compra de gado de 10 frigoríficos ativos e inativos registrados no SIE e SIF e com e sem TAC localizados no Amazonas em 2016. O ID corresponde ao número do frigorífico no Apêndice 3
Figura 19. Zonas potenciais de compra de gado de cinco frigoríficos ativos e inativos registrados no SIE e SIF e com e sem TAC localizados em Roraima e Amapá em 2016. O ID corresponde ao número do frigorífico no Apêndice 3
3.2.1 As zonas agregadas
As zonas potenciais de compra dos 157 frigoríficos registrados no SIE e SIF na Amazônia em 2016 indicam a extensa região de influência do setor, que compra gado por uma rede de estradas oficiais, informais e os principais rios navegáveis (Figura 20). Noventa e dois por cento do total de pastos existentes na região em 2013-2014 estavam dentro dessas zonas potenciais de compra de todos os frigoríficos, ativos e inativos (Figura 20). As zonas potenciais de compra dos 128 frigoríficos ativos cobriram 91% dos pastos existentes.
O amplo alcance dos frigoríficos sobre os pastos já era esperado uma vez que todas as unidades registradas no SIE e SIF foram responsáveis por 93% dos abates contabilizados pelo IBGE em 2016. A pequena porção (8%) de pasto que está fora dessas zonas provavelmente abastece diretamente matadouros e frigoríficos locais registrados no SIM ou clandestinos, não considerados em nossa análise, e ainda podem incluir fazendas especializadas na cria e recria que abasteceriam outras fazendas de engorda que estariam nas zonas de abastecimento dos frigoríficos maiores (registrados no SIF e SIE).
Estimamos que as 99 empresas proprietárias das 128 plantas ativas influenciam o comportamento de cerca de 390 mil fazendas com um rebanho aproximado de 79 milhões de reses. É relevante notar que a distância máxima de compra dos frigoríficos atingiu também zonas que ainda não eram pasto em 2013-2014. Isso indica que seria viável economicamente para os frigoríficos atuais comprar gado de novos pastos que sejam abertos em áreas que ainda eram florestas em 2013 e 2014. Ou seja, se as empresas não cumprirem os acordos e/ou se as empresas que não assinaram acordos continuarem sem qualquer compromisso, há o risco de os frigoríficos estimularem novos desmatamentos.
Figura 20. Zonas potenciais de compra de gado dos frigoríficos ativos registrados no SIE e SIF e com e sem TAC na Amazônia Legal em 2016
As zonas potenciais de compra de gado dos frigoríficos se sobrepõem à maior parte da região com algum tipo de risco associado ao desmatamento (Figuras 21, 22 e 23).
Cerca de 2,3 milhões de hectares embargados pelo Ibama na Amazônia Legal estão nas zonas de compra potencial de todos os frigoríficos (Figura 21) – o que equivale a 88% do total de áreas embargadas na região. As áreas embargadas estão principalmente nos estados de Mato Grosso, Pará e Rondônia. Os frigoríficos podem consultar a lista do Ibama e evitar a compra de gado dessas áreas. Entretanto, fazendeiros têm burlado a lista arrendando as áreas para outras pessoas e dificultando o controle, como detalharemos na seção 3.5.2.
Igualmente, 88% do desmatamento entre 2010 e 2015 na Amazônia Legal ocorreu dentro das zonas potenciais de compra de gado dos frigoríficos com registros no SIE e SIF mapeados (Figura 22). Mato Grosso, Pará e Rondônia concentram os maiores índices de desmatamento recente. Embora essas áreas não tenham sido embargadas, é muito provável que tenham sido desmatadas ilegalmente, pois o desmatamento para a agropecuária raramente é licenciado. Por exemplo, em 2016 foi informado que 95% do desmatamento em Mato Grosso ocorreu sem licenças (Mundel, 2016).
Além disso, estimamos que 1,68 milhão de hectares de florestas estão sob maior risco de desmatamento entre 2016-2018 se forem mantidas as taxas médias do período 2009-2014 (Veja Apêndice 5). Cerca de 90% dessas áreas em risco estão nas zonas potenciais de compra das empresas frigoríficas mapeadas (Figura 23). Os estados do Pará, Mato Grosso e Rondônia somam 72% do risco de desmatamento nos próximos três anos. O Pará lidera com um acúmulo de 31,4% do risco total, em áreas próximas a BR-163 e no centro sul do estado, especialmente no entorno do município de São Félix do Xingu, líder de desmatamento e de rebanho bovino no estado. O Mato Grosso é o segundo, com 26,6% do risco, em áreas ao norte do estado, distribuídas próximas às rodovias federais BR-163 e BR-158, e a noroeste, em uma área distribuída ao longo da rodovia MT-322. O desmatamento ao longo da BR-163 coincide com a área de compra de frigoríficos para o norte de Mato Grosso, sudoeste do Pará e Manaus. Por fim, Rondônia concentra 13,4% do risco de desmatamento, principalmente ao norte, em áreas que abastecem frigoríficos do estado e também do Amazonas.
Se os frigoríficos continuarem a comprar sem controle dos fornecedores diretos e indiretos os fazendeiros continuarão estimulados a desmatar essas áreas sob maior risco.
Figura 21. Áreas embargadas até novembro de 2016 nas zonas potenciais de compra de gado dos frigoríficos ativos na Amazônia Legal em 2016
Figura 22. Áreas desmatadas entre 2010 e 2015 nas zonas potenciais de compra de gado dos frigoríficos ativos na Amazônia Legal em 2016
Figura 23. Risco de desmatamento futuro (2016-2018) nas zonas potenciais de compra de gado dos frigoríficos ativos na Amazônia Legal em 2016
A exposição da empresa ao risco de comprar gado oriundo de desmatamento foi maior quanto maior foi a somatória de áreas embargadas por desmatamento ilegal pelo Ibama até novembro de 2016, de áreas desmatadas entre 2010 e 2015 e de áreas em risco de desmatamento entre 2016 e 2018 na zona potencial de compra de suas plantas, em hectares (Figura 24 e Apêndice 6). Assim, a exposição foi maior quanto maiores foram a distância de compra de cada planta e o número de plantas de cada empresa. A variação da exposição aos riscos permitiu a divisão de classes de acordo com a variância interna de cada grupo.
A empresa JBS ocupou isoladamente o topo do ranque de exposição ao risco, somando 4,6 milhões de hectares com algum tipo de risco nas zonas potenciais de compras de suas 32 plantas, 21 das quais ativas. Do total de áreas com risco, 1,7 milhão de hectares estavam embargados, 1,6 milhão de hectares eram desmatamento ocorrido entre 2010-2015 e 1,2 milhão de hectares eram de florestas em risco de desmatamento entre 2016 e 2018 (Mais informações sobre as unidades JBS na seção 3.4.1.1). A JBS assinou o TAC e faz um controle dos fornecedores diretos[15]. Porém, a falta de controle da origem indireta do gado deixa a empresa vulnerável ao risco de compras indiretas de áreas de desmatamento recente ou de embargo. De fato, em abril de 2017 o Ibama acusou duas plantas da JBS de comprarem 49.438 cabeças de gado de fazendas embargadas que forneceram gado indiretamente (Veja detalhes no Apêndice 8).
A área total de risco nas zonas potenciais de compra da JBS foi aproximadamente três vezes maior do que a da empresa que ocupou o segundo lugar no ranque. O frigorífico Redentor ocupou a segunda posição no ranque com apenas uma planta, mas em região com altos índices de embargos (965 mil hectares), de desmatamento recente (270 mil hectares) e com alto risco de desmatamento futuro (342 mil hectares). A planta está situada no extremo norte de Mato Grosso e sua zona de compra se estende ao sudoeste do Pará, ao longo da BR-163. No segundo grupo, junto com o Redentor, há quatro empresas (3 registradas no SIF e uma no SIE) no topo de risco, que somam entre 1,2 milhão a 1,6 milhão de hectares sob risco. As outras empresas neste grupo incluem a Vale Grande (3), Frigo Manaus (1), Marfrig (5 plantas) e Mercúrio (2) (Figura 24).
No grupo seguinte de exposição ao risco identificamos 14 empresas, 10 registradas no SIF e 4 no SIE. Com exposição ao risco variando de aproximadamente 630 mil a 995 mil hectares, as empresas localizadas neste grupo buscam gado em regiões com alta incidência de áreas embargadas ou com altos índices de desmatamento recente, por exemplo, a Brasfri, em Mato Grosso, e a T. M. da Silva de Carvalho, no Pará. As quatro empresas com registro no SIE (todas no Amazonas) neste grupo se destacam por comprar animais de longas distâncias em áreas com altos índices de desmatamento recente em Rondônia e no Pará.
As empresas nos ranques subsequentes (com menos de 630 mil hectares sob risco) têm características distintas em relação aos indicadores avaliados. Por exemplo, a empresa Fribal, com duas plantas no Maranhão, está exposta a riscos intermediários de desmatamentos recente e futuro e atua em áreas com baixos índices de áreas embargadas. Há também nesta classificação frigoríficos que atuam em áreas com alto histórico de desmatamento, atuando assim em áreas com baixo ou nenhum remanescente florestal, como o Frigorífico Rio Maria, no Pará. Chama a atenção neste grupo intermediário e também no grupo de baixo risco a concentração de 88% das empresas que não assinaram TAC.
O grupo de empresas com zonas potenciais de compra com menor risco (com 651 hectares a 50 mil hectares de áreas sob risco) inclui desde pequenas empresas com mercado local (p. ex., frigorífico J. P., no Acre, que atua até uma distância máxima de 20 km, com registro no SIE) até empresas médias, mas que atuam em zonas com alto desmatamento acumulado antigo e, portanto, com baixo remanescente florestal (p. ex., Casfrisa e Arrudão, em Castanhal-PA), ou que atuam em zonas dentro do bioma Cerrado (p. ex., frigorífico Boi Brasil, o único com registro no SIF no grupo, instalado em Alvorada-TO).
Figura 24. Ranque das empresas quanto à exposição aos três riscos associados ao desmatamento nas suas zonas potenciais de compras na Amazônia Legal em 2016. O ranque inclui as empresas expostas a pelo menos 50 mil hectares dos três riscos somados[16]
3.4.1 Ranque de exposição das empresas com TAC aos riscos associados ao desmatamento
Dentre as empresas que assinaram TAC, as mais expostas ao risco são JBS, Redentor, Vale Grande e Mercúrio, que possuem mais de uma planta frigorífica, SIF e maiores capacidades de abate. São frigoríficos que atingem áreas mais distantes para aquisição de animais, alcançando áreas com altos índices de degradação ambiental (Figura 25). As empresas menos expostas ao risco são todas com inspeção estadual (SIE), atingem um máximo de 150 km e estão localizadas em regiões que acumularam alto histórico de desmatamento (p. ex., Arrudão e Casfrisa, em Castanhal-PA e Socipe, em Belém-PA) ou em regiões com baixo histórico de perda florestal (p. ex., Frigonorte Acre, em Cruzeiro do Sul-AM).
Figura 25. Ranque das 38 empresas com TAC quanto à exposição aos três riscos associados ao desmatamento nas suas zonas potenciais de compras na Amazônia Legal em 2016
3.4.1.1 Ranque de exposição das plantas da JBS aos riscos associados ao desmatamento
Como a JBS é, de longe, a maior empresa, destacamos na Figura 26 a exposição de todas as suas plantas. As 32 plantas da JBS somam uma zona potencial de compra sobreposta a 38 milhões de hectares de pastos em 2013-2014, ou 75% do total na Amazônia Legal. As plantas situadas no norte de Mato Grosso estão mais expostas ao risco de desmatamento (Figura 27). Neste grupo estão plantas em Matupá, Colíder (2 plantas) e Alta Floresta, municípios com alta incidência de embargos.
No nível seguinte encontramos quatro plantas da JBS: duas no Pará (municípios de Tucumã e Eldorado do Carajás), uma em Mato Grosso (Juara) e uma em Rondônia (Pimenta Bueno), em regiões com grande incidência de desmatamento recente (2010-2015).
Em um nível intermediário estão plantas situadas em Rondônia (3), Mato Grosso (2), Tocantins (1), Pará (1) e Maranhão (1). Apesar da diversidade geográfica, destacam-se zonas potenciais de compra com altos índices de desmatamento recente.
No grupo posterior há 12 frigoríficos, localizados em Mato Grosso (7), Rondônia (2), Pará (2) e Acre (1), que possuem zonas com grande quantidade de áreas embargadas (p. ex., em Água Boa-MT e Diamantino-MT), com alta concentração de desmatamento recente (p. ex., unidades em Rolim de Moura-RO e Rio Branco-AC) e com alto risco de desmatamento futuro (p. ex., unidades em Araputanga-MT e São José dos Quatro Marcos-MT).
A JBS também possui unidades com baixa exposição aos riscos de desmatamento por estarem em zonas já muito desmatadas no bioma Amazônia ou por estarem em zonas de transição com o Cerrado, cujo desmatamento não avaliamos. Há em Mato Grosso quatro plantas da JBS com menor exposição ao risco: em Pedra Preta, Cuiabá, Barra do Garças e Pontes e Lacerda (Figura 27), sendo as três primeiras localizadas no bioma Cerrado. Isso não impede que o risco aumente se as autoridades ambientais intensificarem a fiscalização do desmatamento no Cerrado e embargarem áreas neste bioma.
Figura 26. Zonas potenciais de compra de gado das 32 plantas ativas e inativas da JBS localizadas na Amazônia Legal em 2016. Números ao lado dos frigoríficos correspondem ao SIF registrado no Mapa
Figura 27. Ranque das 32 plantas frigoríficas ativas e inativas da JBS quanto à exposição aos três riscos associados ao desmatamento nas suas zonas potenciais de compras na Amazônia Legal em 2016
3.4.2 Ranque de exposição das empresas sem TAC aos riscos associados ao desmatamento
A exposição ao risco associado ao desmatamento também é diversa entre as 73 empresas que não assinaram o TAC (Figura 28). A Frigo Manaus se destaca por comprar em uma zona que alcança animais a mais de 1.000 km no período das cheias, quando fica escassa a oferta de animais no entorno de Manaus. O risco na zona de compra soma quase 1,5 milhão de hectares, dos quais 314 mil hectares são de áreas embargadas, 884 mil são de desmatamento entre 2010-2015 e 278 mil são de áreas em risco de novos desmatamentos no período 2016-2018, inclusive em Rondônia.
Um segundo grupo com maior exposição (de 572 mil a 997 mil hectares) inclui dez empresas que compram de longas distâncias (p. ex., Bovinorte, em Manaus-AM) ou que possuem mais de uma planta (p. ex., Total, em Rolim de Moura-RO e Ariquemes-RO e Distriboi, em Cacoal-RO e
Ji-Paraná-RO) ou empresas localizadas em áreas sob grande pressão por novos desmatamentos (p. ex., T. M. da Silva de Carvalho, em Novo Progresso-PA). Nesse grupo estão nove empresas registradas no SIF, que podem vender carne e subprodutos no mercado nacional e, se habilitadas, também no mercado externo (Figura 28).
Em um terceiro grupo de exposição (231 mil a 518 mil hectares) há 14 empresas frigoríficas sem TAC, sendo 8 com registro no SIF. Estas concentram em suas características fatores determinantes da exposição ao risco de desmatamento, tal como localização. Quatro estão em Rondônia, três em Mato Grosso e uma no Pará, estados que se destacaram no desmatamento recente. Duas empresas com registros no SIE localizadas no Amapá se destacam por buscar animais a maiores distâncias, alcançando áreas com alto índice de desmatamento recente no Pará.
Nos grupos seguintes, abaixo de 227 mil hectares de riscos, concentram-se frigoríficos com registro no SIE, com baixa capacidade de abate e que demandam poucos animais, os quais são comprados em áreas próximas. Algumas empresas não apresentam risco de exposição às áreas embargadas (p. ex., Frigodhias, em Axixá-MA e Matadouro Amazônia, em Bragança- PA) e ao risco de desmatamento (p. ex., Frigorífico São Jorge, em Cáceres-MT e Frigovale Jaciara, em Jaciara-MT).
Figura 28. Ranque das 72 empresas sem TAC quanto à exposição aos três riscos associados ao desmatamento em suas zonas potenciais de compras na Amazônia Legal em 2016
Quatro fatores explicam a persistência do desmatamento nas zonas potenciais de compra dos frigoríficos, mesmo daqueles com acordos, conforme descrevemos a seguir.
3.5.1 Metade dos frigoríficos não assinou compromissos contra o desmatamento
Setenta e oito frigoríficos – ou metade do total – pertencem a empresas que não assinaram o TAC da pecuária e não há indícios públicos de que elas tenham adotado voluntariamente métodos para verificar se seus fornecedores não desmataram irregularmente. As empresas frigoríficas sem tais métodos de controle provavelmente compram de áreas desmatadas ilegalmente, voluntariamente ou não. Assim, fazendeiros que são boicotados pelas empresas signatárias de TAC podem vender para empresas sem métodos de controles, o que chamamos de “vazamento dos acordos”. Os frigoríficos ativos cujas empresas proprietárias não assinaram TAC tinham uma capacidade de abate equivalente a 30% do total da capacidade instalada ativa em 2016. O abastecimento dessa capacidade demandaria uma área potencial de 16 milhões de hectares (ou 26% do pasto total) de pastos por ano, considerando a produtividade típica das regiões onde operam.
O risco de vazamento é amplo, pois há empresas não signatárias em todos os estados da região, que são proprietárias de 23 frigoríficos ativos com registro no SIF, os quais podem exportar carne para outros estados e até outros países (Figura 29). A somatória das zonas potenciais de compra das empresas sem TAC é expressiva, compreendendo 87% de todos os pastos, 81% do desmatamento recente, 73% da área embargada e 75% da área em risco de desmatamento entre 2016-2018.
A maioria das empresas não signatárias concentra seus frigoríficos no Pará, Mato Grosso e Rondônia, onde as taxas de desmatamento têm sido historicamente mais altas (Figura 30). O Acre também se destaca em quantidade de plantas registradas no SIE, de pequeno porte, cujas empresas proprietárias ainda não assinaram o acordo.
Figura 29. Distribuição das zonas potenciais de compra de gado das 157 plantas frigoríficas ativas e inativas de empresas com e sem TAC na Amazônia Legal em 2016
Figura 30. Número de plantas frigoríficas ativas e inativas (SIF e SIE) das empresas com e sem TAC por estado da Amazônia Legal em 2016
O vazamento dos acordos pode ocorrer tanto intra como entre estados. Por exemplo, fazendeiros boicotados por empresas que assinaram acordos no sudeste do Pará, onde os primeiros TACs foram assinados, informaram que conseguiam vender para empresas sem TAC no Tocantins. Isto pode explicar o aumento de 144% no número de animais oriundos do Pará abatidos em frigoríficos registrados no SIF no Tocantins após a assinatura dos TACs no Pará entre 2008 e 2015: de 54 mil para 131 mil animais segundo o Mapa[17]. Além disso, entre 2009 e 2015, o Pará aumentou em 76% (de 72,8 mil para 131,5 mil animais) a venda de animais para abate em frigoríficos com registro no SIF em Mato Grosso; e em 215% a venda de animais para abate em frigoríficos com SIF em outros estados do Brasil tais como São Paulo e Goiás. A venda de animais a outros estados caiu em 2015, provavelmente por causa da recessão econômica conforme dados de Azevedo e Portugal (2016) e Mapa/SDA ( 2016a) (Figura 31).
O aumento das vendas de boi gordo do Pará para abate em frigoríficos com registro no SIF em outros estados entre 2009 e 2014 somou 210 mil animais por ano. Este volume seria suficiente para abastecer durante um ano a capacidade média de abate de 4,6 frigoríficos com registro estadual SIE ou 1,2 frigorífico com registro SIF. Isso significa uma competição injusta entre quem assinou acordos e quem não assinou ou quem não os cumpre. Assim, para evitar os danos ambientais e econômicos do vazamento, é necessário agir para que outras empresas assinem o TAC da pecuária ou acordos equivalentes. Vale ressaltar que em 2016 o MPF em Tocantins tentou, sem sucesso, negociar acordos com os frigoríficos no estado que não são parte dos grandes grupos que já assinaram acordos válidos para toda a Amazônia (Comunicação pessoal com MPF-TO em 11 de julho de 2016). Em abril de 2017, o Ibama autuou três frigoríficos do Tocantins acusados de comprar 3.461 cabeças de gado de áreas embargadas no Pará, conforme detalhamos no Apêndice 8.
Figura 31. Quantidade de animais com origem na Amazônia Legal abatidos em frigoríficos sob inspeção federal (SIF) em outros estados (inclusive na Amazônia Legal) entre 2009 e 2015
3.5.2 O controle dos fornecedores diretos avançou, mas há falhas
Cerca de metade dos frigoríficos (79) pertencem a 38 empresas que assinaram TAC e se comprometeram a verificar se seus fornecedores diretos (fazendas de engorda) não desmataram após outubro de 2009 e estavam livres de outras irregularidades, como trabalho escravo. Das 79 unidades, 63 estavam ativas em 2016, o equivalente a 49% do total de plantas em atividade. A proporção de frigoríficos que assinou o TAC com o MPF varia por estado, sendo Mato Grosso e Pará responsáveis por 69% do total (Figura 32).
O cumprimento dos acordos deveria ser verificado anualmente por meio de auditorias independentes custeadas pelo poder público (caso do Pará até a primeira auditoria) ou pelas próprias empresas, nos outros estados da Amazônia Legal, no caso do compromisso chancelado pelo Greenpeace e dos acordos do MPF. Há evidências de que algumas das empresas signatárias investiram em sistemas de controle para fazer essa verificação (Gibbs et al., 2015; BDO, 2016; BDO, 2016a; DNV GL, 2016). Segundo Gibbs et al. (2015), a adoção do controle pela empresa JBS levou a um aumento no número de fazendas registradas no CAR no Pará e à redução do desmatamento em tais fazendas.
Entretanto, alguns fazendeiros e comerciantes burlam os acordos e o gado oriundo de fazendas de engorda ilegais chega aos frigoríficos de empresas signatárias de acordos como se fossem de origem legal, caracterizando uma “lavagem” (Gibbs et al., 2015; Tinoco e Sá, 2016, dados de campo).
O conjunto de entrevistas revela que fazendeiros adotaram as seguintes formas de lavagem: i) registra no CAR apenas a parcela da fazenda livre de desmatamento irregular e, com base neste CAR, vende o gado criado na parcela com desmatamento irregular; ii) usa “emprestado” o número do CAR e GTAs de uma fazenda regular para vender gado oriundo de fazenda irregular; iii) vende o gado de uma fazenda sem CAR e/ou embargada para outra com CAR, que então vende o gado imediatamente para o frigorífico; iv) arrenda fazendas embargadas para outros fazendeiros, os quais vendem o gado usando documentos (CPF, CNPJ, CAR) diferentes do constante nas listas de embargo do Ibama ou dos estados; e v) remove do CAR a parte do imóvel com desmatamento irregular, como pode ser observado na Figura 33.
Esta última forma de lavagem passou a ocorrer, pelo menos no Pará, depois que um novo sistema gratuito foi disponibilizado para os frigoríficos checarem a ocorrência de desmatamento (Barreto & Gibbs, 2015). Esse sistema foi construído por demanda do MPF após uma auditoria piloto identificar os mecanismos de lavagem (Barreto & Gibbs, 2015). Como essa forma de lavagem ocorreu em 2017, fica evidente que o poder público ainda não pune tais fraudes. Além disso, algumas auditorias não verificam o histórico de mudanças das áreas do CAR e, por isso, podem falhar em identificar eventuais fraudes.
Figura 32. Percentual de frigoríficos com e sem TAC por estado da Amazônia Legal em 2016
Figura 33. Exemplo de redução do polígono do CAR para excluir área desmatada após 2008 que não poderia ser regularizada de acordo com o novo Código Florestal
A lavagem tem persistido porque os progressos nas auditorias são limitados. No Pará, o governo estadual contratou em 2013, com três anos de atraso, uma auditoria piloto do cumprimento do TAC de três empresas. A auditoria cruzou os dados do CAR de todas as fazendas registradas no estado com os dados de todas as GTAs de transporte de gado para abate em 2012. Assim, os auditores conseguiram identificar os mecanismos de lavagem e vazamento. Entretanto, não foi feita uma nova auditoria conclusiva de todas as empresas signatárias e a que começou no segundo trimestre de 2017 ainda não foi concluída. Em Mato Grosso, o MPF recebeu as auditorias contratadas de algumas empresas, mas não nos disponibilizou os resultados por considerar que os relatórios são sigilosos por conterem “dados de fornecedores e operações comerciais concretizadas por cada um dos frigoríficos”. O MPF informou que iria reunir com representantes dos frigoríficos com a finalidade de tratar sobre a disponibilização dos resultados das auditorias (Paiva, 2017).
As três empresas signatárias (JBS, Marfrig e Minerva) do acordo público proposto pelo Greenpeace, que somam mais de 45% da capacidade instalada de abate da Amazônia Legal, contrataram auditorias independentes que verificaram que, em geral, os acordos foram cumpridos (Apêndice 9). Entretanto, a metodologia dessas auditorias foi diferente da desenvolvida para a auditoria do TAC no Pará. As auditorias contratadas pelas signatárias não tiveram acesso aos dados das GTAs de todas as vendas de fornecedores diretos e indiretos, o que impossibilita identificar alguns dos mecanismos de lavagem. Por exemplo, sem as GTAs de todas as transações é impossível detectar se uma fazenda regular está lavando gado de outra fazenda irregular. Esse tipo de verificação seria especialmente importante no caso dessas três empresas, que podem manter como fornecedores diretos fazendeiros que tenham embargos no Ibama. Isso acontece porque há um entendimento de que nos critérios de compra definidos pelo Greenpeace o embargo é restrito somente à propriedade, não ao proprietário. Assim, fazendeiros que possuem mais de uma propriedade, sendo algumas delas embargadas e outras não, se estiverem vendendo animais oriundos de propriedade sem embargo (com nome diferente da embargada e/ou em outro município) poderão comercializar com o frigorífico[18]. Entendemos então que, devido às falhas de verificação da GTA, não há nenhuma comprovação de que esse gado em algum momento de seu ciclo de vida não tenha passado pela propriedade embargada. Por exemplo, o proprietário pode fazer cria e recria na fazenda embargada e, no momento do abate, vender os animais ao frigorífico sob o registro da propriedade sem embargo.
Contudo, é importante frisar que só a verificação das GTAs nas auditorias não seria a solução definitiva contra a lavagem, pois há evidências de falhas na fiscalização do uso dessas guias. Por exemplo, uma reportagem recente mostrou que fazendeiros e comerciantes de gado em São Félix do Xingu, no sul do Pará, usam GTAs para transportar gado de lugares que não são a origem do gado (Tinoco e Sá, 2016).
3.5.3 O controle dos fornecedores indiretos de gado inexiste ou é incipiente
Embora não haja um levantamento completo, é conhecido no setor que uma quantidade significativa do gado que chega aos frigoríficos passa parte da vida em pelo menos outra fazenda antes de chegar à propriedade de engorda. Por exemplo, o grupo Marfrig levantou que apenas metade de suas compras era de fazendas que faziam o ciclo completo de criação do gado (Almeida, 2016).
Assim, pelo menos metade das compras incluíam gado que passou parte da vida em outras fazendas. Pecuaristas entrevistados reconhecem que o desmatamento ocorre nas fazendas fornecedoras indiretas[19].
Enquanto isso, em geral, as promessas de controle sobre todos os fornecedores não foram cumpridas, foram adiadas ou são incipientes. Por exemplo, o Programa Boi Guardião do Mapa (Quadro 2) mapeou quase 347 mil hectares de novos desmatamentos em 33 municípios do sudeste do Pará entre 2009 e 2011 (Latis, 2011 – Figura 34). Porém, essas informações não foram usadas para negar a emissão de GTAs de fazendas que desmataram ilegalmente. Desde então o Mapa deixou de mapear as áreas desmatadas. Além disso, a diretriz estabelecida pelo BNDES de exigir a rastreabilidade do rebanho que abastece os frigoríficos financiados por ele também não foi cumprida (BNDES, 2009a).
Atualmente, apenas uma empresa (Marfrig) reporta tentar controlar os fornecedores indiretos, mas com um método ainda insuficiente (Apêndice 9). Outras iniciativas de controle envolvendo empresas ainda são piloto, com um pequeno grupo de fazendas no norte de Mato Grosso (o qual a JBS reportou em relatório estar apoiando) e no sul do Pará (que conta com parceria da Marfrig) (Veja Apêndices 10 e 11).
Quatro anos após a falência do Programa Boi Guardião, a partir junho de 2015, o governo do Pará decretou a adoção gradual da GTA Verde – ou seja, só emitir a GTA para fazendas cadastradas no CAR. Porém, este controle começou apenas em novembro de 2016 após pressões do MPF e deverá incluir todo o rebanho a partir de outubro de 2018 (Semas, 2016) (Apêndice 12). Essa é uma direção correta, mas precisa ser complementada por uma verificação rigorosa das GTAs e do CAR por causa das evidências de fraudes apresentadas na seção anterior (Veja Figura 33).
Portanto, enquanto os fornecedores indiretos não forem plenamente controlados, o risco de desmatamento associado a eles continuará.
Figura 34. Desmatamento e cobertura do solo no município de Novo Repartimento-PA mapeados pelo Programa Boi Guardião entre 2010 e 2011
Quadro 2. O Programa Boi Guardião
Em dezembro de 2009, o então ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes, lançou no sul do Pará o Programa Boi Guardião, que visava coibir o comércio de gado de áreas desmatadas ao negar a emissão de GTAs para fazendas com novos desmatamentos (Froufe, 2009). Para tanto, o programa cruzaria mapas de novas áreas desmatadas a serem compiladas pelo governo federal com as coordenadas de fazendas a serem fornecidas pelo governo do Pará e seriam feitas verificações em campo. O ministro declarou à imprensa que os produtores se beneficiariam por garantir o mercado cada vez mais exigente que busca saber a origem da carne e que “o Boi Guardião vai nos levar ao desmatamento zero”. O programa seria iniciado em caráter piloto no sul do Pará e depois seria expandido para Mato Grosso e Rondônia até 2011. Na cerimônia, o ministro também assinou com representantes do governo do Pará, do BNDES, de supermercados e de frigoríficos um acordo para a implementação do programa.
Luciano Vacari, superintendente da Associação dos Criadores de Mato Grosso, criticou imediatamente o programa ao afirmar que “é mais uma ferramenta para intimidar o pecuarista” (Ferreira, 2009). Apesar da crítica, em julho de 2010, Wagner Rossi, o novo ministro da Agricultura na época, falou a comissários europeus sobre o programa (ZH, 2010): “Monitoramos em tempo real praticamente todo o bioma Amazônico e qualquer alteração que indique desmatamento, invalida a propriedade de fornecer qualquer produto para venda”. Porém, apesar de o governo ter mapeado o desmatamento no Pará, não encontramos registros de que os dados tenham sido usados e não há nenhuma menção da existência do programa no site do Mapa.
3.5.4 O enfraquecimento da política ambiental
A persistência e o aumento do desmatamento após os acordos resultaram também de uma reação forte do setor rural contra as políticas de proteção florestal e aos próprios acordos. Ha indícios de que essas reações aumentaram a crença na impunidade. Em 2012, os poderes Executivo e Legislativo revisaram o Código Florestal e perdoaram parte do desmatamento ilegal antes de 2008. Segundo estudos, essa medida permitiu a anistia do desmatamento ilegal de 29 milhões (Soares-Filho et al., 2014) a 41 milhões de hectares (Girardi, 2017). Um diretor do Ibama declarou que o perdão estava estimulando novos desmatamentos (Lourenço, 2011). Desde a mudança do Código Florestal, a taxa de desmatamento aumentou 75% até 2016, segundo dados governamentais (Inpe, 2016). Entre 2013 e 2016, os poderes Legislativo e Executivo adiaram três vezes o prazo limite para o início do registro no CAR. Entre 1995 e 2013, o governo e o Congresso reduziram 2,9 milhões de hectares de Unidades de Conservação para validar ocupações irregulares e para facilitar a construção de hidrelétricas (Martins et al., 2014). Mesmo após o aumento do desmatamento em 2015, em dezembro de 2016, o presidente da República editou medida provisória reduzindo o grau de proteção de UCs no oeste do Pará, indo de encontro à recomendação do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e de ação judicial proposta pelo MPF no Pará (MPF-PA, 2016a; Lima, 2017). Essa medida também estimulou deputados do Amazonas a demandarem a redução de 1 milhão de hectares de outras Unidades de Conservação criadas em 2016 (ISA, 2017).
Em 2015, o governo federal estabeleceu a meta de zerar o desmatamento ilegal até 2030 como parte de sua meta para redução de emissões dos gases do efeito estufa. Essa medida foi interpretada como uma sinalização de tolerância (Campos, 2015).
Além de enfraquecer as regras, o poder público reduziu o pessoal responsável por implementá-las. Entre 2010 e 2016, o quadro de analistas ambientais do ICMBio foi reduzido em 40%; e entre 2009 e 2015 o número de analistas do Ibama foi reduzido em 33% (Araújo et al., 2017).
É relevante notar que o Executivo e Legislativo enfraqueceram as políticas apesar de cientistas, a sociedade civil e a população apoiarem a proteção florestal. Por exemplo, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência publicou relatório contra as mudanças do Código Florestal (SBPC, 2012) e 1,3 milhão de pessoas assinaram petição (Vilar, 2011) contra tais mudanças. Além disso, uma pesquisa de opinião demonstrou que 79% dos consultados eram contra a anistia dos desmatamentos e outra mostrou que 91% eram favoráveis à conservação florestal (MMA, 2012).
O enfraquecimento das políticas ambientais provavelmente foi facilitado pelo massivo financiamento de campanhas eleitorais pelo agronegócio a um grande número de políticos. Estudos mostram que no Brasil os parlamentares votam em sintonia com os financiadores de campanha e que as empresas que as financiam recebem mais benefícios públicos, como crédito subsidiado (Mancuso, 2015). A delação premiada do diretor de Relações Institucionais e Governo da J&F (holding controladora da JBS) e do seu sócio controlador ilustram o poder de influência do setor agropecuário[20]. Os parlamentares defensores do setor têm sido chamados informalmente de bancada do boi ou do bife e do churrasco (quando soma os financiados por empresas frigoríficas e cervejarias) (Toledo et al., 2014; Martins, 2015; Medeiros e Fonseca, 2016).
As pressões legais e campanhas ambientais resultaram em acordos de metade dos frigoríficos contra o desmatamento, os quais detêm 70% da capacidade de abate ativo. Entretanto, demonstramos que o desmatamento continua, pois 30% da capacidade de abate ainda opera sem compromissos, e que há falhas na implementação dos acordos para controlar os fornecedores diretos (incluindo fraudes) e falta de controle dos fornecedores indiretos.
Os acordos feitos pelas empresas serão consolidados e ampliados e levarão à redução drástica do desmatamento? Ou uma parte do mercado vai continuar comprando de fazendeiros que desmatam? A seguir discutiremos as forças pró e contra o desmatamento que poderão determinar as respostas a essas perguntas, considerando os fatos e tendências resumidos na seção anterior e na Tabela 3 mais adiante.
As forças estão mais favoráveis ao desmatamento e novas medidas governamentais e o aumento de demanda por carne bovina fortalecem as ameaças. Em 2016, as exportações aumentaram a partir da abertura do mercado chinês (Freitas, 2016). Enquanto isso, o governo federal continua bloqueando o acesso aos dados sobre a identificação dos detentores de imóveis rurais registrados no CAR e do transporte de gado (GTAs), que poderiam facilitar o controle de gado vendido direta e indiretamente.
Ademais, o presidente da República editou medidas provisórias que foram convertidas em lei pelo Congresso que reduzem o grau de proteção de Unidades de Conservação e que estendem o prazo para ocupantes ilegais solicitarem a regularização de posses de terras públicas (Bragança, 2017). Em maio de 2017, vários grupos, incluindo a Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura, que congrega empresas, ONGs e acadêmicos, sugeriram ao presidente vetar a redução de proteção de Unidades de Conservação (Coalizão Brasil, 2017).
Em abril de 2017, a operação Carne Fria, do Ibama, de grande potencial contra os frigoríficos e fazendas embargadas, foi contraposta pelo próprio governo federal, por políticos regionais e pelo Judiciário (Detalhes no Apêndice 8). A operação resultou em 172 autos de infração e um total de R$ 294 milhões em multas e embargo de 15 frigoríficos acusados de comprar diretamente e indiretamente quase 59 mil cabeças de gado de 24 fazendas embargadas no Pará (Ibama, 2017). O potencial transformador da ação foi enfraquecido, pelo menos no curto prazo, por causa do desembargo judicial de dois frigoríficos sob o argumento de que a quantidade de gado comprada ilegalmente pelos frigoríficos era ínfima se comparada ao número de cabeças compradas legalmente nos últimos anos. O Ibama também desembargou quatro frigoríficos após recursos administrativos (Veja Apêndice 8).
O Ibama também foi enfraquecido por reações de políticos e fazendeiros no Pará e da presidência da República. Pressionado, o ministro do Meio Ambiente pediu desculpas aos produtores e declarou que a operação Carne Fria foi inoportuna uma vez que uma semana antes outra operação (Carne Fraca) atingira frigoríficos acusados de fraudar controles sanitários no país (Poder360, 2017). Segundo o ministro, as operações enfraqueceriam o setor do qual o Brasil depende muito economicamente. O superintendente interino do Ibama no Pará que participou da preparação da operação Carne Fria foi destituído (Pegurier, 2017).
Apesar dos reveses, a Operação Carne Fria pode resultar em avanços. Nas decisões de desembargo administrativo, o Ibama demandou que as empresas desembargadas apresentem em 90 dias soluções para evitar compras de áreas irregulares. Depois disso, segundo um consultor da região, alguns dos grandes supermercados brasileiros têm solicitado informações de frigoríficos acusados pelo Ibama e indicado que podem deixar de comprar se as respostas não forem satisfatórias. Essa cobrança está ajudando a acelerar o desenvolvimento de um projeto piloto de controle de fornecedores indiretos que vinha sendo discutido por fazendeiros no Pará (Veja Freitas, 2017). Os participantes do projeto esperam lançar um sistema ainda em julho de 2017. Segundo o mesmo consultor, o custo da rastreabilidade dos bois desde o início da sua vida custará na ordem de R$ 15 por animal. Portanto, este valor, equivalente a cerca de dez centavos de Real por quilo de carne desossada, seria ínfimo. Esse tipo de iniciativa poderia ganhar escala com a participação de mais atores públicos e privados como aconteceu com o bem sucedido programa de combate a febre aftosa (Apêndice 2).
As reuniões que o governo do Pará convocou para avaliar as opções para aperfeiçoar a implantação do TAC após a operação Carne Fria (Corrêa, 2017) podem ser um espaço para ampliar as iniciativas piloto. As primeiras reuniões incluíram Ibama, MMA, MPF, produtores e frigoríficos. O projeto poderia ser acelerado com a participação dos grandes compradores de produtos dos frigoríficos e os outros setores necessários do governo, como o Mapa. Como nossos dados mostram, menos de 50 empresas são responsáveis pela grande maioria dos abates.
A operação Carne Fria pode ainda resultar em outros impactos indiretos. O Ibama sugeriu ao MPF do Pará a execução das sanções estabelecidas no TAC da Carne contra os frigoríficos signatários que descumpriram o acordo ao adquirir gado de áreas embargadas. Como o TAC pode ser executado extrajudicialmente, as sanções poderiam ser aplicadas mais rapidamente do que em processos administrativos e judiciais. Portanto, o efeito da operação no curto prazo dependerá, em grande medida, da decisão do MPF. O MPF informou que está aguardando as manifestações dos frigoríficos para decidir sobre as recomendações do Ibama.
No curto prazo, as auditorias do TAC e as sanções do TAC decorrentes da operação Carne Fria podem ser os eventos mais promissores contra o desmatamento. Vinte e duas empresas que assinaram o TAC no Pará e 12 em Mato Grosso contrataram auditorias independentes. Se o MPF e o mercado punirem as empresas que violaram os acordos, mais empresas tenderiam a fortalecer o controle, inclusive dos fornecedores indiretos.
Entretanto, para garantir a sustentabilidade dos efeitos positivos da operação Carne Fria será importante reduzir as interferências políticas negativas ilegítimas. A operação Lava Jato e seus desdobramentos, que investigam a corrupção no Brasil, demonstraram que isso é possível ao atingir chefes dos poderes públicos e seus financiadores em várias das grandes empresas, inclusive a JBS (Fabrini, 2017). O uso de estratégias de comunicação tem sido um dos meios usados pelos coordenadores da Lava Jato para obter apoio da população (Veja análises de Mendes, 2016 e Macedo Jr., 2016) e, assim, enfrentar as pressões políticas. Portanto, uma abordagem similar poderia ser usada pelos gestores públicos responsáveis por combater o desmatamento.
O fortalecimento da comunicação poderia ter duas vertentes. Uma que esclarecesse os efeitos negativos do desmatamento, como as mortes prematuras por doenças respiratórias, as perdas de recursos por corrupção e a apropriação de recursos públicos (grilagem e exploração de madeira de terras públicas), e problemas sociais, como violência e trabalho escravo (Veja exemplos em MPF-PA, 2015; MPF-PA, 2016b). A outra que demonstrasse que reduzir o desmatamento não tem impedido e nem impedirá o desenvolvimento econômico do país, pois é possível aumentar a produção nas vastas áreas desmatadas mal utilizadas, tanto na Amazônia, quanto no resto do país (Veja análises em Barreto e Silva, 2013; Iasi, 2014; Strassburg et al., 2014; Observatório do Plano ABC, 2015). Um artigo recente de dois pesquisadores brasileiros, um da Embrapa e outro do Inpe, exemplifica um produto de comunicação para influenciar a formação de opinião sobre o assunto. Nobre & Assad (2017) defenderam no jornal Valor Econômico uma moratória da carne na Amazônia nos moldes da Moratória da Soja para evitar os danos ambientais e para garantir a sustentabilidade da produção agropecuária.
O jogo contra o desmatamento também pode virar por causa de campanhas ambientais que podem ocorrer a qualquer momento. Em fevereiro de 2017, o relatório “O Maior Mistério da Cadeia de Produção de Carne”, da Mighty Earth, denunciou que desmatamentos para produção de soja no Cerrado brasileiro e na Amazônia boliviana estavam associados a duas grandes traders, Bunge e Cargill (Bellantonio et al., 2017) cujos produtos alimentam o gado que abastece a rede de fast food Burger King. Além disso, o relatório demandou que as empresas seguissem o modelo da Moratória da Soja. Veículos da imprensa internacional divulgaram o caso (exemplo em Tabuchi et al., 2017 e Neslen, 2017) que foi seguido de protestos na frente de uma loja da Burger King[21] em São Paulo. Em maio de 2017, a mesma organização lançou outra denúncia de que o desmatamento continuava nas duas regiões (Mighty, 2017). Em resposta, as traders destacaram que têm planos estabelecidos para zerar o desmatamento de suas cadeias de suprimento (Cannon, 2017).
Também, em abril de 2017, o Greenpeace suspendeu as negociações com a JBS sobre o Compromisso Público da Pecuária logo após a operação Carne Fria (Greenpeace, 2017). Para melhorar o controle, o Greenpeace propôs mais transparência e publicidade dos dados, bem como controle dos fornecedores indiretos e o bloqueio de fazendas localizadas dentro de Terras Indígenas. O Greenpeace também exortou as três maiores redes de supermercados operando no Brasil (Carrefour, Pão de Açúcar e Walmart) a cumprirem seus compromissos pelo desmatamento zero. Dois meses depois, o Greenpeace suspendeu a participação nos acordos com todas as empresas do setor por causa da falta de avanços, pela revelação do envolvimento dos sócios controladores da JBS em corrupção e por causa dos retrocessos de políticas ambientais (Greenpeace, 2017a). A saída do Greenpeace dos acordos enfraquece ainda mais a credibilidade do setor.
Várias promessas do setor privado, de governos e de organismos multilaterais contra o desmatamento têm 2020 e 2030 como prazos limites. Esse tipo de compromisso é uma tendência global por causa das mudanças climáticas e tem ocorrido sobre outras atividades agropecuárias, a geração de energia, a pesca, exploração mineral, entre outras (Veja exemplos em Global Witness (s.d.); RE100 (s.d.); SumofUs (s.d.), Greenpeace, 2009a; Carrington, 2016). Por enquanto essas medidas têm tido pouco efeito imediato no campo. Se as promessas forem cumpridas, podem ter efeito especialmente em relação às maiores empresas.
4.2.1 Acordos e iniciativas internacionais
Em 2010, o Fórum de Bens de Consumo (Consumers Goods Forum-CGF), composto por grandes corporações internacionais como Unilever, Walmart e MacDonalds, prometeu atingir o desmatamento líquido zero[22] em sua cadeia de suprimentos até 2020. O CGF conta com 400 membros com US$ 3,9 trilhões em receitas e prometeu focar em zerar o desmatamento associado às compras de soja, óleo de palma, celulose e papel e carne bovina[23] (CDP, 2017). O CGF criou uma parceria público-privada em 2012, a Aliança para as Florestas Tropicais 2020 (TFA na sigla em inglês), para apoiar a implementação da promessa de desmatamento zero por meio de diversas parcerias (TFA2020, s.d.).
Em 2014, foi aprovada na Cúpula do Clima das Nações Unidas a Declaração de Nova Iorque sobre Florestas (NYDF), que é uma declaração internacional voluntária e não vinculativa para tomar medidas para reduzir o desmatamento global. Em 2016, os endossantes da NYDF chegaram a 190: 40 governos, 20 governos subnacionais, 57 multinacionais, 16 grupos que representam comunidades indígenas e 57 organizações não governamentais (NYDF, s. d.). Dentre as empresas estão a Cargill, Unilever, Procter & Gamble, McDonald´s, Johnson & Jonshon e Nestlé. O governo brasileiro não é signatário, mas os estados do Acre, Amapá e Amazonas são[24]. A declaração visa reduzir o desmatamento em 50% até 2020 e zerar as perdas de florestas naturais até 2030. Porém, a meta dois da NYDF é apoiar e ajudar o setor privado a eliminar o desmatamento vinculado à produção de mercadorias agrícolas como óleo de palma, soja, papel e carne até no máximo 2020.
Em setembro de 2015 surgiu outra iniciativa global, as Metas do Desenvolvimento Sustentável da ONU, que incluem parar o desmatamento em 2020 (United Nations, 2016). O Brasil, como signatário, acordou apresentar anualmente uma Revisão Nacional Voluntária sobre os avanços para os atingimentos das metas (United Nations, s.d.). Esse acordo, embora voluntário, é mais ambicioso do que as políticas nacionais sobre mudanças climáticas: que determinam a redução do desmatamento amazônico a menos de 3.800 quilômetros quadrados até 2020 e zerar o desmatamento ilegal até 2030 (referente ao acordo de Paris do qual o Brasil também é signatário). A revisão anual a ser submetida à ONU exporá os países que não avançarem rumo às metas, mas as consequências são incertas.
4.2.2 Políticas nacionais
A Resolução nº. 4.327/2014 do Conselho Monetário Nacional e do Banco Central demanda que instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil estabeleçam e implementem a Política de Responsabilidade Socioambiental (PRSA) a partir de fevereiro de 2015 (Bacen, 2014). Se os bancos cumprirem suas políticas, o efeito pode ser considerável dado que o Brasil aloca cerca de R$ 200 bilhões por ano em crédito agrícola. Mas há o risco de o poder público adiar ou extinguir a necessidade de implementação deste tipo de resolução, como tem feito com o Código Florestal com a redução de Unidades de Conservação e tenta fazer com o licenciamento ambiental. De fato, em maio de 2017 o Congresso inseriu um dispositivo em uma medida provisória que dificulta a responsabilização dos bancos por crimes ambientais associados a contratos de parcerias (Veja análise em ISA, 2017a).
Outra dificuldade de coibir o financiamento ao desmatamento é que parte dos fazendeiros conseguem recursos próprios com a venda da madeira das florestas públicas que ocupam gratuitamente. Assim, seria necessário combater a grilagem de terras para bloquear essa fonte de capital, mas o governo recentemente facilitou a regularização de posses de terras públicas que certamente estimulará novas ocupações (Rodrigues, 2017).
Alguns estados brasileiros também prometeram metas contra o desmatamento. Em 2015, o governo de Mato Grosso prometeu reduzir em 90% o desmatamento até 2030 tendo como referência o período 2001-2010 (Mato Grosso, s.d.). Em 2016, 95,4% do desmatamento em Mato Grosso foi ilegal, apesar de a área autuada pelo órgão estadual em 2016 ter aumentado mais de 50% em relação ao ano anterior e a fiscalização pelo Ibama ter aumentado 122% no mesmo período (ICV, 2017). Entretanto, em 2016 o desmatamento caiu apenas 6% em Mato Grosso em relação a 2015. O poder dissuasório das fiscalizações provavelmente tenha sido enfraquecido por causa das anistias de crimes ambientais recentes como a mudança do Código Florestal.
No Pará, em 2012, o governador anunciou a meta de zerar o desmatamento líquido até 2020 (Pará, 2012). Para reduzir o desmatamento e atrair investimentos para o desenvolvimento sustentável, o governo criou o Programa Municípios Verdes[25] e a estratégia Pará 2030[26]. Contudo, o desmatamento no estado continua elevado e subiu 75% entre 2012 e 2016. O caso do Pará parece também mostrar que planos locais são insuficientes para lidar com as pressões do mercado e planos nacionais que favorecem o desmatamento, como a redução de proteção legal e grandes projetos de infraestrutura que atraem imigrantes sem a execução de medidas de mitigação como a Hidrelétrica de Belo Monte (Veja Barreto et al., 2011 e Mansur, 2017) e o asfaltamento da rodovia BR-163.
4.2.3 Avanços insuficientes das promessas de médio e longo prazos
Apesar dos acordos que o governo brasileiro assinou (Acordo de Paris e Metas do Desenvolvimento Sustentável), parece improvável que os chefes dos poderes Executivo e Legislativo reforcem espontaneamente as medidas contra o desmatamento –
considerando o histórico recente e as crises orçamentária e política – e o poder dos financiadores de suas campanhas.
Ao mesmo tempo, as promessas internacionais de médio e longo prazos apresentam avanços insuficientes (Climate Focus, 2016; GLF, s.d.). Por exemplo, uma análise global de 500 empresas, investidores e governos que podem influenciar o desmatamento (Forest 500) revelou que os compromissos como da CGF e da NYDF não serão cumpridos até 2020 ou 2030 se for mantido o ritmo de progresso registrado até 2016 (GLF, s. d.). Do grupo avaliado, somente 26% das empresas da cadeia de suprimento da pecuária (carne e couro) têm políticas para lidar com seus impactos ambientais. Sarah Lake, chefe do Programa de Cadeia de suprimentos da GCP, que produziu o relatório, avalia que “muitos desses compromissos não têm sanções para fazer mudanças significativas na sustentabilidade da produção de mercadorias” (GLF, s.d.). A maioria dos países importadores de produtos vinculados ao desmatamento não possui medidas restritivas de compras. A Alemanha e a Holanda são os únicos países importadores na lista da Forest 500 que apoiam iniciativas de importações de matérias primas sustentáveis.
As forças contra o desmatamento podem mudar se essas avaliações dos compromissos inspirarem ações concretas no curto prazo. Por exemplo, oito empresas estão trabalhando com o Carbon Disclosure Project (CDP) para coletar informações de seus principais fornecedores sobre como eles estão gerenciando os riscos associados ao desmatamento (CDP, 2016). A análise dos dados de fornecedores coletados no ano piloto de 2017 será publicada no relatório anual da cadeia de suprimentos do CDP em janeiro de 2018. Dentre as oito empresas estão a Arcos Dorados, franquia da McDonald’s na América Latina, e a JBS (CDP, 2017)[27]. Além do CDP, outras duas ferramentas – Global Forest Watch (s.d.), Commodities e Transparency for Sustainable Economies (Trase, s.d.) – estão sendo aperfeiçoadas para avaliar o impacto global desses acordos nos próximos dois anos (NYDF, s.d.a.).
Outros desdobramentos são iniciativas para influenciar as políticas de outros países. Por exemplo, em maio de 2017, a Fern, uma ONG que busca influir políticas europeias que afetam florestas, lançou um relatório que sugere ao parlamento europeu medidas para evitar que as importações de soja pela União Europeia estimulem o desmatamento no Brasil (Gregory & Polsterer, 2017). O relatório foi lançado no Parlamento Europeu como parte da revisão da Política Agrícola Comum da União Europeia, que será concluída em 2020, e foi apoiado por uma parlamentar alemã que faz parte da comissão revisora (Fern, 2017).
Em síntese, o sucesso das promessas e acordos de longo prazo dependem de passos ou marcos de implementação mais contundentes no curto prazo – como punições e restrições de mercado se determinadas metas não forem cumpridas. As experiências anteriores mostram que os fazendeiros e a agroindústria respondem de forma pragmática quando as pressões e incentivos são claros e consistentes. Sem uma pressão clara de fora do setor (do mercado, da sociedade e de agentes públicos), é provável que muitos frigoríficos não assumam compromissos e que os acordos não sejam implementados efetivamente. Assim, milhares de fazendeiros na Amazônia continuariam derrubando e queimando florestas para criar gado.
Tabela 3. Campos de força contra e a favor do desmatamento. O verde claro indica o potencial da força se a ação for implementada
O custo de insistir em políticas que favorecem o desmatamento
Após concluirmos este relatório, vários eventos exemplificaram os riscos políticos e de reputação de continuar promovendo o desmatamento.
Em abril de 2017, o Congresso aprovou a redução do grau de proteção de quase 600 mil hectares de duas Unidades de Conservação no oeste do Pará. Em junho, várias manifestações do setor privado, de ongs e de indivíduos fizeram o presidente da República vetar o projeto. Os eventos incluíram:
Carta do ministro do Meio Ambiente e Energia da Noruega. Na carta enviada às vésperas da visita do presidente Michel Temer a Oslo, o ministro do Meio Ambiente da Noruega manifestou preocupação sobre a tendência de ascensão do desmatamento no período 2015-2016. Durante a visita das autoridades brasileiras ao país, o governo norueguês então confirmou que seguirá as regras do Fundo Amazônia e reduzirá o repasse de recursos dado o aumento do desmatamento em 2016 (Angelo, 2017).
Reportagens nacionais e internacionais. Dentre as reportagens que deram destaque à redução de áreas protegidas a do Jornal Nacional mostrou que a aprovação da medida provisória (MP) beneficiaria ocupações ilegais e estimularia novos desmatamentos (JN, 2017). Após a reportagem, a cantora paraense Fafá de Belém produziu um vídeo demandando que o presidente Temer vetasse o projeto. O vídeo dela logo atingiu 2 milhões de visualizações. Ao mesmo tempo o The Guardian destacou que o presidente brasileiro é visto como aliado do lobby ruralista, que o pressiona por cortes na proteção da Amazônia (Carrington, 2017).
Manifestações do setor privado. Líderes empresariais brasileiros e internacionais declararam que a redução da proteção na Amazônia pode afetar o acesso aos produtos brasileiros no mercado internacional (Calixto, 2017). Eles destacaram que a legislação ambiental se enfraquece com a perda de áreas protegidas, influenciando nas taxas de desmatamento e também afetando um mercado crescente que demanda atividades menos poluentes e produtos mais sustentáveis.
Campanhas na internet. Varias instituições colheram assinaturas contra o projeto. Juntos, o Instituto Socioambiental (ISA) e o Fundo Mundial para a Natureza (WWF-Brasil) coletaram quase 31 mil assinaturas de pessoas contrárias à MP (ISA, 2017; WWF-Brasil, 2017). Personalidades como Leonardo DiCaprio e Gisele Bündchen se juntaram às vozes que pediram veto à MP (Estadão, 2017). Após o veto, o presidente Michel Temer respondeu diretamente à modelo Gisele Bündchen e ao WWF com a mensagem: “@giseleofficial e @WWF, vetei hoje integralmente todos os itens das MPs que diminuíam a área preservada da Amazônia” (G1, 2017).
Entretanto, o ministro do Meio Ambiente prometeu ao senador Flexa Ribeiro, que liderou a proposta de redução das áreas, que o projeto seria resubmetido como projeto de lei com urgência constitucional (Isa, 2017a). A manobra foi imediatamente denunciada por ongs em um manifesto (Veto para Norueguês Ver?) e foi repercutida amplamente na imprensa (ISA, 2017a; Leite, 2017; Bragança, 2017). Essa situação e o fato de que o governo norueguês confirmou que as doações ao Fundo Amazônia vão ser reduzidas por causa do aumento do desmatamento levaram o ministro do Meio Ambiente a recuar e informar que a decisão de redução da área dependerá de parecer técnico do ICMBio.
O desfecho deste caso ainda é incerto, mas demonstra o risco reputacional e de negócios se as empresas e o poder público insistirem em políticas favoráveis ao desmatamento.
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[1] A Amazônia Legal abrange os territórios do Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins e uma porção do Maranhão situada a oeste do meridiano 44º W. Foi definida em 1953 com base em seu caráter sociopolítico.
[2] Por exemplo, a redução do desmatamento entre 2001 e 2012 evitou a morte de 1.700 pessoas por ano nesta região segundo Reddington et al. (2015).
[3] Os sites consultados foram: http://g1.globo.com/mato-grosso/noticia/2015/07/frigorifico-de-matupa-fecha-e-demite-cerca-de-200-funcionarios.html; http://jaruonline.com.br/cinco-frigorificos-de-carne-estao-fechados/; https://www.facebook.com/851300584980716/photos/pcb.854093761368065/854093024701472.
[4] O Google Earth (Google Terra) é um aplicativo de mapas em três dimensões, gerenciado pelo Google, que permite identificar cruzamentos, construções, cidades, paisagens, entre outros elementos com características conhecidas, bem como visualizar endereços, gerar mapas e acessar imagens de satélite.
[5] O Fusion Table App é um serviço fornecido pelo Google que permite armazenar e gerenciar dados. Os usuários podem visualizar e compartilhar os dados online, bem como baixá-los e modificá-los.
[6] Entrevistamos somente os representantes dos frigoríficos que se disponibilizaram a conceder informações.
[7] Dados de estradas não oficiais só estão disponíveis dentro do bioma Amazônia. Para áreas fora do bioma, porém dentro da Amazônia Legal, utilizamos as informações de estradas oficiais, rios navegáveis e pasto para definição das zonas potenciais de compra de gado.
[8] Para ter acesso aos arquivos com resultados das auditorias consultamos http://www.greenpeace.org/brasil/pt/Noticias/Auditorias-reforcam-sucesso-do-Compromisso-Publico-da-Pecuaria/.
[10] Essas informações foram validadas por dados de Carrero et al. (2015) e por informações coletadas com criador de gado e funcionários da agência estadual de defesa sanitária em Roraima (Aderr).
[11] Esse frigorífico se abastece de gado oriundo de municípios do extremo sul do Amazonas (Humaitá, Apuí, Lábrea e Canutama), Roraima (Rorainópolis, São João da Baliza, São Luís do Anauá, Caroebe, Iracema e Mucajaí), Rondônia (Porto Velho, Ariquemes, Guajará-Mirim e Ji-Paraná) e Pará (Novo Progresso, Altamira, Anapu, Trairão e Vitória do Xingu).
[12] Constava no Mapa/SDA (2016) como habilitado para exportar carne in natura e miúdos para os Emirados Árabes, Egito e Hong Kong.
[13] Dados do Mapa (2016) mostram que dos animais abatidos em plantas registradas no SIF no estado de Mato Grosso em 2015, mais de 128 mil provieram dos municípios paraenses de Novo Progresso, Itaituba e Altamira. Somente em agosto de 2015 foi aberto frigorífico com registro no SIF em Novo Progresso, no oeste do Pará, com capacidade instalada de abate de 500 animais/dia.
[14] A empresa comprou dos municípios paraenses de Altamira, Brasil Novo, Monte Alegre, Prainha, Vitória do Xingu e Uruará, conforme dados de Soares et al. (2014) e da Agência Estadual de Defesa Sanitária do Amapá (Diagro).
[9] As dez empresas são JBS, Marfrig Global Foods, Minerva Alimentos, Mercúrio Alimentos, Masterboi, Vale Grande, Frigol, Frigon, Fribal e Cooperativa dos Produtores de Carne e Derivados de Gurupi.
[15] A JBS mantém um site com informações sobre origem da carne. Outras empresas também iniciaram ações buscando transparência sobre a origem da carne, porém os dados disponíveis ainda não atingem os fornecedores indiretos, são insuficientes ou foram descontinuados (Veja Apêndice 7).
[16] Lista completa no Apêndice 6.
[17] A tendência de aumento no número de animais oriundos do Pará abatidos no Tocantins foi alterada somente entre 2012 e 2014, quando o preço do gado estava favorável para exportação de animal vivo a outros países.
[18] Veja relatórios de auditoria BDO (2016); BDO (2016a) e DNV GL (2016). Para o caso Marfrig veja página 9 (DNV GL, 2016), para JBS veja página 7 (BDO, 2016) e para o Minerva veja páginas 7 e 13 (BDO, 2016a), onde são informados a possibilidade e os prazos do desbloqueio de propriedades daqueles com CPF citado em outros embargos no Ibama.
[19] Por exemplo, um pecuarista no sul do Pará reportou que criava o gado em fazenda dentro de Terras Indígenas e depois transportava-o para a engorda em outra fazenda de sua propriedade no município vizinho. Estando essa segunda fazenda legalizada e livre de desmatamento recente, ele não tinha problemas em comercializar o gado às unidades frigoríficas próximas a sua fazenda de engorda.
[20] Segundo a reportagem de Rodrigues et al. (2017), o diretor confessou ter feito “pagamentos dissimulados” para campanhas de 1.829 candidatos nas eleições de 2014, dos quais 179 se elegeram deputados estaduais em 23 estados e 167, deputados federais, por 19 partidos. Ele confessou ainda o pagamento de “propina para 16 governadores eleitos e para 28 candidatos ao Senado que disputavam a eleição, a reeleição ou a eleição para governador”. Segundo ele, tais pagamentos formavam um “reservatório de boa vontade”. “Era para que eles não atrapalhassem a gente”, afirmou.
[21] Veja protestos em http://www.mightyearth.org/engajamundo-rallies-outside-sao-paulo-burger-king/
[22] O desmatamento líquido zero parte do pressuposto de que o desmatamento ocorrido será compensado por meio de reflorestamento, de forma a neutralizar qualquer perda florestal (WWF, s.d.)
[23] Veja compromisso em The Consumers Goods Forum (2013).
[24] A lista completa de signatários está disponível em United Nations (2014).
[25] http://www.municipiosverdes.pa.gov.br/
[27] No Brasil, o CDP é apoiado desde sua primeira edição pela Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Complementar (Abrapp) e pela Associação Brasileira das Companhias Abertas (Abrasca).
Após uma campanha contra o desmatamento, grandes empresas estabeleceram a Moratória da Soja em 2009, que levou à forte redução do desmatamento associado a esta cultura – de 30% da expansão do plantio antes da moratória para cerca de 1% após (Gibbs et al., 2015). Ao mesmo tempo, a produção de soja aumentou pelo aumento de produtividade e pelo uso de pastos degradados. Para conseguir esse avanço as principais empresas do setor, coordenadas pela Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove), contrataram auditorias independentes que usam imagens de satélite e levantamentos aéreos (Imaflora, 2017). O sucesso da iniciativa fez com que a moratória fosse mantida nos últimos dez anos e que a partir de 2016 passasse a valer por tempo indeterminado (Greenpeace, 2016). Esse caminho também é plausível na pecuária, pois é possível aumentar a produção sem desmatar, conforme demonstram as análises de Barreto & Silva (2013) e Strassburg et al. (2014).
A falta de controle da febre aftosa impedia que a maioria dos estados brasileiros exportasse carne fresca até 1998 (Naranjo e Cosivi, 2013). Para abrir o mercado, governos estaduais, municipais e federal e o setor privado (fazendeiros, sindicatos, federações e a confederação) se organizaram para controlar a doença com vacinação de todo o rebanho. Diante da complexidade do problema, o Programa Nacional de Erradicação e Prevenção da Febre Aftosa (Pnefa) estabeleceu metas e prazos, seguindo o Código de Saúde de Animais Terrestres estabelecido pela Organização Internacional de Saúde Animal (OIE), e zonas para avançar no controle (Lima et al., 2005; Aeapa, 2006)[1]. O compromisso foi tão claro que estabeleceu inclusive que o setor privado mobilizasse “recursos financeiros e de influências políticas para a sustentação do programa” (CRPBZ, 2016).
Em 1998, foi reconhecida a primeira zona livre de febre aftosa no Brasil, constituída por dois estados que somavam cerca de 10% do rebanho (Figura 1). O controle avançou rapidamente, mas em 2000 e em 2005 foram registrados casos da doença, reduzindo o percentual de rebanho livre (Figura 1). Esses casos ameaçaram a economia e fecharam mercados. Os trabalhos continuaram e, em 2016, havia 10 anos sem registro de febre aftosa no Brasil.
Como resultado do esforço coletivo, entre 1998 e 2014 o controle cresceu de 10% para 98% do rebanho (Figura 1) e permitiu que o país aumentasse as exportações de 5,7% para 21,7 % da produção com ganho adicional de U$ 5,5 bilhões (Pnefa, 2014; IFNP, 2000 e 2015).
Em 2017, Roraima foi declarado livre de febre aftosa com vacinação pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). Esse reconhecimento permite a comercialização de animais com todos os estados do Brasil, exceto Santa Catarina, único classificado como livre de febre aftosa sem vacinação. O próximo passo é buscar o reconhecimento internacional (OIE) para que o estado possa também exportar animal vivo para outros países (Portal Brasil, 2017).
Com a atualização do status de Roraima em 2017, apenas dois estados (Amapá e Amazonas) ainda estão na zona classificada como infectada, além de uma pequena zona no estado do Pará (Figura 2) que faz limite com esses estados e é classificada como zona tampão ou zona de proteção (Pnefa, 2017).
Figura 1. Percentual do rebanho bovino livre da febre aftosa no Brasil
Figura 2. Situação atual do controle da febre aftosa no Brasil
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[1] As zonas passaram a ser livres visto que a doença não ocorria por um período superior a dois anos, não havia evidências de presença do vírus causador da doença pelo menos nos últimos 12 meses e havia vigilância para detectar a incidência do vírus.
Apêndice 3. Nome e localização dos 157 frigoríficos na Amazônia Legal com registro no SIE e SIF e respectivos status operacional e de compromisso com o TAC
A coluna ID segue a identificação da Figura 6. O * ao lado do ID indica unidades entrevistadas. O status operacional reflete o período de coleta dos dados, que foi de fevereiro a abril de 2016.
Estimamos a área de pasto necessária para abastecer a capacidade máxima instalada de abate dos frigoríficos registrados no SIF e SIE. Obtivemos os dados sobre a capacidade de abate por meio de entrevistas com representantes de 40 plantas frigoríficas. Depois, usamos esses dados para estimar a capacidade das plantas restantes, considerando a classificação atribuída aos frigoríficos pelo Mapa (SIF), ou então utilizamos a média dos frigoríficos com registro no SIE por estado.
Com a capacidade diária máxima estabelecida, utilizamos o número total de dias úteis (254) em 2016 para estimar a demanda de animais para abate por ano de todas as empresas individualmente e do total.
Em seguida, estimamos o total de animais para abastecer a demanda de acordo com a taxa média de abate por estado entre 2013 e 2015 (Tabela 1). A taxa de abate é o percentual do gado total abatido no ano. Usando uma regra de três, estimamos o total de gado que seria necessário ter nos pastos.
Dividimos o total de gado pela lotação média dos pastos da região (1,26 animal por hectare, segundo Dias-Filho, 2014) para encontrar a área de pasto necessária para abastecer a capacidade instalada dos frigoríficos na Amazônia Legal. Por exemplo, estimamos que seriam necessários aproximadamente 69 milhões de hectares de pasto para abastecer toda a capacidade de abate dos frigoríficos registrados no SIE e SIF ativos em 2016.
Depois, comparamos a área necessária de pasto total por categorias de frigoríficos com a área total existente em 2013- 2014 (61 milhões de hectares). Portanto, a área necessária para abastecer a capacidade de abate instalada ativa seria uma área de pasto 13% maior do que a existente em 2014 (Tabela 2). Se todos os frigoríficos estivessem ativos e operando com a capacidade total, seria necessária uma área 46% maior de pasto.
Tabela 1. Taxa de abate bovino nos estados da Amazônia Legal em 2016
Tabela 2. Percentual do pasto necessário para suprir a necessidade de abate dos frigoríficos instalados na Amazônia Legal em 2016
Estimamos as áreas de floresta remanescente na Amazônia que estariam em maior risco de desmatamento entre 2016 e 2018. Para isso, consideramos que quem desmata leva em conta fatores que afetam o potencial de sucesso de uso da área, como a declividade do terreno, a distância até o mercado para produtos agropecuários (p. ex., frigoríficos) e a disponibilidade de transporte (distância até rodovias e rios navegáveis). Assim, é possível estimar (ou projetar) o risco de desmatamento futuro de uma dada floresta considerando a sua localização em relação aos fatores que historicamente estão associados ao desmatamento.
Para estimar quais as áreas que estariam em maior risco de desmatamento em três anos, teríamos que estimar quanto seria cortado nesse período. Uma estimativa precisa é difícil, pois muitas variáveis são desconhecidas, por exemplo, se o governo vai intensificar a fiscalização. Assim, para simplificar a análise, consideramos que as taxas nos próximos três anos seriam similares àquelas dos últimos três anos. Sabemos que esse pressuposto não dá certeza sobre a taxa futura, mas serve para indicar as áreas que devem merecer mais atenção dos esforços para conter o desmatamento.
Para prever as áreas em risco de desmatamento, primeiro quantificamos o remanescente florestal na Amazônia. O passo seguinte consistiu em calibrar o modelo – ou seja, analisar a significância e peso de fatores que favoreceram ou desfavoreceram o desmatamento no passado recente (2009 a 2014), como as distâncias até estradas, frigoríficos e Unidades de Conservação. Depois, calculamos a probabilidade de as florestas remanescentes serem desmatadas considerando a proximidade desses fatores.
Finalmente, estimamos as parcelas de floresta com maior probabilidade de desmatamento, assumindo que aquelas áreas com maior risco seriam desmatadas primeiro até atingir o total que foi desmatado nos últimos três anos – ou seja, 17 mil quilômetros quadrados.
A seguir apresentamos os dados e procedimentos desta análise.
Quantificar o remanescente florestal. As zonas de compra dos frigoríficos foram combinadas com os dados históricos de desmatamento gerados pelo Projeto de Monitoramento Florestal por Satélite (Prodes), do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), reamostrados para pixels de 1 km x 1 km. O objetivo dessa análise foi quantificar o remanescente florestal disponível em cada zona de frigorífico, além de caracterizar as taxas históricas de desmatamento por zona (Figura 1-C).
Estimar as áreas em risco de novos desmatamentos. Usamos o Land Change Modeller, disponível no programa TerrSet (versão 18.31), para estimar o risco de desmatamento dos remanescentes de floresta. O programa calculou o risco avaliando a associação do desmatamento ocorrido entre 2009 e 2014 com mapas de elevação e declividade do terreno, de distância de rios, de desmatamento antigo, de desmatamento recente, de áreas não militares, de áreas protegidas, de estradas, de assentamentos do Incra, de área militar, de frigoríficos e de áreas de embargo pelo Ibama (Figura 2 e Tabela 1). As distâncias foram calculadas usando-se o módulo Distance do programa IDRISI.
Para calibrar o modelo, utilizamos o método do Relevance Weight (RW) (Sangermano et al., 2010), que estimou a importância de cada variável para a geração do mapa de risco de desmatamento. O RW consiste em comparar o desvio padrão das variáveis independentes (distâncias de estradas, elevação etc.) calculado nas áreas de mudança com o desvio padrão da mesma variável gerado na escala da Amazônia. Para cada um dos intervalos anuais entre 2009 e 2014 calculamos os RW de cada variável utilizada no modelo (Figura 2). As variáveis com valores próximos de 1 demonstram alta importância para o modelo. As variáveis próximas de zero demonstram baixa importância. Os fatores mais relevantes para o risco incluíram as distâncias para áreas com desmatamento recente, para áreas não militares e para áreas com desmatamento, assentamento, Áreas Protegidas e distância para frigoríficos (Figura 3).
Projetar as áreas em risco de desmatamento. A projeção ocorreu em quatro etapas. Primeiro, estimamos quais as variáveis mais associadas ao desmatamento comparando ano a ano entre 2009 e 2014 (Figura 4 A e B). Esse mapa permitiu gerar os mapas de potencial de transição que mostram as regiões com mais ou menos características de ocorrência de desmatamento comparando a passagem de um ano para o seguinte (Figura 4 – C). Depois, combinamos esses mapas e calculamos o valor médio de transição entre 2009 e 2014 (Figura 4 D), que é o mapa de risco médio.
De posse do mapa de risco (Figura 4 D), usamos o módulo TopRank do programa TerrSet para projetar as parcelas de floresta com maior risco de serem desmatadas no futuro (Figura 5). Esse módulo selecionou e somou as regiões com maior probabilidade até atingir os 17 mil quilômetros quadrados projetados.
Figura 1. Exemplo de zona potencial de compra definida usando-se a ferramenta Cost Distance do programa ArcGis 10.3. A. Localização do frigorífico e estradas; B. Zona de compra de gado definida baseada na distância de compra de 340 km; e C. Floresta remanescente e desmatamento acumulado até 2015 dentro da zona de compra do frigorífico.
Figura 2. Mapa das variáveis usadas para calibrar o modelo de risco de desmatamento
Tabela 1. Variáveis usadas para calibrar o modelo de risco de desmatamento
Figura 3. Importância das variáveis analisadas na definição do risco de desmatamento pelo método Relevance Weight (RW)
Figura 4. Etapas para estimar o risco de desmatamento. A. Histórico de cobertura do solo de 2009 a 2014; B. Análise de variáveis auxiliares associadas ao desmatamento; C. Cálculo do mapa de potencial de transição intermediária para cada par de anos; e D. Potencial de transição média para o período 2009-2014
Figura 5. Áreas com maior risco de desmatamento projetado entre 2016 e 2018 na Amazônia Legal
Os dados são apresentados em ordem crescente do ranque do desmatamento 2010-2015.
Em resposta aos acordos da pecuária em prol do desmatamento zero na Amazônia, algumas empresas desenvolveram ferramentas para mostrar ao consumidor de carne a origem do gado. Os modelos variam de lista de fazendas a informações certificadas e auditadas com características das fazendas.
Em 2014 a Mafrinorte (Ativo Alimentos) dispunha em seu site de uma ferramenta para rastreabilidade (Figura 1A), na qual se selecionavam o ano, mês e a data para verificar as fazendas fornecedoras, mas parece que a ferramenta foi descontinuada, pois não mais disponibiliza os dados, nem para anos anteriores (Figura 1B).
A Marfrig mantém um site (https://rastreabilidade.marfrig.com.br/GadoLegal/) que dá acesso à lista de seus fornecedores (Figura 2) inserindo-se o número SIF da planta e a data do abate, mas que indica apenas o nome e o município do fornecedor, sem disponibilizar suas coordenadas geográficas.
A JBS S/A possui dois mecanismos para verificação da origem dos animais pelo consumidor: i) O QR code, um código localizado nas embalagens das marcas da empresa cuja lista de fornecedores pode ser acessada usando-se smartphones; e ii) um site (http://www.confiancadesdeaorigemjbs.com.br/), por meio do qual o consumidor pode acessar a lista de fornecedores inserindo o número SIF da planta produtora e a data do abate (Figura 3A). Na lista, ao lado do nome de cada fazenda fornecedora, há um ícone que, ao ser clicado, mostra as coordenadas geográficas da fazenda, conforme mostra a Figura 3B.
Para o consumidor, o mais útil são informações certificadas com a qualidade da origem – por exemplo, o sistema de rastreamento desenvolvido pelo Safe Trace que rastreia a origem do boi com um chip ou brinco, armazenando o histórico genético, sanitário e de manejo, atualizado por um software (Aranha, 2015). Redes varejistas, como o Grupo Pão de Açúcar (GPA), estão usando esse sistema para rastrear a origem da carne bovina e prometem no curto prazo ter 100% da carne rastreada, considerando animais desde o nascimento até o abate.
Figura 1. Dados disponíveis no site da Mafrinorte (Ativo Alimentos) em 2014 (A) e como está apresentado em 2017 (B)
Figura 2. Exemplo de lista de fornecedores acessada do site do frigorífico Marfrig
Figura 3. Exemplo de lista de fornecedores de um frigorífico JBS (SIF 1110) acessada em 22/07/2016 (A); e localização geográfica da Fazenda Terra Nativa, em Santana do Araguaia (PA), obtida ao clicar o localizador da origem no site da JBS (B). As coordenadas do ponto são 9°34’37.8”S+51°09’39.2”W.[1]
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[1] Após finalizarmos o relatório verificamos que o acesso à informação sobre origem do gado da JBS ficou indisponível. Quando pesquisamos por número de registro no SIF e data de produção apareceu a mensagem: “Serviço indisponível no momento. Por favor tente novamente”
Objetivos e planejamento da operação
Em março de 2017 o Ibama realizou a operação Carne Fria para fiscalizar a criação e a comercialização de bovinos criados em áreas embargadas por desmatamento ilegal e, quando constatada a aquisição de animais e a supressão de vegetação dessas áreas, responsabilizar os compradores dos animais conforme estabelece o Decreto Federal n.º 6.514/2008. Segundo o Ibama, a operação “integra uma das linhas de ação do eixo monitoramento e controle do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm), criado em 2004. O PPCDAm é um dos instrumentos da Política Nacional sobre Mudança do Clima e tem o objetivo de reduzir de forma contínua e consistente o desmatamento, além de criar as condições para um modelo de desenvolvimento sustentável na Amazônia Legal” (Ibama, 2017a).
Para constatar as infrações, o Ibama cruzou as informações dos embargos feitos pelo instituto com os dados do Cadastro Ambiental Rural (CAR) e das Guias de Trânsito Animal (GTA), as quais controlam o transporte do gado entre as fazendas e destas até os frigoríficos. Os dados do CAR foram obtidos da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Pará (Semas) e do Sistema Nacional de Cadastro Ambiental Rural (Sicar), incluindo informações georreferenciadas da propriedade e identificação do proprietário. O Ibama constatou o uso das áreas embargadas visitando e sobrevoando as fazendas. Já as GTAs foram obtidas a partir de solicitação feita em 2014 à Agência de Defesa Agropecuária do Estado do Pará (Adepará)[1], por meio do Ministério Público Federal (MPF), e aos frigoríficos no sul, sudeste e oeste do Pará em 2016, por meio de notificação. O cruzamento dos dados das fazendas de origem do gado com os dados das fazendas embargadas permitiram ao Ibama rastrear o gado desde a fazenda até o frigorífico/exportador e identificar as fontes diretas e indiretas irregulares. A venda direta ocorre das fazendas de engorda que vendem o gado diretamente aos frigoríficos/exportadores. As fontes indiretas são as fazendas com embargo (irregular) que criam o gado e o vende ou transfere (bezerro, novilho ou gado adulto) a fazendas de engorda (regular ou irregular), que por sua vez o vende aos frigoríficos/exportadores, num esquema chamado “lavagem” ou “esquentamento de gado”.
Na investigação o Ibama identificou dois esquemas de lavagem usados para esconder a origem do gado e, assim, não haver quebra dos acordos assinados junto ao MPF e/ou Greenpeace. No primeiro, o fazendeiro criava o gado em áreas embargadas, mas usava GTAs no nome de fazendas regulares para vendê-lo e transportá-lo até os frigoríficos/exportadores compradores. No segundo esquema, o fazendeiro criava o gado em áreas embargadas vizinhas a fazendas regulares, transferia-o e misturava-o aos animais criados de forma regular nessas fazendas e, em seguida, vendia-o como se fosse legal (Locatelli & Aranha, 2017). Por fim, o Ibama constatou transações de gado entre propriedades rurais com áreas embargadas (Ibama, 2017a).
Esses esquemas evidenciam falhas nos acordos – que estabelecem o monitoramento somente da origem direta do gado pelos frigoríficos/exportadores, mantendo desconhecida a origem indireta – e não exigem o desenvolvimento de um meio de verificação da origem dos animais durante todo seu ciclo de vida. Há casos de cargas de gado saindo de fazendas com embargo para fazendas de engorda e depois para os frigoríficos/exportadores num único dia.
Segundo o Ibama, a Carne Fria não tem relação com a operação Carne Fraca, deflagrada três dia antes, no dia 17 de março, pela Polícia Federal.
Os resultados da operação
Durante a operação, o Ibama interditou 15 frigoríficos nos estados do Pará (11), Tocantins (3) e Bahia (1), um exportador de gado em pé (Pará) e 24 fazendas com áreas embargadas por desmatamento ilegal pelo Ibama no Pará (Tabela 1) (Ibama, 2017a).
Os frigoríficos e o exportador de gado em pé foram acusados de descumprir o TAC da Carne assinados em 2009 ao adquirir direta ou indiretamente (por meio de fazendas intermediárias onde o gado tinha sua origem ilegal “lavada”) 58.872 cabeças de gado criadas em 50,7 mil hectares embargados no Pará e comercializá-las no valor de R$ 130,8 milhões (Tabela 2) conforme valor por animal estabelecido pela Secretaria de Estado da Fazenda do Pará (Sefa), o equivalente a aproximadamente 14.719 toneladas de carne processada (Ibama, 2017a; Corrêa, 2017).
No Pará, foram interditados frigoríficos nos municípios de Redenção, Santana do Araguaia, Tucumã, Rio Maria e Xinguara (Figura 1). A empresa JBS S/A foi o principal alvo da operação, com dois frigoríficos, um localizado em Redenção-PA e outro em Santana do Araguaia-PA. A JBS S/A foi acusada de adquirir 49.438 cabeças de gado de áreas embargadas, o equivalente a 84% do total envolvido na ação, e multas somando R$ 24,7 milhões (Ibama, 2017b; Locatelli & Aranha, 2017).
Além de interditar os frigoríficos, o Ibama embargou a aquisição de novos animais e condicionou a liberação desde que comprovada sua origem. Já as 20 fazendas sob embargo, todas no Pará, foram acusadas de descumprimento do embargo (uso para pasto) por impedimento da regeneração da vegetação nativa (18 delas apresentadas na Tabela 3) nessas áreas e/ou de comercialização de gado em pé criado nas áreas embargadas (24 propriedades). Elas estão situadas nos municípios paraenses de Cumaru do Norte, Santana do Araguaia, Redenção, São Félix do Xingu e Bannach. Aproximadamente 43% do gado foi adquirido indiretamente das fazendas embargadas; e o percentual médio da área total das fazendas que era embargada é expressivo: 38% (Tabela 4).
No total, foram 172 autos de infração, somando R$ 294 milhões em multas (Ibama, 2017b).
Tabela 1. Infrações e valor das multas por tipo de estabelecimento autuado pela operação Carne Fria
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[1] O Ibama solicitou acesso aos documentos da movimentação de gado e ao Sistema de Integração Agropecuária (Siapec), que controla as GTAs (Ibama, 2017b).
[2] Esta soma difere da apresentada na nota do Ibama emitida à imprensa (R$ 294 milhões). Não conseguimos a explicação do órgão sobre tal diferença.
Tabela 2. Quantidade de gado adquirido pelos frigoríficos criado em áreas embargadas e desmatadas ilegalmente e valores das multas aplicadas e valor estimado da carne comercializada
Figura 1. Exemplos de localização de frigoríficos e fazendas embargadas alvos da operação Carne Fria
Tabela 3. Quantidade de gado adquirido de forma direta e indireta de áreas embargadas pelas empresas autuadas na operação Carne Fria pelo Ibama no Pará e valores das multas
Tabela 4. Participação de fontes diretas e indiretas e das áreas embargadas por empresa autuada na operação Carne Fria pelo Ibama no Pará
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[3] Este número é menor do que reportado na nota do Ibama à imprensa, que soma mais de R$ 28 milhões. Não conseguimos a informação do Ibama a tempo sobre tal diferença.
Recomendações para outros órgãos de controle
Além das autuações, o Ibama também recomendou que outros órgãos tomem providências.
Ao MPF do Pará o Ibama sugeriu: i) a execução das sanções estabelecidas no TAC da Carne aos frigoríficos signatários que comprovadamente descumpriram o acordo ao adquirir gado de áreas embargadas; ii) uma Ação Civil Pública exigindo que esses frigoríficos reparem os danos ambientais, que serão dimensionados com base na área sob embargo utilizada no período 2013-2016; e iii) a exigência de uma “caução judicial” no valor de R$ 130.807.290, referente ao equivalente às 58.177 cabeças de gado adquiridas pelos frigoríficos, no caso de a carne processada/produzida a partir dos animais adquiridos das áreas embargadas já ter sido comercializada.
À Semas o Ibama requereu a análise da lista de fornecedores de gado apresentada pelo frigorífico JBS Redenção, conforme exigência anual prevista na licença ambiental, a fim de verificar e comprovar sua procedência legal.
À Adepará o Ibama exigiu i) o controle efetivo da cadeia produtiva, com a integração dos sistemas de gestão ambiental (Sicar, Simlam, Sigam, Listas de Áreas Embargadas) com o Siapec; ii) definição de normas/procedimentos, rotinas de análises e verificação de campo que validem áreas de produção rural que atendam às exigências ambientais a fim de fornecerem bovinos aos frigoríficos; e iii) disponibilização ao Ibama do acesso integral ao Siapec, de maneira a aferir a cadeia produtiva do gado e continuar a verificação de regularidade dos imóveis rurais fornecedores dos frigoríficos.
Desdobramentos da operação
Críticas de políticos e produtores rurais
Houve forte e imediata reação política e de produtores rurais para neutralizar a operação. Os governos federal, estadual do Pará e municipal de Xinguara e representantes de órgãos de classe da pecuária do estado criticaram fortemente a abordagem utilizada pelo Ibama na operação, a qual chamaram de inoportuna, arbitrária, entre outras; contestaram a metodologia de investigação, considerando-a inadequada, descabida, truculenta; e defenderam a indústria da carne no Pará, ressaltando seu empenho na regularidade e sua importância para a economia (Pegurier, 2017; Poder360, 2017; Nunes, 2017; Ambiente Inteiro, 2017; Diário online, 2017; CT Online, 2017; Ramos, 2017).
De acordo com o site O eco, a reação do Palácio do Planalto, em Brasília, ao saber sobre a operação, foi tentar abafar sua divulgação em âmbito nacional impedindo que a presidente do Ibama, Suely Araújo, convocasse duas vezes coletivas de imprensa para anunciar a operação (Pegurier, 2017), o que foi negado pelo instituto. Ainda segundo O eco, isso aconteceu porque nem mesmo o Ministério do Meio Ambiente estava informado sobre a operação. Em um vídeo, o ministro Sarney Filho afirma que o MMA não havia sido informado pelo Ibama sobre a operação, apesar de o instituto fazer parte desse ministério, e que apesar de não ser contra as operações que promovem a legalidade, o momento não era oportuno para realizar a operação uma vez que o setor agropecuário, tão importante para a economia brasileira, já estava fragilizado por causa da operação Carne Fraca, deflagrada pela Polícia federal três dias antes (Poder360, 2017).
Já o vice-governador do estado, José da Cruz Marinho, considerou a operação “uma interferência indevida do Ibama à jurisprudência do estado”, uma vez que a legislação já delega poderes ao estado para conduzir e legalizar as atividades produtivas em seu território. Disse ainda que o Prodes, utilizado nas investigações para mapear o desmatamento nas propriedades, é um sistema de mapeamento do desmatamento regionalizado e, por isso, é impreciso para o mapeamento no nível de propriedade (Nunes, 2017).
Na Assembleia Legislativa do Estado do Pará (Alepa), os deputados aprovaram por unanimidade um voto de repúdio à Carne Fria que, segundo seu presidente, Márcio Miranda, “não foi contra o Ibama cumprir suas atribuições e fiscalizar, mas contra a forma como a operação foi realizada” (Ambiente Inteiro, 2017). Os deputados Gesmar Rosa (PSD) e Sidney Rosa (PSB) também se manifestaram defendendo a produção estadual e chamando de “truculento” o método usado pelo Ibama na operação (Pegurier, 2017).
Num encontro com o ministro do meio ambiente e a presidência e diretores do Ibama para tratar dos desdobramentos da Operação Carne Fria, secretários do governo do Pará, parlamentares paraenses, entidades e empresas da indústria da carne no estado defenderam a regularidade ambiental da indústria da carne no Pará (Agência Pará, 2017). O secretário extraordinário do Programa Estadual Municípios Verdes, Justiniano Netto, alegou que a indústria da carne tem feito um trabalho sério e cumprido o TAC e, por isso, não merecia o tratamento recebido na operação. Afirmou ainda que os embargos se mostraram desproporcionais e descabidos, de tal modo que o Ibama rapidamente reviu alguns embargos e a Justiça concedeu a liminar; e que a operação foi totalmente desfocada porque considerou desmatamentos antigos, de mais de dez anos, além de tentar responsabilizar frigoríficos por não usar informações que não estão disponíveis nos sistemas públicos do Ibama (Agência Pará, 2017).
Da parte do setor pecuário, o Sindicato de Produtores Rurais de Xinguara também criticou fortemente a metodologia adotada na operação. Segundo seu presidente, Joel Lobato, que também é diretor da Federação da Agricultura e Pecuária do Pará (Faepa), “a reclamação geral é que não houve autuações, cobrança de documentos ou de informações sobre os métodos usados pelos frigoríficos para monitorar a origem do gado que compram” (Diário online, 2017).
O município de Xinguara, por meio do seu prefeito Osvaldo de Oliveira Assunção Júnior, também se manifestou publicando uma nota de repúdio “expressando sua mais alta solidariedade aos representantes da indústria da carne, sindicatos rurais, empresários, pecuaristas e produtores rurais em geral, pelo lamentável episódio do Ibama no embargo dos frigoríficos da nossa região, que paralisou toda a cadeia produtiva da indústria da carne no sul do Pará” (CT Online, 2017). O prefeito conclamou pecuaristas, representantes da indústria frigorífica, empresários, produtores rurais, lideranças políticas e comunitárias do agronegócio e as autoridades em geral do sul do Pará para uma reunião para traçar metas, diretrizes e estratégias para reagir ao problema que se abateu sobre a economia da região (Ramos, 2017).
Desembargos judiciais e administrativos
Após a interdição dos frigoríficos no dia 22 de março, lideranças do agronegócio realizaram reuniões em Belém e Brasília para tentar reverter a situação. Após reunião com autoridades paraenses, a presidência do Ibama anunciou que todos os frigoríficos estariam desinterditados e poderiam funcionar normalmente a partir do dia 23 de março, um dia depois da interdição, com a condição de que as empresas apresentassem suas listas de fornecedores (Corrêa, 2017).
Sete frigoríficos e um exportador de gado em pé solicitaram suspensão dos embargos, seja judicialmente ou administrativamente, e obtiveram decisão liminar favorável. Eles somam R$ 9.544.500 em multas pela aquisição e comercialização de 55.098 bovinos oriundos de áreas embargadas, que equivalem a respectivamente 99% do total em multas para essas infrações e 94% do número de cabeças contabilizadas para todos os frigoríficos multados na operação.
Os frigoríficos Mercúrio Alimentos S/A, Rio Maria S/A e Stop Carnes e o exportador de gado em pé Agroexport Trading e Agronegócios S/A entraram com requerimento de suspensão de embargo junto ao Ibama, apresentando documentos que, em tese, comprovam que as provisões previstas para março não estavam associadas a imóveis rurais embargados pelo instituto, conforme condição do próprio instituto estabelecida no ato do embargo. Após análise dos documentos, o Ibama emitiu Decisões Interlocutórias (DI) – ou seja, decisões parciais que não acabam o processo – suspendendo os embargos, com determinações específicas a cada uma das empresas requerentes e determinando a todas que “no prazo de noventa dias sejam apresentadas soluções que, efetivamente, inibam, em absoluto, a aquisição de produtos ou subprodutos animais produzidos sobre área objeto de embargo, a prezar pela licitude dos negócios de toda a cadeia produtiva em questão” (Decisão Interlocutória MMA-Ibama n.º 209/27 de março de 2017 – SEDE/NUIP; Decisão Interlocutória MMA-Ibama n.º 208/27 de março de 2017 – SEDE/NUIP; Decisão Interlocutória MMA-Ibama n.º 224/04 de abril de 2017 – SEDE/NUIP). A lista dos embargos e respectivos procedimentos está disponível em <http://bit.ly/2p0rHhD>.
Cinco frigoríficos no Pará recorreram judicialmente à suspensão dos embargos às suas plantas pelo Ibama: JBS S/A (plantas de Redenção e Santana do Araguaia), Mercúrio Alimentos S/A (Xinguara), frigorífico Rio Maria (Rio Maria) e Xinguara Indústria e Comércio (Xinguara). Os cinco frigoríficos afirmaram, entre outros, controlar seus fornecedores e comprar gado somente de áreas regulares e, portanto, estarem cumprindo o TAC assinado em 2009. O juiz Heitor Moura Gomes da 2ª Vara da Subseção Judiciária de Marabá (PA) desembargou todos os frigoríficos alegando, entre outras coisas, que “[…] o quantitativo de gado supostamente adquirido de imóvel rural embargado é inexpressivo frente ao volume de gado adquirido/abatido pela impetrante nesses últimos anos […]” (Vargas, 2017).
Os processos administrativos e judiciais continuarão referentes ao mérito das multas.
Da parte dos outros órgãos de controle
Em resposta à requisição do Ibama ao MPF de mover uma ação judicial para cobrar dos frigoríficos – no caso de a carne processada/produzida a partir dos animais adquiridos das áreas embargadas já ter sido comercializada – uma “caução judicial” no valor de R$ 130.807.290 referentes ao equivalente às 58.177 cabeças de gado compradas de áreas irregulares pelos frigoríficos, o Procurador da República Daniel César Azeredo Avelino, do MPF, por email de 22 de maio de 2017, informou que o MPF está aguardando as justificativas das empresas por escrito para decidir sobre tais recomendações.
Defesa da operação e demanda por correções do setor
Houve poucas reações de apoio à operação. O jornalista e ativista ambiental André Trigueiro, em comentário à rádio CBN, defendeu a operação ressaltando que a Carne Fria não deve ser ofuscada pela operação Carne Fraca, realizada pela Polícia Federal três dias antes (globo.com, 2017). O jornalista criticou fortemente, chamando de “aberração completa”, a sentença dada pelo juiz federal de Marabá-PA, que estabeleceu o embargo da liminar da JBS S/A por considerar que o número de bois oriundos de áreas embargadas comprado pela empresa era pequenininho se comparado aos 2 milhões de cabeças para abate que desde 2012 foram comprados de forma absolutamente legal pela JBS S/A (globo.com, 2017).
A ONG ambientalista Greenpeace reagiu à operação suspendendo as negociações com a empresa JBS S/A relacionadas à implementação do Compromisso Público da Pecuária na Amazônia, existente desde 2009. No acordo, a JBS S/A se compromete a excluir fazendas envolvidas com desmatamento, trabalho escravo, invasão de Terras Indígenas e Unidades de Conservação de sua lista de fornecedores. A suspensão ficou condicionada à comprovação de que a carne vendida é própria para consumo e livre de desmatamento, trabalho escravo e conflitos com Terras Indígenas e Unidades de Conservação (Greenpeace, 2017).
De acordo com o Greenpeace (2017), a operação “revela a fragilidade dos sistemas de controle e a necessidade de ampliar o controle social sobre a cadeia de produção pecuária, com mais transparência e acesso público a dados relevantes para a sociedade. Desde 2007, o governo federal vem anunciando maior controle na cadeia de produção bovina, especialmente para exportação, com a adoção de GTA eletrônica e sua integração com o Sisbov (Serviço de Rastreabilidade da Cadeia Produtiva de Bovinos e Bubalinos), mas isso nunca aconteceu.” (Greenpeace, 2017). Para melhorar o controle do desmatamento relacionado à produção pecuária, o Greenpeace propôs novos critérios que visam melhorar o controle sobre transparência e publicidade dos dados, bem como fornecedores indiretos e o bloqueio de fazendas localizadas dentro de Terras Indígenas. O Greenpeace também exortou as três maiores redes de supermercados operando no Brasil (Carrefour, Pão de Açúcar e Walmart) a cumprirem seus compromissos pelo Desmatamento Zero. Porém, até a conclusão deste trabalho nenhum dos atores havia anunciado novas medidas.
Reuniões para coordenar soluções de longo prazo
A partir de sugestão do governo do Pará, o MPF convocou uma reunião com representantes da cadeia da pecuária, autoridades estaduais e federais para discutir as melhorias no monitoramento e controle ambiental da pecuária. Na reunião que ocorreu em Brasília em 25 de abril de 2017, empresas que prestam consultoria para signatários do TAC demonstraram que há tecnologias para fazer o monitoramento e até a rastreabilidade das compras. Entretanto, o rastreamento de fornecedores indiretos dependeria da disponibilização de dados como a GTA ou a adoção de outras tecnologias de rastreabilidade individual do gado. A falta de validação do CAR também foi apontada como um problema, pois há muita sobreposição dos dados. As tecnologias disponíveis permitem o registro de recortes fraudulentos do CAR.
É relevante notar que o grupo não decidiu sobre a adoção de métodos para controlar os fornecedores indiretos, em especial a falta de decisão sobre a disponibilização das GTAs. Duas instituições essenciais para o controle da GTA não estavam presentes: o Mapa não foi convidado e a Adepará foi convidada, mas não compareceu. O grupo decidiu formar um grupo de trabalho entre autoridades ambientais estaduais e federais para avaliar os procedimentos unificados para monitoramento e fiscalização do TAC. Jair Schmit, diretor do Departamento de Florestas e Combate ao Desmatamento, será o ponto focal no governo federal na gestão do TAC da pecuária.
Considerações finais
A operação focou em problemas relevantes, que são o controle da origem indireta de gado e a lavagem. Os embargos poderiam forçar decisões rápidas para evitar compras irregulares. Entretanto, a forte reação política e dos pecuaristas e a decisão judicial e administrativa de desembargo enfraqueceram o potencial de impacto direto imediato da operação. A reação política era esperada dada a relevância econômica do setor e muito provavelmente pelo poder de influência política que foi recentemente revelado pela delação dos sócios controladores da JBS S/A e um de seus executivos[4].
De qualquer forma, dois desdobramentos da operação podem ter impacto sobre o setor e merecem ser monitorados. O primeiro é a demanda do Ibama para que as empresas apresentem em noventa dias soluções para garantir a legalidade de toda a cadeia de suprimento. Ainda é incerto se essa decisão será mantida, pois pode ser submetida a revisões nos processos administrativos.
Segundo, a recomendação do Ibama para que o MPF execute as sanções previstas no TAC contra os frigoríficos poderia ser impactante no curto prazo, uma vez que o TAC pode ser executado extrajudicialmente. Portanto, o efeito da operação no curto prazo dependerá em grande medida da decisão do MPF.
Como esta foi a principal operação de fiscalização do cumprimento do TAC, os seus desdobramentos podem ser os balizadores do sucesso ou não desse mecanismo de responsabilização de infratores.
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[4] A delação premiada do diretor de Relações Institucionais e Governo da J&F (holding controladora da JBS) e do seu sócio controlador ilustram o poder de influência do setor agropecuário. De acordo com a reportagem de Rodrigues et al. (2017), o diretor confessou ter feito “pagamentos dissimulados” para campanhas de 1.829 candidatos nas eleições de 2014, dos quais 179 se elegeram deputados estaduais em 23 estados e 167, deputados federais por 19 partidos. Ele confessou ainda o pagamento de “propina para 16 governadores eleitos e para 28 candidatos ao Senado que disputavam a eleição, a reeleição ou a eleição para governador”. Segundo ele, tais pagamentos formavam um “reservatório de boa vontade”. “Era para que eles não atrapalhassem a gente”, afirmou.
Desde 2014, a JBS, Marfrig e Minerva, empresas que assinaram o compromisso público com o Greenpeace, têm tornado públicos os resultados das auditorias independentes realizadas para testar seus sistemas de compra de gado das fazendas fornecedoras diretas (gado gordo) no bioma Amazônia.
Os auditores verificam se houve compra de gado de áreas com desmatamento ocorrido após outubro de 2009, com embargo na lista do Ibama, com prática de trabalho escravo ou degradante observado na lista do MTE, com origem em Terras Indígenas e Unidades de Conservação e/ou em terras griladas que tenham envolvido conflito por terra.
Para testar o cumprimento das regras, os auditores verificam 10% do total de compras realizadas no período de um ano. Além disso, simulam compras com propriedades habilitadas e não habilitadas nos sistemas de cada empresa. Os auditores também verificam os registros das empresas contratadas pelos frigoríficos[1] para fazer o controle das compras, incluindo a verificação da sobreposição das fazendas com desmatamento registrado pelo Prodes com Terras Indígenas e Unidades de Conservação.
As auditorias de 2016 atestaram que, em geral, a JBS, Marfrig e Minerva cumpriram os acordos, mas que há algumas falhas (BDO, 2016; BDO, 2016a; DNV GL, 2016). Em relação às compras dos fornecedores diretos, a JBS comprou de três áreas da lista de embargo do Ibama, que representou 0,026% das compras auditadas da JBS. Além disso, a auditoria apontou falhas na integração do sistema da JBS com a Agrotools, empresa responsável pelo georreferenciamento das fazendas fornecedoras da empresa. Uma decisão controversa da JBS foi a exclusão da auditoria de sete plantas que estavam fechadas em 2016, mas que comercializaram animais do bioma Amazônia em 2015[2]. Segundo o relatório de auditoria (BDO, 2016), a “Companhia optou por não as considerar na amostragem, bem como nas análises, devido à dificuldade de realizar o levantamento de documentações para comprovação nos testes que foram realizados”.
O risco decorrente da falta de rastreabilidade. As auditorias constataram que a JBS e a Minerva não adotam nenhum sistema de verificação dos fornecedores indiretos (fazendas de cria e recria que vendem para as fazendas de engorda). A JBS apoia o Programa Novo Campo, em Mato Grosso, que tem como uma de suas iniciativas desenvolver um sistema de acompanhamento dos fornecedores indiretos, mas ainda é um projeto piloto (Veja dados sobre a Pecsa no Apêndice 10).
Já a Marfrig, de acordo com relatório de auditoria, pede aos fornecedores diretos que informem a origem dos animais que foram comprados de outras fazendas, incluindo dados sobre a propriedade, o município, o estado, o nome do proprietário, o CNPJ ou CPF. A Marfrig então verifica se os fornecedores indiretos não estão nas listas de embargo do Ibama e do trabalho escravo. Entretanto, segundo os auditores, a Marfrig não verifica essas fazendas de forma sistemática, pois a empresa ainda não conseguiu adotar procedimentos auditáveis que atinjam esses fornecedores (DNV GL, 2016).
Além dessas limitações, as auditorias dos três frigoríficos revelam a vulnerabilidade das empresas a comprarem gado que esteja sendo “lavado”. Isso ocorre porque o sistema de compra pode “desembargar” um fazendeiro se ele possui outras fazendas além da área embargada. Com este procedimento, os frigoríficos podem comprar gado das áreas sem embargo. Entretanto, como não há a rastreabilidade ou o sistema de verificação de terceiros ainda é frágil, o gado comprado da área sem embargo pode ter sido criado nas fazendas embargadas do mesmo proprietário.
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[1] Agrotools para a JBS e Marfrig e Apoio para a Minerva.
[2] As unidades que compraram do bioma Amazônia em 2015 e que não foram incluídas na auditoria por estarem fechadas em 2016 estão localizadas em Amargosa-BA, Ariquemes-RO, Cuiabá-MT, Iguatemi-MS, Matupá-MT, Rolim de Moura-RO e São José dos Quatro Marcos-MT (BDO, 2016).
A Pecuária Sustentável da Amazônia (Pecsa)[1] é uma empresa que investe para atingir a sustentabilidade de fazendas na região. Para isso, procura tornar toda a cadeia produtiva livre de desmatamento, por meio de parcerias de longo prazo com fazendeiros envolvidos na cria, recria e engorda de animais. Para a empresa, é uma obrigação legal assegurar fontes legais de fornecedores de gado (inclusive da cria), pois a cadeia produtiva é corresponsável legal.
Para entender a participação dos fazendeiros em toda a cadeia pecuária, a Pecsa acessa a GTA, que informa a movimentação de animais, indicando origem e destino, e o nome dos seus proprietários. Essas informações permitem identificar se alguma propriedade ou proprietário de animais tem restrições ambientais. A utilização das informações contidas na GTA foi testada com sucesso nas fazendas piloto, e os resultados foram apresentados à JBS, Mcdonalds e em oficinas de trabalho.
A implementação do controle dos fornecedores indiretos pela Pecsa tem sido monitorada pelo Instituto Centro Vida (ICV). O ICV mantém atualizados os dados de desmatamento pós-2008, produzindo mapas que combinam desmatamento recente e limites de propriedades. Os integrantes da Pecsa usam esses mapas para verificar a situação dos fornecedores antes de fazerem a compra do gado. Quando o mapa indica que o novo fornecedor apresenta desmatamento pós-2008, o mesmo é informado sobre a necessidade de reflorestamento para que possa comercializar na área de abrangência da Pecsa. E nos casos em que não há desmatamento pós-2008, a Pecsa estabelece uma relação comercial e o novo fornecedor tem seus dados incluídos na plataforma Terras – Novo campo. Com isso, todo o gado comercializado por fazendas participantes na Pecsa é registrado na plataforma, que usa a ferramenta Ecotrack da plataforma Terras – Novo Campo, a qual possibilita o monitoramento constante de toda a cadeia (diretos e indiretos) pelo ICV a fim de garantir o desmatamento zero.
Para assegurar que todos os animais monitorados estejam, de fato, provindo de áreas livres de desmatamento, periodicamente é realizada uma auditoria independente, que usa os dados das GTAs de todas as fazendas participantes para verificar se todas as atividades comerciais correspondem às registradas na plataforma.
Atualmente, a Pecsa tem parceria de recria-engorda de fêmeas com seis fazendas, que somam 9.725 hectares. Nessas fazendas são criadas 18 mil cabeças de gado. Quando a intensificação estiver completamente implantada, dentro de 1,5 ano, serão 33,4 mil cabeças (3,4 por hectares). Além disso, a Pecsa trabalha com 68 fornecedores, com fazendas que somam 91 mil hectares, dos quais cerca de 50 mil hectares são pastos. Nessas fazendas de cria há em torno de 0,8 vaca (matrizes) por hectare, somando, portanto, cerca de 40 mil matrizes.
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[1] Informações obtidas de Laurent Micol, diretor de Governança e Investimentos da Pecsa.
Desde 2013 a The Nature Conservancy (TNC), em parceria com o Walmart e a Marfrig, está desenvolvendo o projeto Carne Sustentável: do Campo a Mesa para promover a produção pecuária sustentável na região, com maior produtividade e melhor aproveitamento das pastagens degradadas. O projeto, iniciado no município de São Félix do Xingu-PA, está em sua segunda fase e há previsão de expansão a outros municípios no Pará e Mato Grosso.
Inicialmente foram selecionados 16 produtores rurais para o projeto piloto, que abrangia 46 mil hectares, com potencial para abate de 500 animais por mês e fornecimento de 70 toneladas mensais de carne ao supermercado (Baggio, 2016). Depois, o projeto disponibilizou informações, apoio técnico e investimento às propriedades participantes, que tinham diferentes tamanhos e configurações. Os primeiros resultados mostram um aumento de produtividade de aproximadamente 54% nas propriedades participantes, com a adoção de técnicas como a rotação de pastagens.
Mas ainda havia o desafio de atingir toda a cadeia de valor da pecuária. Para isso, foram desenvolvidos métodos para ampliar a rastreabilidade dos animais, de forma que as empresas parceiras e consumidores possam ter certeza de que a carne consumida teve origem em propriedades que não tiveram a floresta desmatada. Nessa etapa foram compartilhados dados dos produtores envolvidos no fornecimento direto e indireto de animais (como a GTA); e em algumas propriedades foram implantados “brincos” com chips nos animais e feito o cruzamento dos dados dos “brincos” ou da GTA e dos produtores com o CAR. Com essas medidas foi possível verificar a origem dos animais antes de chegarem à fazenda de engorda (ou fornecedor direto).
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[1] Informações obtidas de Francisco Fonseca, coordenador de Produção Sustentável na TNC, em 1º de fevereiro de 2017.
A auditoria piloto do TAC realizada no Pará em 2014 revelou as possibilidades de vazamento e lavagem de gado. Ao apresentar esses resultados aos signatários do acordo, estes sugeriram ao MPF no Pará que a Adepará só emitisse GTAs para gado de fazendas que estivessem cadastradas no CAR a fim de evitar o comércio de gado de áreas irregulares,
Para atender essa demanda, em maio de 2014 o governo do estado publicou o decreto[1] que obrigava a Adepará a emitir a GTA apenas para fazendas cadastradas no CAR, de acordo com um calendário: i) a partir de junho de 2014 para as operações interestaduais; e ii) para as operações internas, a partir de uma data a ser definida em agosto de 2014 pelo Comitê Gestor (Coges) do Programa Municípios Verdes (PMV). Entretanto, esse calendário foi estabelecido somente em abril de 2015 (Tabela 1). Ele teve como parâmetro a quantidade de rebanho e a localização da fazenda e enfatizou municípios prioritários para o controle do desmatamento.
Tabela 1. Calendário inicial definido pelo decreto no. 1.052/2014 para a Adepará condicionar a emissão de GTA ao cadastramento no CAR
Apesar dos esforços dos envolvidos e o anúncio da vinculação[2] da GTA ao CAR pelo presidente da Adepará em março de 2016, o decreto não foi implementado. Durante a 21ª reunião do Comitê Gestor do PMV, um servidor da Adepará atribuiu o atraso no cumprimento do decreto à deficiência da infraestrutura tecnológica existente no órgão, o que resultou na dificuldade da integração entre o Sistema de Integração Agropecuária, da Adepará, e o Simlam, da Semas (hoje substituído pelo Sicar-PA).
Com o não cumprimento da vinculação da GTA ao CAR, o MPF enviou duas recomendações à Adepará em 2016. A primeira[3], em julho, determinou a entrega, em 15 dias, das GTAs emitidas em todos os municípios paraenses e das cópias dos contratos de arrendamento e de compra e venda de imóveis rurais, bem como o acesso a todo o fluxo de GTAs entre imóveis rurais e compradores de gado para corte/abate e exportação de gado em pé e o acesso integral aos dados contidos no Siapec. Esses dados foram usados pelo Ibama para as análises que resultaram na Operação Carne Fria (Veja Apêndice 8). A segunda[4] recomendação, enviada em setembro, determinou o cumprimento, em 60 dias, do Decreto nº. 1.052 do estado do Pará acerca da obrigatoriedade da integração GTA-CAR.
Como resultado, em outubro de 2016 a Semas e a Adepará emitiram a Instrução Normativa Conjunta nº. 01/2016[5] com novos prazos para condicionar a emissão das GTAs à comprovação de registro no CAR conforme o calendário na Tabela 2.
Tabela 2. Calendário definido pela IN nº. 01/2016 para que a Adepará condicione a emissão da GTA ao cadastramento no CAR de acordo com o tamanho do rebanho
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[1] Decreto nº. 1.052/2014. Diário Oficial do Pará.
[2] Notícia vinculada no site: http://amazonia.org.br/2016/03/pecuaria-no-para-estamos-dizendo-ao-brasil-e-ao-mundo-que-nos-respeitamos-as-leis-entrevista-com-luciano-guedes/
[3] Recomendação nº 01/2016 – GAB02/PRM/ALTAMIRA-PA.
[4] Recomendação nº. 189/2016 – GAB10/PR/PA.
[5] IN Conjunta Semas/Adepará nº. 01/2016, disponível em: https://www.semas.pa.gov.br/2016/10/31/instrucao-normativa-conjunta-no0012016-semasadepara-publicada-no-doe-33241-pagina-41/. Acesso em: 10 dez. 2016.
This post was published on 20 de julho de 2017
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