Título | Crimes Ambientais na Amazônia: lições e desafios da linha de frente |
Editoras | Maiara Folly Flávia do Amaral Vieira |
Autores | Agostinho Gomes Cascardo Jr. Albely Miranda Lobato Teixeira Alexandra Monteiro Alves (Imazon) Ana Carolina Haliuc Bragança Anna Fanzeres Carlos Eduardo Renk Salinas Cristina Seixas Graça Dirk Costa De Mattos Junior Domingos Daniel Moutinho da Conceição Filho Efendy Emiliano Maldonado Bravo Élida Lauris Franco Perazzoni Isabella Cristina Lunelli Jafé Ferreira de Souza Letícia Marques Osório Paulo Henrique Coelho Amaral (Imazon) Rafael da Silva Rocha Roberta Amanajás Monteiro Rodrigo Magalhães de Oliveira Suely Mara Vaz Guimarães de Araújo Tarcísio Feitosa Thaise da Silva Rodrigues Tiago Cantalice Vercilene Dias |
Editora | Plataforma CIPÓ |
Cidade | Rio de Janeiro |
Ano de publicação | 2024 |
ISBN | 978-65-983053-0-7 |
PREFÁCIO
Não é fácil descrever a sensação que assombra aos que se colocam na linha de frente do combate à destruição do patrimônio natural e humano que a Amazônia brasileira representa, em uma mistura de sentimentos de solidão, impotência e um certo desânimo que parecem querer se apossar de tudo e de todos a cada novo caso de violência, de exclusão das populações tradicionais e de constatação dos danos ambientais sofridos pela região.
Mas, se assim é em uma primeira leitura, logo irrompe um outro conjunto de sentimentos tão ou mais forte que o anterior, marcado pela resiliência daqueles que insistem em provocar o debate, em buscar a presença do Estado brasileiro no enfrentamento aos crimes praticados e, especialmente, em formular as incômodas perguntas que levam ao desassossego, que frustram as falsas zonas de conforto de discursos meramente formais.
Ser chão de fábrica ou estar na linha de frente não é uma condição confortável ou que se compadeça daqueles que não se dispõem ao debate de ideias, ao necessário enfrentamento em face de posições consolidadas, muitas delas construídas em outro contexto histórico e geográfico, distantes no tempo e da realidade amazônica.
O livro que se apresenta ao leitor é, em grande medida, resultado de tal constatação, reunindo artigos escritos por profissionais de diferentes funções, alguns lidando com o tema na condição de servidores públicos e membros do Ministério Público Federal e Estadual, outros como pesquisadores e ativistas e outros tantos falando a partir da vivência pessoal e comunitária.
No seu conjunto, os textos nos provocam algumas constatações iniciais importantes, dentre elas o reconhecimento de que a Amazônia não é um todo monolítico, composto por uma única estrutura geográfica ou mesmo por uma mesma conformação social.
Ajudam, também, a perceber que o discurso, por vezes romântico, sobre a Amazônia precisa ser apresentado ao duro reconhecimento de que a presença do Estado brasileiro não pode mais depender de espasmos, sejam eles decorrentes de dramas sociais (tal como foi a morte de Irmã Dorothy Stang, em 2005), sejam eles envoltos em planos de desenvolvimento forjados a partir de um olhar que desconhece as especificidades da região.
A ausência do Estado fez com que problemas que já eram graves (desmatamento e grilagem de terras) ganhassem uma dimensão ainda maior com a presença concreta de organizações criminosas, que se aproveitam da facilidade de deslocamento, das riquezas naturais da região e da falta de políticas públicas de longo prazo para viabilizar a lavagem de capitais, a exploração clandestina de minérios e a prática de tantos outros crimes.
Não é exclusiva da Região Amazônica a falta de efetividade da tutela penal brasileira, mas o desconhecimento da realidade local e o distanciamento dos tribunais superiores quanto ao impacto de suas decisões terminam por tornar ainda mais urgente que o tema seja conhecido e debatido e, sendo esperançoso, que sejam efetivamente implementadas mudanças estruturais que alterem tal realidade.
Mas certamente a realidade não se alterará apenas a partir do olhar da justiça criminal, que não é vocacionada para incentivar e promover as alterações estruturais que a região precisa ver implementadas.
Discutir as fragilidades do sistema de comando e controle administrativo, tanto na sua face de aplicação de punições quanto na questão do licenciamento ambiental e, ainda, na própria discussão sobre os temas centrais de proteção e manutenção da sociobiodiversidade, é essencial, sob pena de se inutilizar as instâncias estatais de atuação ambiental.
De outro lado, dar voz e espaço para as comunidades locais, os povos originários, ribeirinhos e quilombolas e tantas outras formas de ser e existir na Amazônia não é um favor ou mesmo uma benesse; é, antes de tudo, partir do reconhecimento do compromisso estatal brasileiro com a proteção às minorias, com o tratamento adequado a culturas que estão na formação do nosso saber e com o desenvolvimento sustentável, cujo significado torna-se vazio se não houver abertura ao diferente, a outros saberes e a outros modos de vida.
Da parte dos leitores e das leitoras, abrir-se, então, ao desconforto de verdades que se desconhece, que não se quer ver ou de argumentos dos quais tende-se a discordar, total ou parcialmente, é um passo importante para que os textos aqui reunidos cumpram a sua finalidade e nos ajudem a pensar um amanhã que não seja mera repetição dos erros de ontem.
Façamos do debate, da discussão, da provocação o mote para encontrarmos as soluções que a realidade está a exigir da sociedade brasileira.
Boa leitura!
Ubiratan Cazetta
Procurador Regional da República
Presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR)