Barreto, P., Pereira, R. & Baima, S. 2018. (p. 92). Os potenciais impactos de fiscalizar frigoríficos sem compromissos contra o desmatamento. (p. 27). Belém: Imazon.
A criação de gado é a principal causa do desmatamento da Amazônia, onde cerca de 80% da área desmatada sob uso agropecuário em 2014 eram ocupados por pastos segundo dados do projeto TerraClass do Inpe e Embrapa (Almeida et al, 2016). O poder público e campanhas ambientais vêm tentando controlar esse desmatamento além da fazenda, processando e constrangendo os frigoríficos que compram e abatem o gado de origem ilegal.
Desde 2008, por exemplo, o Ibama tem embargado parte das áreas desmatadas ilegalmente e publicado uma lista das fazendas responsáveis. Os frigoríficos que comprarem gado dessas áreas estão sujeitos a serem embargados e multados: R$ 500,00 por quilograma ou unidade animal, de acordo com a regra atual. Se a multa fosse efetivamente aplicada mesmo no cenário mais brando (R$ 500 por animal), os frigoríficos infratores teriam prejuízo considerando que o lucro do frigorífico por animal fica em torno de R$ 80. Além disso, em 2009, por meio do programa Carne Legal, o Ministério Público Federal (MPF) processou frigoríficos no estado do Pará que compraram gado de áreas embargadas. Como resultado, estes frigoríficos se comprometeram, por meio de Termos de Ajustamento de Conduta (TAC), a não comprar de áreas desmatadas após 2009. Depois o MPF expandiu essas ações para outros estados da Amazônia.
Até 2017, 79 frigoríficos responsáveis por 70% da capacidade de abate de gado na região assinaram o TAC. Inicialmente essa medida ajudou a reduzir o desmatamento, que depois voltou a subir, anulando o efeito positivo do TAC, conforme estudo com dados de Mato Grosso e Pará, que detém os principais rebanhos da região (Alix-Garcia & Gibbs, 2017). Além disso, Barreto et al (2017) e outros, bem como uma auditoria realizada no Pará, demonstram que mesmo tendo assinado TAC, alguns frigoríficos continuam comprando gado de áreas desmatadas e mesmo embargadas (Mengardo, 2018). Além de contribuir com o desmatamento, esses frigoríficos competem de forma desleal com aqueles que estão boicotando gado de origem ilegal. Esta foi, inclusive, uma reclamação de alguns representantes de frigoríficos que tiveram bom desempenho nas auditorias (Mengardo, 2018).
Para avançar na redução do desmatamento, em março e abril de 2018, o MPF requisitou (MPF, 2018a e MPF 2018b) ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) que fiscalize 56 frigoríficos da Amazônia para verificar se compraram, intermediaram, transportaram ou comercializaram gado de áreas desmatadas embargadas. Nove destes frigoríficos, situados do Pará, ou não assinaram o TAC ou o assinaram, mas não apresentaram resultado de auditoria ao MPF-PA. Os 47 restantes, situados em outros estados da Amazônia, não assinaram o TAC (Lista de frigoríficos no Apêndice 1).
Qual será o impacto potencial das fiscalizações a serem realizadas pelo Ibama?
A estimativa precisa do impacto dependerá da análise das compras de gado de cada empresa, o que demandaria ter acesso às guias de trânsito animal (GTA) que informam a origem e destino do gado. Como essa informação não está publicada, podemos apenas estimar o impacto potencial considerando a região de onde as empresas potencialmente compram gado.
Neste relatório, avaliamos o impacto potencial da fiscalização do Ibama considerando a região potencial de compra das 56 plantas frigoríficas alvo da solicitação do MPF. Por exemplo, qual a extensão das áreas embargadas nas regiões de compras dos frigoríficos que serão fiscalizados? Que estados e municípios concentram a maior quantidade de áreas embargadas e, portanto, podem sofrer maiores impactos da fiscalização? Que empresas operam em regiões com maiores riscos de desmatamento? Essas são algumas das perguntas que respondemos aqui e que podem ajudar o planejamento da fiscalização, os agentes do mercado que podem ser impactados, como os frigoríficos, redes de supermercado e indústrias que compram de tais frigoríficos e gestores públicos (como governos estaduais e municipais) de regiões que podem ser mais afetadas.