O Estado do Pará (1.248.042 Km2), localizado na Amazônia Oriental, produz 65% de madeira em tora do Brasil. A atividade madeireira nesse Estado tem crescido sem planejamento e em um ritmo acelerado. Usando Sistema de Informação Geográfica (SIG), criamos uma base de informações para o zoneamento da atividade madeireira no Pará. O SIG permitiu a combinação e a análise de informações espaciais sobre a cobertura florestal, classificação legal de terras, centros madeireiros, biodiversidade e infra-estrutura. Nossas análises mostram que, em meados da década de 90,80% das áreas florestadas do Estado do Pará são economicamente acessíveis para exploração madeireira: 21% dessas terras são acessíveis para a exploração de todas as espécies comerciais; 30% para um grupo restrito de espécies madeireiras com valor comercial médio; e 29% das terras do Estado são acessíveis apenas para o mogno – espécie madeireira de alto valor comercial. Embora 29% das terras do Estado estejam protegidas por lei, essas áreas não são respeitadas; quase 3/4 das áreas protegidas estão dentro de zonas onde a extração de madeira é atualmente rentável.
Neste artigo, apresentamos um modelo para zonear a atividade madeireira no Estado do Pará. Inicialmente, observamos que 19% do Estado contêm áreas que não dispõem de madeira (12% de áreas desmatadas, 6,3% de áreas não florestadas e 0,7% formadas por corpos de água). Em seguida, as áreas designadas para a atividade madeireira, definidas com base em considerações econômicas e de conservação, somaram aproximadamente 32% (400.000 Km2) do Estado. Estas áreas incluem as regiões que atualmente não possuem restrições legais para a atividade madeireira (24%), Reservas de Produção e Áreas de Entorno (3%), além das áreas que se encontram atualmente fora do alcance econômico da atividade madeireira e que não apresentam restrições (5%) para a sua exploração. Por último, propomos que as áreas restantes (49%, ou 611.540 Km2) sejam protegidas da atividade madeireira, pelo menos para os próximos anos. Essas áreas incluem áreas florestadas onde a atividade madeireira já se encontra oficialmente proibida (29% do Pará), assim como áreas não protegidas com alta prioridade para conservação (21%) (i.e., áreas com alta riqueza de biodiversidade).
Por mais de três séculos os madeireiros têm explorado as florestas amazônicas. Durante a maior parte deste período, a extração foi realizada de forma extremamente seletiva. Neste tipo de exploração, os impactos ecológicos são muito pequenos. Contudo, desde 1970, a Amazônia Oriental, no contexto madeireiro, vem sofrendo modificações, passando de pouco expressiva para a região de produção madeireira mais importante do Brasil (Rankin, 1985; Veríssimo et al., 1992). Várias razões conduziram a este cenário. Primeiro, a abertura de estradas fornece acesso às áreas remotas de florestas. Segundo, a madeira na Amazônia tem sido abundante e possui custo baixo, uma vez que a infra-estrutura para o transporte esteja disponível. Por último, a diminuição dos estoques de madeira nas regiões Sul e Sudeste do Brasil e o crescimento econômico do país têm criado uma grande demanda para a madeira da Amazônia (Veríssimo et al, 1992).
O Estado do Pará produz cerca de 65% da madeira em tora do Brasil. No início da década de 90, havia cerca de 2.000 serrarias produzindo aproximadamente 13 milhões de metros cúbicos de madeira em tora por ano (Uhl et al., 1997) a partir de mais de 300 espécies comerciais (Martini et al, 1994). No Pará, 5.200 km2 de floresta são afetados pela atividade madeireira anualmente (Uhl et al., 1997). Esta área corresponde aproximadamente à área convertida para outros usos da terra a cada ano no Estado. A maior parte da atividade madeireira está concentrada ao longo das principais rodovias (BR-010 e PA-150) e de rios navegáveis.
Se manejada de forma adequada, a madeira pode ser uma fonte de riqueza para a Amazônia. Em 1993, o setor madeireiro do Pará gerou aproximadamente 0,8 bilhões de dólares, o equivalente a 13% do produto interno bruto deste Estado (Veríssimo e Barros, 1996). Contudo, a extração madeireira tem ocorrido de forma desordenada na maioria do Estado, provocando danos significativos às florestas; freqüentes ocorrências de queimadas e invasões de espécies de cipós e gramíneas (Veríssimo et al., 1992; Uhl & Kaufmann, 1990). Além disso, a atividade madeireira contribui indiretamente para o desmatamento regional. Atualmente, são os madeireiros que, na maior parte das vezes, constróem e mantêm estradas de acesso às florestas. O estabelecimento destas estradas geralmente conduz à colonização espontânea por agricultores migrantes.
O planejamento do uso dos recursos madeireiros inclui tanto o manejo da floresta como o manejo da paisagem. (Barreto et al. 1993) argumentam que com a adoção de manejo florestal, é possível manter a estrutura e composição das florestas exploradas. Por exemplo, sob regime de manejo, o ciclo de corte para florestas de terra firme da Amazônia Oriental seria em torno de 30 a 40 anos, ao invés de 70 a 100 anos quando não se pratica manejo. Na escala da paisagem, o manejo significa localizar áreas onde a atividade madeireira pode ocorrer e áreas inadequadas para esta atividade. Dentre as considerações necessárias para esse planejamento estão a localização de recursos madeiráveis, topografia, situação fundiária e diversidade biológica.
O objetivo deste estudo é demonstrar como informações espaciais, combinadas em um Sistema de Informação Geográfica (SIG), podem contribuir para a compreensão da expansão da atividade madeireira e para o desenvolvimento de critérios, a partir das informações disponíveis, para o zoneamento dessa atividade no Estado do Pará. Restringimos nossas análises ao nível estadual, uma vez que a Constituição Brasileira de 1988 confere autonomia aos Estados para legislar sobre o planejamento do uso de seus recursos naturais. Enfocamos nossa pesquisa no Estado do Pará devido ao fato deste ser o maior produtor de madeira em tora do Brasil.
Região de Estudo
O Estado do Pará é amplamente coberto por florestas (81%); savanas e campos naturais ocupam cerca de 7% do Estado; enquanto as áreas desmatadas chegam a alcançar aproximadamente 12%. As florestas sempre-verdes, de valor madeireiro significativo, representam 70% das terras do Estado (IBGE, 1990). Os tipos florestais restantes (11%) incluem florestas deciduais, florestas cipoálicas, florestas de palmeiras e florestas de valor madeireiro geralmente inferior.
A precipitação anual varia de 1.500 mm, no sul do Estado, a 3.500-4.000mm no estuário do rio Amazonas, com períodos de estiagem geralmente de junho a novembro.
A maioria dos solos (75%) do Pará são Oxisols e Ultisols, caracterizados por altos níveis de acidez e baixa fertilidade. Os solos férteis e com boa drenagem (Afisols e Inceptisols) representam menos de 6% das terras do Estado. O relevo é relativamente plano no Pará. Planícies de inundação ocorrem ao longo do rio Amazonas, mas a algumas regiões são compostas por terrenos ondulados com colinas alcançando altitudes de 100 a 300 metros. Ao norte e sul do estado, as terras apresentam elevações consideráveis, atingindo 500-600 metros.
Usamos Sistema de Informação Geográfica (Arci Info 3.4d plus e Idrisi for Windows 1.0) para combinar e analisar as seguintes informações: mapa do Limite Político do Estado do Pará (DER, 1991), Estradas (DER, 1991), Hidrografia (IDESP,1991; Neto, 1981), Vegetação (IBGE, 1990), Terras Indígenas (CEDI, 1994), Áreas Militares (IDESP, 1991), Unidades de Conservação (FUNATURA, 1991), Áreas Prioritárias para Conservação na Amazônia (Conservation International, 1992). Estes mapas foram digitalizados ou convertidos para o formato Arc/info e Idrisi em suas projeções e escalas originais. Em seguida, os mapas foram convertidos de seus formatos originais para o formato Arc/info na escala 1:2.000.000. Osmapas de Vegetação, Limite Político do Estado e Estradas foram convertidos para o formato raster, usando o comando Polygrid, e importados para o Idrisi.
Análise 1:
Máximo Alcance Econômico da Extração Madeireira
Dados espaciais sobre rios navegáveis, estradas, serrarias e vegetação foram combinados com dados sobre custos de transporte (Barros & Uhl, 1995; Veríssimo et al., 1992, 1995; Stone, 1996), pólos madeireiros e preços de madeira para determinar o alcance econômico máximo para extração madeireira no Pará. Quinze centros madeireiros que consumiam mais de 150.000 m3 de madeira em tora por ano (representando mais de 90% da produção de madeira em tora no Pará nos meados de 1990) foram definidos como pólos madeireiros.
O acesso a algumas áreas no Pará é mais difícil e custoso do que para outras. Por exemplo, pesquisas anteriores do IMAZON mostram que o transporte fluvial é significativamente mais barato do que o transporte terrestre. O custo de transporte de toras em rios variou de U$0,01/m3/Km (jangada) a $0,08/m3/Km (balsa) (Barros & Uhl, 1995). O custo do transporte terrestre de toras com caminhões em estradas pavimentadas variou de U$0,05/m3/Km (caminhões com capacidade de 30 m3) a U$0,15/m3/Km (caminhões com capacidade de 8 m3). Os custos em estradas não pavimentadasem boas condições foram de U$0,15-U$0,34/m3/Km, e em condições precárias foram de U$0,30-U$0,50 (Veríssimo et al., 1992; Stone, 1996; Barros & Uhl, 1995). Quando a abertura de estradas não pavimentadas de baixa qualidade é incluída (por exemplo, abertura de novas áreas de extração madeireira), os custos sobem para U$1,00-U$2,00/m3/Km (Stone,1996).
Coeficientes de fricção foram assinalados para os diferentes tipos de superfície de transporte. Tais coeficientes correspondem à dificuldade relativa de se transportar toras em diferentes tipos de superfície. Inicialmente, utilizamos valor 1 para o coeficiente de fricção do transporte fluvial de madeira em jangadas, devido ao menor custo deste tipo de transporte (menor fricção). Para determinar os outros coeficientes de fricção, dividimos o menor custo de cada tipo de estrada (i.e., os custos quando caminhões de grande capacidade são usados) pelo custo de transporte por jangadas (U$0,01/m3). Consequentemente, estradas pavimentadas apresentaram coeficiente de fricção menor (5) do que estradas não pavimentadas de boa qualidade (15), sendo estas últimas menos custosas para o transporte do que as estradas não pavimentadas de má qualidade (30-100).
As espécies de madeira foram classificadas em três categorias de preços: alto valor – apenas o mogno ($220/m3); médio valor – 15-20 espécies (U$80/m3); e baixo valor – aproximadamente 300 espécies (U$40/m3) (Veríssimo et al., 1992; Stone, 1996).
Por último, um algoritmo de custo mínimo foi usado para mapear os custos de transporte de toras entre cada um dos centros de processamento e todos os pontos em suas vizinhanças. Informações sobre custos de extração e de madeira em pé foram também incluídos em cada ponto do mapa para produzir uma superfície acumulativa de custo total. Este procedimento foi repetido separadamente para o mogno, pelo fato desta espécie apresentar valor bastante elevado, poucos locais de demanda e uma distribuição geográfica mais limitada. No Pará, o mogno ocorre em porções da borda sul até a latitude de 4ºS (Lamb, 1966; De Barros et al.,1992), em uma área que corresponde a aproximadamente 40% do território do Estado. Os resultados das análises foram então superpostos com mapas de Vegetação para determinar as áreas de acesso econômico para madeiras de alto, médio e baixo valor.
Análise 2:
Áreas Legalmente Protegidas
Combinamos os mapas de Florestas Nacionais, Reservas da Natureza, Parques Nacionais, Reservas Biológicas, Estações Ecológicas, Terras Indígenas, Áreas de Entorno e Terras Militares para gerar um mapa mostrando as áreas legalmente protegidas da atividade madeireira no Estado do Pará. De acordo com as leis brasileiras, a atividade madeireira é proibida em Reservas da Natureza, Terras Indígenas e Terras Militares; enquanto que em Florestas Nacionais e áreas de Entorno, a atividade madeireira é restrita (i.e., a exploração é realizada mediante execução de planos de manejo), mas não proibida. Quando áreas proibidas se sobrepuseram às áreas restritas (por exemplo, Terras Militares sobrepostas às Reservas de Produção), classificamos a área como proibida para a atividade madeireira.
Estes dois mapas, Máximo alcance Econômico da Extração Madeireira (Análise 1) e Áreas Onde aAtividade Madeireira é Legalmente Proibida (Análise 2), foram combinados para indicar áreas protegidas que estão potencialmente ameaçadas pela atividade madeireira, dada as suas localizações em relação aos pólos madeireiros.
Análise 3:
Zoneamento da Atividade Madeireira
Por último, elaboramos uma proposta inicial para zonear a extração madeireira no Estado do Pará. Quatro mapas foram usados nesta análise. Dois deles já foram citados – o mapa de Máximo Alcance Econômico da Extração Madeireira (Análise 1) e o mapa de Áreas Legalmente Protegidas (Análise 2). O terceiro mapa, o de Vegetação (IBGE, 1990), foi usado para discriminar áreas com e sem recursos madeiráveis. Este mapa revela a existência de 17 tipos de vegetação no Pará, dos quais 8 são considerados como florestas, incluindo todos os tipos de florestas sempre-verdes, deciduais e semi-deciduais, e como zonas limítrofes (ecótones) entre áreas de florestas e áreas não florestadas. Classificamos cerrados, campos naturais e mangues como vegetação desprovida de madeira.
Um quarto mapa, Áreas Prioritárias para Conservação na Amazônia (Conservation International, 1992), foi incluído para indicar áreas especiais, ricas em biodiversidade, que precisam de proteção contra a atividade madeireira. Este mapa foi produzido no Workshop90 ocorrido em Manaus, em 1990. O encontro reuniu mais de cem cientistas que identificaram Áreas Prioritárias para Conservação, com base nos conhecimentos sobre riqueza de espécies e endemismo da Amazônia. Para identificar estas áreas, os participantes também incluíram outros critérios, tais como a presença de espécies raras ou ameaçadas de extinção, de feições geoquímicas, além de ameaças de desmatamentos (Rylands, 1991). Cada região na Amazônia recebeu uma pontuação indicadora da sua importância para conservação, com base no julgamento dos participantes do Workshop90. Em nossa análise, dividimos os resultados deste Workshop em três categorias: áreas sem informação; áreas que receberam média prioridade para conservação (níveis 1,2 e 3); e áreas classificadas como de alta prioridade para conservação (níveis 4 e 5).
Os quatro mapas foram usados da seguinte maneira. Primeiro, o mapa de Vegetação permitiu que se distinguisse as áreas com cobertura e sem cobertura florestal. Num segundo momento, o mapa de Áreas Legalmente Protegidas foi usado para indicar áreas onde a atividade madeireira já se encontra proibida e/ou restrita pela legislação brasileia. Em seguida, usamos as áreas de alta prioridade de proteção, níveis 4 e 5, estabelecidas pelo Workshop 90 (Conservation International, 1992), para sugerir áreas adicionais que devem ser consideradas para conservação. Por último, as áreas restantes (sem restrições legais e com prioridades de conservação médias, ou sem informação) foram zoneadas para a atividade madeireira.
Nossos resultados estão organizados em 3 partes. Primeiro, mostramos o alcance máximo comercialmente viável para a atividade madeireira no Pará, com base nos custos de transporte e infra-estrutura atuais. Em seguida, apresentamos informações sobre o tamanho e a distribuição das áreas protegidas da atividade madeireira neste Estado. Avaliamos quais destas áreas estão potencialmente ameaçadas pela atividade madeireira nos dias de hoje. Por último, combinamos os mapas de Máximo Alcance Econômico, Áreas Protegidas e o de Áreas Prioritárias para Conservação para desenvolver uma proposta de zoneamento racional indicando onde a atividade madeireira deve ser permitida e onde ela deve ser proibida no Pará.
Máximo Alcance Econômico da Extração Madeireira
A madeira é uma mercadoria extensa e volumosa, o que torna o transporte das toras caro e, consequentemente, limitado na Amazônia. além disso, a extensão do transporte fluvial no Pará é limitada por feições naturais marcadas pelo Escudo das Guianas, ao norte do rio Amazonas (aproxima-damente a 1oS), e pelo Escudo Brasileiro ao sul (aproximadamente a 4oS). Aproximadamente 80% das áreas florestadas do Pará estão atualmente sob o alcance econômico da extração madeireira (Figura 1; Tabela 1). Deste total, 21% são considerados economicamente muito acessíveis, significando que todas as espécies madeiráveis destas áreas podem ser exploradas. Outros 30% são acessíveis para um grupo seleto de 15-20 espécies, cujo valor nos pátios das serrarias pode alcançar US$80/m3. Finalmente, 29% da área florestada do Estado é acessível apenas para o mogno, cujo valor é acima de US$200/m3 (Figura 1; Tabela 1).
As áreas mais acessíveis à exploração madeireira estão localizadas no leste, ao longo das rodovias Belém-Brasília e PA-150, e, principalmente, na parte central do Pará, às margens do rio Amazonas. As áreas inacessíveis(20%) concentram-se principalmente no Escudo das Guianas (Figura 1).
Figura 1. Mapa de alcance econômico da atividade madeireira no estado do Pará, Amazônia Oriental.
Tabela 1. Máximo alcance econômico das áreas florestadas para atividade madeireira no Estado do Pará, Amazônia brasileira 1996[1].
1 As áreas florestadas representam aproximadamente 81% das terras do Pará enquanto que as terras sem madeira representam 19% (12% São desmatadas; 6,3% são vegetações de cerrado e campos naturais; e 0,7 São rios, baias e lagos, etc.). Os valores para florestas são de alguma forma superestimados, visto que os dados utilizados na análise. São baseados em informações de 1988 para o desmatamento no Pará
2 Aproximadamente 350 espécies madeireiras são exploradas na Amazônia Mais de 90% destas são consideradas espécies madeireiras de baixo valor econômico, com preços de toras inferiores a US$40/m3.
3 Nesta categoria encontram-se de 15-20 espécies, tais como Euxyphora paraensis, Tabebuia serratifolia, Cedrela odorata, Cordia goeldiana; estas espécies são consideradas de médio valor econômico – com preços de toras variando de US$40/m3 a US$80/m3.
4 mogno possuí uma distribuição geográfica limitada ocorrendo em biocos nas porções sul e oeste do Pará (aproximadamente 40% das terras do Estado). Pelo fato de ser uma espécie de alto valor econômico, o mogno tem sido extraído num ralo de 500 km dos centros de processamento.
5 A maioria das áreas inacessíveis estão localizadas no Escudo das Guianas, ao norte do rio Amazonas. A menos que os preços da madeira subam expressivamente, estas áreas permanecerão fora do alcance econômico dos madeireiros.
6 A área estimada para floresta é bastante similar àquela produzida por Skole & Tucker (1993), que encontraram valores um pouco acima de 1,18 milhão de km2 de florestas no Estado do Pará usando Imagens Landsat TM de 1988.
Nos casos em que a extração de todas as espécies madeiráveis é economicamente viável, os impactos ecológicos são, na maioria das vezes, severos: geralmente 40% ou mais da área de dossel é removida; dúzias de árvores jovens são danificadas; e o risco de ocorrência de fogo aumenta significativamente (Veríssimo et al., 1992). Quando é apenas economicamente viável a extração de uma ou algumas espécies, os danos nas florestas são menores, mas a abertura de estradas provocada pela atividade madeireira pode funcionar como um agente catalisador para colonização e subseqüente desmatamento (por exemplo, o caso da extração de mogno no sul do Pará; Veríssimo et al., 1995).
No geral, uma porção significativa do Pará é potencialmente acessível para a atividade madeireira. No cinturão do mogno, no sul do Pará, toda área se encontra virtualmente acessível. Contudo, limitações na capacidade de processamento, escassez de capital e riscos de investimentos (na forma de flutuaçãode preços) limitam a habilidade da indústria madeireira para explorar por completo esta área. No entanto, é provável que esse cenário mude nos próximos anos, caso mais estradas sejam abertas e pavimentadas, ocorra um crescimento na economia nacional, e se os preços da madeira subirem nos mercados doméstico e internacional.
Áreas Onde a Atividade Madeireira é Legalmente Proibida
O Estado do Pará possui 29% de suas terras legalmente proibidas para a exploração madeireira. Em outros 3%, a atividade madeireira é restrita (por exemplo, Reservas de Produção). No restante do Estado (68%) não há restrição legal à exploração madeireira (Figura 2; Tabela 2).
A maioria das áreas que são legalmente protegidas da atividade madeireira encontra-se em Reservas Indígenas (22% dos 29% totais de áreas protegidas), em Terras Militares (5,5%) e Reservas da Natureza (1,5%). Grande parte destas áreas está localizada no sul e extremo norte do Estado. No leste do Estado, onde a atividade madeireira concentra-se atualmente, a quantidade de terras protegidas é significativamente menor (Figura 2).
É importante observar que as terras proibidas para a atividade madeireira são protegidas na maioria das vezes apenas teoricamente. De fato, a atividade madeireira tem sido documentada em grande parte das Terras Indígenas e Reservas da Natureza, nas porções sul e central do Estado (Veríssimo et al., 1995). Além disso, embora as Terras Militares sejam proibidas para a exploração madeireira, a exploração ilegal nestas áreas tem sido documentada no oeste do Estado.
Em resumo, nossa análise revela que aproximadamente 70% das áreas legalmente protegidas no Pará são atualmente acessíveis à atividade madeireira. Dois terços das Terras Indígenas são acessíveis à extração madeireira – especialmente para extração de mogno, uma vez que a maior parte do cinturão do mogno encontra-se nestas reservas. Do mesmo modo, cerca de 75% das Áreas Militares estão sob o alcance econômico da atividade madeireira. Finalmente, todas as Reservas da Natureza e de Produção são também economicamente acessíveis para extração madeireira seletiva e intensiva. As áreas protegidas que se encontram fora do alcance do setor madeireiro (27%) estão localizadas no norte do Estado e em blocos relativamente pequenos no sul (Figura 3).
Tabela 2. Terras legalmente protegidas contra atividade madeireira no Estado do Pará, Amazônia Oriental.
1 Incluem as Florestas Nacionais, Reservas Extratívistas e Áreas de Proteção Ambiental onde são permitidas atividades madeireiras, turismo e extrativismo, segundo a aprovação de planos de manejo por agências ambientais responsáveis.
2 O decreto do CONAMA de número 99.274 de 6 de junho de 1990 determinou o estabelecimento de Áreas de Entorno de 10 km ao longo da Reservas Naturais e Reservas de Produção. Nestas áreas a atividade madeireira é permitida somente sob regime de manejo sustentável, aprovado por agências ambientais responsáveis.
3 Incluem Reservas Biológicas, Parques Nacionais, Estações Ecológicas, Reservas Ecológicas, Parques e Reservas Estaduais. Estas áreas são destinadas á preservação permanente, onde as atividades humanas são restritas a pesquisas científicas, educação ambiental e recreação (Código Florestal, Lei 4.771, Artigo 5° de 15 de setembro de 1965).
4 As Terras Indígenas são áreas destinadas à preservação permanente de acordo com a Lei 4.771 do Código Florestal (Artigo 3°, Parágrafo Segundo, de 15 de setembro de 1965). A atividade madeireira é proibida nessas terras.
5 Em Terras Militares todas as atividades de uso da terra, incluindo a madeireira, são proibidas (Lei 4.771 do Código Florestal; Artigo 3° de 15 de setembro de 1965; e Lei 6.001 de 19 de dezembro de 1973).
6 Existem sobreposições de algumas Terras Militares com outras categorias de terras. Nos casos em que as Áreas Militares sobrepuseram-se às Reservas de Produção, consideramos estas terras sobrepostas como proibidas para a atividade madeireira.
7 Uma pequena porção destas terras (1%) já se encontram desmatadas.
Nossos resultados mostram um conflito potencial entre iniciativas de conservação e exploração dos recursos florestais. As agências brasileiras responsáveis pelas Reservas da Natureza (IBAMA) e Terras Indígenas (FUNAI) têm tido dificuldades para proteger estas áreas Contra incursões da atividade madeireira. Por exemplo, existe apenas 1 guarda florestal nas unidades de Reserva da Natureza para cada 6.053 km2, enquanto que nos Estados Unidos está proporção é de 1:82 km2 (Peres e Torbergh, 1995). Esses órgãos ambientais sofrem de vários problemas, incluindo estrutura administrativa centralizada, orçamentos reduzidos, falta de métodos efetivos para monitorar e proteger florestas e número reduzido de técnicos treinados.
Figura 2. Áreas legalmente proibidas para a atividade madeireira no Estado do Pará, Amazônia Oriental.
Uma Primeira Tentativa para Zonear a Atividade Madeireira no Estado do Pará
Nesta etapa, combinamos os mapas de Alcance Econômico para Extração Madeireira (Figura 1), áreas Legalmente Protegidas (Figura 2) e Áreas Prioritárias para Conservação (Figura 4) com o objetivo de propor critérios para o zoneamento da atividade madeireira no Pará.
Figura 3. Áreas protegidas ameaçadas pela atividade madeireira no Estado do Pará, Amazônia Oriental.
Figura 4. Áreas Prioritárias para conservação no estado o Pará, Amazônia Oriental (Fonte: conservation International, 1992).
Inicialmente, observamos que pelo menos 19% (237.OOO Km2) das terras do Pará não possuem recurso madeireiro. As áreas sem valor madeireiro são compostas por vegetação desprovidas de florestas, tais como savanas e campos naturais (6,3%), e por sistemas de rios, baias e lagos, ou já se encontram desmatadas. As áreas desprovidas de florestas são comumente encontradas ao norte do rio Amazonas, no leste da ilha de Marajó e na parte sul do Estado. A maior parte das áreas desmatadas estão concentradas no leste e nordeste do Estado, onde as principais rodovias estão localizadas.
Em seguida, observamos que 29% do território do Pará estão legalmente protegidos da atividade madeireira. Contudo, para o propósito deste exercício, apenas 28% (349,450 Km2) fazem parte desta categoria, visto que 1% das áreas protegidas são áreas desprovidas de florestas e já se encontram incluídas na categoria anterior – áreas sem valor madeireiro.
Na terceira categoria, 21% (aproximadamente 262.000 Km2) das áreas florestadas contêm altos níveis de endemismo e de riqueza de espécies (de acordo com o mapa do Workshop90; Áreas Prioritárias para a Conservação, níveis 4 e 5), mas encontram-se atualmente fora das áreas legalmente protegidas. A maioria destas áreas está concentrada na porção central do Estado. O restante está localizado no oeste, sudeste, na margem esquerda do rio Amazonas, na ilha de Marajó e em porções relativamente pequenas no leste do Pará.
Na quarta categoria, 24% (300.000 Krn2) das áreas florestadas no Pará são economicamente acessíveis para extração madeireira e não possuem restrições para essa atividade (i.e., são áreas não protegidas), nem são áreas com alto grau de biodiversidade. Na quinta categoria, 62.000 Km2 adicionais (5% das áreas florestadas do Pará) encontram-se atualmente fora do alcance econômico da extração madeireira (concentradas principalmente ao norte do rio Amazonas). Por último, 3% do Pará encontram-se em Reservas de Produção (categoria de áreas restritas, onde a extração madeireira é permitida sob supervisão do governo (Figura 5).
Figura 5. Bases para o zoneamento da atividade madeireira no Estado do Pará, Amazônia Oriental.
Com base nessas informações propomos um modelo de zoneamento da atividade madeireira no Estado do Pará (Figura 6). Primeiro, grande parte dos 19% (237.000 km2) do Estado sem valor madeireiro é relativamente bem servida por estradas e, portanto, deve ser convertida para plantios florestais, fazendas de pecuária ou áreas agrícolas. Em segundo lugar, as áreas mais apropriadas para a atividade madeireira, a partir de uma perspectiva econômica e conservadora, cobririam aproximadamente 32%(400.000 Km2) do Estado- Estas incluiriam as áreas atualmente designadas para atividade madeireira (24%), Reservas de Produção (3%) e áreas atualmente remotas sem restrições para extração madeireira (5%). Por último, propomos que as áreas restantes (49%, ou 611.540 Km2) sejam protegidas, pelo menos por enquanto, da extração madeireira. Estas áreas incluem as áreas protegidas onde a extração madeireira já se encontra proibida (28% – excluindo as áreas proibidas sem valor madeireiro), bem como as áreas não protegidas com alta prioridade para conservação (21%). As áreas com alta prioridade para conservação deveriam ser designadas como Reservas da Natureza (por exemplo, ecossistemas de cabeceira de rios dos principais tributários do Amazonas; ver Peres e Terborgh, 1995) (Figura 6).
Figura 6. Proposta para zoneamento da indústria madeireira no Estado do Pará, Amazônia Oriental.
É claro que, outros cenários de zoneamento são possíveis. O objetivo maior deste exercício é fornecer informações à sociedade civil e ao governo para fomentar debates sobre o manejo e conservação de recursos naturais na Amazônia.
Paralelamente, gostaríamos de fazer algumas considerações sobre nossas análises. Primeiro, não incluímos variáveis importantes como declividade e suscetibilidade ao fogo. Informações sobre declividade, por exemplo, devem ser usadas para justificar a proibição de exploração madeireira em áreas que excedem 30% de inclinação. Além disso, a adição de um mapa que mostrasse o grau de flamabilidade das florestas seria útil para identificar áreas no Pará suscetíveis ao fogo. Em áreas altamente suscetíveis a incêndios florestais, a extração madeireira deveria ser restrita, uma vez que esta atividade é um agente catalisador de fogo. A atividade madeireira provoca aberturas no dossel, aumentando, desta maneira, a quantidade de materiais inflamáveis nas florestas (Uhl & Kauffman, 1990). Em segundo lugar, o mapa produzido pelo Workshop90, que mostra as áreas prioritárias para conservação, também possui deficiências, pois é baseado, em grande parte, em experiências pessoais dos participantes, ao invés de coletas sistemáticas de informações. Contudo, o conhecimento reunido de mais de 100 especialistas representa a melhor informação existente da Amazônia sobre biodiversidade. Em terceiro lugar, para o propósito desta análise, assumimos que os custos de transporte são lineares. Como revelam Barros & Uhl (1995), o custo por unidade para transportar madeira na terra firme diminui com o uso de caminhões grandes. Contudo, uma vez atingida a capacidade de carga dos caminhões, o aumento do custo por unidade de volume é linear. Esta questão é provavelmente um pouco mais complicada para o transporte fluvial pelo fato de haver economia de escala e as empresas não se limitarem, da mesma forma como na terra firme, à escolha do tamanho das balsas e jangadas para o transporte de toras. Mesmo com estas deficiências, mostramos que usando as informações disponíveis é, pelo menos, possível, em larga escala, começar a desenvolver um zoneamento racional para Amazônia brasileira.
DISCUSSÃO
Zoneamento da Atividade Madeireira e a Demanda da Indústria de Madeira
Atualmente o setor madeireiro no Pará precisa de uma área em torno de 5.200 Km2 por ano para produzir cerca de 13 milhões de metros cúbicos de madeira em tora. Dado o atual crescimento da indústria, a produção do setor madeireiro no Pará poderia facilmente aumentar para 26 milhões de metros cúbicos nos próximos dez anos. Neste caso, a área de floresta explorada aumentaria para aproximadamente 10.400 Km2/ano. Assim, a área total do Pará necessária para suprir uma produção constante de 26 milhões de metros cúbicos ao longo de 70 anos (ciclo de corte sem manejo florestal) (Barreto et al., 1993) seria de 728.000 Km2. Nossa proposta para a atividade madeireira atinge apenas 55% (400.000 Km2) dessa área. Contudo, se estas florestas fossem manejadas (i.e., ciclo de corte reduzido para 30-40 anos), a área requerida seria de aproximadamente 360.000 Km2. Essa extensão é similar à quantidade de terras proposta para a atividade madeireira em nosso cenário de zoneamento. Além disso, um aumento na eficiência das serrarias reduziria também a quantidade de área de floresta necessária para manter ou aumentar os níveis de produção de madeira do Pará. Atualmente, apenas aproximadamente um terço de cada tora removida é transformada em madeira serrada. A eficiência no processamento poderia aumentar para 50% através de melhorias na manutenção de máquinas e treinamento de operários deste setor (Gerwing et al., 1996).
Projeto para Implementação de Reservas de Produção
O governo poderia desenvolver um papel ativo na administração do manejo florestal em áreas designadas para atividade madeireira. Por exemplo, o governo poderia considerar as Florestas de Produção terras públicas a serem manejadas pelo setor público. Em muitas áreas, a floresta deve ser manejada por habitantes locais. Tais habitantes, incluindo os caboclos e os colonos, geralmente possuem conhecimentos que os predispõem a manejar a floresta de forma adequada.
Poderiam também ser dadas concessões de longo prazo de áreas de florestas para comunidades rurais. No passado, as concessões de florestas não foram tão bem sucedidas. Entretanto, algumas medidas poderiam ser tomadas, incluindo treinamentos no manejo de florestas e técnicas de marketing (contatos com compradores, fornecimento de informações sobre os preços de mercado, etc.), para assegurar o seu sucesso. As ONGs poderiam também exercer um papel importante fornecendo informações sobre questões técnicas e financeiras, facilitando, deste modo, o fortalecimento das comunidades.
Por outro lado, a comunidade internacional poderia assumir um papel catalisador para aumentar o valor dos recursos madeireiros tropicais, uma vez que os consumidores internacionais demonstram preocupações com a degradação florestal e, geralmente, apoiam a idéia de compra de madeira tropical proveniente de áreas manejadas. Os consumidores internacionais poderiam até mesmo ficar entusiasmados com a idéia de ter pessoas locais manejando as florestas.
É importante notar que um sistema de manejo florestal baseado em comunidades já começou a ser desenvolvido nas florestas asiáticas (Poffenberger & McGean, 1994). Os órgãos florestais estão começando a criar alianças locais com comunidades. Estas comunidades estão mostrando que podem trabalhar como parceiras das organizações governamentais e ONGs para controlar o acesso às florestas e desenvolver programas de manejo.
Em resumo, a criação de Florestas de Produção com suporte legal estabilizaria a fronteira de forma mais efetiva do que qualquer outra medida. Ao invés de estar na vanguarda do desmatamento, tais florestas poderiam se tornar entornos contra o futuro avanço do desmatamento.
Atualmente não existem estratégias para decidir onde a atividade madeireira deve ocorrer ou ser proibida na Amazônia brasileira. Como resultado, a atividade madeireira tem crescido na Amazônia Oriental de forma desordenada e predatória. De fato, o setor madeireiro tem sido documentado em muitas áreas protegidas, tais como Áreas Indígenas e Reservas da Natureza.
É provável que nos próximos anos a produção de madeira no Estado do Pará continue a crescer. Sem controle e planejamento por parte do governo, a indústria madeireira consumirá todas as áreas de florestas do Pará. As conseqüências mais óbvias serão o estabelecimento de estradas madeireiras por todo Estado, seguido de colonização espontânea e desmatamento.
O governo Brasileiro poderia evitar esses resultados, desenvolvendo uma política de zoneamento para as atividades que utilizam recursos naturais. Este estudo é uma primeira tentativa para zonear o uso das florestas do Pará. Acreditamos que as informações apresentadas neste trabalho sejam requisitos necessários para um debate sobre zoneamento.
Este trabalho mostra que o crescimento não sustentável e descontrolado da atividade madeireira pode ser substituído por um modelo com retorno econômico que, ao mesmo tempo, protege a biodiversidade e os direitos indígenas na Amazônia.
AGRADECIMENTOS
Gostaríamos de agradecer a Eloisa Moraes e a Paulo André Seawright pela digitalização das informações; e a Flavio Figueiredo pela confecção das figuras. Esse trabalho foi realizado com o suporte financeiro da Fundação W. Alto Jones (Estados Unidos) e Fundo Mundial para a Natureza (WWF).
This post was published on 2 de julho de 2013
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