RIO – Qual o ponto de equilíbrio entre desenvolvimento e preservação ambiental? A questão é crucial no momento em que se esboça boicote de nacional e internacional à produção da agropecuária brasileira, por supostos crimes ambientais, e a Câmara dos Deputados discute uma consolidação dos 16.250 atos normativos, portarias, decretos, leis, dispositivos da Constituição federal e códigos específicos. O crime do agronegócio consistiria na criação de gado em áreas desmatadas, contribuindo para a degradação ambiental e o aquecimento global.
De um lado do debate estão ambientalistas e ecologistas, agregados em organizações não governamentais como a Greenpeace, a Amigos da terra ou o Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), que buscam, com auxílio do Ministério Público, especialmente do Pará, responsabilização judicial de crimes em áreas protegidas federais. E, por fim, o Ministério do Meio Ambiente, que tem à frente um ecologista histórico, Carlos Minc.
No canto oposto, estão a Confederação Nacional da Agricultura, presidida pela senador Kátia Abreu, uma das dirigentes de uma articulada bancada ruralista no Congresso Nacional e Associação Brasileira dos Exportadores de Carne (Abiec) dirigida pelo economista Roberto Gianetti da Fonseca e integrada pelos maiores frigoríficos brasileiros.
Como pano de fundo para este quadro, o fato de que o Brasil, há cinco anos é de longe o maior exportador mundial de carne, detendo 33% do mercado mundial, quase o dobro do segundo colocado, a Austrália, responsável por 17% das exportações mundiais. Além disso, o país é detentor da segunda maior cobertura florestal original do mundo – 440 milhões de hectares, 53% de seu território atrás apenas da Rússia, com 800 milhões de hectares de mata nativa – e usa 41% de sua superfície de 8,5 milhões de km² na produção de alimentos, de onde se geram 1/3 do produto Interno Bruto Nacional, das exportações e que absorvem um terço da mão-de-obra empregada no país.
Curiosamente, ambos os lados dizem defender o lema desmatamento zero, e que desenvolvimento e preservação são absolutamente compatíveis. Mas no detalhamento é que aparecem as diferenças. A discórdia inicial está na definição do que deve ser considerado área de preservação permanente (APP), rigidamente definida num cipoal de 16.250 normas, portarias, instruções normativas, códigos e dispositivos constitucionais, que, concordam ambos os lados, em muitos casos estão absolutamente desatualizados.
Nas propostas de encaminhamento de soluções aparecem as discordâncias mais marcantes. Os ambientalistas, como o veterano da causa Sérgio Ricardo de Lima, defendem uma reformulação radical no sistema de produção agropecuária, com prioridade para a produção familiar baseada em princípios da agroecologia.
Os mais radicais, como o sociólogo Emir Sader, chegam a dizer que “o Brasil tem adotar um modelo de desenvolvimento agrário que prescinda do agronegócio.
O ponto crucial da reforma da legislação em vigor seria a manutenção, ou não, dos limites atuais de áreas de preservação permanente, que incluem parques nacionais, as margens de mananciais, topos de morros, várzeas e áreas com aclives acima de trinta graus. Além disso, a lei prevê a chamada reserva legal, que consiste na manutenção da floresta nativa, em cada propriedade nos percentuais de 80% na Amazônia, 35% no Centro Oeste e 20% nas regiões Sudeste e Sul.
Isto tudo está centralizado na discussão do projeto 5.367, que ora tramita na Câmara dos Deputados., com assinatura de 45 parlamentares da bancada ruralista, cuja meta é criar o novo código ambiental brasileiro que seria um pacto federativo descentralizado.
As divergências mais agudas residem no fato de a bancada ruralista e os grandes frigoríficos reunidos na Abiec entenderem que o cálculo da área de reserva legal deve ser feito por estado, região ou bacia hidrográfica, dependendo do caso, para abrir espaço à produção. os ruralistas acham que deve ser retirada da União a prerrogativa exclusiva de conceder licenciamentos ambientais; os ecologistas temem que isto abra a porta para a burla da lei e para o agravamento das condições ambientais.
Um dos expoentes da defesa do agronegócio, o deputado Valdir Colatto (PMDB-SC), sintetiza o posicionamento:
–A União não tem condições nem estrutura de fiscalizar e liberar os projetos de que o Brasil precisa. O Brasil é um continente é não é o Ibama que vai resolver, porque nem tem gente para isto. Se respeitar-se a legislação que está em vigor , serão cortados 50% da produção brasileira. O Brasil quebra. E, mantidas as condições atuais, com a pressão das ONGs estrangeiras, e o Ministério Público a reboque, dentro de dois ou três meses teremos desabastecimento no país – adverte o parlamentar.
Colatto quase esbraveja quando se refere à atuação das ONGs no Brasil:
–Somos o único país do mundo que deixa estrangeiros se meterem na sua própria legislação. Eles vem através da ONGs, e ficam difundindo calunias na internet. A Europa fica cobrando preservação no Brasil, mas tem apenas 0,3% de seu território constituído por florestas. Nós temos 53% de nosso território coberto de florestas. Mesmo assim estamos sendo colocados como vilões da questão ambiental. Alguém fala que a Europa, que vende para o mundo inteiro, tem toda sua economia baseada num crime ambiental? – interroga.