Estudo inédito realizado nos países amazônicos mostra que a região está longe de alcançar os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio estabelecidos pela ONU.
Belém (16.11.11) – Apesar de alguns avanços nas últimas décadas, ainda são drásticas as condições sociais, econômicas e ambientais nos seis países que fazem parte da bacia amazônica: Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Peru e Venezuela.
A conclusão é do estudo A Amazônia e os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) lançado nesta quarta-feira à noite em Belém durante o evento Cenários e Perspectivas da Pan-Amazônia, realizado pelo Fórum Amazônia Sustentável e Articulação Regional da Amazônia (ARA). Os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), estabelecidos pela ONU em 2000, foram avaliados por um grupo de especialistas ligados à ARA, que assina o trabalho.
De acordo com o estudo, cerca da metade da população que vive nesses países encontra-se abaixo da linha da pobreza, apesar dos vastos recursos naturais. A situação é mais crítica no Equador e na Bolívia, em contraste com o que os pesquisadores encontram no Brasil, por exemplo, onde as condições são mais animadoras, neste aspecto.
Os dados mostram que as taxas de desemprego na região diminuíram. Mas essa realidade esconde graves problemas como a informalidade, o trabalho infantil e o trabalho forçado. Durante a última década, somente na Amazônia brasileira, mais de 15 mil pessoas foram libertadas de condições análogas à escravidão. Geralmente são homens analfabetos entre 25 e 40 anos, recrutados para extração ilegal de madeira, a produção de carvão e a pecuária.
Mortalidade infantil
Apesar de uma redução significativa, a mortalidade infantil na Amazônia é bem maior do que a media nacional dos respectivos países. E nas populações indígenas, estima-se que essa taxa seja ainda maior. Na Bolívia, a mortalidade infantil está acima das regiões mais pobres do mundo. Segundo a pesquisa, a mortalidade infantil caiu em todos os países amazônicos, mas não o suficiente para ser reduzida em dois terços até 2015, como previsto nos ODM. A Venezuela foi o único pais que conseguiu respeitar esse objetivo, tarefa quase impossível para a Bolívia, e viável para o resto dos países amazônicos tomando em conta o progresso atual.
Em alguns países, a desnutrição atinge um quarto da população infantil. A vulnerabilidade é maior para os povos indígenas. As maiores taxas encontram-se no Peru (24%) e na Bolívia (21%). Índices abaixo de 20% estão o Equador e a Venezuela. Os países com o menor percentual são a Colômbia (5%) e o Brasil (2%).
O estudo mostra que o analfabetismo na Amazônia está acima do limite internacionalmente considerado como crítico, que é de 5%. Na Amazônia brasileira, é mais do que o dobro (11%) e na Amazônia boliviana é 17%. Nos outros países da bacia, a situação está um pouco melhor, mas sempre acima dessa media, com 8% na Amazônia peruana, 6,5% na Amazônia equatoriana e 6% na Amazônia venezuelana.
O estudo afirma que o tempo de permanência na escola aumentou na região. Os números variam entre 5,3 anos (Bolívia) e 9,3 anos na Colômbia e Venezuela. Mesmo assim, poucas escolas incorporaram as línguas indígenas, os conhecimentos tradicionais e materiais didáticos adequados às realidades locais.
Discriminadas
Uma grande porcentagem de mulheres da Amazônia sofre algum tipo de maltrato, assim como uma taxa de analfabetismo superior à média da população, revela o estudo da ARA. Além disso, elas possuem escassas oportunidades econômicas e políticas. Conforme o estudo, esses problemas se acentuam quando se trata de mulheres indígenas e afrodescendentes.
Na Amazônia colombiana, mais de quatro mulheres entre dez foram vítimas de algum tipo de abuso físico, cerca de sete entre dez sofreram um abuso psicológico e 5% sofreram abuso sexual. Na região amazônica do Peru, cerca de quatro entre dez mulheres são fisicamente maltratadas por seus maridos, e quase três entre dez são fisicamente agredidas por outros homens.
Na Amazônia Brasileira, uma mulher entre cinco declarou ter sofrido algum tipo de violência por parte de um homem. A exclusão e a discriminação afetam mais as mulheres indígenas e afrodescendentes.
Em relação à saúde, o estudo denuncia que na Amazônia, o acesso a um sistema de qualidade é limitado em comparação com as outras regiões. Os países amazônicos têm entre 0,5 e 1,5 médicos para cada mil habitantes. Essa vulnerabilidade é acentuada pelo desmatamento, as altas taxas de crescimento demográfico e urbanização descontrolada sem saneamento básico, abrindo caminho a todo tipo de doenças, consequência das execráveis condições de vida.
A propagação do vírus da AIDS aumentou nos últimos anos na região amazônica. Por outro lado, isso mostra uma maior cobertura dos dispositivos de diagnostico utilizados, dispositivos, porém, insuficientes devido à dificuldade de diagnósticos, sobretudo em áreas rurais.
A tuberculose é uma doença que está em baixa no mundo inteiro. Porém, a incidência dessa doença nos países amazônicos como o Peru e a Bolívia é a mais elevada do mundo. Os autores também apontam que na Amazônia, algo entre 400 mil e 600 mil pessoas contraem malária a cada ano. Uma das causas para o aumento do número de casos é a derrubada das florestas.
Desmatamento
Apesar do avanço em relação aos acordos alcançados pelos países, como a assinatura de convenções como a da biodiversidade (CDB/ONU), o estabelecimento de áreas protegidas – inclusive territórios indígenas –, e a criação de alguns marcos legais importantes, o estudo indica a necessidade de ações mais concretas para além das fronteiras nacionais, ou seja, políticas públicas para reduzir a perda de recursos naturais e biodiversidade.
Desmatamento, degradação e outras pressões, no entanto, ainda ameaçam a floresta amazônica. Nem todos os países têm sistemas de monitoramento ambiental. Apesar de estar conseguindo diminuir as taxas de desmatamento, no âmbito regional, o Brasil ainda responde por cerca de 72% das taxas anuais de desmate, seguido pela Venezuela (12,5%), Peru (6,5%) e Colômbia (4,7%). Expansão da fronteira agrícola, obras de infraestrutura, assentamentos humanos e apropriação de terras públicas são as principais causas da perda de cobertura florestal.
Embora a região possua as maiores reservas de água doce do planeta, boa parte da população amazônica não dispõe de água própria para o consumo. A Bolívia é o país com menos acesso a esse direito fundamental.