Desafios da Lei de Crimes Ambientais no Pará

 

Brenda Brito* & Paulo Barreto

A aplicação da Lei de Crimes Ambientais não tem sido eficaz na proteção das florestas na Amazônia. A falta de integração entre as instituições responsáveis pelas punições e a aplicação das penas desvinculadas dos danos ambientais são desafios à eficácia da lei, enfraquecendo o combate à exploração ilegal de florestas e desfavorecendo a reparação de danos ambientais. Para reverter essa situação, recomendamos: integrar as ações das autoridades envolvidas na aplicação da lei e investir parte das multas em fundos ambientais para a reparação de danos e em fiscalização.

 

Crimes Ambientais no Pará

 

O desmatamento na Amazônia aumentou desde[2] 2001, apesar de investimentos em fiscalização[3] e da existência da Lei de Crimes Ambientais (nº 9.605/98), a qual tipifica os crimes e prevê multas de até 50 milhões de reais, além da prisão de infratores. Em um estudo realizado na sede da Justiça Federal em Belém, avaliamos a efetividade da aplicação dessa lei na esfera judicial por meio da análise de uma amostra de 55 processos de crimes ambientais no setor florestal do Pará. O Estado foi escolhido porque abriga 46% da produção madeireira da Amazônia[4]. Em 2003, o Ibama emitiu cerca de 2.000 multas no Pará, tornando-o campeão nacional de multas ambientais. O estudo foi realizado no período de janeiro a março de 2003 e considerou casos iniciados entre 2000 e 2003 para determinar a evolução da aplicação das penas.

 

Perfil dos Processos

 

Dos cinqüenta e cinco processos analisados, 53% foram contra pessoas jurídicas e 47% contra pessoas físicas exclusivamente. A grande maioria dos infratores residia no interior do Pará e apenas três eram domiciliados fora do Estado: dois em São Paulo e outro no Rio Grande do Sul. A quase totalidade dos casos (98%) foi de infrações ligadas ao transporte, comércio e armazenamento de madeira sem autorização legal. O transporte de madeira sem as Autorizações de Transporte de Produtos Florestais (ATPF)[5] foi a infração mais freqüente, com cerca de 48% dos casos, enquanto o armazenamento de madeira sem autorização correspondeu a 24% (Figura 1).

 

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Crimes relacionados às atividades na floresta (exploração sem autorização e desmatamento) somam apenas 8% do total analisado (Figura 1). A predominância de casos relacionados ao transporte e armazenamento de madeira sem autorização reflete a maior atuação da fiscalização do Ibama nas vias de transporte e nas empresas madeireiras em vez de no interior da floresta, onde o desmatamento e exploração madeireira ilegal ocorrem.

 

Situação dos Processos

 

O Ministério Público recebe as multas do Ibama e propõe ou o início de uma ação penal ou acordos judiciais com os infratores. O Tribunal de Justiça é encarregado de conduzir os processos. Em 91% dos casos estudados, o Ministério Público Federal propôs na Justiça Federal a aplicação das penas por meio de acordos judiciais, chamados de transação penal. Esse procedimento aconteceu quando o infrator preencheu os requisitos legais[6]. Somente em 9% dos casos, os infratores foram denunciados diretamente em uma ação penal.

Dos 55 processos analisados, apenas 2% dos processos foram concluídos na época do estudo. Na maioria dos casos (62%), os infratores não haviam sido localizados pela justiça para dar início ao processo (Figura 2). Em 16% dos processos havia problemas processuais como o conflito de competência entre Justiça Federal e Estadual para julgar crimes ambientais[7]. Apenas 20% dos infratores já estavam cumprindo acordos estabelecidos com o Ministério Público e Juiz.

Em média, foram necessários 24 dias úteis entre o início do processo judicial e o despacho inicial do juiz, que determinava a data da audiência. Para os 16 casos em que houve audiência, a média foi de 183 dias úteis entre o despacho inicial e o final da negociação. O único processo concluído durou 522 dias úteis, dos quais 281 apenas para cumprir o acordo, que deveria ter sido cumprido em 90 dias. Ou seja, ao todo, este caso levou quase três anos.

 

Falta de Integração entre Instituições

 

A falta de integração entre as instituições responsáveis pela aplicação da Lei de Crimes Ambientais – Ibama, Ministério Público e Tribunal de Justiça – dificultou o trabalho da Justiça Federal em localizar os infratores após a emissão da multa pelo Ibama. Por exemplo, o Ibama não repassava imediatamente ao Ministério Público as multas emitidas. Por sua vez a Justiça Federal não estabelece datas para tratar especialmente de crimes ambientais. Assim, a pesquisa mostrou que a média de tempo entre a emissão de multa do Ibama e o início da ação penal foi de 244 dias úteis. Essa demora era suficiente para que os infratores mudassem de endereço. E, segundo os funcionários da Justiça Federal, essa mudança de endereço foi a principal causa da demora em localizar os infratores.

 

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Penas Desvinculadas do Dano Ambiental

 

Nossa análise revelou que grande parte das penas propostas nos acordos judiciais estava desvinculada do dano ambiental causado. A maioria das penas propostas (95%) era destinada à assistência social (especialmente, doação de medicamentos e alimentos). Apenas uma pequena parte (3%) estava relacionada ao meio ambiente e envolvia a doação de mudas para reflorestamento (Figura 3). A falta de assistência técnica ambiental para o Ministério Público e o Judiciário contribuiu para essa situação. Os Procuradores e os Juízes têm poucas informações sobre a localização e intensidade do impacto ambiental. Em um caso, o Juiz Federal solicitou ao Ibama avaliação dos danos ambientais, mas este órgão informou que não poderia realizar essas análises devido à falta de recursos humanos e financeiros. Ou seja, sem saber onde ocorreu o dano, é difícil estimar e definir sua reparação.

 

Sugestões para Políticas Públicas

 

A aplicação inadequada da Lei de Crimes Ambientais impede o combate efetivo à exploração ilegal das florestas na Amazônia e desfavorece a reparação de danos ambientais. Nossas análises permitem indicar duas soluções principais para os problemas identificados na esfera judicial: integrar as instituições envolvidas na aplicação da lei (órgãos ambientais, Ministério Público e Tribunais) e investir parte das penas em fundos ambientais.

Integrar as Instituições. A falta de integração entre os órgãos envolvidos na aplicação da Lei de Crimes Ambientais tem dificultado a ação da Justiça em localizar os infratores após a autuação do Ibama e, conseqüentemente, ocasionado a demora no andamento processual. Um mecanismo usado pela Justiça Federal em Blumenau (SC) até meados de 2001[8], poderia ser adaptado à Amazônia para solucionar esse problema. A Justiça Federal de Blumenau fixava previamente datas e horários para as audiências de acordos de crimes ambientais. Assim, quando a Polícia Ambiental[9] autuava o infrator, já o avisava da data em que devia comparecer à audiência na Justiça Federal. A Polícia Ambiental enviava as informações para o Ministério Público e Justiça Federal e, em menos de 30 dias acontecia a audiência para o acordo judicial. Em 2000 e 2001, o índice de comparecimento era de 95%, com 100% de cumprimento de penas[10]. A adaptação desse mecanismo para a região amazônica envolveria principalmente melhoria de infraestrutura de comunicação[11].

Investir em Fundos Ambientais. A ausência de suporte técnico ambiental para o Ministério Público e para o Judiciário e a incerteza do local do crime inviabilizam a aplicação de penas vinculadas ao dano ambiental específico em todos os casos. Para resolver esse problema, recomendamos investir em fundos ligados à reparação de danos ambientais e à proteção ambiental. Assim, o dano ambiental seriacompensado, por exemplo, com a proteção de patrimônio natural em Unidades de Conservação.

 

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Recomendamos investir em fundos que tenham as seguintes características: (i) apóiem programas ambientais na Amazônia; (ii) demonstrem transparência por meio de auditorias e publicação de relatórios anuais; (iii) usem processos transparentes para escolha de projetos; e (iv) possuam estrutura administrativa compatível com seus objetivos. O Fundo Brasileiro para a Biodiversidade (Funbio)[12] seria candidato a receber apoio, pois investe na proteção de biodiversidade na Amazônia por meio do projeto Arpa (Áreas Protegidas da Amazônia). Outra opção é o Fundo de Defesa de Direitos Difusos[13] que, apesar de não ser voltado exclusivamente à Amazônia e ao meio ambiente, vem apoiando projetos com esse tema na região.

 

Referências e Notas

 

* Autora correspondente: [email protected]

1 Este trabalho teve apoio da Fundação William & Flora Hewlett e da Fundação Betty & Gordon Moore.

2 Dados do Inpe mostram que o índice de desmatamento para o ano de 2004 (26.000 km2) foi o segundo maior da história da Amazônia.

3 Somente em 11 meses de 2002 o governo federal investiu cerca de R$ 14,14 milhões em monitoramento de planos de manejo florestal e fiscalização de recursos florestais. Ver dados em: Neal, B. 2002. Uma experiência da sociedade civil de intervenção no orçamento federal. Orçamento e política ambiental 4:1-7. Instituto de Estudos Socioeconômicos, Brasília. Disponível em: http://www.inesc.org.br/conteudo/publicacoes/boletins/lrWWenJEqrZX4dll8KYlp68FMtgRuqRG/inesc_bolambientais_n04_dez02.pdf. Consulta em 13 de abril de 2005.

4 Lentini et al. A expansão madeireira na Amazônia. O Estado da Amazônia, nº 2. Belém: Imazon, 2005. 4p.

5 As ATPFs são emitidas pelo Ibama após a aprovação de um plano de manejo florestal ou de desmatamento e devem acompanhar as toras durante o transporte da floresta até as fábricas.

6 A transação penal não é possível se o infrator: (i) se envolveu em outra transação penal durante até cinco anos antes da infração; (ii) foi condenado por sentença transitada em julgado à pena privativa de liberdade; e (iii) possui antecedentes, conduta social e personalidade incompatíveis com a medida a ser adotada (Art. 76, § 2º da lei nº 9.099/95).

7 O conflito de competência ocorreu a partir de meados de 2001 quando Juizes Federais que estavam julgando os casos de crimes ambientais acataram o novo entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e se negaram a continuar analisando-os por entender que a Justiça Estadual era competente para julgá-los. O novo entendimento do STJ provocou um grande debate jurídico sobre a verdadeira competência para julgar crimes ambientais. Atualmente, predomina o entendimento de que a Justiça Estadual é competente nos casos de crimes ambientais praticados fora de áreas de interesse da União.

8 A partir de 2001 os processos passaram a ser julgados pela Justiça Estadual devido ao conflito de competências. Ver nota 7.

9 A Polícia Ambiental é o órgão fiscalizador em Santa Catarina.

10 Schäfer, J. G. & Machado, J. B. 2000. Juizado especial criminal no âmbito da Justiça Federal – uma experiência relativa ao procedimento dos crimes ambientais de menor potencial ofensivo. Revista de Informação Legislativa. [S.I.]. 147: 29-33.

11 Como a Justiça Federal não tinha sede na maioria das cidades onde os infratores residiam, a Justiça Estadual ficava responsável por localizá-los para a audiência. Contudo, a falta de aparelhos de fax, precário acesso à internet e problemas com linhas telefônicas impediam que a Justiça Federal soubesse rapidamente se os infratores haviam sido localizados em tempo hábil, o que acabava adiando as datas previamente marcadas para as audiências.

12 Mais informações em: http://www.funbio.org.br

13 Mais informações em: http://www.mj.gov.br/cfdd/default.htm

 

 


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