As fissuras da barreira de áreas protegidas

por Vandré Fonseca

O Eco

17 de julho de 2018

 

O Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) identificou 2.552 áreas desmatadas no interior de áreas protegidas da Amazônia ou em um raio de 10 quilômetros no entorno, em 2017. Os dados fazem parte de uma série de estudos divulgados esta semana sobre ameaças e pressões sobre unidades de conservação e terras indígenas.

Os estudos descrevem condições que contribuem para esse desmatamento, classificado como ameaça quando está no entorno da área protegida ou pressão quando ocorre dentro dos limites de uma unidade de conservação ou terra indígena. Por enquanto, três edições disponíveis, uma com dados gerais de desmatamento e outras que tratam de estradas não oficiais e de Cadastros Ambientais Rurais (CAR).

Na primeira, são analisadas áreas desmatadas identificadas pelo Prodes, de onde saem as taxas oficiais de desflorestamento divulgadas pelo governo brasileiro. A notícia boa é que o número de polígonos desmatados dentro ou no entorno de áreas protegidas diminuiu 26% em relação a 2016, quando foram registradas 3.040 ameaças. Mas os pesquisadores ainda demonstram preocupação.

O engenheiro ambiental Antônio Victor Fonseca, um dos autores do estudo, destaca que, embora dados de desmatamento tenham indicado uma redução no ano passado, a participação das áreas protegidas no total de desmatamento vem se mantendo. E alerta para uma tendência preocupante: o desmatamento migrou de projetos de assentamento para unidades de conservação e terras indígenas, que entre as categorias fundiárias só são superadas pelas áreas particulares.

“No passado não muito distante, nós tínhamos os assentamentos como grandes vilões”, afirma Fonseca. “Houve uma reversão dessa tendência, as áreas protegidas acabaram virando alvos principais. E temos todas essas questões de alteração por projetos de lei, redução e até extinção de unidades de conservação, atrelados à essas pressões”, completa.

Ranking

Entre as áreas protegidas, as terras indígenas continuam a ser as mais ameaçadas pelo desmatamento (1075 ameaças), com quase a metade dos registros. No ano passado, elas haviam sofrido mais da metade (56%) das ameaças. Entre as unidades de conservação, as de uso sustentável, como áreas de proteção ambiental ou reservas extrativistas, sofrem mais do que as de proteção integral, como estações ecológicas ou parques nacionais (921 contra 256 ameaças).

O estudo apresenta o ranking das áreas protegidas mais ameaças (desmatamento no entorno) e das mais pressionadas (desmatamento dentro dos limites). A Reserva Extrativista Chico Mendes, que ocupa 970 mil hectares no Acre, aparece com destaque nas duas listas. É a área protegida mais ameaçada e a terceira que sofre a maior pressão na Amazônia.

Duas unidades de proteção integral localizadas entre o Sul do Amazonas e Rondônia estão entre as mais ameaçadas. O Parque Nacional dos Campos Amazônicos, com 960 mil hectares, é a nona área protegida do bioma mais ameaçada, enquanto o Parna Mapinguari, com quase 1,8 milhões de hectares, fecha a lista das dez mais ameaçadas. Ambas unidades estão na área de influência da BR-319, em uma região de grande avanço do desmatamento.

Estradas

BR 319. Foto: Ben Sutherland/Flickr.

Os estudos detectaram também que 48 áreas protegidas sobre ameaças por estradas não oficiais, ou seja, construídas sem autorizações previstas em lei, existentes no entorno e outras 47 que sofrem a pressão dessas obras dentro de seus limites. “Essas estradas não têm regulamentação e são construídas com a finalidade de extrair algum recurso natural”, explica Fonseca.

Se até 2012, já haviam sido identificados quase 29,5 mil quilômetros de estradas não oficiais no entorno e quase 24,5 mil quilômetros dentro das áreas protegidas, os dados mais recentes apontam uma extensão bem menor de vias abertas. Em 2016, foram identificados 10,7 mil quilômetros de estradas não oficiais no entorno e 15 mil no interior de unidades de conservação e terras indígenas.

A Floresta Nacional do Jamanxim, com 1.3 milhões de hectares no Pará, ocupa a desonrosa primeira colocação entre as áreas protegidas mais ameaçadas por estradas não oficiais. Os autores do estudo lembram que ela foi criada em 2006, numa tentativa de conter o desmatamento provocado pela pavimentação da rodovia BR-163, entre Cuiabá (MT) e Santarém (PA), mas vem sendo alvo de tentativas de redução ou mudança de categoria.

“No final de 2016, por meio da Medida Provisória 765, o presidente Michel Temer propôs reduzi-la em 24% de sua área e criar a APA (Área de Proteção Ambiental) do Jamanxim”, lembra o documento divulgado pelo Imazon. “Essa recategorização possibilita um nível menor de restrições e, com isso fragiliza a AP, contribuindo com o aumento de desmatamento e grilagem na região”.

Cadastro Ambiental Rural

Foto: Chan360/Flickr.

O Cadastro Ambiental Rural também expõe riscos às áreas protegidas. Criado para ser um instrumento de fiscalização e controle de desmatamento em áreas particulares, dados analisados pelo Imazon e divulgados em uma das edições dos estudos revelam a existência de cadastros feitos sobre áreas públicas, além de áreas desmatadas acima do permitido pela legislação.

“Em algumas áreas protegidas, não existe permissão para que particulares façam o CAR, mas ele ocorre mesmo assim”, afirma Antônio Victor Fonseca. “Só o fato de estar permitindo, de se organizar uma propriedade dentro de uma área protegida, já é indício de pressão”, completa o pesquisador do Imazon, ressalvando que ainda não foram verificados se esses cadastros foram validados pela autoridade ambiental.

Os dados demonstram a existência de 9.209 cadastros ambientais irregulares em 323 áreas protegidas que não admitem propriedade em seu interior. As terras indígenas são as mais afetadas pelo registro irregular do CAR, com 43% das áreas afetadas (138 terras indígenas), seguidas pelas unidades de uso sustentável (38% ou 123 UCs) e de proteção integral (19% e 62).

O estudo levou em consideração o desmatamento que ocorreu dentro dos limites da propriedade declarados no CAR. Assim, em unidades de conservação onde é possível haver propriedades privadas e no entorno das áreas protegidas, se essa derrubada de floresta ultrapassou o limite legal, que na Amazônia geralmente é de 20%, ela foi considerada irregular.

O Imazon afirma que outras edições ainda devem ser publicadas. “O objetivo é gerar informação estratégica para que gestores de APs e a sociedade possam tomar decisões a fim de evitar esses problemas”, segundo afirma o texto de apresentação dos estudos.

 

Fonte: http://www.oeco.org.br/noticias/as-fissuras-da-barreira-de-areas-protegidas/

This post was published on 20 de julho de 2018

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