Fazer os criminosos pagarem pelo desmatamento ilegal da Amazônia e recuperarem o dano é um dos principais desafios da Justiça na área ambiental. Um estudo do Imazon que analisou mais de 3,5 mil ações do Ministério Público Federal (MPF) mostrou que as condenações aumentaram, mas que apenas 5% delas resultaram em indenizações pagas. Além disso, não há garantia de que as multas quitadas sejam aplicadas no bioma.
A pesquisa acompanhou o resultado de ações civis públicas (ACPs) movidas pelo MPF entre 2017 e 2020, nas primeiras três fases do Programa Amazônia Protege. Elas pedem a responsabilização por desmatamento ilegal do bioma na esfera cível, onde é possível cobrar indenizações por danos materiais e morais e ainda determinar a recuperação da floresta. Essa é uma das três formas de responsabilização por dano ambiental previstas na legislação brasileira, além das esferas administrativa e criminal.
Foram analisadas 3.551 ações pelo estudo, que envolvem 265 mil hectares desmatados e pedem mais de R$ 4,6 bilhões em indenizações. Até dezembro de 2023, 2.028 ações (57% do total) tinham sentença, sendo 695 com algum tipo de responsabilização. Elas se dividem em 640 ações julgadas procedentes, considerando decisões após o julgamento de recursos, quando juízes ou tribunais aceitaram pelo menos um dos pedidos de responsabilização do MPF, e em 55 Termos de Ajustamento de Conduta (TACs), quando os responsáveis pelo desmatamento ilegal se comprometeram a adotar medidas de reparação. Somadas, as condenações e os TACs correspondem a 20% do total de processos e 34% das ações com sentenças.
Apesar das condenações não serem a maioria entre as decisões, o dado representou um aumento nas responsabilizações. Em um estudo anterior do Imazon, dos 3.551 processos analisados, apenas 650 (18%) tinham sentenças até outubro de 2020 e 51 delas foram procedentes. Ou seja: as condenações correspondiam a 1% do total de ações e a 8% das sentenças. A maioria das decisões pela responsabilização dos desmatadores (449 casos) ocorreu após outubro de 2020, especialmente em 2023, quando houve 241 sentenças procedentes.
Situação que melhorou não apenas a partir de novas decisões em primeira instância, mas também pelo julgamento de recursos. Conforme o estudo, tanto o Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) quanto o Superior Tribunal de Justiça (STJ) têm sido majoritariamente favoráveis aos pedidos de responsabilização do MPF.
“É positivo ver o aumento de casos procedentes para responsabilização de desmatadores e que os tribunais têm mantido entendimento favorável à condenação nessas ações que utilizam provas obtidas de forma remota, com imagens de satélite e uso de banco de dados. O desafio agora é obter o efetivo pagamento das indenizações e a recuperação das áreas que foram desmatadas”, afirma Brenda Brito, a pesquisadora do Imazon.
Embora as condenações tenham aumentado, a maioria das sentenças (66%) ainda teve outros resultados mesmo após o julgamento dos recursos. Até dezembro de 2023, 860 (42% das sentenças) haviam sido extintas, quando a Justiça entende que não há provas para uma ação; 268 (13%) julgadas improcedentes, quando todos os pedidos do MPF foram negados; 137 (7%) declinadas para Justiça Estadual; e 68 (3%) anuladas, decisões invalidadas que aguardam nova sentenças.
Essa predominância das extinções se deu principalmente até 2020 e por causa das ações com réu incerto, inovação jurídica do Amazônia Protege. Nesses casos, o MPF move processos devido a desmatamentos ilegais mesmo quando não foi possível identificar o réu para que a Justiça embargue a área e impeça qualquer uso econômico dela, o que pode combater a grilagem. Porém, em outubro de 2020, o STJ adotou entendimento favorável à continuidade de ações por réu incerto, o que tem levado ao aumento de casos desse tipo procedentes após julgamentos de recursos.
Apesar do avanço nas punições, o cumprimento delas ainda é muito baixo. Conforme a pesquisa, das 640 sentenças procedentes após julgamento de recursos e dos 55 TACs firmados, que determinaram indenizações de R$ 251,9 milhões, somente 37 (5%) tiveram as indenizações quitadas. As dívidas pagas somam R$ 652,3 mil (0,5%) e se referem a três sentenças e a 34 termos. Se considerar os casos que estão em fase de pagamento, com bloqueio em contas bancárias dos réus ou pagamento parcelado, esse percentual sobe para 8%.
E isso mesmo após os juízes terem reduzido, em média, o valor solicitado pelo MPF. Segundo o estudo, nos processos onde foi possível encontrar os valores iniciais e finais, houve redução de 34% nas indenizações por danos materiais (de R$ 11.304 para R$ 7.515 por hectare desmatado) e de 59% por danos morais coletivos (de R$ 5.616 para R$ 2.280 por hectare desmatado).
“O Protocolo para Julgamento de Ações Ambientais de 2024 do CNJ pode resolver esse problema, pois traz uma metodologia para quantificação do dano climático decorrente do desmatamento. Por isso, recomendamos no estudo que o órgão dissemine essa orientação e organize treinamentos sobre ela”, sugere Hannah Farias, pesquisadora do Imazon.
Outro problema identificado na pesquisa foi a falta de garantia da aplicação das indenizações no bioma. Embora o MPF tenha solicitado a destinação dos valores aos órgãos ambientais na maioria das ações, os fundos públicos foram o destino majoritário das sentenças, como o Fundo de Direitos Difusos e o Fundo Nacional de Meio Ambiente.
“Resoluções e recomendações do CNJ já permitem direcionar esses valores para atividades na Amazônia, o que seria o ideal. Por exemplo, com repasses para instituições públicas ou privadas sem fins lucrativos que realizem projetos de recuperação de vegetação nativa ou para o combate às queimadas. Para isso, os tribunais e o MPF precisam publicar editais de convocação para cadastro e análise de projetos”, informa Brenda.
Após analisar tanto os argumentos usados pelo MPF na proposição das ações quanto dos juízes e tribunais nos julgamentos, a pesquisa recomenda medidas que podem agilizar e aumentar as condenações. Uma das principais é acabar com as sentenças improcedentes pela não aceitação de imagens de satélite ou de informações de bancos de dados públicos como provas, que continuaram mesmo após jurisprudência favorável do STJ. Para isso, o estudo indica que o CNJ intensifique a disseminação dessa orientação e realize treinamentos nas comarcas que mais recebem esses processos.
As sentenças também precisam melhorar a forma de determinação da restauração das áreas desmatadas e da fiscalização dessa obrigação.
“Um ponto importante é não vincular mais os Projetos de Recuperação de Áreas Degradadas ou Alteradas (PRADs) exigidos nas sentenças à necessidade de validação dos Cadastros Ambientais Rurais (CARs), o que além de atrasar a restauração pode favorecer a grilagem caso CARs ilegais sejam aprovados”, alerta Brenda.
Já para a fiscalização dessa recuperação, a sugestão da pesquisa é que o CNJ organize e disponibilize os dados georreferenciados das áreas, para permitir seu monitoramento por sensoriamento remoto por diferentes organizações.
Outra recomendação do estudo é que os TACs sejam celebrados em documentos separados das atas de audiência, com descrição de todas as obrigações, prazos e previsão de multa em caso de descumprimento.
“Além disso, é importante que o MPF vincule em seu portal de transparência o número do processo judicial ao procedimento interno de acompanhamento do TAC, para que o cumprimento dos acordos possa ser acompanhado pela sociedade civil”, ressalta Hannah.
No caso das ações com réu incerto, a orientação da pesquisa é que o MPF, em vez de ingressar com vários processos, agrupe diversas áreas desmatadas em um só pedido para que os órgãos fundiários e ambientais promovam o embargo delas. Atualmente, o Amazônia Protege está em sua quarta fase. Nesta etapa, o programa passou por aprimoramentos e ajuizou cerca de 193 ações entre novembro e dezembro de 2024.
This post was published on 31 de janeiro de 2025
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