Corrida contra o tempo

Um grupo importante de empresários brasileiros lançou ontem, em São Paulo, uma carta ambiental que representa um marco na posição do setor produtivo rumo à economia de baixo carbono. A quase cem dias da Conferência do Clima de Copenhague, a iniciativa demonstra um engajamento que lembra o do setor privado na Rodada Doha, um sinal evidente que a agenda comercial mundial flerta cada vez mais com os tópicos da negociação internacional sobre a mudança do clima.

Na carta, assinada por 22 entidades e empresas privadas de capital brasileiro, há uma lista de cinco compromissos básicos - da publicação anual do inventário de emissões dos gases de efeito- stufa às ações para reduzi-las. Os líderes empresariais falam em rastrear a sua cadeia de suprimentos e fornecedores e elencam nove propostas para tentar influenciar as posições brasileiras nas negociações do acordo climático que, espera-se, saia da conferência de Copenhague, a COP-15.

No documento, os empresários cobram do governo assumir a liderança nas negociações e defendem a simplificação e agilidade nos processos do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), que deveriam facilitar o ingresso de tecnologias limpas nos países em desenvolvimento.

A carta foi entregue aos representantes dos três ministérios mais ativos na questão climática dentro do governo Lula - ao ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, ao ministro da Ciência e Tecnologia, Sergio Machado Rezende, e ao chefe dos negociadores brasileiros nas reuniões sobre mudança do clima, o embaixador Luiz Alberto Figueiredo Machado durante o seminário "Brasil e as Mudanças Climáticas - Oportunidades para uma economia de baixo carbono" realizado pelo Valor e GloboNews, com patrocínio do Instituto Ethos, do Fórum Amazônia Sustentável e da Vale. Foram três painéis, com discussões sobre os desafios da mudança climática, o papel do setor privado e o do governo no ombate ao maior desafio destes tempos. Foi assistido por 270 empresários, políticos, pesquisadores e ambientalistas.

Os empresários também apoiam a criação de um sistema de incentivo para quem preserva a floresta, nunca desmatou ou reduziu o desmatamento,o chamado Redd. Neste ponto, o embaixador Figueiredo disse que a arquitetura financeira que está se desenhando no acordo climático prevê recursos do Tesouro dos governos, mas também o aumento de fluxos provenientes do mercado de carbono, que, segundo ele, é preciso fortalecer. Ele alertou que se há recursos dos governos para salvar economias em crise, é preciso achar receitas também para ações ligadas à mudança do clima.

Um dos pontos mais delicados da carta ambiental é a promessa dos empresários de perseguirem a "redução contínua do balanço líquido de emissões de CO2". Trata-se de uma linguagem cifrada para diminuir a diferença entre a emissão e a captura dos gases-estufa. Na prática, o setor fala em uma meta de corte sem apresentar números. "A empresa que não tem preocupação ambiental vai sofrer mais lá na frente, vai pagar essa conta", começou Roger Agnelli, diretor presidente da Vale."É preciso ter metas."

Falar em metas mas sem números é uma rota similar à do governo brasileiro, que prefere mencionar "compromissos". Depois de uma explanação do embaixador Figueiredo sobre a diferença entre metas (termo melhor aplicado para os países industrializados com obrigações de realizar cortes previstos no Protocolo de Kyoto) e compromissos (as ações de redução de economias emergentes, por exemplo), Agnelli, pediu mais clareza e menos semântica. Figueiredo cedeu ao pragmatismo: "Se querem chamar de metas, chamem de metas."

O ministro Carlos Minc garantiu que o Brasil chegará a Copenhague com metas de redução de suas emissões e que o vigoroso corte do orçamento, sofrido por sua pasta há poucos meses, não afetou os esforços do Ministério em conseguir reduzir o desmatamento da Amazônia. Tal qual os empresários, Minc evitou números, mas disse que o compromisso do Brasil tem por base afastar-se de uma curva de emissões crescente. É o compromisso assumido também por emergentes como China e Índia.

No caso brasileiro, a balança muito desigual do passado entre as emissões do desmatamento, que respondiam por 75% do total do país, e as produzidas pela matriz energética e transportes, tende a ficar menos torta. Enquanto a curva do desmatamento declina, as emissões relativas às indústrias e à energia estão crescendo vertiginosamente. "De 1994 a 2007, as emissões do setor de transporte a diesel passaram de 380 milhões de toneladas de carbono para 580 milhões de toneladas", disse Minc. Amanhã ele promete divulgar as emissões da indústria e do setor
energético .

O ministro Sergio Rezende garantiu que o Brasil conhecerá quanto emite antes da reunião de Copenhague. O inventário de emissões do país, aguardado há meses, está sendo finalizado.

Os empresários que assinam a carta ambiental dirigem empresas com forte perfil exportador e se dizem cobrados pelos clientes a ter uma postura mais moderna. Para Antônio Maciel Neto, diretor presidente da Suzano, as novas gerações de consumidores querem produtos mais verdes e as empresas grandes correm atrás de certificações ambientais para não perder negócios. Wilson Ferreira Jr., diretor-presidente da CPFL Energia, bateu na mesma tecla. "Os consumidores estão mais conscientes", diz. "Hoje, as pessoas compram geladeiras ou aparelhos de ar-condicionado por conta do selo verde de economia de energia que acompanha os produtos." Ferreira enxerga outros caminhos para a produção de energia limpa. "A energia eólica é uma realidade no mundo inteiro e tem perspectivas positivas no Brasil."

Bernardo Gradin, presidente da Braskem, adiantou que a indústria química também começou a fazer o seu dever de casa. "Nos últimos cinco anos, as empresas no Brasil já obtiveram uma redução de 15% na emissão de gases. Para isso melhorar, o setor produtivo deve manter diálogo permanente com o governo", sugeriu.

Para Adalberto Veríssimo, pesquisador do Imazon, os Estados da região amazônica recebem investimentos públicos muito baixos. "É preciso criar um ambiente de negócios favorável para ampliar a proteção da floresta e adaptar o agronegócio às novas regras ambientais", avaliou. Veríssimo acredita que o Brasil não vai atingir qualquer meta de baixa emissão de carbono se não zerar o desmatamento na Amazônia. "A floresta precisa de um choque de investimento para sobreviver", assegura o pesquisador, que também é integrante do Fórum Amazônia Sustentável, criado há dois anos e um dos principais espaços para o debate nacional sobre mudança climática reunindo 182 entidades civis, empresas e governos locais. "Mas é preciso que se registre que os empresários estão assumindo uma posição mais de vanguarda e o governo continua conservador."

Na saída, o embaixador do Reino Unido no Brasil, Alan Charlton, celebrava a iniciativa. "É o caminho para a economia de baixo carbono. O futuro já chegou."

This post was published on 1 de agosto de 2013

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