Entrevista: “devemos aproveitar essa oportunidade e buscar o desmatamento zero”, diz pesquisador do Imazon

Na semana passada foram divulgados novos dados referentes ao desmatamento na Amazônia. Primeiro vieram as medições do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), que detectou, entre novembro e dezembro de 2008 e janeiro de 2009, 754 quilômetros quadrados de desmatamento.

Os números foram considerados positivos em comparação ao mesmo período do ano anterior,quando o desmatamento foi de 2.527 km2, o que representa uma queda de aproximadamente 70% no desmatamento. Durante o período analisado, o grande campeão de desmatamento foi o Pará, que derrubou 318,7 km2 de florestas, seguido de Mato Grosso (272,3 km2), Maranhão (88,4km2) e Rondônia (58,1 km2).

Os dados do INPE são gerados a partir do Deter – Sistema de Detecção do Desmatamento em Tempo Real, com base em imagens de satélites. O instituto elabora ainda uma qualificação dos dados. De acordo com essa qualificação, 58% dos alertas foram confirmados como corte raso (total supressão da floresta), 37% como degradação progressiva e 5% não apresentaram indícios de desmatamento.

Na sequência foi a vez do Instituto Homem e Meio Ambiente (Imazon) divulgar seus números. Segundo os dados de seu Sistema de Alerta de Desmatamento (SAD), em janeiro deste ano houve 51 km² de desmatamento na Amazônia Legal. Isso representa uma queda de 38% em relação ao mês de janeiro de 2008 quando o desmatamento somou 82 km².

Segundo a organização o estado campeão em devastação foi o Mato Grosso, responsável por 85% dos 51 km² desmatados. O segundo da lista foi o Pará, com 8%, seguido por Rondônia (2%) e Acre (1%). De acordo com o Imazon, os dados de desmatamento de janeiro de 2009 podem estar subestimados, pois nesse mês houve grande cobertura de nuvens na região amazônica, correspondendo a 67% do território total.

Para falar sobre o estudo do Imazon, o problema do desmatamento e a confusão que sempre é gerada entre os dados o instituto e os do governo, o site Amazonia.org.br entrevistou Adalberto Veríssimo, pesquisador do Imazon. Confira a seguir:

Amazonia.org.br – Os números que vocês divulgam relativos ao desmatamento invariavelmente não coincidem com aqueles anunciados pelo governo. Afinal, em quem devemos acreditar?

Adalberto Veríssimo – Os dados do INPE têm dois números embutidos. Os referentes ao corte raso, que é um sinônimo realmente de desmatamento e aqueles relacionados à degradação florestal.

No nosso relatório apresentamos isso de forma separada. Se for feita uma comparação dos nossos dados de desmatamento com os dados de corte raso do INPE, serão encontrados números muito próximos, com pequena diferença considerada dentro da margem de erro estipulada. O problema reside na forma como os dados do INPE são apresentados, dando a entender que degradação florestal também é desmatamento, o que acaba gerando essa confusão toda.

Amazonia.org.br – Mas essa disparidade entre os dados, que são apresentados quase que simultaneamente, não dificulta a elaboração de práticas e políticas de combate ao desmatamento?

Adalberto Veríssimo – Repito, os dados de desmatamento do Imazon e os dados de corte raso do INPE são muito similares. Agora, a forma como isso é divulgado, a maneira como a informação sai na imprensa distorce isso.

Os números apresentados pela imprensa mostram 750 km² de desmatamento nos últimos três meses. Se você for ler o relatório do INPE, não é isso que está escrito lá. Ele diz que nesse total está incluída a degradação florestal.

O desmatamento em si traz valores muito menores. No nosso relatório somos mais diretos.Dizemos claramente quanto é degradação e quanto é desmatamento. Não misturamos isso porque são situações diferentes. Esse é o problema na verdade, mais de comunicação do que de fundamento.

Amazonia.org.br – Assim como o governo, vocês fazem uma avaliação positiva desses últimos dados?

Adalberto Veríssimo – Todos os números apontam para uma queda. Nosso relatório detecta queda no mês de janeiro. Já havíamos indicado a redução do desmate em novembro e dezembro, em relatórios já divulgados referentes a esses meses.

De acordo com nossos dados, o desmatamento de agosto a janeiro caiu 80% em relação ao ano anterior. Quando fechamos o ano fiscal do desmatamento em agosto, e previmos que ele se estabilizaria, o PRODES, que é o sistema oficial, depois veio a confirmar aquilo que estávamos dizendo.

Havia uma expectativa de que o desmatamento crescesse muito, mas ele aumentou só 4%, ficando dentro da margem de erro.

Amazonia.org.br – Mas essas áreas que estão em processo de degradação não estão sendo desmatadas nesse momento, ainda em estágio inicial, e num próximo relatório aparecerão já com a devastação consolidada?

Adalberto Veríssimo – Vamos traçar o seguinte paralelo: alguém foi hospitalizado. Estar no hospital equivale à degradação moderada. Se esse paciente estiver na UTI é o mesmo que degradação elevada. Mas ele não morreu ainda.

Uma área desmatada significa que toda a floresta que havia ali foi derrubada, 100%. Uma floresta degradada não, ela continua sendo uma floresta. Está machucada, foram retiradas árvores, abriram uma estrada no meio dela, mas ela não morreu ainda, não se transformou.

Não pode contar isso como desmatamento, e sim como floresta degradada. É isso que ela é no momento. E candidata a ser uma área desmatada no futuro. Porque geralmente o desmatamento é assim, uma sequência.

Amazonia.org.br – É disso que eu falava. Considerando o histórico da região, essa sequência tende a levar à completa degradação da floresta. Usando o seu paralelo, podemos dizer que o paciente não se recuperará.

Adalberto Veríssimo – Exato, mas você só contará a morte dele após ele morrer, e não agora. Esse é o método. Quando ele realmente morrer eu conto como desmatamento. Eu não posso dizer que quem está no hospital necessariamente irá morrer. Floresta degradada não é igual a desmatamento.

Estou agora em Acará, próximo a Belém. Eu estava com um grupo de dinamarqueses andando numa floresta degradada. Para eles, que não conhecem a região, aquilo era uma floresta normal. As árvores maiores já foram tiradas, o local está repleto de palmeiras, espécies de menor porte já ocuparam o local… Então, trata-se de uma floresta machucada, mas ainda floresta. E se não for derrubada, irá se recuperar e voltar a ser o que era antes. Claro que levará 30 anos para que volte a ser aquela floresta majestosa.

Amazonia.org.br – Outro problema sempre presente quando os números do desmatamento são anunciados é a quantidade de nuvens que impede a visão dos satélites e limita a percepção do real estado da floresta. Sendo assim, os números divulgados não criam uma falsa realidade?

Adalberto Veríssimo – Todo período de fim de ano tem muitas nuvens. Por isso que eu comparo com o mesmo intervalo de tempo do ano anterior. O problema das nuvens é muito parecido, há uma diferença mínima na quantidade, por isso digo que estamos trabalhando meses que são comparáveis, então esse problema não existe.

Por isso colocamos duas análises no relatório: janeiro desse ano comparado a janeiro do ano anterior e também uma avaliação dos últimos seis meses. A presença das nuvens no mês de janeiro é normal na região, mas estamos comparando com o mesmo mês do ano anterior, que tinha as mesmas nuvens.

Amazonia.org.br – O Imazon identificou em seu relatório 8% de desmatamento em assentamentos de reforma agrária. Apesar de ser uma porcentagem considerável, fica bem distante da idéia dada pelo ministro Carlos Minc de que o Incra era o grande campeão do desmatamento. Como vocês interpretam esses dados?

Adalberto Veríssimo – Ali é preciso olhar o acumulado. Sob essa perspectiva, os assentamentos da reforma agrária avançaram muito no desmatamento. A tendência agora é que o desmatamento nesses locais diminua porque não tem mais floresta para tirar, já se desmatou demais ali.

Tem que ver todo o histórico. Temos 300 mil km² de assentamentos e mais da metade foi desmatada. O restante está degradado, mas não desmatado ainda. O que deve ser verificado é se tratamos de um filão proporcional à área que os assentamentos ocupam na região. Os assentamentos ocupam cerca de 6% do território e contribuem com 15% do total desmatado, então está desproporcional.

Amazonia.org.br – As quedas no desmatamento indicadas tanto pelo deter quanto pelo Imazon podem ser atribuídas às políticas governamentais, ou seriam efeito da crise financeira?

Adalberto Veríssimo – Acredito que os dois. A tendência é que a economia agora exerça um papel maior. É claro que no fim do ano a influência da crise é direta. Mas quando observamos de agosto para cá, isso não apresentou reflexos, porque a crise não havia estourado ainda. E ela também não chegou ao Brasil de maneira instantânea. E o desmatamento começou a cair antes disso, desde junho.

Tem uma parcela importante das ações do governo então, o que reforça a necessidade dele manter essas medidas e até aprofundá-las. Acredito que caminhamos para o desmatamento mais baixo da história. Se o governo mantiver as rédeas firmes no controle e combate à devastação e dado que o comportamento da economia não deve se alterar nos próximos meses, o desmatamento pode ser abaixo de 10 mil km² pela primeira vez na história.

O Brasil deve aproveitar esse momento para buscar o “desmatamento zero” nos próximos anos, como tem sido defendido por um conjunto de entidades ambientalistas, inclusive a Amigos da Terra – Amazônia Brasileira, de que até 2014 zeremos o desmatamento. Isso deve ser encarado como uma oportunidade para o país acelerar essa busca de acabar com o desmatamento no curto e médio prazo.

This post was published on 1 de agosto de 2013

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