Especialistas envolvidos na preservação da Floresta Amazônica temem os efeitos da nova lei criada a partir da MP 458, que determina regras para a regulamentação da posse de terras na região.
Sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com alguns vetos a mudanças introduzidas pelo Congresso Nacional, a nova lei é considerada um avanço, mas está longe de ser reconhecida como a solução definitiva para o problema do desmatamento.
“O objetivo é interessante, mas ele está longe de ser alcançado”, diz o procurador federal em Belém (PA), Ubiratan Cazzeta. “O Estado não tem estrutura para ter certeza de que as pessoas que vão pedir esses lotes estão em áreas já antropizadas (ocupadas pelo homem), que elas não estão abrindo novas frentes e que não há nenhum conflito na terra em questão.”
“A MP vai permitir o avanço dos agentes econômicos da maneira que eles desejem e não de acordo com um planejamento de Estado”, acrescenta Cazzeta. “Sem contar que a lei provavelmente vai abrir espaço para a oficialização de antigas fraudes.”
O superintendente nacional para regularização fundiária na Amazônia do Instituto de Colonização e Reforma Agrária (Incra), José Raimundo Sepeda, admite que o órgão precisa de mais recursos para fiscalizar e coletar informações com eficiência. Mas diz que fazendo parcerias e usando a tecnologia a deficiência pode ser suprida.
“Estamos fazendo parcerias com prefeituras, governos estaduais, a Abin (Agência Brasileira de Iinteligência) que nos auxiliarão nesse trabalho. E a qualquer sinal de irregularidade uma vistoria é determinada para conferir se há algum conflito ou fraude”, diz o superintendente.
Para ambientalistas, um dos problemas mais graves da MP é o fato de prever a entrega gratuita da terra para quem tem até 100 hectares e a venda abaixo dos preços de mercado para aqueles que tem mais de 100 e menos de 500 hectares.
A diretora do programa Amazônia da ONG Conservação Internacional, Patrícia Baião,diz que a MP é um “avanço”, mas teme que – ao dar a terra de graça ou vendê-la muito barato – passe a ideia de que a Amazônia vale pouco.
“Hoje em dia, já fica mais barato para um fazendeiro da Amazônia desmatar mais um pedaço de floresta do que recuperar uma terreno já desgastado”, avalia. “Se o governo passar essa ideia de que a terra na Amazônia pode ser de graça, esse fenômeno pode até aumentar.”
Dívida social
Sepeda contra argumenta que a proposta do governo é determinar e regulamentar usos para todo o território da Amazõnia Legal. “Vai haver terra privada, reservas extrativistas, reservas ambientais e outros tipos de uso que serão determinados e regulamentados. Não vai sobra espaçco para as pessoas chegarem e ocuparem como no passado”, diz.
O superintrendente do Incra não vê problema em doar a terra aos posseiros com os menores lotes. Ao contrário, ele diz tratar-se do pagamento de uma “dívida social”.
“Tem gente vivendo há décadas na zona rural na Amazônia sem nunca ter tido acesso às políticas públicas. Eu acho que por eles estarem ainda nessa atividade, não terem saído para engrossas os contigentes de famílias faveladas nos centros urbanos, nós temos é uma dívida com eles”, argumenta.
Grandes e pequenos
Já o pesquisador do Instituto do Homem e do Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), Paulo Barreto, concorda com a avaliação de Patrícia Baião. Ele diz que mesmo os agricultores mais pobres deveriam pagar pela terra que estão recebendo, ainda que o governo crie facilidades para isso.
“Uma opção seria cobrar à vista das fazendas maiores para financiar e abrir prazos maiores para os pequenos”, afirma Barreto. “Independentemente de qualquer questão social, aqui temos muita terra pública ocupada e quem a usa precisa pagar por isso.”
Barreto critica a proposta de dar três anos de carência e 20 anos de prazo para que fazendeiros com mais de 500 hectares paguem ao governo pela terra que receberem.
“Essas pessoas já estão na terra há muito tempo ganhando dinheiro com madeira ou agricultura”, diz o pesquisador. “Não faz sentido dar vantagens a quem já está lucrando com terra pública.”
Donos da Amazônia
Barreto coordenou no Imazon o estudo mais amplo já feito a respeito da posse de terras na Amazônia. Os pesquisadores estudaram dezenas de arquivos para comparar todos os processos de recadastramento de imóveis rurais já feitos na região.
A conclusão da pesquisa é de que falta muita informação a respeito das terras na Amazônia para se planejar um trabalho consistente de regularização.
“Tem uma área enorme que tem ocupação privada, mas o governo não sabe quem são estes donos e onde estas áreas estão. Então, em muitas regiões, não se sabe quem é o dono da Amazônia”, afirma.
“O que as autoridades têm que fazer é uma varredura completa da Amazônia. É preciso ir de propriedade em propriedade, marcando em um mapa exatamente onde está cada fazendeiro. Só assim dá para fiscalizar e saber a quem punir quando houver alguma irregularidade.”
O promotor Ubiratan Cazzeta diz que, sem essas informações na mão, o governo pode acabar regularizando a situação de gente que merece punição.
“Você tem que ir a campo, e não esperar que o campo venha até você”, afirma o procurador federal. “Identificar as áreas de conflito verdadeiro e, a partir desse conhecimento dessa realidade, começar esse planejamento.”
Vistoria
Mas o presidente do Instituto de Terras do Pará (Iterpa), José Heder Benatti, diz que há um mal-entendido por trás das críticas.
Benatti afirma que tanto o governo federal como o Estado do Pará vão vistoriar in loco todas as terras que forem receber títulos definitivos.
“O que não vai acontecer é uma vistoria como as que são feitas para os casos de reforma agrária, em que todas as benfeitorias tem que ser calculadas para a indenização”, diz. “Mas certamente vamos ter que vistoriar todas as terras para marcar seus limites, conferir se não há conflitos e poder emitir um título definitivo.”
O presidente do Iterpa avalia que a situação do Pará é das mais graves no país no que diz respeito a questões fundiárias. “Nosso Estado foi o principal foco dos programas de colonização e desenvolvimento de infraestrutura na Amazônia, promovidos nos anos 80”, afirma. “Isso acabou atraindo muita gente para cá de maneira desordenada e provocou os problemas que temos hoje.”
Benatti afirma, no entanto, que está confiante de que há uma luz no fim do túnel e diz acreditar que ela nem esteja muito distante.
“Acredito que em cinco anos seja possível resolver 70% da questão fundiária na Amazônia”, avalia. “E resolvendo estes 70%, vamos ter acabado com 90% dos focos de conflito que tanto atrapalham o desenvolvimento e a preservação da região.”
“Os outros 10% são as propriedades muito grandes, que tem que ser tratadas de um modo diferente. Precisamos estabelecer algum limite à propriedade porque hoje não há nenhum impedimento legal para a quantidade de terra que uma pessoa pode possuir.”
This post was published on 1 de agosto de 2013
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