Estudo lista seis mudanças que precisam ser feitas nas leis de terras para proteger a Amazônia

Com o aumento substancial de desmatamento na Amazônia a partir de 2019, governos federal e estaduais na região passaram a defender a regularização fundiária como a melhor estratégia de identificação e de punição dos responsáveis pela destruição da floresta. Porém, ao contrário do que preconiza o senso comum, regularizar terras recém ocupadas e desmatadas será um prêmio aos desmatadores, além de reforçar um ciclo de grilagem de terras na região. Há a invasão da área pública, seguida de desmatamento, anistia à ocupação ilegal e titulação da terra.

Essa conclusão é de um estudo realizado por pesquisadores do Imazon para o projeto Amazônia 2030. Conforme a pesquisa, apoiar as formas atuais de titulação de terras públicas ou alterar a lei para facilitar regularização de áreas recém-desmatadas terá o efeito oposto ao que se busca: mais invasão de terra pública e maior desmatamento futuro.

Estima-se que uma área equivalente a 29% da Amazônia (1,43 milhão de km²), atualmente sem informação de destinação fundiária, possa ser alvo da continuidade do processo de grilagem e desmatamento. Isso gera conflitos e afasta investimentos de qualidade para o desenvolvimento na região.

Se o Brasil pretende cumprir com os compromissos de redução das emissões de gases do efeito estufa apresentados no Acordo de Paris, é fundamental que o combate ao desmatamento passe a ser uma das premissas orientadoras das políticas fundiárias implementadas na Amazônia. Porém, para que isso ocorra, é necessário eliminar da legislação incentivos que estimulam a grilagem e a destruição florestal.

Nesse estudo, os pesquisadores identificaram seis desses incentivos perversos presentes nas regras fundiárias federais e estaduais, causados por brechas ou por vácuos jurídicos:

1. As Leis permitem a contínua ocupação de terras públicas

A maioria das leis fundiárias estaduais na Amazônia não determina um prazo limite para a ocupação de terra pública que pode ser titulada. Quando há um prazo, está sujeito à modificação, como ocorreu com a lei federal em 2017 e com a lei estadual de Roraima em 2019. Assim, há uma contínua expectativa de legalização de terras públicas ocupadas e desmatadas a qualquer tempo.

2. A legislação não proíbe a titulação de áreas desmatadas ilegalmente ou de áreas predominantemente florestais

Nenhuma lei fundiária federal ou estadual aplicável na Amazônia impede a privatização de florestas públicas desmatadas. Também não há impedimento para privatização de imóveis formados predominantemente por área florestal, por exemplo, áreas com 90% de florestas. Nesse caso, após receber o título, o novo proprietário poderá solicitar autorização para desmatar legalmente até 20% do imóvel. Assim, ao titular áreas cobertas predominantemente por florestas públicas, os governos acabam legalizando a possibilidade desmatamento futuro.

3. A maioria das leis não exige o compromisso de recuperação de passivo ambiental antes da titulação

Apenas o Acre faz uma exigência de assinatura de Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) prévio à emissão do título para todos os imóveis que possuem desmatamento ilegal. Na lei federal e no Pará, há exceções solicitando esse comprometimento antes da titulação em alguns casos.

4. Quando há obrigações ambientais após a titulação, o monitoramento é inexistente

Algumas leis fundiárias exigem que danos ambientais sejam recuperados após o recebimento do título, sob pena de perda do imóvel em caso de descumprimento. Porém, não há monitoramento dessa obrigação. Na prática, não há real punição da perda do imóvel por descumprimento de regras ambientais, o que também funciona como mais um incentivo para a continuidade de ocupações e desmatamento de terra pública.

5. Subsídios no preço do imóvel titulado não garantem uso sustentável da terra

Em média, os governos estaduais e federal usam tabelas de preço de venda de terra públicas bem abaixo do mercado (entre 15% e 26% do valor). A diferença acaba sendo um subsídio oculto para essa regularização. Além disso, a justificativa governamental de que esse subsídio existe para fomentar o uso sustentável e os benefícios socioeconômicos não procede, já que não há garantia de que essas áreas sejam de fato usadas para produção, geração de empregos ou mesmo que cumpram as regras ambientais. Isso porque não há monitoramento das obrigações assumidas pelos titulados.

6. Os procedimentos dos órgãos fundiários não garantem destinação de terras de acordo com as prioridades legais

O poder público deve considerar as prioridades legais para o reconhecimento de demandas territoriais de povos indígenas, comunidades quilombolas e tradicionais, bem como a criação de áreas protegidas e a titulação de imóveis para a agricultura familiar. No entanto, na maioria dos estados, não há exigência de consulta prévia à titulação sobre o interesse de outros entes governamentais na área em avaliação, entre eles a Fundação Nacional do Indio (Funai) e órgãos ambientais. Por fim, não há, na esfera estadual, a divulgação pública das áreas que estejam em processo de regularização fundiária.

Recomendações

Para alinhar ações governamentais de regularização fundiária com a redução do desmatamento, recomendamos:

1. Definir um marco temporal para ocupação de terra pública e estabelecer a proibição de retrocesso da data limite;

2. Cobrar preço de mercado na venda de terra pública e premiar os produtores que adotem práticas sustentáveis de uso da terra;

3. Exigir comprometimento de regularização ambiental antes da titulação e punir o descumprimento pós-titulação com a retomada do imóvel;

4. Vedar titulação de imóveis com desmatamento recente;

5. Estabelecer concessão de terras, ao invés de venda ou doação, com proibição de desmatamento para imóveis predominantemente florestais;

6. Estabelecer ampla consulta sobre destinação de terras públicas.

Conheça o Amazônia 2030

Iniciativa conjunta do Imazon, do Centro de Empreendedorismo da Amazônia, da Climate Policy Initiative (CPI) e do Departamento de Economia da PUC-Rio, o projeto Amazônia 2030 busca desenvolver um plano de ações para a região no país. Realizado por pesquisadores brasileiros, tem como objetivo que o território tenha condições de alcançar um patamar maior de desenvolvimento econômico e humano e atingir o uso sustentável dos recursos naturais em 2030.

Baixe aqui o estudo completo


Texto: Bruna Santos, O Mundo Que Queremos
Foto: Arquivo do site do Imazon

This post was published on 29 de abril de 2021

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