Indústria de carne bovina brasileira age para reduzir o desmatamento de florestas tropicais

MADISON, WI, EUA  — A expansão de pastagens tem levado à destruição de áreas enormes de floresta tropical no Brasil, que detém o maior rebanho comercial de gado bovino do mundo.  No entanto, um novo estudo liderado pela Doutora Holly Gibbs da Universidade de Wisconsin-Madison nos Estados Unidos, mostra que os acordos de desmatamento zero exigidos pelo mercado têm influenciado de modo dramático o comportamento de fazendeiros e dos frigoríficos.

Publicado hoje (12/05) no Jornal Conservation Letters, o estudo coordenado pelo grupo de pesquisadores – que inclui outros cientistas da UW-Madison, da National Wildlife Federation-NWF e do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia – IMAZON – é o primeiro a avaliar o impacto destes acordos, cujo objetivo é barrar a destruição das florestas tropicais no Brasil.

Os pesquisadores demonstraram que esses acordos de desmatamento zero motivaram os fazendeiros a rapidamente registrarem suas propriedades no Cadastro Ambiental Rural-CAR, levando os frigoríficos a bloquearem efetivamente as compras de fazendas onde houve desmatamento recente, sendo detectada diminuição nas taxas de desmatamento nas fazendas fornecedoras.

“Demonstramos que pressões públicas e privadas na cadeia bovina efetivadas de forma concorrente, podem ser decisivas para a mudança do jogo, ajudando, finalmente, a quebrar a ligação entre o desmatamento e a produção de carne,” diz Gibbs, do Departamento de Geografia e Estudos Ambientais do Centro para Sustentabilidade e o Ambiente Global do Instituto Nelson de Estudos Ambientais da Universidade de Wisconsin, Madison.

Porém, de acordo com o estudo, ainda restam desafios para chegar ao desmatamento zero na produção de carne bovina. Gibbs sugere que mais investimentos e compromissos com a transparência, tanto da indústria de carne bovina como do governo brasileiro para a melhoria dos acordos, seriam muito significativos para a preservação das florestas.

Historicamente, a expansão das pastagens têm impulsionado o desmatamento na Amazônia brasileira, onde essas pastagens ocupam aproximadamente dois-terços das terras desmatadas.  O Estado do Pará, onde se baseia o estudo, possui o maior rebanho bovino no bioma amazônico.

Em 2009, sob a pressão concorrente de Greenpeace-Brasil e do Ministério Público Federal no Pará, os donos dos maiores frigoríficos da região se comprometeram publicamente a comprar gado somente daqueles fazendeiros que pararam de desmatar as florestas tropicais e que registraram suas propriedades no Cadastro Ambiental Rural do Brasil. Os três maiores frigoríficos – JBS, Marfrig e Minerva—também se comprometeram a estabelecer sistemas de monitoramento para rastrear o desmatamento nas propriedades fornecedoras.

Gibbs e sua equipe concentraram o estudo no maior frigorífico do mundo, o JBS, e começaram a mapear os locais e o histórico do uso da terra de cada propriedade que vendeu ao JBS pré e pós-acordos.  A equipe ainda entrevistou fazendeiros a fim de acrescentar a perspectiva da realidade local sobre as mudanças que vinham ocorrendo (ou não) após os acordos, e usaram rigorosa análise estatística e espacial para rastrear as mudanças no comportamento dos fazendeiros e frigoríficos.

Os resultados mostraram que os acordos incentivaram os fazendeiros, fornecedores da empresa no Pará, a registrarem rapidamente suas propriedades no CAR, como exigido por lei estadual em 2006.  Antes dos acordos, somente 2% dos fornecedores do JBS tinham registrado suas propriedades.  Entretanto, 60% foram registradas dentro dos primeiros cinco meses dos acordos, sendo que até 2013, quase todos o fornecedores já haviam providenciado o registro..

De fato, os fornecedores do JBS registraram suas propriedades no CAR dois a três anos mais cedo que propriedades vizinhas que não venderam ao JBS. Importa destacar que, em entrevistas com esses fornecedores, 85% revelou que o registro se deveu a exigência para poder continuar a vender à empresa.

Além disso, a equipe de Gibbs encontrou evidências de que os frigoríficos efetivamente bloquearam fazendas com desmatamento, contrastando claramente com suas práticas antes do acordo.  Por exemplo, o estudo mostrou que antes de 2009, quase 4 de cada 10 dos fornecedores diretos do JBS tinham desmatamento recente e até 2013, este número baixou para menos de 4 a cada 100.

Em resposta à esses sinais do mercado, os fornecedores que venderam ao

JBS após os acordos também reduziram de forma significativa o desmatamento total , tendo desmatado o equivalente à metade da floresta,  se comparadas com as propriedades que a JBS bloqueou depois dos acordos.

“Exigir o cumprimento das leis ambientais é uma grande batalha na Amazônia brasileira, que engloba uma área seis vezes o tamanho do Texas,” comenta Gibbs.  “Mas essas intervenções do mercado estão levando à mudanças rápidas na indústria da carne bovina dentro de um período de meses, mesmo em áreas muito remotas.”

Embora estes resultados sejam importantes e estimulantes, Gibbs diz que resta muito trabalho a fazer, vez que muitos fazendeiros são capazes de burlar as exigências dos acordos.  Por exemplo, o estudo mostrou que os frigoríficos, atualmente, somente monitoram as fazendas de engorda, das quais compram diretamente.

“No Brasil, os bois são transferidos a múltiplas propriedades antes de chegarem na fazenda de engorda, que vende diretamente ao frigorifico,” diz Gibbs. Pode-se fazer a cria, recria e engorda em propriedades com desmatamento ilegal e depois simplesmente fazer a transferência para uma fazenda regular- sem desmatamento—antes de vender ao JBS.  Mesmo que o gado tenha passado uma porção significante de sua vida nas fazendas com desmatamento recente, a fazenda final pela qual o gado passa e que é a fornecedora direta do JBS continua sendo considerada regular, nos termos dos acordos.  Esta “lavagem”, segundo Gibbs, “pode ser um verdadeiro jogo de troca.”

Os fazendeiros também podem burlar os acordos ao vender a um dos frigoríficos que não monitoram as propriedades fornecedoras, apresentando assim outro desafio à redução do desmatamento.

Paulo Barreto, pesquisador sênior do IMAZON e co-autor do trabalho, diz que os acordos precisam de três elementos para realizar todo o seu potencial:  Primeiro, eles devem envolver todas as fazendas da cadeia bovina de abastecimento, inclusive aquelas especializadas em cria e recria.  Segundo, toda a indústria de frigoríficos deve monitorar seus fornecedores.  Terceiro, o governo deve aumentar a qualidade e transparência das informações públicas usadas por empresas privadas para assegurar a implementação dos acordos.

Gibbs se sente encorajada pelos resultados e pelo potencial da indústria em desempenhar o papel de agente transformador dos acordos impulsionados pelo mercado.  Ela vem observando o que chama de “uma mudança gradual na maré ” que vem ganhando força nos últimos dois anos.

Em outro estudo de sua equipe, publicado recentemente pela Revista Science  analisou-se o impacto que um acordo provocou, com o apoio de varejistas importantes, como Walmart e McDonald’s, ao bloquear a compra de fazendeiros que desmataram a floresta amazônica para plantar soja

“Com a frequência quase semanal, vemos novas empresas multinacionais se compremeterem a eliminar o desmatamento da sua cadeia de fornecimento,” comenta Gibbs.  “Faz muito tempo que essas multinacionais obtém lucro da exploração das florestas tropicais, mas atualmente vêm conduzindo um movimento ambiental a fim de reduzir o desmatamento causado pela expansão da agricultura.”

A boa notícia é que, temos muito incentivo nesse momento e com a pressão  de grandes varejistas, consumidores e do governo brasileiro, nós verdadeiramente podemos acabar com o desnecessário desmatamento da floresta amazônica relacionado a produção de carne bovina.

O estudo recebeu o apoio da Fundação  Gordon e Betty Moore e a Agência Norueguesa para a Cooperação de Desenvolvimento- Departamento da Sociedade Civil-Iniciativa para Florestas e Clima. Mais informações sobre a relação entre os acordos de desmatamento e a indústria pecuária podem ser encontradas no novo website criado pela National Wildlife Federation-NWF.

This post was published on 12 de maio de 2015

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