Maior parte da vegetação em regeneração da Amazônia está em áreas que não competem com a agricultura

Estudo inédito mostra que o país pode recuperar a floresta em larga escala sem perder áreas agricultáveis e com baixo custo

Área em regeneração dentro de propriedade privada no município de Paragominas (PA) – Foto: Vitória Leona/LabMídia/Imazon

 

Uma pesquisa inédita apontou que a maior parte das áreas em regeneração na Amazônia está em locais de difícil plantio de grãos. Ou seja: é possível recuperar a floresta em larga escala sem perder terras agricultáveis e com baixo custo. O que gera benefícios para o clima, para o país e para os próprios agricultores. Isso porque eles podem aproveitar essas áreas para adequar suas propriedades às leis ambientais e, ainda, obter novas fontes de renda.

Publicado pelo projeto Amazônia 2030, o estudo é de autoria de pesquisadores do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon). Eles analisaram o potencial agrícola de 7,2 milhões de hectares mapeados em 2019 onde a vegetação secundária (que nasce após o desmatamento) tinha a partir de seis anos. E o resultado foi que 5,2 milhões de hectares estão em locais classificados como “de baixa aptidão agrícola”, o que corresponde a 73% do total.

“As áreas de baixa aptidão agrícola são aquelas em que há grande limitação para o plantio por terem aclives ou declives que dificultam o ingresso de máquinas agrícolas, como plantadeiras e colheitadeiras. Provavelmente, elas foram desmatadas no passado com a expectativa de serem usadas para a produção, porém, devido a essa dificuldade e altos custos, foram abandonadas e hoje estão em regeneração. Além disso, classificamos como áreas de baixa aptidão agrícola aquelas que estão às margens dos rios, onde o desmatamento é ilegal. São as chamadas Áreas de Preservação Permanente ou APPs”, explica o pesquisador Paulo Amaral, do Imazon, um dos autores do estudo.

Maior do que o estado do Rio de Janeiro, essa área pode garantir ao Brasil o cumprimento da meta estabelecida na Política Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa (Proveg), criada em 2017. À época, o país se comprometeu a recuperar 4,8 milhões de hectares desmatados no bioma.

Oportunidade de cumprir a lei e ter mais renda

A pesquisa também analisou de quem é a posse dessas áreas em regeneração que não são adequadas para a agricultura e apontou que 36% são territórios privados ou estão em assentamentos. Isso significa que proprietários de terras e agricultores familiares têm a oportunidade de usar 1,8 milhão de hectares para adequarem suas áreas à legislação ambiental, que exige que parte da propriedade seja de vegetação nativa. E o melhor: com baixo custo.

“Na Amazônia, estima-se que produtores precisam recuperar cerca de 8 milhões de hectares para cumprir as leis ambientais. Ou seja: além das áreas de baixa aptidão agrícola, há mais 2,8 milhões de hectares a serem restaurados, o que torna ainda mais importante a necessidade deles aproveitarem esses locais onde não irão lucrar com o plantio para conservar a floresta. Além de impedir prejuízos com multas ambientais, ter propriedades adequadas à legislação pode ajudá-los a conseguir financiamentos e a valorizar a produção”, indica Amaral.

O pesquisador também ressalta que é possível usar essas áreas em recuperação para gerar rend­­­a a partir de práticas sustentáveis. “Proteger essas áreas vai resolver tanto problemas dos grandes e médios produtores quanto dos agricultores familiares. Para quem tem áreas maiores, deixar a floresta se regenerar é muito mais barato do que começar a restaurar. Já para os pequenos agricultores, as partes da propriedade em regeneração podem servir como fonte de renda por meio do extrativismo de espécies nativas como açaí, cupuaçu e castanha”, completa.

Há, além disso, 500 mil hectares (10%) em regeneração em locais de difícil plantio inscritos no Cadastro Ambiental Rural (CAR). Ele é um documento autodeclaratório que não indica a posse da terra, mas necessário para conquistá-la. O restante está em áreas protegidas (22%); em áreas públicas não destinadas (20%), aquelas cujo uso ainda não foi determinado; e nos chamados “vazios fundiários” (12%), locais onde não há informação sobre a posse. 

Áreas com potencial agrícola são as mais ameaçadas

Por estarem em locais onde o cultivo de grãos pode ser implementado com facilidade, os 2 milhões de hectares apontados na pesquisa como de “alta aptidão agrícola” são os que correm mais risco de voltarem a ser desmatados. E a maior parte dessas terras são privadas, de assentamentos, têm CAR ou estão em áreas protegidas cuja agricultura é permitida: 72%, o que corresponde a 1,4  milhão de hectares. Por isso, os pesquisadores afirmam que os governos devem priorizar essas áreas durante as ações de regularização ambiental e de validação dos CARs, além de implementar uma compensação financeira pela proteção da vegetação.

Outros 322 mil hectares (16%) que estão em regeneração em locais de fácil plantio ficam em áreas públicas não destinadas. E, justamente por essa indefinição, são os pontos preferidos dos desmatadores ilegais, principalmente para a grilagem (a invasão de terras para a obtenção de posse e de lucro com a venda posterior). No estudo, a recomendação dos pesquisadores é que os governos criem novos territórios protegidos nesses locais, como terras indígenas e quilombolas ou unidades de conservação.

Todas essas orientações também foram indicadas na pesquisa para as áreas em regeneração com baixo potencial de cultivo. Além delas, o estudo também ressaltou a importância do governo federal implementar a análise de todas as áreas em regeneração junto aos seus sistemas mensal (Deter) e anual (Prodes) de monitoramento do desmatamento da Amazônia, feitos pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). 

Vegetação secundária é essencial diante da crise climática

No estudo que mapeou os 7,2 milhões de hectares de vegetação secundária na Amazônia em 2019, que tiveram o potencial agrícola analisado nessa nova pesquisa, foram selecionadas apenas áreas em regeneração com seis anos ou mais. Recorte temporal escolhido pelos pesquisadores para evitar que locais de “pousio” entrassem na conta, uma técnica muito comum na região. Ela consiste em suspender o plantio em uma área por até cinco anos para que o solo possa se recuperar antes de novos cultivos.

Caso a vegetação secundária seja conservada por pelo menos 30 anos, ela pode adquirir características semelhantes às da primária. Com isso, se tornará o que os pesquisadores classificam como “floresta madura”, que é capaz de contribuir de forma mais significativa para barrar o aquecimento global do que as áreas em regeneração há pouco tempo.

Evitar que esses 7,2 milhões de hectares sejam derrubados novamente contribui para a manutenção dos rios, o equilíbrio das chuvas e a proteção da biodiverdidade em um momento de emergência climática. Relatórios assinados por cientistas de todo o mundo para a Organização das Nações Unidas (ONU) têm alertado que, caso o aquecimento global siga aumentando, vamos sofrer com maior frequência e intensidade fenômenos extremos como secas e tempestades. O que irá causar prejuízos tanto no campo quanto nas áreas urbanas.

Acesse aqui a publicação completa

 

This post was published on 24 de março de 2022

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