O que a Amazônia quer da Rio+20?

Economia verde é muito mais do que ecoeficiência. E se não incorporarmos de maneira profunda as dimensões ambientais e sociais às praticas econômicas, será impossível trazer a sustentabilidade para o centro das atividades humanas. O alerta cai como uma luva ao atual momento brasileiro – em que o país formula sua posição para a Rio+20, a Conferência sobre Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas, no ano que vem.

Quem avisa é Aron Belinky, especialista da organização Vitae Civilis, que realiza o Seminário Regional sobre Economia Verde no próximo dia 27 em Belém. Lá, será a vez da Amazônia dizer o que quer da reunião da ONU. As demais regiões já se manifestaram. “Participar desse debate é vital para que a sociedade se veja representada em seus anseios”, adverte Belinky nesta entrevista*. Boa leitura!

O senhor acredita que sociedade civil brasileira está devidamente informada sobre seu papel e as possíveis formas de articulação nessa que antecede a Rio+20?

O grau de conhecimento da população em geral e mesmo das organizações da sociedade civil sobre a Rio+20 ainda está muito aquém do que seria desejável a menos de um ano do evento. Por outro lado, vejo que estamos em um processo que tende a mobilizar cada vez mais pessoas, fazendo emergir propostas tanto em relação aos temas em pauta quanto em relação às formas de articulação sociais antes, durante e depois da conferência. Este evento deverá ser um marco nas discussões de novos modelos de organização social para um mundo economicamente próspero, socialmente justo e ambientalmente sustentável. Há diversas iniciativas nos diferentes segmentos da sociedade civil focando a Rio+20. Dentre elas, destacamos, além dos Diálogos Nacionais sobre a Economia Verde, as atividades do Comitê Facilitador da Sociedade Civil para a Rio +20, que congrega redes representativas dos movimentos sociais e outras organizações de base popular como ONGs e sindicatos. Há também um número crescente de comitês estaduais para a Rio+20, como no Rio de Janeiro, São Paulo, Pernambuco, Paraná. Há ainda articulações no setor empresarial como as iniciativas do Instituto Ethos, do CEBDs e do Pacto Global. O esforço é enorme.

Mas a percepção geral é de que o tema ainda não “pegou”.Onde estão as causas desse distanciamento?

O Brasil é um país continental com uma série de problemas em relação ao fluxo de informações capilares em sua sociedade. A grande imprensa tem um papel fundamental nesse processo, mas ainda é pautada prioritariamente por uma agenda governamental neste assunto. 0utro motivo para este distanciamento é a descrença de grande parte da população no sistema político e nos mecanismos representativos. O modo tradicional de organização social em que certas organizações representam com maior ou menor legitimidade os supostos interesses de grandes segmentos sociais. Estamos assistindo ao nascer de uma nova Era em que o conceito de Estados nacionais é colocado em xeque pela óbvia existência de poderes que vão muito além das fronteiras nacionais ou que chegam a controlar países. Exemplo disso são os grandes capitais e corporações que agem globalmente. Nesse mesmo cenário, os cidadãos percebem que é preciso uma nova forma de ação coletiva, mais direta e menos burocrática, a exemplo do que vemos na Primavera Árabe e nos movimentos de indignados na Europa e na América Latina. O desafio é dar a esta energia uma capacidade de mudança concreta nas organizações sociais.

E o que a sociedade civil pode fazer para se mobilizar e participar?

Há várias redes e grupos interagindo para levar propostas. Quem estiver interessado em participar pode buscar informações em nosso site e no site do Comitê Facilitador. Sobre economia verde, o site dos Diálogos Nacionais é um bom ponto de partida.

Qual o papel da Vitae Civilis nesse processo?

A organização atua em várias frentes ligadas à Rio+20, desde 2009, quando se começou a falar na conferência. Além dos Diálogos Nacionais da Economia Verde, que coordenamos diretamente, o Vitae Civilis participou ativamente do Comitê Facilitador e da Força Tarefa para a Rio+20, do Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais. Nessas redes, temos servido como interlocutores com o processo conduzido pelo governo brasileiro e pelas Nações Unidas, fazendo uma ponte entre eles e as articulações autônomas da sociedade civil. É importante notar que a Rio+20 não se limita à conferência oficial. Na verdade, tão ou mais importante que documento a ser produzido pela ONU serão as propostas e iniciativas que as sociedades brasileira e mundial apresentação durante a reunião.

O que o evento de Belém poderá representar nesse processo de consulta nacional para o posicionamento brasileiro na Rio+20?

O posicionamento oficial brasileiro na Rio+20 será representado num primeiro momento por um documento a ser entregue à ONU até dia 1 de novembro de 2011. Este mesmo prazo deve ser observado pelos demais países e organizações que desejam enviar contribuições iniciais para a construção do documento oficial a ser negociado. Com base nessas contribuições iniciais, uma série de negociações ocorrerá de dezembro a maio de 2012, construindo a declaração da Rio+20. Os resultados do evento de Belém ajudarão no posicionamento dos Diálogos Nacionais que serão encaminhados tanto ao governo brasileiro quanto diretamente à ONU e também aos demais parceiros da Green Economy Coalition. Além dessa contribuição ao processo oficial, os resultados irão favorecer também o posicionamento da sociedade civil em suas diversas manifestações autônomas.

Que setores mais se destacaram na mobilização?

Não é possível falar em setores específicos, mas alguns temas já podem ser percebidos como mais presentes na mobilização da sociedade civil em relação à economia verde. Dentre eles, destacamos as questões relacionadas a emprego, energia, água, proteção e uso sustentável das florestas, produção e distribuição de alimentos e questão urbana.

E como o setor produtivo está posicionado nesse tema?

Antes de tudo é preciso entender que o setor produtivo é heterogêneo e inclui tanto pequenos produtores e economia solidária quanto o setor empresarial de diversos portes. No primeiro caso, vemos uma mobilização ainda pequena, mas um grande interesse em que as soluções capazes de fortalecer o tecido social e a capacidade produtiva das bases da sociedade sejam reconhecidas como grandes contribuintes para a economia sustentável e que passem a ter a necessária prioridade nas políticas públicas e de fomento. Pelo lado empresarial, percebemos bastante interesse, mas há um grande risco de reducionismo, ou seja, de as empresas colocarem como soluções sustentáveis qualquer melhoria em sua performance sem considerar as reais implicações de seus processos e produtos. Por exemplo, é absurdo chamar de sustentável um automóvel de uso individual só porque ele utiliza biocombustível e tem alguns de seus componentes recicláveis ou feitos com material reciclado. É preciso rever as soluções de mobilidade urbana, criando negócios capazes de oferecer à população como soluções confortáveis, flexíveis e eficientes de transporte, que sejam compatíveis com os limites do planeta e do próprio espaço urbano.

Considerando o atual estágio dessa discussão aqui no país (e de algumas iniciativas pontuais), o que o Brasil tem a mostrar ao resto do mundo no tema chave da conferência do Rio?

O tema chave da Rio+20 é o desenvolvimento sustentável. Economia verde e governança entram como formas de se viabilizar a ampla aplicação disto. A economia verde deve ser vista não como um objetivo em si, mas como um meio para fortalecimento do desenvolvimento sustentável. A economia verde não existe sozinha, deve servir a objetivos políticos e deve ser guiada por diretrizes escolhidas pela sociedade de acordo com suas prioridades e valores. Para isso, é fundamental uma governança efetiva e democrática. O Brasil tem algumas experiências que caminham nesta direção, como o dos espaços de participação da sociedade civil na formulação e acompanhamento das políticas públicas e também algumas experiências promissoras na área de produção e economia. Entretanto, nenhuma destas pode ainda ser considerada um marco central na organização socioeconômica e política do país. O Brasil precisa mostrar, de um lado, o compromisso em investir e fazer prosperar essas experiências, e por outro lado, demonstrar seu compromisso, eliminando ameaças ao desenvolvimento sustentável e ao seu patrimônio socioambiental. Na prática, isso significa barrar a fragilização do Código Florestal, os projetos energéticos na Amazônia, a exploração e uso incorreto do pré-sal e a falta de segurança de organizações e movimentos sociais, trabalhadores rurais e outros.

*Entrevista ao jornalista Jaime Gesisky

Fonte-Fórum Amazônia Sustentável (12.09.2011)

This post was published on 2 de agosto de 2013

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