Dezesseis projetos de lei em análise no Congresso Nacional buscam reduzir, extinguir ou flexibilizar duas dezenas de unidades de conservação no país.Um deles, se aprovado, pode levar embora, de uma vez, seis parques no Pará que, somados, têm área equivalente à do Estado de Santa Catarina.
CLAUDIO ANGELO
DE BRASÍLIA
Outro quer cortar pela metade um parque em Rondônia onde biólogos acabam de identificar ao menos dez espécies novas para a ciência.Outro, ainda, visa transformar um parque nacional no Maranhão em reserva extrativista, para o benefício da população tradicional _só que não existe população tradicional no lugar.
As iniciativas vão na contramão da meta acordada pelo Brasil na conferência da biodiversidade de Nagoya de expandir para 17% do território as unidades de conservação terrestres e para 10% as marinhas até 2020.Elas se somam a 20 processos já concluídos que nos últimos três anos “comeram” o equivalente a um Rio Grande do Norte em áreas de conservação e terras indígenas só na Amazônia, segundo estudo recente do Imazon.
O ICMBio (Instituto Chico Mendes), órgão responsável pela gestão das áreas protegidas do país, diz que a maioria dos projetos não tem mérito e trabalha no Congresso para derrubá-los.”Não questionamos a legitimidade do Congresso para propor esse tipo de alteração”, disse à Folha o presidente do instituto, Rômulo Mello. Pela Constituição, unidades de conservação federais só podem ter seus limites alterados por lei. “Mas as decisões precisam ser técnicas e não baseadas na vontade de algumas pessoas e tomadas de forma açodada.”
Algumas propostas, porém, resultam de situações criadas por erros do próprio governo federal, que tenta agora fazer acordos para reduzir o prejuízo.O caso mais recente e “sensível”, na definição de Mello é o de um projeto do deputado Carlos Melles (DEM-MG) para reduzir o parque nacional da Serra da Canastra, que abriga a nascente do rio São Francisco.
O parque foi criado há 40 anos com uma área total de 200 mil hectares. Porém, o decreto que classificava a área como de interesse público ou seja, passível de desapropriação para a criação do parque atingia apenas 71 mil hectares.
“Em 20 ou 30 anos, autorizamos agricultura e mineração nos 129 mil hectares restantes”, disse Mello à Folha. “O que está lá não é ilegal. Reconhecemos nosso erro.”Por conta do tal erro, hoje há extensa atividade agrícola e mais de 50 mineradoras dentro do parque, inclusive minas de kimberlito (rocha que abriga diamantes).As montanhas de rejeitos da atividade mineira afetam os cursos d’água que o parque foi criado para proteger.
O projeto de Melles, que será apreciado pela Comissão de Meio Ambiente do Senado, visa excluir 50 mil hectares do miolo do parque e criar em uma área total de 17 mil hectares uma APA (Área de Proteção Ambiental), tipo de unidade de conservação mais permissivo a atividades econômicas.
O ICMBio e o Ministério das Minas e Energia fizeram uma contraproposta: ela exclui 9.000 hectares das minas de diamante e duas vilas instaladas dentro do parque.O restante da mineração e as propriedades rurais, porém, terão de se mudar. “Não é possível ter agricultura em zona de nascentes”, afirmou Mello. Os títulos de mineração de dentro da área já foram suspensos.
Ele diz, porém, que a regularização fundiária do parque será “lenta, gradual e segura”. O ICMBio planeja comprar a única fazenda grande da região e esperar que os pequenos proprietários da Serra da Canastra morram ou se mudem para incorporar o restante.
Procurado pela Folha, o deputado Carlos Melles não havia atendido ao pedido de entrevista até o fechamento desta edição.
“USURPAÇÃO”
Menos sutil é um projeto do deputado Asdrúbal Bentes (PMDB-PA), em análise na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara. Ele quer sustar os efeitos de um decreto presidencial de 2006 que criou 9 milhões de hectares de unidades de conservação na região da BR-163, área de conflito fundiário e grilagem no Pará.
Os seis parques foram criados para evitar que a pavimentação da estrada viesse acompanhada de uma explosão no desmatamento e na grilagem.
Um deles é a Flona (Floresta Nacional) do Jamanxim, que foi palco das operações de apreensão de “bois piratas” pilotadas pelo ex-ministro do Meio Ambiente Carlos Minc. A extinção da Flona é objeto de um outro projeto de lei, do deputado Zequinha Marinho (PSC-PA).”Essas unidades foram criadas ao arrepio da lei”, diz Bentes. “Não houve levantamento fundiário prévio e as audiências públicas foram de fachada.”
O deputado chama o decreto de criação das áreas de “usurpação” do patrimônio do Estado do Pará pela União.”Está cheio de gente lá e não é de hoje. O pobre coitado que vem de outras regiões do Brasil e chega aqui e vê omissão do Estado não tem culpa.”
“Ali na BR-163 estava o maior grilo da Terra”, diz Mello, em alusão ao latifúndio pirata maior que a Bélgica do empresário Cecílio do Rego Almeida, desapropriado para os parques. “A criação das unidades foi um salto histórico para o país.”
Ele diz que está disposto a negociar a cessão de uma 100 mil hectares da Flona do Jamanxim, em troca da incorporação de uma área vizinha.”As pessoas que estão motivando esse projeto são de maior poder aquisitivo, e os deputados colocam que é um anseio da população”, afirma Mello. “Eles querem que 100% dos ocupantes fiquem lá, e isso não é possível.”
This post was published on 1 de agosto de 2013
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