RESUMO EXECUTIVO
O setor madeireiro na Amazônia contribui expressivamente para a economia regional e nacional e para a geração de empregos e bem-estar social. No entanto, enfrenta problemas graves, tal como a baixa qualidade das operações florestais, que ocasionam a degradação e destruição da floresta amazônica. Para resolver esses problemas, a exploração madeireira – um dos principais usos da terra na Amazônia – deve ser praticada de forma sustentável. O manejo florestal é um tipo de exploração de madeira que aplica atividades de planejamento a fim de assegurar a manutenção da floresta para um outro ciclo de corte. Embora a promoção do manejo florestal tenha sido uma das grandes prioridades do PNF (MMA) e diversos programas de pesquisa nessa área tenham sido realizados desde a década de 1990, somente poucas empresas adotaram o manejo florestal nos últimos anos. Este trabalho tem como objetivo principal avaliar as causas dessa adoção ainda incipiente.
O estudo compõe o projeto “Restrições e Oportunidades para a Adoção de Práticas de Manejo em Florestas Amazônicas”, iniciado em 2001 pelo Cifor, cujo objetivo foi investigar os principais fatores limitantes para a adoção de práticas de manejo florestal em três países da bacia amazônica: Brasil, Peru e Bolívia. No Brasil, o projeto foi executado em parceria com o Imazon, a Embrapa e o IFT. O estudo avaliou o estágio de adoção de manejo florestal sustentável por empresas nos Estados do Pará, Mato Grosso e Rondônia (os três Estados da Amazôniacom maior produção madeireira) e buscou os fatores promotores de adoção nas diferentes características das empresas, nas práticas de manejo em si e no ambiente externo às empresas. Para isso, aplicamos questionários junto aos empresários madeireiros e engenheiros florestais de 94 empresas. Em uma subamostra de 27 PMFS sob execução dessas empresas, avaliamos no campo 15 práticas de manejo, as quais abrangiam aspectos de planejamento do manejo, operações de colheita, medidas de proteção, intervenções silviculturais e monitoramento da floresta. Além disso, realizamos diversas reuniões de trabalho (entre 2001 e 2004) com atores-chave do setor florestal, entre eles: empresários, dirigentes do governo, profissionais liberais e ONGs.
O estudo mostrou que empresas madeireiras apresentam caraterísticas bem similares em relação às atividades e tecnologias aplicadas (em geral, correspondentes às práticas aplicadas desde décadas); existe entre as empresas um alto grau de padronização no nível muito baixo. Porém, as empresas situadas em fronteiras antigas (por exemplo, Paragominas no Pará e Sinop no Mato Grosso) mostraram um nível superior de aplicação das práticas de manejo. Ao considerar as práticas selecionadas, em média, a aplicação nestas empresas foi igual a 60, contra 53 nas fronteiras novas (escala 0-100). Surpreendentemente, nas fronteiras intermediárias, a adoção geral foi ainda menor (36). Portanto, há maior probabilidade de investir em manejo florestal nas empresas situadas em fronteiras madeireiras antigas. Entre as razões para esse investimento estão: o maioracesso à informação, o maior nível de controle governamental e a maior disponibilidade de serviços especializados para elaborar e executar os PMFS. A crescente escassez de matéria-prima em fronteiras antigas também influencia positivamente os empresários a investir em manejo, pois esse investimento garantiria a sobrevivência de suas empresas no setor a médio-longo prazo. Por sua vez, nas novas fronteiras (por exemplo, Juína no Mato Grosso e Novo Progresso no Pará), o grau de adoção das práticas de manejo florestal foi significativamente menor. Outros fatores importantes na adoção de manejo empresarial foram: o tipo de mercado consumidor e a pressão exercida pelos compradores; a percepção dos empresários sobre os benefícios do manejo; a segurança fundiária das áreas florestais; e a disponibilidade de tecnologia adequada para o manejo.
A análise revelou que as empresas que exploram de forma mais seletiva –ou seja, exploram áreas com menores estoques de volume– manejaram melhor a floresta. Isso poderia indicar que as empresas mais especializadas na exploração, processamento e comercialização de somente algumas espécies selecionadas também são mais responsáveis em suas operações florestais. Além disso, a contratação de pessoal permanente especializado em vez de engenheiros florestais consultores é um melhor preditor de maiores taxas de adoção. Algumas variáveis, tais como o uso de pessoal contratado, a intensidade de exploração, o número de técnicos na empresa e os investimentos em equipamentos tiveram efeitos positivos na adoção em alguns casos e negativos em outros.
Uma outra observação importante do estudo foi o fato de que há poucos profissionais qualificados nas operações de manejo florestal. Nas áreas estudadas, a grande maioria dos engenheiros florestais apenas elabora os PMFS e não acompanha efetivamente sua execução. Há também um percentual muito baixo de profissionais da exploração florestal que já recebeu algum treinamento formal em práticas de manejo. Além disso, existe uma falta de qualificação da gerência sobre aspectos florestais.
Como esperado, a qualidade das operações em empresas certificadas é muito melhor do que nas empresas não-certificadas. Entretanto, somente se pode esperar tal efeito se de fato a empresa estiver envolvida no processo de certificação; apenas o interesse em certificação ou o envolvimento no mercado de exportação não influencia automaticamente a qualidade das operações. Por exemplo, as empresas envolvidas fortemente no mercado internacional mostraram alto interesse na certificação, porém, isso não teve efeito na qualidade das suas operações.
O estudo revelou que a maioria dos empresários e parte dos engenheiros florestais não tem uma idéia muito clara sobre o que é manejo florestal. Entre as causas desse entendimento limitado estão a falta de informação, a falta de qualificação ou a falta de interese. Contudo, os empresários mostraram fortes opiniões sobre as vantagens e desvantagens do manejo florestal. Por exemplo, a grande maioria concorda que o manejo florestal proporciona uma melhor conservação das florestas exploradas, enquanto uma menor proporção de empresários acredita queas técnicas de manejo diminuem os acidentes de trabalho. Nas fronteiras antigas, uma expressiva proporção de empresários acredita que essas técnicas ocasionam uma redução dos custos operacionais de exploração, enquanto nas outras regiões, o resultado da pesquisa revelou o inverso. A grande maioria dos empresários entrevistados enumerou como principais desvantagens do manejo o alto custo de transação, a excessiva burocracia por parte do Ibama e a competição com a madeira de origem predatória, que é favorecida pela menor pressão governamental sobre os procedimentos de monitoramento. As práticas de manejo florestal requeridas na apresentação dos POAs, tais como o inventário 100% e o planejamento de estradas, apresentaram um grau de adoção em geral superior a 70 em todas as regiões consideradas, enquanto práticas igualmente importantes, porém mais difíceis de monitorar, como o corte direcionado e o arraste controlado, receberam índices de adoção em geral inferiores a 40. Ou seja, ao contrário das afirmações dos gerentes e engenheiros, a avaliação dos PMFS no campo mostrou que somente as práticas obrigatórias por lei e avaliadas no processo de vistoria mostraram uma certa probabilidade de serem adotadas, enquanto as outras práticas, independente dos seus benefícios potenciais e da facilidade de aplicação, são quase completamente ignoradas.
Segundo os resultados deste estudo, existem principalmente quatro fatores que limitam o desenvolvimento do setor e a adoção de técnicas de bom manejo: (i) a falta de profissionalismo; (ii) o enfoque no setor industrial; (iii) a percepção da necessidadede altos investimentos; e (iv) a pouca disponibilidade de capital. Porém, em relação a estes dois últimos fatores, é fundamental considerar que os empresários não dispõem de informações e conhecimentos necessários para avaliar tais parâmetros.
Nas oficinas realizadas com atores da área florestal ficou claro que há um razoável consenso sobre as principais barreiras para a adoção do manejo florestal, em particular: (i) problemas fundiários; (ii) escassez de informação sobre manejo para os empresários e de treinamento em técnicas de manejo; (iii) alto grau de informalidade do setor madeireiro e ineficiências nos sistemas de comando e controle; (iv) falta de incentivos gerais ao manejo florestal; e (v) alto custo de transação de manejo. Porém, nas atividades das oficinas relativas à superação dessas barreiras, houve uma diferença significativa de opinião entre os atores. De maneira geral, os representantes do governo frisaram a carência de recursos financeiros e a falta de pessoal para lidar com os desafios do manejo florestal. Os empresários ressaltaram o seu ceticismo quanto à possibilidade de o governo incentivar eficientemente a adoção de manejo. Por último, o terceiro setor destacou a necessidade de diálogo entre os diferentes atores ao tentar resolver os problemas estruturais do setor florestal. As principais soluções apontadas pelos participantes foram: (i) elaboração de políticas de ordenamento territorial; (ii) simplificação das regras do manejo; (iii) apoio para treinamento dos trabalhadores florestais; (iv) promoção do manejo junto aos empresários; (v) incentivos ao manejo florestal; e (vi) aprimoramento dos sistemas e monitoramento de controle.
O estudo visualizou uma situação preocupante do setor madeireiro. Apesar dos grandes esforços do governo brasileiro e das inúmeras organizações não-governamentais que recebem apoio da comunidade internacional, a exploração de madeira na Amazônia é atualmente extremamente predatória. Ou seja, as empresas não estão adotando as boas práticas de manejo. Porém, o estudou também revelou grandes possibilidades para melhorar a situação, em particular por meio da disseminação de melhores informações, capacitação em todos os níveis, melhora nos regulamentos e no monitoramento pelo governo, maior pressão ao uso ilegal, esclarecimento da situação fundiária e diminuição da burocracia.
APRESENTAÇÃO
O Brasil detém a segunda maior área florestal do mundo (atrás apenas da Rússia), somando cerca de 5,5 milhões de quilômetros quadrados, ou aproximadamente 65% do território (PNF 2004). Desse total, 3,3 milhões de quilômetros quadrados (60% das florestas do Brasil) são florestas tropicais úmidas e estão situadas na Amazônia Legal[1]. Originalmente, a floresta amazônica ocupava 4 milhões de quilômetros quadrados, mas o avanço da fronteira agrícola já removeu cerca de 0,7 milhão de quilômetros quadrados até 2005 (Lentini et al. 2005). A maior parte da área desmatada é destinada à pecuária e, em menor proporção, à agricultura, inclusive grãos (Schneider et al. 2000). A exploração madeireira, embora não seja responsável diretamente pelo desmatamento, catalisa a ocupação desordenada e subseqüente desmatamento ao financiar, por exemplo, a abertura de estradas não-oficiais (Veríssimo et al.1995, Brandão Jr. & Souza Jr. 2004). Para evitar os efeitos negativos da exploração madeireira predatória, vários autores têm prescrito a adoção do manejo florestal (Unced 1992, Veríssimo et al. 1992, Silva et al. 1997, Uhl et al. 1997, Barreto et al. 1998, Holmes et al. 2002).
Diversos programas de pesquisa têm sido realizados desde a década de 1990 para promover a adoção do manejo florestal, com destaque para aqueles desenvolvidos pela Embrapa-Cifor (Moju, Tailândia e Paragominas, Pará), Imazon (Paragominas, Pará), IFT (diversas áreas no Pará e Mato Grosso) e Funtac (Floresta Estadual do Antimary, Acre). Na esfera de políticas públicas, a adoção do manejo florestal é uma das grandes prioridades do PNF, lançado pelo MMA originalmente em 2000 e posteriormente reestruturado na nova administração federal a partir de 2003. Além disso, a promoção do manejo florestal é uma das prioridades dos governos dos Estados do Acre (desde 1999) e Amazonas (a partir de 2003). Entretanto, embora as técnicas de manejo florestal tenham sido intensivamente aprimoradas na Amazônia brasileira nas duas últimas décadas, os avanços na sua adoção pelas empresas madeireiras ainda são modestos.
Nesse contexto, o Cifor iniciou em 2001 o projeto “Restrições e Oportunidades para a Adoção de Práticas de Manejo em Florestas Amazônicas”, cujo objetivo foi investigar os principais fatores limitantes para a adoção de práticas de manejo florestal em três países da bacia amazônica: Brasil, Peru e Bolívia, a fim de subsidiar políticas públicas, especialmente aquelas relacionadas ao arcabouço legal do manejo florestal. No Brasil, o projeto foi executado em parceria com o Imazon, Embrapa e IFT. O estudo no Brasil abordou aspectos relacionados ao manejo florestal empresarial nos três principais Estados produtores de madeira da Amazônia: Pará, Mato Grosso e Rondônia. Nesses Estados, aplicamos questionários junto aos empresários madeireiros e engenheiros florestais e, em uma amostra dessas empresas, fizemos visitas de campo aos PMFS sob execução. Além disso, discutimos os resultados do estudo em diversas reuniões de trabalho (entre 2001 e 2004) com atores-chave do setor florestal, entre eles: empresários, dirigentes do governo, profissionais liberais e ONGs.
Esta publicação é uma síntese dos principais resultados do estudo “Manejo Florestal Empresarial na Amazônia Brasileira: Restrições e Oportunidades” (Sabogal et al. 2005), cuja versão completa pode ser obtida na página eletrônica do Cifor (http://www.cifor.cgiar.org/brazil) e do PNF (www.mma.gov.br/pnf). O documento é destinado a tomadores de decisão no setor público, empresarial, comunitário e ambiental.
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1 A Amazônia Legal incorpora à Amazônia continental brasileira áreas dos Estados do Maranhão, Tocantins e Mato Grosso. Em decorrência disso, possui área aproximada de 5 milhões de quilômetros quadrados, que equivalem a dois terços do território brasileiro. Seus principais ecossistemas são floresta densa, mata de igapó, várzea e cerrado.
1. INTRODUÇÃO
O Setor Florestal na Amazônia
Na Amazônia brasileira, o setor madeireiro consumiu 24,5 milhões de metros cúbicos de madeira em tora em 2004 (Lentini et al. 2005). A região é a segunda maior produtora mundial de madeira tropical do mundo, atrás apenas da Indonésia (FAO 2005). A exploração madeireira é um dos principais usos da terra na Amazônia; o setor gera uma renda bruta anual de US$ 2,3 bilhões (Lentini et al. 2005) (Quadro 1).
Apesar dos bons indicadores econômicos, ainda persistem problemas estruturais no setor madeireiro. Do ponto de vista social,os 380 mil empregos gerados por esse setor são em geral de baixa qualidade; 60% da exploração da região é feita por terceiros ou “toreiros” como são mais conhecidos. Essa terceirização tem gerado maior informalidade e, em muitos casos, maior ilegalidade na exploração florestal. Além disso, a quantidade de conflitos agrários com as comunidades tradicionais registrados tem sido crescente. Em grande parte, esses conflitos são provocados por fazendeiros ou madeireiros ilegais (CPT 2005). Um dos problemas mais graves do setor madeireiro é a baixa adoção de manejo florestal. Embora o manejo tenha avançado na Amazônia, a maioria (62%) da exploração ainda é realizada de forma predatória (Ibama 2005, Lentini et al. 2005). Os 38% restantes da produção de madeira provêm de PMFS, contudo, como veremos neste trabalho, tais operações demonstram um baixo nível de adoção das práticas de manejo florestal.
Atualmente, o setor madeireiro na Amazônia brasileira é caracterizado por uma situação paradoxal. De um lado, o setor sofreu a maior crise da história com o cancelamento de centenas de PMFS (principalmente por problemas fundiários e burocráticos, ou seja, atraso na aprovação dos planos). E essa crise representa graves conseqüências socioeconômicas para a região. Por outro, a recente aprovação do Projeto de Lei de Gestão de Florestas Públicas oferece uma oportunidade única para uma reforma ampla no setor madeireiro e um importante estímulo para a adoção do manejo florestal.
Conceitos de Manejo Florestal
Neste estudo, avaliamos as boas práticas de manejo florestal. Mas, o que se entende por boas práticas? Inicialmente, é importante diferenciar entre os diferentes conceitos usados no âmbito do uso da floresta comercial na Amazônia (Tabela 1).
Assim, o termo manejo florestal possui várias implicações. Por exemplo, manejo florestal é um tipo de exploração madeireira realizada de forma planejada. Ou seja, ao contrário da exploração convencional, o manejo aplica atividades de planejamento a fim de assegurar a manutenção da floresta para um outro ciclo de corte. Para alcançar esse objetivo, o manejo florestal, em relação à EIR, também monitora o desenvolvimento da floresta e aplica tratamentos silviculturais. O manejo florestal sustentável, por sua vez, inclui adicionalmente atividades para assegurar a compatibilidade social do uso florestal[3].
Além dos termos técnicos apresentados acima, há conceitos legais como PMFS e certificação que dependem da aprovação de uma auditoria externa realizada por organizações governamentais – no caso de PMFS – ou não-governamentais no caso da certificação. O que essas organizações aprovam depende das suas normas. O Ibama, por exemplo, aprova a legalidade do uso, inclusive o cumprimento das normas técnicas definidas, que atualmente correspondem à exploração planejada. O FSC aprova o cumprimento de seus próprios princípios, que estão relacionados ao conceito de manejo florestal sustentável. Muitas vezes, um objetivo importante para as empresas é alcançar a certificação por meio da aplicação das técnicas de EIR, contudo, a certificação também engloba aspectos sociais. Este estudo trata de manejo florestal em PMFS caracterizado pela aplicação das técnicas de EIR.
Diversos trabalhos indicam uma certa superioridade técnica e melhor rentabilidade das práticas de manejo florestal em comparação à exploração sem planejamento (Barreto et al. 1998, Amaral et al. 1998, Holmes et al. 2000). As boas práticas de manejo são aquelas que requerem um planejamento detalhado da exploração, o que resulta em maiores investimentos em mão-de-obra. Porém, esses custos adicionais são parcialmente compensados e até excedidos pelo uso mais efetivo de máquinas, diminuição de desperdícios e menores danos ambientais (recuperação mais rápida das florestas) (Barreto et al. 1998, Amaral et al. 1998, Holmes et al. 2000, Pokorny e Steinbrenner 2005).
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3 O manejo florestal sustentável é definido como a “administração da floresta para a obtenção de benefícios econômicos, sociais e ambientais, respeitando-se os mecanismos de sustentação do ecossistema objeto do manejo e considerando-se, cumulativa ou alternativamente, a utilização de múltiplas espécies madeireiras, de múltiplos produtos e subprodutos não-madeireiros, bem como a utilização de outros bens e serviços de natureza florestal”(MMA/PNF 2005, Projeto de Lei 4.776).
A Exploração Madeireira Legal na Amazônia
A madeira em tora explorada na Amazônia pode ser adquirida legalmente pelas empresas madeireiras por meio de PMFS ou Autorizações de Desmatamento. Segundo o Código Florestal (Lei 4771/1965, modificada pela Lei 7.803/1.989), complementado pela Medida Provisória 2.166-65/2001, o desmatamento está restrito a 20% da área das propriedades rurais localizadas na Amazônia Legal (exceto para as áreas de cerrado situadas nessa região). Em 2004, o Ibama autorizou 4,7 milhões de metros cúbicos (19%) por meio de Autorizações de Desmatamento (Ibama 2005).
O Ibama autorizou em 2004 a exploração de cerca de 9,4 milhões de metros cúbicos de madeira em tora (38% do consumo total da região) por meio de PMFS, o que corresponde a 3,2 milhões de hectares de florestas manejadas aprovadas[4], dos quais 40% eram certificados pelo FSC[5] (FSC Brasil 2005). A maioria dos PMFS existentes na Amazônia surgiu devido a exigências legais e normativas e o restante por causa da pressão de mercado quanto às exigências da certificação florestal.
Entretanto, a qualidade das operações manejadas na região era baixa. Em 1995, um levantamento conduzido por pesquisadores da Embrapa Amazônia Oriental (Silva et al. 1997) já alertava para a implantação pouco efetiva de técnicas adequadas nas operações aprovadas pelo Ibama. Ao longo deste trabalho, demonstraremos que essa realidade não é diferente da que pode ser presenciada nos tempos atuais.
A IN do Ibama n°4 (2002) é o principal instrumento regulador do manejo florestal na Amazônia. Até o final de 2005, novas regras estavam sendo discutidas pelo MMA, Ibama e diversos setores da área florestal. A Instrução requer o censo das árvores a serem exploradas, exceto para os sistemas tradicionais de exploração mencionados (< 10 m3/ha). Também procura diminuir o tempo de transação do manejo – reguladoem até 60 dias para a aprovação do PMFS –, no entanto, na prática esse prazo não tem sido aplicado. De acordo com esse instrumento, as práticas obrigatórias de manejo são: (i) inventário 100%; (ii) delimitação da Área de Manejo Florestal (AMF) e das UPAs; (iii) planejamento de estradas e ramais de arraste; (iv) corte planejado; (v) arraste controlado; (vi) monitoramento do crescimento da floresta; e (vii) manutenção da infra-estrutura. Regras complementares mais recentes[6] transferem grande parte da responsabilidade da condução dos PMFS aos engenheiros florestais. Esses engenheiros, responsáveis pela elaboração dos planos, devem apresentar ao Ibama uma declaração do seu acompanhamento e avaliação.
O restante da madeira em tora produzida na região (43%) – igual a 10,4 milhões de metros cúbicos – está sendo em grande parte explorado ilegalmente, seja de terras devolutas, Unidades de Conservação ou mesmo de áreas privadas para o posterior estabelecimento de atividades agropecuárias. Não está incluída nesse cálculo a madeira oriunda das Autorizações de Desmatamento emitidas pelas Oemas (Lentini 2005).
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4 Tasso Azevedo, Diretor do PNF, comunicação pessoal.
5 Forest Stewardship Council ou Conselho de Manejo Florestal. Criado em 1993 e em operação no Brasil desde 1996, o FSC é o sistema de certificação florestal de maior credibilidade e reconhecimento de mercado existente.
6 Portaria Ibama n°. 19 (2003).
2. ÁREA DE ESTUDOS E MÉTODOS
Os levantamentos de campo foram realizados entre 2001 e 2003 nos Estados do Pará, Mato Grosso e Rondônia, onde ocorre a grande maioria (93%) da produção madeireira da Amazônia (Lentini et al. 2005). Em cada Estado, consideramos três microrregiões distintas pertencentes a diferentes fronteiras madeireiras de acordo com Veríssimo et al. (2002). Hipotetizamos que o nível de adoção das práticas de manejo em cada fronteira apresenta diferenças devido a fatores como acesso à informação, assistência técnica, grau de monitoramento governamental etc. Dessa forma, em cada Estado, selecionamos microrregiões inseridas em fronteiras madeireiras antigas, intermediárias e novas (Figura 1)[7].
Paragominas (PA) e Sinop (MT) são as duas regiões na Amazônia mais emblemáticas das antigas fronteiras. Paragominas hoje detém 72 empresas e consome anualmente pouco mais de 1,1 milhão de metros cúbicos de madeira em tora (Lentini et al. 2005), contudo a economia local sofre com os efeitos negativos da exaustão das florestas (Moreira et al. 2006). Sinop é um caso diferente. O pólo ainda detém 172 empresas que consomem anualmente 1,7 milhão de metros cúbicos (Lentini et al. 2005) e passa por um momento único em sua história diante do sucesso econômico da agropecuária, principalmente soja. Investimentos industriais no setor madeireiro e boas condições de infra-estrutura foram até o momento capazes de evitar o colapso local do setor.
Nas novas fronteiras, como Juara/Juína (MT) e Novo Progresso (PA), a maior parte das variáveis que poderiam justificar investimentos expressivos em manejo se encontra ausente. A região de Novo Progresso se destaca pelo rápido crescimento do setor madeireiro, o qual consumia em 1998 cerca de 300 mil metros cúbicos e em 2004 alcançava a marca dos 1,1 milhão de metros cúbicos (Lentini et al. 2005). Existe, entretanto, uma variável que pode influir positivamente nesse caso: o mercado. Mais da metade da madeira processada na região de Novo Progresso é exportada, e espera-se que gradativamente as pressões dos compradores externos estimulem investimentos privados em manejo e certificação florestal.
As fronteiras intermediárias apresentam previsivelmente condições intermediárias entre as fronteiras antigas e recentes. Pólos madeireiros como Altamira (PA) e Alta Floresta e Paranaíta (MT) começam a enfrentar escassez de matéria-prima concomitantemente à melhoria das condições locais de infra-estrutura, acesso à informação e serviços especilizados. Entretanto, surpreendentemente, conforme veremos no restante deste trabalho, tais fatos não implicaram em um maior nível de adoção das práticas de manejo.
O levantamento foi dividido em três fases (Tabela 2). Na primeira, realizamos entrevistas com empresários, gerentes de exploração e engenheiros florestais (n = 94), bem como fizemos uma rápida caracterização das regiões selecionadas. Os objetivos foram (i) compreender a percepção dos atores e seu nível deentendimento relacionados ao bom manejo e (ii) identificar os principais fatores limitantes econômicos, legais e institucionais para a sua adoção. Na segunda fase, conduzimos uma avaliação expedita em PMFS para identificar o nível de adoção das práticas em uma subamostra da primeira fase (n = 27). Finalmente, em uma terceira fase, apresentamos os resultados obtidos em uma consulta a diferentes atores da área florestal para coletar impressões sobre os principais limitantes à adoção das práticas de manejo. Tal consulta foi realizada em oficinas com os atores-chave em Belém (PA), Cuiabá (MT) e Brasília (DF).
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7 O conceito de fronteiras madeireiras leva em consideração os diferentes tipos de florestas (abertas e densas), o tempo de abertura da fronteira e as condições de acesso ao recurso florestal e infra-estrutura (estradas, rios).
Entrevistas com Empresários
Conduzimos 94 entrevistas com empresários utilizando um questionário para obter as seguintes informações: (i) dados gerais da empresa (consumo, produção, porte, empregos, origem da matéria-prima, mercado); (ii) dados do empresário (experiência no setor, liderança exercida, origem); (iii) qualificação e treinamento das equipes de exploração, equipamentos utilizados na exploração; (iv) situação atual dos PMFS; (v) impressões sobre as vantagens e desvantagens do manejo florestal; e (vi) percepções quanto aos custos do manejo, investimentos recentes nas indústrias e áreas florestais e interesse em certificação florestal.
A maioria dos empresários madeireiros entrevistados é oriunda do Sul e Sudeste do país e, em média, trabalha no setor madeireiro há 18 anos. Nas novas fronteiras, os empresários comumente exercem algum tipo de liderança política local expressiva. A maior parte dos empresários citou como principais fontes de acesso a informações sobre manejo os sindicatos patronais, técnicos do Ibama e materiais técnicos providos por diversas instituições (Quadro 2)[8].
As empresas situadas nas antigas fronteiras foram instaladas a partir da década de 1970. Nas fronteiras intermediárias, a instalação de empresas começou na década de 1980, enquanto nas novas fronteiras, o ponto inicial foi a década de 1990. Outra diferença observada é o fato de que as indústrias situadas nas fronteiras antigas em geral são maiores do que as indústrias nas novas fronteiras. Freqüentemente, nas fronteiras antigas há também maiores investimentos em equipamentos de exploração (como skidder e trator de esteiras) em comparação às fronteiras recentes, onde ainda são comuns sistemas que utilizam tratores agrícolas adaptados. Outro fato interessante é que nas fronteiras antigas a maior parte das empresas optou por executar a exploração florestal. Ao contrário, nas novas fronteiras, é mais comum a prática de comprar matéria-prima de terceiros, os chamados “toreiros”.
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8 Nota de precaução: Ver estudos como Veríssimo et al. (2002) e Lentini et al. (2003, 2005) para informações mais detalhadas sobre a caracterização das empresas madeireiras.
Avaliações de Campo
Vinte e sete das empresas visitadas foram analisadas mais profundamente. Conduzimos entrevistas com os encarregados e gerentes de exploração e registramos as percepções dos operadores (motosserristas, tratoristas) sobre as práticas de manejo florestal. O levantamento incluiu a verificação de documentos como PMFS, POA, mapas e fichas de campo. Um conjunto de 12 boas práticas , tais como práticas operacionais que contribuem para a sustentabilidade da floresta (redução de danos, manutenção da produção e dos serviços ambientais, aumento da produtividade etc.) foi definido como base para a avaliação da qualidade das operações florestais. Não se incluíram nessa definição as práticas gerenciais ou empresariais como, por exemplo, aquelas relacionadas com a forma de suprimento de madeira, ou beneficiamento e comercialização. Em particular, uma equipe de pesquisadores qualificados avaliou no campo o nível de adoção das seguintes práticas: inventário 100%, corte de cipós pré-exploratório, planejamento e construção das estradas e pátios, planejamento do arraste, corte com queda planejada, proteção das árvores matrizes, proteção das árvores de colheita futura, arraste controlado, respeito às UPAs, proteção da AMF, respeito às APPs, controle da caça na área de manejo,monitoramento do crescimento da floresta e tratamentos silviculturais (ver detalhes no Anexo)[9].
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9 As práticas de manejo são adotadas em diferentes níveis, considerando-se fatores como a facilidade de implementação, benefícios gerados e grau de monitoramento governamental sobre sua aplicação. Detalhes a respeito dos diferentes elementos mensurados na avaliação de campo podem ser vistos no relatório completo do estudo, disponivel em http://www.cifor.cgiar.org/brazil. Neste trabalho, apresentaremos apenas uma avaliação geral da adoção das práticas de manejo pelas empresas amostradas.
Consulta a Atores da Área Florestal
No período de maio a novembro de 2004, realizamos três oficinas, respectivamente, em Belém (PA), Cuiabá (MT) e Brasília (DF). O principal objetivo dessas oficinas foi obter comentários e sugestões dos participantes sobre os resultados preliminares do estudo com ênfase nos aspectos ligados à legislação e fiscalização, tecnologia e mercado, e assistência técnica e treinamento. Participaram ao total 78 pessoas entre profissionais liberais com atuação na área florestal, empresários, técnicos e gestores governamentais e de órgãos de desenvolvimento regional[10].
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10 As seguintes instituições, entre outras, participaram destas oficinas: PNF/MMA, Ibama (Pará, Mato Grosso, Rondônia, sede federal), Uniflor, Cifor, Embrapa, Imazon, IFT, Fiepa, Fiemt, Amef.
3. RESULTADOS
Percepções do Setor Madeireiro
As entrevistas mostraram que os seguintes fatores são importantes na adoção de manejo empresarial: (i) disponibilidade de serviços de assistência técnica e treinamento nas regiões amostradas; (ii) tipo de mercado consumidor e pressão exercida pelos compradores; (iii) percepção dos empresários sobre os benefícios do manejo; (iv) segurança fundiária das áreas florestais; (v) abundância de florestas em um raio econômico das empresas e distância média de exploração; (vi) nível de imposição legal na adoção das práticas e percepção sobre ações de comando e controle da atividade madeireira; (vii) investimentos feitos pelos empresários para realizar manejo; e (viii) disponibilidade de tecnologia adequada para manejo.
(i) Assistência técnica e serviços especializados. Embora na maioria das regiões do interior da Amazônia brasileira exista abundância de mão-de-obra, raramente encontram-se disponíveis profissionais com alto nível de qualificação. Para algumas práticas, por exemplo, planejamento e inventário 100%, essa qualificação é vital ao bom manejo. Em todas as regiões amostradas, as empresas declararam possuir engenheiros atuando na exploração. Entretanto, na grande maioria dos casos, os engenheiros apenas elaboram os PMFS e não acompanham efetivamente sua execução. Nesse sentido, um profissional eficiente, segundo os empresários, em algumas situações é umengenheiro que consegue rapidamente a aprovação dos PMFS junto aos escritórios regionais do Ibama (e os empresários fazem poucas exigências quanto à qualificação desses profissionais). Há também um percentual muito baixo de profissionais da exploração florestal que já recebeu algum treinamento formal em práticas de manejo. Apenas nas antigas fronteiras, especificamente nos pólos de Paragominas e Sinop, observamos a presença desse tipo de treinamento (Tabela 3).
(ii) Tipo de mercado consumidor e pressão exercida pelos compradores. Há uma relação direta entre o percentual da produção que é exportada pelas empresas em cada região estudada e o interesse dos empresários por manejo e certificação (Figura 2). A pressão do mercado consumidor pode ser particularmente importante nas novas fronteiras madeireiras emergentes, como é o caso de Novo Progresso, onde os demais fatores aparentemente não têm contribuído positivamente para incentivar as empresas a investir em manejo florestal.
(iii) Percepção dos empresários sobre os benefícios e custos do manejo e (iv) segurança fundiária das áreas florestais. Apresentamos três resultados na Tabela 4. Primeiro, quase a totalidade dos empresários entrevistados concorda que o manejo florestal proporciona uma melhor conservação das florestas exploradas. Entretanto, o percentual de entrevistados que acredita que tais técnicas geram uma diminuição deacidentes de trabalho é bem menos expressivo. Apenas nas antigas fronteiras uma significativa proporção dos empresários (54%) acredita que as técnicas de manejo proporcionam uma redução dos custos operacionais de exploração. Outros itens menos citados foram a menor pressão governamental para a adoção dessas práticas e o acesso a mercados mais seletivos. Segundo, mais de três quartos dos empresários consideram que a principal desvantagem do manejo é o alto custo de transação, ou a demora na aprovação dos PMFS. A competição com a madeira de origem predatória é outro importante fator para os empresários nas antigas fronteiras. Os empresários acreditam ainda que as principais razões econômicas que levam o manejo a ser pouco atrativo são os altos investimentos requeridos em terras, na capacitação de equipes ou na compra de equipamentos. Terceiro, a falta de segurança fundiária não é um dos principais limitantes à adoção de manejo nas fronteiras antigas e intermediárias. Entretanto, nas novas fronteiras, 64% dos empresários citaram-na como um dos principais entraves.
(v) Abundância de florestas em um raio econômico das empresas. Não realizamos uma análise específica para determinar o nível de abundância de florestas exploráveis próximas às regiões amostradas. Entretanto, diversos estudos sobre a indústria madeireira (Stone 1997, Veríssimo et al. 2002, Lentini et al. 2003 e 2005) têm sistematicamente documentado que a escassez de matéria-prima para as indústrias segue um gradiente decrescente entre as fronteiras novas-intermediárias-antigas; os pólos madeireiros das fronteiras antigas vêm sofrendo nos últimos anos os efeitos do colapso da atividade madeireira devido à escassez de madeira em tora (Schneider et al. 2000).
(vi) Nível de imposição legal na adoção das práticas e percepção sobre ações de comando e controle da atividade madeireira. Aproximadamente um terço dos empresários acredita que uma das vantagens da adoção de manejo é a menor pressão governamental nos procedimentos de monitoramento (ver Tabela 4). Além disso, a metade dos empresários nas fronteiras antigas e intermediárias acredita que o governo acentuará o controle sobre a atividade madeireira no curto prazo. Por outro lado, nas novas fronteiras, essa proporção atinge 95% dos entrevistados (Tabela 5).
(vii) Investimentos feitos pelos empresários para realizar manejo. Em geral, os empresários não realizaram investimentos significativos na exploração florestal em 2001-2002. Apenas um terço dos entrevistados havia investido em contratação ou treinamento de equipes, regularização fundiária ou compra de áreas florestais em todas as regiões estudadas. Entretanto, grande parte dessas empresas já possui alguns equipamentos mais adequados às práticas florestais manejadas. De fato, cerca de 60% das empresas possuem tratores skidder para realizar a extração madeireira (Tabela 5).
(viii) Disponibilidade de tecnologia adequada para manejo. As entrevistas revelaram a falta de um bom entendimento sobre o que é manejo por parte não somente dos empresários, mas também dos engenheiros florestais. Entende-se que manejo corresponde a apenas “exploração legal”, ou seja, aquela que inclui a exigência de um PMFS. Além disso, houve uma tendência de associar o manejo com a certificação, o que revelou também o pouco entendimento sobre o que significa certificação. Conseqüentemente, opiniões sobre assuntos mais específicos, tais como as diferentes atividades da EIR, os seus custos e benefícios e requerimentos resultaram em informações erradas ou muito vagas. Por exemplo, quando aplicamos as questões referentes à percepção dos custos do manejo, muitos empresários demonstraram dificuldades em discriminá-los em categorias ou em etapas, razão pela qual obtivemos um baixo número de respostas. A grande maioria dos empresários possui apenas uma idéia geral sobre os custos do manejo. Desse fato resulta a importância de sistematicamente melhorar o nível da informação sobre o manejo, bem como a capacidade de usá-la.
A Avaliação no Campo
O estudo detectou uma alta discrepância entre os resultados das entrevistas com gerentes e engenheiros e as observações no campo. Segundo as informações dadas pelos gerentes e engenheiros, quase todas as práticas de bom manejo foram implementadas nos PMFS, enquanto a avaliação no campo gerou uma visão bem diferente. Esta revelou que as práticas não obrigatórias por lei, independente dos seus benefícios potenciais e da sua facilidade de aplicação, são quase completamente ignoradas. Assim, considerar exclusivamente as opiniões das empresas e dos engenheiros pode gerar impressões erradas sobre a qualidade das operações florestais.
Em particular, na avaliação de campo dos PMFS, as empresas situadas em fronteiras antigas mostraram um nível superior de aplicação das práticas de manejo. Ao considerar as práticas selecionadas, em média, a aplicação nessas empresas foi igual a 60, contra 53 nas fronteiras novas (escala 0-100) (Tabela 6). Surpreendentemente, nas fronteiras intermediárias, a adoção geral foi ainda menor (36). Entretanto, um cenário bastante diferente pode ser observado quando consideramos apenas algumas “práticas-chave” para a efetiva implantação da EIR. Práticas como inventário 100% e planejamento de estradas, requeridas na apresentação dos POAs ao Ibama, apresentaram grau de adoção em geral superior a 70 em todas as regiões consideradas. Mas práticas igualmente importantes a serem implementadas em campo, entretanto mais difíceis de monitorar, como corte direcionado e arraste controlado, tiveram índices de adoção em geral inferiores a 40. Isso demonstra que fatores como a obrigatoriedade legal, associada à facilidade de monitoramento das práticas, podem ser relativamente importantes na implantação do manejo florestal, independentemente de outros fatores intrínsecos às empresas e fronteiras madeireiras.
Análise dos Fatores-Chave para a Adoção das Boas Práticas de Manejo
A Tabela 7 resume os resultados da análise multivariada realizada para detectar os fatores-chave para adoção das boas práticas de manejo. Os fatores foram classificados pela sua influência nas taxas de adoção e pela direção dessa influênciaem: (i) fatores associados de forma positiva e consistente com as taxas de adoção de várias práticas; (ii) fatores associados de forma negativa e consistente com as taxas de adoção; e (iii) fatores que tiveram sinais mistos.
Das informações descritas na Tabela 7 derivam-se os seguintes resultados e interpretações importantes:
• O fator mais influente para a adoção das boas práticas de manejo foi a localização das empresas. Ou seja, empresas localizadas nas fronteiras antigas mostraram um nível significativamente maior de adoção do que as empresas situadas nas fronteiras novas. Uma possível interpretação desse resultado é o fato de as empresas na fronteira novaterem acesso a florestas com maior volume e mais espécies, o que acarretaria uma menor percepção da escassez de florestas. A área explorada anualmente (área da UPA) está correlacionada positivamente com a taxa de adoção, enquanto o volume total explorado não possui essa mesma correlação. Parece, então, que as empresas que exploram de maneira mais seletiva (ou, exploram áreas com menores estoques de volume) também manejaram melhor a floresta. Isso poderia indicar que as empresas mais especializadas na exploração, processamento e comercialização de somente algumas espécies selecionadas também são mais responsáveis nas suas operações florestais. Essa hipótese parece justificar-se pela variável “volume médio explorado por hectare”. Um maior volume médio por hectare está associado com uma menor adoção de várias práticas.
• A localização (idade da fronteira em que a empresa se localiza) e o período em que essa empresa atua na atividade florestal também têm uma grande influência no nível de adoção das boas práticas de manejo. Aparentemente, o aumento das taxas de adoção observado nas fronteiras mais antigas não é devido à aquisição de experiência no negócio florestal, mas a outras características das fronteiras antigas, tais como: melhor acesso à informação, sentido crescente da escassez de florestas, aumento da fiscalização etc.
• As variáveis relacionadas com investimentos têm, em geral, efeitos positivos nas taxas de adoção. Por exemplo, investimentos no treinamento dos trabalhadores florestais, melhoria da sua segurança e reflorestamento estão relacionados com maiores taxas de adoção. Claramente, todos esses investimentos indicam a preocupação da empresa com o seu futuro e uma maior seriedade no negócio.
• A análise estatística sugeriu que a contratação permanente de trabalhadores e técnicos especializados é um melhor preditor de maiores taxas de adoção do que o envolvimento de engenheiros florestais. Ao contrário, o número de engenheiros consultores possui uma correlação negativa com a adoção de boas práticas de manejo. Isso poderia ser explicado pelo fato de que engenheiros florestais muitas vezes não estão diretamente envolvidos nas operações florestais, mas trabalham principalmente em assuntos administrativos, como a elaboração dos PMFS, negociações com o Ibama e preparação dos POAs.
• Algumas variáveis, tais como o uso de pessoal contratado, a intensidade de exploração, o número de técnicos na empresa e os investimentos em equipamentos tiveram efeitos positivos na adoção em alguns casos e negativos em outros. Aparentemente existem outras variáveis com forte influência não consideradas na análise. Essa observação indica a necessidade de estudos ainda mais detalhados.
Percepção dos Atores-Chave sobre os Fatores Limitantes e as Oportunidades para o Manejo Florestal
Nas várias oficinas realizadas para discutir os resultados apresentados acima, os atores-chave expressaram um razoável consenso sobre os principais limitantes ao manejo. Na opinião dos atores-chave consultados, os principais entraves ao avanço no manejo florestal na Amazônia brasileira são (Quadro 3): (i) problemas fundiários, como a falta de regularização einsegurança sobre a posse da terra; (ii) escassez de informação disponível aos empresários sobre manejo e de treinamento em técnicas de manejo aos trabalhadores da floresta, técnicos governamentais e profissionais liberais; (iii) alto grau de informalidade do setor madeireiro e ineficiências nos sistemas de comando e controle, o que torna a madeira de origem ilegal e predatória relativamente barata; (iv) falta de incentivos gerais ao manejo florestal, inclusive falta de linhas de crédito específicas e instrumentos econômicos de apoio; e (v) alto custo de transação de manejo, o que implica em excesso de burocracia e regras pouco flexíveis.
Nessas oficinas, de maneira geral, os representantes do governo frisaram a carência de recursos financeiros e a falta de pessoal para lidar com os desafios do manejo. Os empresários ressaltaram o seu ceticismo em relação à possibilidade de o governo incentivar de forma eficiente a adoção de manejo. E, finalmente, o terceiro setor destacou a necessidade de diálogo entre os diferentes atores para resolver os problemas estruturais do setor florestal. As principais soluções apontadas pelos participantes foram políticas de ordenamento territorial e simplificação das regras do manejo, apoio aos treinamentos dos trabalhadores florestais, promoção do manejo junto aos empresários, incentivos ao manejo florestal e aprimoramento dos sistemas de monitoramento e controle.
De maneira geral, as soluções apontadas pelos participantes podem ser agrupadas em quatro categorias principais: (i) políticas de resolução de problemas estruturais e institucionais ligadas ao manejo, inclusive ordenamento territorial (zoneamento, criação e concessão de florestas públicas, regularização fundiária) e simplificação das regras do manejo, tal como desburocratização dos procedimentos e diminuição dos custos de transação; (ii) avanços na qualidade técnica dos atores diretamente envolvidos no manejo, o que inclui treinamento dos trabalhadores florestais e promoção do manejo junto aos empresários; (iii) incentivos ao manejo florestal, como linhas de crédito específicas, instrumentos econômicos de apoio e taxação da madeira de origem predatória; e (iv) aprimoramento dos sistemas de monitoramento e controle, o que implica numa divisão mais clara de competências entre o Ibama e as Oemas e na responsabilização mais ativa dos profissionais liberais por irregularidades nos PMFS.
4. CONCLUSÃO
Baixo Nível de Adoção
Maior adoção nas fronteiras antigas. De maneira geral, as fronteiras antigas (regiões de Paragominas – PA, Sinop – MT e Vilhena – RO) apresentaram uma adoção das práticas de manejo florestal ligeiramente superior em relação às outras fronteiras. As empresas localizadas em fronteiras antigas apresentam algumas características que podem explicar o maior nível de adoção de manejo. Entre elas estão: (i) em média, são empresas maiores, o que poderia permitir maiores investimentos em equipamentos e pessoal qualificado, além de ser comum o fato de tais empresas manterem equipes próprias; (ii) há algum nível, embora ainda incipiente, de treinamento de equipes florestais e maior nível de acompanhamento técnico por engenheiros florestais; (iii) os empresários possuem uma percepção mais acurada dos benefícios ambientais (menores impactos), sociais (diminuição de acidentes) e econômicos (redução de custos) das práticas de manejo; (iv) há maior escassez de matéria-prima nessas regiões e, portanto, pode haver maior preocupação com a conservação dos remanescentes florestais comerciais; (v) os empresários percebem maior segurança fundiária nessas regiões em relação a empresários de fronteiras mais recentes; (vi) uma porção significativa das empresas possui equipamentos adequados para fazer manejo; e (vii) boa parte dos empresários sente que o manejo pode aliviar a pressão do governo em relação à fiscalização e acredita que o comando e o controle sobre a atividade madeireira serão acentuados a curto e médio prazo.
Importância do marco legal. A adoção das práticas aparenta ter seguido um padrão devido ao seu grau de monitoramento pelo governo. Práticas de fácil monitoramento e estritamente exigidas, como inventário 100%, foram adotadas em larga escala independente da região (o censo florestal é exigido durante a aprovação dos POAs). Já práticas igualmente importantes para a efetiva implantação do manejo, porém menos monitoradas (como queda direcionada e arraste controlado), tiveram uma adoção bastante inferior. Os empresários que participaram deste estudo sentem fortemente que o nível de comando e controle sobre a atividade madeireira será intensificado no futuro próximo.
O setor é muito conservador. As empresas apresentaram caraterísticas bem similares em relação às atividades e tecnologias aplicadas, que geralmente correspondem às práticas aplicadas desde décadas. Existe um alto grau de padronização no nível muito baixo. Tecnologias mais efetivas para aumentar a produtividade e diminuir desperdícios tanto nas operações florestais como nas serrarias são ignoradas por grande parte das empresas. Assim, somente uma pequena parte das empresas modificou a base para melhorar o seu trabalho por meio da contratação e treinamento de equipes (engenheiros, técnicos etc.), da compra de áreas florestais e de reflorestamentos. Contudo, isso ocorreu com grandes diferenças entre as regiões.
Escassez de pessoal qualificado. Embora na maioria das regiões do interior da Amazônia exista abundância de mão-de-obra, raramente encontram-se disponíveis profissionais com alto nível de qualificação. Para algumas práticas, como inventário 100% e planejamento da infra-estrutura e das trilhas de arraste, essa qualificação é vital ao bom manejo. Observamos a presença de treinamento formal apenas nos pólos de Paragominas e Sinop. Nas áreas de maior envolvimento das indústrias com as florestas, há maior disponibilidade de serviços vitais ao manejo e percepções positivas dos proprietários sobre esses serviços. Nesse contexto, os resultados sugerem que há um gradiente decrescente no sentido leste-oeste no caso do Pará e no sentido centro-norte-noroeste no Estado de Mato Grosso.
Poucas informações e conhecimentos nas empresas. Um dos resultados mais interessantes do estudo é o fato de que, ao contrário das nossas expectativas em relação ao setor privado, a rentabilidade não é o principal objetivo que guia as empresas em suas decisões. Isso porque os empresários não dispõem de informações e conhecimentos necessários para avaliar esse parâmetro. Eles não sabem o que significa o bom manejo, tampouco quais são as implicações técnicas e financeiras das diferentes atividades ou ainda quais são os benefícios financeiros do manejo. Apesar de as empresas buscarem o lucro, elas seguem rotinas tradicionais e não consideram a possibilidade de otimização das suas operações e conseqüentemente dos seus resultados financeiros. Existem principalmente três fatores que impedem um desenvolvimento do setor e a adoção das tecnologicas de bom manejo: (i) a falta de profissionalismo; (ii) o enfoque no setor industrial; e (iii) o alto custo e pouca disponibilidade de capital.
Grande efeito da burocracia e facilidade de exploração ilegal. Também existe uma variedade de fatores fora das empresas que fortemente contribui para a resistência do setor em adotar o bom manejo. Nesse contexto, a maioria dos entrevistados nos três Estados cita como principal barreira para a adoção das boas práticas de manejo a demora dos órgãos reguladores na aprovação dos PMFS. A maior parte dos empresários também revelou preocupação em relação à competição com empresas madeireiras clandestinas, que podem oferecer madeira mais barata por não pagarem tributos. Finalmente, os empresários apontaram a falta de segurança fundiária como um dos principais entraves à adoção dessas práticas.
Pouca influência do mercado externo. Surpreendentemente, nas novas fronteiras, em especial em Novo Progresso (PA), o alto percentual de participação do mercado externo não influiu positivamente no grau de adoção das boas práticas de manejo.
5. RECOMENDAÇÕES
Algumas recomendações específicas para políticas públicas voltadas para a adoção do manejo florestal merecem destaque:
Investir no ordenamento territorial. Diante dos problemas fundiários e de capacidade de fiscalização e controle que afetam o setor florestal, há urgência de políticas de resolução dos problemas estruturais e institucionais ligados ao manejo, principalmente políticas que promovam o ordenamento territorial (zoneamento, criação e concessão de florestas públicas, regularização fundiária).
Incentivos públicos. Avanços consideráveis têm sido feitos nas políticas voltadas ao manejo florestal empresarial (IN, PL de Gestão de Florestas Públicas, políticas de ordenamento territorial), contudo, os instrumentos específicos de apoio (por exemplo, treinamento, crédito, promoção do manejo, incentivos econômicos) ainda têm sido genéricos e insuficientes.
Profissionalização do setor. As empresas em todos os níveis e as instituições envolvidas com o tema (Ibama e Oemas) precisam ampliar sua capacidade e qualidade técnica para superar as limitações à adoção de manejo florestal. Para isso, deve-se ampliar a oferta de capacitação e treinamento e a divulgação e promoção do manejo junto aos empresários e à sociedade civil organizada.
Informação. Aumentar a disponibilidade de informações sobre manejo florestal e seus benefícios para os empresários e instituições envolvidas no tema.
Melhorar as normas e regulamentos. Tais instrumentos têm um papel-chave na promoção do manejo: para que as boas práticas sejam competitivas com os usos predatórios, o custo de transação do manejo tem de ser competitivo com as demais formas de acesso à matéria-prima. As normas devem ser simplificadas para facilitar a aplicação e permitir um monitoramento efetivo e transparente pelos órgãos governamentais e sociedade civil.
Responsabilizar os engenheiros florestais. Finalmente, o papel dos engenheiros florestais deveria estar mais fortemente ligado ao monitoramento das práticas de manejo e à promoção da sua implementação efetiva. As normas e regulamentos do manejo florestal precisam ser mais específicos para evitar subjetividade na análise das operações manejadas e diminuir os custos de transação do manejo florestal.
ANEXO
Na Tabela A-1 são apresentadas as boas práticas de manejo selecionadas. A Tabela indica, por meio de várias escalas de tempo, as contribuições para sustentar a produtividade da floresta e os serviços ambientais, assim como outros benefícios de cada prática.
Para avaliar se uma prática estava sendo corretamente aplicada ou não, definimos os elementos ou indicadores de práticas bem feitas. A prática de “construção planejada da infra-estrutura” obteve o maior número de elementos (24)[11].
Para cada um desses elementos, o estudo tentou responder três perguntas: (i) Quais elementos são adotados?; (ii) Por que estão sendo adotados esses elementos e outros não?; e (iii) Por que algumas empresas estão adotando boas práticas e outras não?
Enquanto a resposta à primeira pergunta resultou simplesmente das observações no campo sobre o cumprimento ou não dos diferentes elementos, para as outras duas perguntas foram necessários procedimentos adicionais. Assim, para poder explicar as diferenças na adoção entre elementos (por que alguns elementos são mais adotados que outros?) foram definidos fatores ou atributos que a equipe considerou mais relevantes. Esses fatores atuariam como variáveis independentes nas análises das diferenças no grau de adoção entre as práticas e entre as empresas. A equipe definiu hipóteses relacionadas ao papel que teriam os atributos dos elementos: (a) Como afetam os benefícios privados, a curto, médio e longo prazo?; (b) É importante a facilidade ou simplicidade da adaptabilidade? e (c) Em que grau o elemento é obrigado pela legislação? As escalas variaram entre 3 e 4 (Tabela A-2).
Para cada elemento, os peritos definiram as escalas para os três atributos. Como último passo, foram realizados testes estatísticos (teste t e regressões) para analisar as diferenças no nível de adoção dos elementos segundo os atributos (variáveis independentes), obrigatoriedade legal, benefícios econômicos e simplicidade. Num segundo momento, foram analisadas as diferenças no nível de adoção entre empresas, considerando-se as suas características (integração vertical, padrão de consumo de madeira, produção para a exportação, qualificação da equipe,capacidade de gerenciamento etc.) e as características do ambiente externo (etapa de desenvolvimento e estabilidade da fronteira florestal, assistência técnica, pressão para certificação etc.).