RESUMO
Nos últimos anos o manejo florestal comunitário tem surgido como uma alternativa viável para combinar a conservação da floresta e sua utilização pelas comunidades. A busca pelo manejo florestal comunitário e certificação florestal tem levado comunidades, ONGs e agências de cooperação bilateral à elaboração, implementação e disseminação de projetos e processos de manejo florestal comunitário na América Latina.
Com base nesse contexto, um grupo de líderes comunitários, pesquisadores e representantes de governos têm promovido debates e discussões sobre as oportunidades e desafios para a implementação do manejo florestal comunitário na América Latina. Este documento relata o segundo encontro[1] de representantes de oito países da América Latina (Brasil, Bolívia, Costa Rica, Colômbia, Equador, México, Nicarágua e Peru) para aprofundar e discutir temas relacionados às políticas florestais, legislação, mercados e produtos florestais não-madeireiros. Os objetivos principais do encontro foram (i) promover o intercâmbio de experiências entre especialistas, promotores e executores do manejo florestal comunitário na América Latina; (ii) identificar e propor alternativas aos principais impedimentos ao manejo florestal comunitário e certificação florestal; e (iii) formalizar propostas de políticas públicas para a promoção do manejo florestal comunitário e em pequena escala.
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1 O primeiro encontro foi realizado em Janeiro de 2001 em Santa Cruz / Bolívia. O documento final está disponível na web: http://bolfor.chemonics.net/UFC/Policy%20Brief%20MFC%20y%20Certificacion.pdf
APRESENTAÇÃO
A crescente importância do manejo florestal comunitário para a conservação dos recursos naturais e desenvolvimento rural tem gerado uma série de perguntas sobre o papel desse manejo e da certificação florestal no desenvolvimento local. As perguntas chaves estão relacionadas especialmente aos aspectos sociais e às relações com o mercado. Durante os últimos anos, vários seminários, oficinas e reuniões de trabalho têm sido realizadas para aprofundar o debate e sistematizar as experiências em curso na América Latina. O Imazon, em colaboração com o Projeto Conservação das Florestas Tropicais da Amazônia e da Oficina de Estándares Sociales y Ecológicos da Cooperação Técnica Alemã (GTZ), o Instituto Internacional de Educação do Brasil – IEB, ProManejo, Imaflora, tiveram a iniciativa de promover um seminário latino-americano sobre essa temática. O objetivo principal foi encontrar respostas a essas e outras perguntas, trocarem experiências e sistematizar as informações geradas, principalmente, em relação às propostas de políticas públicas elaboradas pelos participantes.
A Oficina de Manejo Comunitário e Certificação Florestal na América Latina foi realizada de 28 a 31 de outubro de 2003, em Mosqueiro, Belém, Pará (Brasil) e reuniu representantes de instituições da América Latina com experiência em manejo florestal comunitário e certificação florestal (figura1).
Participantes
Participaram na Oficina cerca de 80 pessoas representando instituições (Governos, ONGs, cooperação técnica, entidades de base), técnicos e pesquisadores que tenham acumuladas experiências concretas em manejo florestal comunitário e certificação florestal na América Latina.
Métodos
A Oficina foi estruturada em duas etapas. A primeira etapa constitui-se na abertura do evento em Belém com palestras sobre as políticas públicas nacionais para o fortalecimento dos processos de manejo comunitário e certificação florestal que vêm sendo planejadas e conduzidas pelos governos do Brasil, Bolívia, Colômbia e Equador. Esta sessão teve como objetivo aproveitar a presença dos representantes dos Programas Nacionais de Florestas desses paises, para balizar sobre as diferentes políticas e ações desses governos na promoção do manejo florestal comunitário.
Na segunda etapa, os participantes construíram propostas para políticas públicas, a partir de: (i) palestras e apresentação de estudos de caso seguidos de discussão em plenária; (ii) trabalho em grupo sobre os temas apresentados nas palestras e estudos de caso seguido de apresentação dos resultados e discussão em plenária, e (iii) mesa redonda para discussão de propostas de políticas públicas para o MFC.
Ao final, houve uma sessão especial da Gerencia Executiva do Banco da Amazônia[2], para apresentar as linhas de crédito para manejo florestal. Nesta sessão foi anunciada a concessão do primeiro crédito para uma iniciativa de manejo florestal comunitário na reserva extrativista do Rio Cautário em Rondônia. A grande novidade dessa iniciativa é que a floresta inventariada serviu como garantia do crédito.
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2 Banco estatal para o desenvolvimento da Amazônia brasileira.
PALESTRAS
As palestras abrangeram os seguintes assuntos:
- Oportunidades e desafios para a redução da pobreza através do manejo e certificação florestal comunitária;
- Atuação e papel das Instituições de Apoio
- Simplificação e desburocratização dos procedimentos legais para incentivar a adoção do manejo florestal comunitário.
- Formas de organização e papel das organizações de apoio das iniciativas de manejo florestal comunitário;
- Oportunidades de mercado: vinculando produtores e compradores de madeira certificada em cadeias de valor;
- Cooperação entre as comunidades e empresas: oportunidades e barreiras.
- O papel dos produtos não-madeireiros e uso múltiplo da floresta como estratégias para valorizar e conservar as florestas.
OPORTUNIDADES E DESAFIOS PARA A REDUÇÃO DA POBREZA ATRAVÉS DO MANEJO E CERTIFICAÇÃO FLORESTAL COMUNITÁRIA
Palestra: O Papel do Manejo Florestal Comunitário para a Redução da Pobreza: Oportunidades e Incertezas (Timothy Jasper Synnott. Estudos Florestais Synnott S.C. – México [email protected])
A discussão sobre o tema manejo florestal comunitário para a redução da pobreza teve como foco as oportunidades e desafios para a geração de renda através do manejo florestal. Segundo Timothy Synnott, o sucesso ou o fracasso do manejo florestal comunitário na América Latina depende de uma variedade de situações legais e institucionais, por exemplo, direitos de propriedade, direitos de uso, força institucional e capacidade empresarial. Ou seja, o mero acesso a uma floresta e seus produtos não é suficiente para predizer o sucesso do manejo florestal comunitário e seus impactos na redução da pobreza ou da vulnerabilidade das comunidades.
Entender essa variedade e, principalmente, o padrão de interação entre o manejo florestal comunitário e seus benefícios é o desafio atual. Synnott sugere desenvolver uma metodologia adequada para a monitoração e a avaliação participativa das florestas comunitárias e do manejo florestal comunitário. Tal metodologia deve incluir indicadores e avaliações que estejam baseados nas opiniões e percepções dos membros da comunidade. Além disso, é preciso atingir conclusões quantitativas nas avaliações do manejo florestal comunitário sobre os resultados financeiro e econômico (taxas de juro, custo-benefício ou taxa de retorno). Para uma análise mais robusta recomenda-se levar em consideração um conjunto de informações que inclua: (a) qualidade e benefícios do manejo; (b) em relação ao tamanho, valor e acessibilidade da floresta, e (c) o marco institucional em que é realizado o manejo (direitos e uso de propriedade capacidade de execução do manejo).
Estudos de caso: Projeto Pedro Peixoto (coordenado pela Embrapa Acre – apresentado por Marcus [email protected]) e no Projeto de Assentamento Agroextrativista Porto Dias (coordenado pela ONG Centro de Trabalhadores da Amazônia – CTA- apresentado por Magna Cunha – [email protected])
Os estudos de caso tiveram como enfoque o Estado do Acre onde tem-se desenvolvido importantes experiências de manejo florestal em pequena escala. Esses projetos têm obtido êxitos, tais como geração de uma fonte de renda alternativa para pequenas propriedades com base no manejo florestal comunitário e no beneficiamento local da produção; adequação das etapas do manejo florestal com as outras atividades dos produtores; criação de um fundo para investimento e capital de giro; e fortalecimento da gestão comunitária através da capacitação. No entanto, os projetos ainda enfrentam a competição local com a madeira predatória (oriunda de desmatamento); a escassez de incentivos fiscais e a pouca organização dos produtores para a execução e a monitoração do sistema de manejo florestal. As experiências têm importância por serem inovadoras no âmbito do Brasil, porém, devido a pequena escala o seu impacto sobre as práticas de extração da madeira ainda é muito limitado.
A variedade de situações legais e institucionais define o sucesso ou o fracasso do manejo florestal comunitário na América Latina. O direito de acesso aos recursos, a subvalorização da floresta e a pouca organização e mobilização comunitária são as questões-chave no debate sobre a redução da pobreza através do manejo florestal comunitário. O impacto das experiências apresentadas sobre a questão da pobreza ainda são pequenas devido ao número muito reduzido de pessoas envolvidas. Uma questão chave será, por tanto, identificar as condições necessárias para que estas experiências ganhem escala.
Os trabalhos em grupo dessa primeira sessão de palestras resultaram em propostas de políticas públicas que foram agrupados em três enfoques
• direito e acesso aos recursos naturais, terra e serviços;
• subvalorização da floresta (produtos e serviços ambientais);
• Pouca organização e mobilização comunitária.
Para aumentar o direito de acesso aos recursos naturais, terra e serviços
- desburocratizar os processos para acesso e direito aos recursos naturais;
- priorizar a titulação da terra, bem como descentralizar o poder e oferecer apoio financeiro;
- descentralização dos processos de definição, elaboração e execução dos planos de manejo a partir das organizações parceiras e de apoio para controle das comunidades;
- elaborar e melhorar leis e mecanismos para a proteção de culturas e conhecimentos tradicionais.
Para evitar a Subvalorização da floresta
- promover políticas sociais diferenciadas de acordo com as realizadas locais, acompanhadas por profissionais da área;
- promover o reconhecimento legal dos conhecimentos tradicionais das populações locais;
- criação de mecanismos de compensação pela conservação dos recursos naturais (especialmente hídricos e outros serviços ambientais);
- capturar os benefícios gerados pelas florestas, especialmente através de agregação de valores;
- programas de créditos a usuários da floresta (pequenos produtores);
- capacitação para o fortalecimento de atividades produtivas;
Para aumentar a organização e mobilização comunitária
- fortalecer e aumentar a autonomia das comunidades;
- criar mecanismos para a mediação de conflitos;
- promover e melhorar a participação em redes de intercâmbio;
- oferecer cursos técnicos e centros de apoio ao manejo florestal comunitário;
- promover a extensão florestal;
- criar nas comunidades cursos de educação formal avançada;
- reconhecer legalmente a experiência e conhecimento dos moradores locais;
- promover o reconhecimento da formação e dos conhecimentos tradicionais.
ATUAÇÃO E PAPEL DAS INSTITUIÇÕES DE APOIO
Palestra: Elementos de Consideração para Evitar Riscos e Enfrentar Desafios no Desenvolvimento de Oportunidades para um Manejo Florestal Comunitário com Possibilidade de Certificação na América Latina (Siegfried Kastl, Consultor da GTZ – [email protected])
Para visualizar a importância de considerar os contextos sociais locais e as instituições tradicionais, Kastl cita como exemplo os bosques cantonales da Guatemala. Até hoje, o manejo destas florestas segue regras informais de uso que, em termos da precisão das medidas, são melhores do que os planos de manejo formais atualmente aplicados. Com base nestas regras, durante milhares de anos as populações locais viviam destas florestas. As instituições locais são adequadas ao contexto local, enquanto a legislação moderna e a maioria dos profissionais na área florestal ignoram estas formas de manejo florestal comunitário.
As agências de cooperação, as instituições internacionais de apoio financeiro, as ONGs e os governos consideram a floresta comunitária como uma alternativa para reduzir a pobreza rural e contribuir para o desenvolvimento sustentável na América Latina. Mas, apesar de consideráveis investimentos nesta área, muitos destes projetos não conseguiram sobreviver muito tempo. Se as instituições de apoio começam enxergar o manejo florestal comunitário como processo social[3] poderão dar novos rumos aos projetos florestais comunitários. Esta visão deverá ter conseqüências tanto no nível local da implementação dos projetos de fomento (flexibilização dos critérios de sustentabilidade aplicados, atuação a partir da cultura florestal local de forma a apoiar e não dominar os processos) como também na legislação florestal, e na introdução das questões relacionadas com a situação florestal ao debate público.
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3 Segundo os participantes do Seminário, o manejo florestal é um processo social, uma vez que ele compreende uma diversidade de atores e papéis, uma complexidade de relações, um processo histórico e uma aprendizagem em conjunto visando um objetivo comum.
Estudo de Caso: Reserva Florestal Maya, Guatemala (Rubén Pasos, Consultor – [email protected])
A Reserva Florestal Maya, na Guatemala, revela os benefícios da organização social para o manejo florestal comunitário. A Associação de Comunidades Florestais, criada em 1995, estabeleceu como objetivo a conversão da floresta em um ativo natural que beneficia a comunidade. O sucesso dessa associação dependeu de um processo experimental de negociação entre indústria, comunidade, governo e ONGs, além de uma diversificação na forma de organização. Entre os seus principais resultados estão: ordenamento territorial; controle da extração de madeira ilegal; aumento de renda e emprego; e incremento do capital social (associações e empresas comunitárias).
Contribuição dos participantes
Analisando as possibilidades de atuação das instituições de apoio, os participantes destacaram que existem diferentes visões, expectativas e necessidades por parte das comunidades, ONGs, governos e entidades financiadoras. Isso torna difícil a construção de uma agenda comum entre estes atores. Por parte das agências de apoio, existe uma pressão para criar resultados no curto prazo, muitas vezes incompatíveis com o tempo de maturação do processo social. As agências muitas vezes vêem o manejo comunitário de forma isolada, como único objetivo de um determinado projeto, enquanto as necessidades das comunidades são mais amplas e para elas, o manejo comunitário é uma atividade entre várias para melhorar a sua qualidade de vida. Se o projeto não consegue garantir as necessidades básicas, como a segurança alimentar, o sucesso será prejudicado. Também, podem existir diferentes visões entre as diferentes agências de apoio que atuam numa comunidade, o que cria um paralelismo de ações.
O manejo florestal comunitário com escala de mercado não é uma atividade econômica tradicional. Isso significa que as medidas convencionais de fomento a atividades econômicas precisam ser adequadas às especificidades do manejo florestal comunitário. Os projetos envolvem altos custos, eles são muito complexos e precisam de uma adequação às condições locais.
Os participantes destacaram também a falta de sustentabilidade da maioria dos projetos o que leva à dependência dos projetos aos apoios externos. Neste contexto, foi identificada a falta de visão empresarial entre os prestadores de serviços. Também, os projetos muitas vezes, por terem uma visão limitada do desenvolvimento institucional e uma visão paternalista, não contribuem adequadamente para um papel mais ativo das comunidades locais no que se refere às capacidades gerencial e administrativa.
Os participantes também criticaram a falta de participação das populações locais no planejamento e na gestão dos projetos.
Partindo desta análise de problemas, os participantes fizeram as seguintes propostas para ações prioritárias e políticas públicas e para a atuação das instituições de apoio, visando também o fortalecimento dos processos sociais do MFC:
- o MFC deverá ser integrado como um componente em projetos mais amplos e multidisciplinares de desenvolvimento local, partindo de um diagnóstico participativo das necessidades locais;
- em vez de oferecer “pacotes prontos”, adequar as abordagens de apoio às condições específicas de cada caso;
- planejar os projetos com prazos maiores que possibilitam a consolidação dos processos sociais;
- identificar e fortalecer os processos internos
- a organização social deve ser mais valorizada nos projetos e na capacitação em manejo florestal. Isso envolve também maior investimento em capital social e na capacidade de resolução de conflitos;
- a participação das comunidades locais deverá ser aumentada;
- no monitoramento dos projetos deverão ser priorizados indicadores qualitativos que qualificam os processos, como por exemplo a criação de capital social;
- avaliação e monitoramento participativo dos projetos;
- promover espaços de discussões para definir os papéis dos atores, as prioridades e as agendas;
- considerar os altos custos e a complexidade do manejo florestal comunitário;
- o desenvolvimento empresarial comunitário deverá ser fomentado, por exemplo através de créditos para formar empresas locais;
- buscar estratégias para simplificar o fluxo de crédito, a partir de índices técnicos;
- criar oportunidades de trabalho para a população local;
- garantir a qualidade do treinamento através do credenciamento das instituições capacitadoras e direcionar CENAFLOR[4] para o manejo florestal comunitário;
- incluir intercâmbio técnico nos editais e nas linhas de financiamento como forma de incentivar o manejo florestal comunitário;
- adequar a legislação ao manejo florestal comunitário e ajustá-lo aos editais;
- fortalecer assistência técnica/extensão rural.
- apoiar o MFC através do ordenamento territorial e criar planos de desenvolvimento florestal a nível local e regional)
- manter e incrementar a sustentabilidade ambiental;
- adequar exigências ou regras do manejo florestal comunitário à realidade das comunidades;
- demarcar territórios;
- estabelecer acordos claros sobre a distribuição de benefícios e custos;
- criar um marco legal adequado ao manejo florestal comunitário.
O plano de manejo é um plano de vida para as comunidades. Ele se insere em um plano de uso maior com outras atividades econômicas que integram o modo de vida das comunidades. Dessa forma, o manejo florestal integra-se ao processo social das comunidades. Ao reconhecer o caráter social do manejo florestal comunitário, as instituições de apoio deveriam identificar e fortalecer os processos internos; adequar as exigências do manejo à realidade das comunidades; considerar atitudes tradicionais; investir em capital social; e envolver atores locais em todos os processos de discussão.
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SIMPLIFICAÇÃO E DESBUROCRATIZAÇÃO DOS PROCEDIMENTOS LEGAIS
Palestra: Incentivo ao manejo florestal comunitário: o papel da simplificação e desburocratização (Paulo Barreto –[email protected])
Nesta seção, analisa-se a situação no Brasil, cuja regulamentação do manejo florestal vem passando por transformações para torná-la mais simples, com dois estudos de casos (Equador e Bolívia), onde tem-se feito reformas importantes nas estruturas governamentais e abrindo espaços para avançar em processos de desburocratização do sistema de manejo florestal. Segundo Barreto, as ações de fiscalização, licenciamento, monitoração e responsabilização têm papel fundamental na proteção do meio ambiente e do patrimônio público. No entanto, a burocracia ainda é um impedimento para a adoção do manejo florestal. A burocracia aumenta os custos do manejo que naturalmente são mais altos do que os custos da exploração predatória; exclui os mais pobres devido à exigência de técnicas inacessíveis, à distância dos órgãos governamentais, à ausência de documentação fundiária e aos processos longos e custosos; bem como sua ineficiência propicia uma competição injusta, uma vez que não exclui totalmente a exploração predatória. Em geral, existe uma quantidade excessiva de normas que regulamentam o manejo florestal. O cumprimento de todas as regras exige um forte investimento do Estado em estrutura, pessoal e tecnologias que em muitos casos não estão inacessíveis aos órgãos responsáveis. Desta forma, Barreto apresentou três caminhos para solucionar esses problemas: (i) reduzir a burocracia desnecessária – através de vistorias amostrais e eliminação da duplicidade de processos; (ii) apoiar a formalização dos mais frágeis – através da regularização fundiária e acesso à burocracia para as pessoas do campo, além da assistência direta (técnica e financiamento); e (iii) combater a informalidade predatória, ou seja, aumentar a transparência dos processos, definirem o foco estratégico (geoprocessamento) e punir de maneira eficiente os infratores.
Estudos de casos: La Simplificación de los Procedimientos Inherentes al Manejo Forestal en el Ecuador (Marco Romero – [email protected]) e Oportunidades y Deseafíos para Comunidades en el Nuevo Regímen Forestal enBolívia (Peter Cronkleton – [email protected]).
Equador está iniciando e Bolívia concluiu suas reformas na política florestal. Entre as prioridades dessa nova política está a desburocratização dos procedimentos para o avanço do manejo florestal comunitário e reforma institucional e legal. No caso do Equador as mudanças propostas incluem a definição dos procedimentos administrativos e os requerimentos técnicos para o aproveitamento da madeira de florestas nativas e plantadas. Em relação do processo ocorrido na Bolívia, em geral, tem-se observado maior controle sobre o uso dos recursos florestais propiciado pela transparência das regras; melhora na definição de critérios e indicadores; aumento do interesse da sociedade civil nos processos; ordenamento da gestão florestal e o reconhecimento do direito de outros atores do setor florestal (indígenas, união de pequenos madeireiros e organizações de pequenos proprietários). Os riscos em relação à reforma política são a incompreensão por parte da sociedade civil e do setor vinculado ao grupo madeireiro do país; interesses contrários à boa gestão florestal do Estado; e situações políticas do país aolongo do tempo. Os novos atores enfrentam problemas de direito de posse da terra, custos elevados para implementação de sistemas de manejo; de organização e de desenvolvimento institucional.
Um outro caso que contribuiu para os debates se refere à prestação de serviços pagos para manejo florestal por pequenos proprietários. A fundação “Servicio Forestal Amazónico”, localizada em Macas na Amazônia Equatoriana, presta serviços de assessoramento técnico especializado na área florestal. Os serviços são pagos, e têm como clientes os produtores (indígenas e colonos), comerciantes, instituições e outros atores envolvidos nas questões florestais. A organização tem como objetivos: (I) promover o desenvolvimento sustentável dos recursos florestais sob manejo e uso racional, que permite a conservação do ecossistema, (II) fomentar a pesquisa científica na área florestal, em cooperação com outros órgãos afins, (III) participar no desenvolvimento social integral da comunidade, através de conferências, palestras, foros ou outros eventos que propendem à conservação dos ecossistemas e diminuir os impactos ambientais, (IV) promover e apoiar a valoração dos bens, produtos e serviços das florestas, das plantações florestais e dos sistemas agroflorestais. Esse serviço tem ajudado os pequenos produtores a cumprir com a burocracia da regulamentação do manejo florestal, tornando os processos mais ágeis.
Em relação o tema Simplificação e Desburocratização para tornar os processos mais ágeis baratos sugerem-se as seguintes propostas:
- eliminar a duplicidade no licenciamento exigido pelos órgãos federais e estaduais de meio ambiente.
- treinar técnicos de órgãos de controle e fiscalização ambiental em manejo florestal comunitário e criar um manual de procedimentos para facilitar e ajudar os técnicos dos órgãos a lidar com questões do manejo florestal comunitário;
- Credenciar um grupo de profissionais habilitados com o tema de manejo florestal comunitário que possam ser contratados pelas comunidades e pequenos produtores para elaborar e encaminhar os projetos de manejo;
- adequar a legislação a ecossistemas diferentes (por exemplo, várzea versus terra firme). Além disso, criar serviço de apoio ao manejo florestal comunitário (engenheiros cadastrados via Gerex e extensão florestal pública) e avaliar a possibilidade de técnicos florestais assinarem PMFS (substituir por planos de manejo) não mecanizados a fim de eliminar requerimentos excessivos;
- regularização fundiária para amenizar os conflitos de interpretação da legislação quanto a essa questão;
- fazer a definição clara dos conceitos técnicos para aproveitamento de árvores mortas (em pé e caída), madeira em tora e serrada;
A burocracia que envolve o manejo florestal é um impedimento para a sua adoção. Portanto, é preciso simplificar os procedimentos legais para o avanço do manejo florestal comunitário. A desburocratização exige eliminar a duplicidade no licenciamento exigido pelos órgãos federais e estaduais de meio ambiente; a regularização fundiária; e a transparência das regras. Processos importantes têm ocorrido na América Latina, onde se devem aprender lições, onde as comunidades tem tido papel importante nos debates e encontrados soluções locais e criativas para simplificação dos procedimentos burocráticos.
FORMAS DE ORGANIZAÇÃO E PAPEL DAS ORGANIZAÇÕES DE APOIO
Palestra: Aspectos Sociais do Manejo Florestal Comunitário (Richard Smith – Instituto Del Bien Comum – Peru – [email protected])
O manejo florestal comunitário é um processo social que implica um grupo de pessoas e se realiza dentro de um contexto social. Este contexto social tem um impacto direto sobre o sucesso ou fracasso de uma iniciativa florestal comunitária: A grande maioria dos problemas que surgem no caminho de uma atividade de manejo florestal comunitário são de origem social – têm a ver com o comportamento individual e social das pessoas que participam nesta atividade. Portanto, promover o manejo florestal em comunidades exige inicialmente conhecer o seu contexto social.
O contexto social interno inclui as relações de parentesco, de associações e de poder e autoridade das pessoas que participam do esforço comunitário e repartem os investimentos, os benefícios, as decisões, a responsabilidade e o recurso florestal. As comunidades geralmente são heterogêneas e conflitantes, mas têm também suas próprias instituições para resolver sua convivência.
O contexto social externo às comunidades inclui a política florestal econômica nacional. É geralmente mais complexo do que o contexto interno, mais variável, mais difícil de controlar pela comunidade e gera maiores incertezas para a comunidade.
Richard Smith destaca a urgência de que as instituições de apoio entendam as diferentes formas locais de posse, usufruto e gestão dos recursos florestais, de analisar seus sucessos e fracassos e de fortalecer as formas que oferecem maior possibilidade de proteger os direitos de todos a utilizaros recursos da forma mais sustentável possível. As configurações institucionais (tomada decisões, formas de estabelecer normas e regras e fazer com que elas sejam cumpridas) das iniciativas de manejo comunitário devem ser definidas em concordância com estas formas locais de posse e usufruto, pois a chave para o sucesso é a viabilidade destas instituições coletivas.
Estudo de Caso: A experiência de Porto de Moz, Pará, Brasil [5](Cláudio Barbosa, Comitê de Desenvolvimento Sustentável de Porto de Moz – [email protected])
A experiência de Porto de Moz é produto de uma forte organização social que se desenvolve num contexto altamente conflituoso. A organização das comunidades já vem sendo fortalecida por lutas em conflitos pesqueiros nos primeiros anos da década de 1990. Em 1995 foi criado o Comitê de Desenvolvimento Sustentável que aglomera o movimento de resistência de comunidades rurais contra as ações predatórias de grupos e empresas de exploração dos recursos pesqueiros e madeireiros do município. O comitê tem um papel fundamental no fortalecimento da organização social das comunidades: apoiou a legalização de associações comunitárias e agora fortalece e acompanha estas organizações; sensibiliza sobre a questão ambiental na cidade e no campo, elabora e executa projetos favorecendo as organizações comunitárias; denunciam a exploração predatória dos recursos naturais, a grilagem de terra e a violência contra comunitários. O comitê busca contatos com todas as entidades públicas relevantes nos níveis estadual e nacional, para melhorar também seu controle sobre o contexto externo.
Dentro deste contexto se insere a iniciativa da demarcação de unidades de manejo comunitária e a solicitação da criação da Reserva Extrativista Verde para Sempre, em 2001[6].
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5 Uma análise mais extensa da experiência de Porto de Moz encontra-se no relatório do evento na página web: www.gtz-amazonia.org/mfc/mfcbelem2003.pdf. ou www.imazon.org/
6 Reserva homologada em novembro de 2004, com área de 1,3 milhão de hectares beneficiando XX famílias.
Estudo de Caso: Programa Indígena de Conservación del Medio Ambiente (Lino Hereña)
No Peru, a população indígena Ashaninkas tem enfrentado a exploração e comércio ilegal de madeira, bem como a contaminação da água. O projeto PROCAM visa promover a capacitação na Amazônia para solucionar esses problemas. O projeto dá ênfase nas questões relacionadas à organização social. Além de uma linha de trabalho que trata específicamente da área de conservação e manejo florestal existem outras três que se dedicam a outros fatores do desenvolvimento local: área econômica produtiva, área de organização e desenvolvimento social e área de comunicação e educação.
Debates na plenária e discussão em grupos de trabalho
Segundo os participantes do Seminário, o manejo florestal é um processo social, uma vez que ele compreende uma diversidade de atores e papéis, uma complexidade de relações, um processo histórico e uma aprendizagem em conjunto visando um objetivo comum.
Alguns dos fatores que podem debilitar este processo são:
- falta de experiência dos comunitários com o trabalho coletivo do manejo florestal,
- desconhecimento do contexto interno e externo das comunidades
- deficiências na educação básica e no acesso a informações, por exemplo, sobre processos legais,
- falta de reconhecimento do direito de uso da terra
- interesses poderosos no local contrários aos interesses dos comunitários
- fragilidades institucionais, tais como: informalidade e alto grau de parentesco
- distribuição injusta dos benefícios
- ausência de resultados rápidos
- participação de só uma parte da comunidade no projeto
- pode haver outras alternativas de uso da terra que são mais lucrativos a curto prazo
- intervenções externas que ignoram os processos internos da comunidade
- o contexto legal pode ser desfavorável aos processos sociais
Por outro lado, existem fatores que favorecem os processos sociais do MFC, tais como:
- Definição clara das normas, dos papeis e das responsabilidades que definem os processos;
- disponibilidade do tempo necessário para construir os processos sociais;
- acompanhamento dos processos com respeito às decisões locais;
- regularização fundiária;
- existência de fortes lideranças;
- conhecimento das florestas;
- tratar todo tipo de informação (técnica, organizacional, etc.) de forma transparente, facilitando o acesso para todos os atores envolvidos;
- capacidade dos participantes de fazer e aceitar críticas e de interagir;
- estímulo e discussão de cidadania e desenvolvimento do pensamento crítico;
- existência de benefícios tanto individuais como também coletivos;
- considerar a interação do MFC com outros processos e alternativas econômicas;
- participação ampla da população no planejamento e monitoramento dos projetos;
- compromisso da comunidade para alcançar um objetivo comum;
- existência de valores que promovam a cooperação / existência de um espírito de cooperação;
- confiança entre os socios.
Os contextos sociais interno e externo das comunidades determinam o sucesso de uma iniciativa de manejo comunitário. É portanto fundamental analisar profundamente os fatores que debilitam e fortalecem os processos sociais do manejo comunitário, para avaliar a viabilidade deste processo e para identificar atividades chaves para o sucesso da iniciativa.
OPORTUNIDADE DE MERCADO
Palestra: Oportunidades de mercado: vinculando produtores e compradores de madeira certificada em cadeias de valor (Dietmar Stoian/CATIE – Costa Rica – [email protected])
Os aspectos fundamentais que devem ser considerados na discussão sobre certificação florestal podem ser agrupados em: (i) rede global de comércio florestal; (ii) estimativa de oferta e procura de madeira tropical certificada; e (iii) vínculo de produtores e compradores de madeira certificada em cadeias de valor. A rede global de comércio florestal (Global Forest Trade Network – GFTN) é composta por organizações e empresas cujos membros estão comprometidos a produzir e comprar madeira certificada e produtos derivados. No mundo todo há 15 organizações ou redes florestais regionais com aproximadamente 700 empresas. As redes existentes estão na Alemanha, Áustria, Austrália, Bélgica, Brasil, Espanha, França, Irlanda, América Central e Caribe, Estados Unidos, Oceania, Países Baixos, Reino Unido, Rússia e Suíça.
A oferta de madeira certificada varia entre os países da América Latina: de um volume de 6.000 m3 (Guatemala), passando por 330.000 m3 (Bolívia) e 0,9 milhão de m3 (México), até 10 milhões de m3 (Brasil) de madeira certificada produzida por ano (2003). Quanto à demanda atual e potencial de madeira tropical certificada, os Estados Unidos importam aproximadamente 50.000m3 de madeira certificada por ano, o que representa um potencial atual de aproximadamente 1% das importações (Varangis et al. 1995, Webster & Proper 1998; Rice et al. 2001). Além disso, a Europa Ocidental importa aproximadamente 100.000 m3 a 300.000 m3 de madeira certificada por ano, representando um potencial atual de 1% a 3% das importações (Varangis et al. 1995, Webster & Proper 1998; Rice et al. 2001), os outros grandes. Para equacionar a relação entre demanda e oferta é preciso criar uma cadeia de valor[7] capaz de promover a interação entre produtores, transformadores e compradores. Nessa cadeia, de um lado os produtores aglutinam produção e garantem a qualidade e de outro os transformadores aumentam os benefícios através de maiores volumes, melhores qualidade e certificação. O ponto-chave nesse processo é o acesso à informação.
Para valorizar e distinguir os produtores e compradores de madeira certificada tanto os produtores como os compradores estão se organizando em grupos ou redes.
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7 Cadeia de valor é uma aliança vertical ou rede estratégica entre um número de empresas independentes vinculadas a uma cadeia produtiva (Hobbs et al. 2000).
Estudo de Caso: Grupo de “Produtores Florestais Certificados da Amazônia” (PFCA) – ( [email protected])
No Brasil, o grupo de “produtores florestais certificados” (PFCA) surgiu da necessidade de fortalecer os segmentos de empresas e comunidades certificadas, ocupar nichos de mercados sustentáveis, consolidar o selo do FSC na Amazônia e participar da iniciativa do Global Forest and Trend Network. O PFCA é composto por seis empresas e duas comunidades e trabalha em parceria com ONGs e instituições de pesquisa. Os seus objetivos são: (i) representação política-institucional; (ii) estabelecimento de ligações com compradores (interno e externo); (iii) marketing da certificação FSC; e (iv) expansão da área certificada pelo FSC na Amazônia. O grupo produz aproximadamente 500 mil metros cúbicos de madeira em tora e exporta 85% da produção.
Estudo de Caso: Grupo de “Produtores e Produtoras Florestais do Alto Acre” – (Nilson Mendes – [email protected])
No Acre (Brasil), há um grupo de produtores florestais comunitários, composto pelo Projeto Porto Dias, PAE (Projeto Agro-extrativista) São Luis do Remanso, Projeto Pedro Peixoto, Projeto Cachoeira e pelo Projeto Assentamento Agroextrativista Equador, Seringal Floresta e Seringal Dois Irmãos, que atuam na capacitação e intercâmbio comercial e técnico entre os projetos e compradores de madeira certificada. Um dos êxitos do grupo é ter obtido a isenção da taxa de 17% do ICMS através da publicação de um decreto pelo Governo do Estado. Resta estruturar políticas de crédito e extensão específicas para o manejo florestal comunitário; desenvolver um sistema de secagem e armazenamento para madeira certificada; e elaborar um plano de negócios e estratégias de marketing para os produtos do manejo florestal comunitário. O grupo está conseguindo abrir mercados inacessíveis para comunidades, com a venda de madeira para São Paulo.
Como a demanda por madeira certificada é maior do que a sua oferta, é preciso criar uma cadeia de valor capaz de promover a interação entreprodutores, mercado e compradores. As estratégias para essa interação seriam: urgência na implantação do SLIMF (Sistema simplificado de certificação); criar grupo de produtores com visão empresarial comunitária fomentando a capacitação empresarial; e fomentar intercâmbio entre os grupos.
Debates na plenária e discussão em grupos de trabalho
Com base nas fortalezas e debilidades da relação entre produtores e compradores de madeira certificada, os participantes fizeram recomendações para a formação e atuação dos grupos de produtores e compradores. As propostas são:
- urgência na implantação do SLIMF (sistema simplificado de certificação);
- aplicar “enfoque de cadeias” para vincular o grupo de produtores aos compradores;
- analisar o mercado antes de começar a certificação florestal;
- refletir sobre a forma de atuação das entidades de apoio;
- criar grupo de produtores com visão empresarial;
- capacitar agentes florestais nas comunidades;
- fomentar intercâmbio entre os grupos.
A certificação florestal só cumprirá com seus objetivos para as comunidades se seus benefícios forem maior que os custos. Na conjuntura atual os benefícios da certificação estão mais relacionados ao acesso a novos mercados que a sobre preços sócio-ambientais e ecológicos.
COOPERAÇÃO ENTRE AS COMUNIDADES E EMPRESAS
Palestra: Acordos Comerciais Entre Comunidades Florestais e Empresas Madeireiras (Alejandra Martin – Forest Trends USA – [email protected])
A relação entre empresas madeireiras e comunidades florestais tem sofrido modificações devido às novas tendências globais no setor madeireiro – aumento da demanda por madeira; crescente escassez do recurso madeira e, conseqüentemente, aumento do valor das florestas naturais; intensificação da produção florestal; globalização dos mercados; e democratização da posse de terra. Essas tendências estão modificando o panorama de atores, mercados e tipos de produção nas florestas naturais e plantadas. As empresas de produtos florestais no Brasil estão buscando acordos com os produtores para aumentar e garantir o acesso à mão de obra; às terras com vocação florestal; a oferta de madeira; e as boas relações com comunidades vizinhas. As empresas podem oferecer às comunidades: sementes ou outros insumos para o plantio de alta qualidade, assistência técnica, controle da qualidade dos produtos, recursos financeiros para investir na expansão e comercialização, e experiência empresarial.
No entanto, os fatores limitantes ao desenvolvimento de acordos entre comunidades e empresas assim como ao desenvolvimento das empresas comunitárias são: (i) baixo volume de produção e oferta irregular de madeira; (ii) ausência de sistemas de controle de qualidade; (iii) difícil acesso às comunidades; (iv) difícil acesso ao mercado de produtos florestais; (v) baixo nível de capacitação técnica e gerenciamento; (vi) ausência de mecanismos de resolução de conflitos; (vii) dependência constante de subsídios e necessidades de alta inversão técnica-financeira; (viii) conflito de agendas entre comunidades, ONGs e doadores; (ix) conflito de interesses com grupos poderosos locais que dirigem o uso dos recursos florestais para seus próprios interesses.
Entre os elementos para um acordo efetivo estão: (i) uma perspectiva de longo prazo para o seu desenvolvimento; (ii) contratos com termos flexíveis; (iii) atenção especial para reduzir os riscos comerciais; e (iv) desenvolvimento de acordos entre comunidades para aumentar o poder de negociação. Além disso, é preciso reconhecer a importância do contexto cultural tanto da comunidade como da empresa e obter informações sobre o regime regulatório (direitos e obrigações legais, estrutura de financiamento, implicações tributárias deste tipo de acordos e leis de inversão).
No Equador há um exemplo de gestão florestal para comunidade e empresa (Projeto de Manejo Florestal Comunitário Esmeraldas, financiado pela Cooperação Técnica da Alemanha – GTZ). O objetivo do projeto é o manejo autônomo e sustentável dos recursos florestais e agroflorestais por parte das comunidades e proprietários de florestas do norte da Província de Esmeraldas. Nessa gestão, os acordos entre comunidade e empresa referem-se à promoção de saúde, educação, produção e infra-estrutura. Os acordos entre comunidade e projeto referem-se à saúde (medicina tradicional), educação, fortalecimento da organização, manejo florestal comunitário, capacitação técnica de baixo impacto, melhoramento da qualidade da madeira serrada, zoneamento, planos de manejo e negociação, desenvolvimento agroflorestal e resolução de conflitos. Já os acordos entre empresa e projeto referem-se às alianças, parceria pública – privada (PPP), negócios agroflorestais, consultoria na área florestal e apoio nos primeiros passos em direção à certificação florestal. Entre os resultados dessa cooperação estão (i) estruturas comunitárias; (ii) ordenamento territorial; (iii) aplicação de técnicas melhoradas para o uso florestal comunitário; (iv) incursão na aplicação das normas e leis; (v) formação de técnicos comunitários; (vi) comercialização direta da madeira proveniente dos produtores familiares com os compradores de madeira; e (vii) apoio da empresa florestal nas atividades sociais (educação, saúde, negócios agroflorestais). No entanto a gestão enfrenta problemas como: (i) falta de esclarecimento sobre preços de madeira no momento da extração; (ii) falta de cumprimento dos acordos estabelecidos no convênio; (iii) instabilidade na tomada de decisões da comunidade (mudança anual da direção); (iv) interesses internos divergentes na comunidade.
As empresas de produtos florestais estão buscando acordos com os produtores para aumentar e garantir o acesso à mão de obra, às terras com vocação florestal, à oferta de madeira e para manter as boas relações com comunidades vizinhas. Para que esses acordos sejam efetivos é necessário, dentre outras coisas, estabelecerem relações de parceria; criar termos de compromisso participativos e fortalecer a capacidade de negociação da comunidade e promover a organização comunitária; regularizar a situação fundiária.
O tema Cooperação entre Empresas e Comunidades foi abordado através da identificação dos pontos fortes, oportunidades, debilidades e ameaças. As recomendações para esses pontos referem–se a princípios, por exemplo:
- criar intercâmbio entre comunidades, empresas e governos;
- fomentar maior participação de ambas as partes nos processos;
- estabelecer relações de parceria (ao invés de exploratórias);
- criar termos de compromisso participativos e sólidos; e
- estabelecer um diálogo entre as empresas e comunidades sobre planilha de custo para fixar preços.
Às organizações externas:
- criar mecanismos para moderar conflitos por parceiros;
- buscar bons casos para servirem de exemplo e causarem “efeito em cadeia”
À monitoração:
- criar mecanismos externos e independentes de monitoração;
- incluir regras de monitoração no acordo de cooperação.
Ás políticas públicas:
- fortalecer a liderança e capacidade de negociação da comunidade e promover a organização comunitária;
- regularizar situação fundiária;
- ressaltar o papel do governo no seguimento dos acordos, na disseminação de informação e numa transparência maior;
- oferecer assistência técnica e crédito diferenciado para empresas comunitárias.
PAPEL DOS PRODUTOS NÃO MADEIREIROS E O USO MÚLTIPLO DA FLORESTA
Palestra: O papel dos produtos florestais não madeireiros e o uso múltiplo da floresta (Patrícia Shanley e Carmen Garcia /Cifor – [email protected])
Os esforços para promover o MFC como uma ferramenta chave para promover o desenvolvimento das populações rurais e contribuir na conservação das florestas tem-se centrado na extração de madeira. Porem os Produtos Florestais Não Madeireiros (PFNMs) tem jogado e jogam um papel fundamental no contexto comunitário, que não tem sido refletido adequadamente nas iniciativas do MFC. É por elo que tornasse necessário que a pesquisa florestal integre alem da madeira a pesquisa sobre os PFNMs e as suas dicotomias: valores visíveis versus valores invisíveis; uso madeireiro versus uso não-madeireiro; extrativismo versus cultivo; conhecimento científico versus conhecimento tradicional; e biodiversidade global versus valor local da biodiversidade. Mas a incorporação dos produtos não-madeireiros nos planos de manejo tem varias dificuldades não só para as comunidades, como também para os pesquisadores e pessoal técnico que vem apoiando as iniciativas. Uma primeira limitação é o número baixo de incentivos fiscais para os pequenos produtores florestais comparado com os grandes produtores. A segunda refere-se às próprias características dos produtos florestais não-madeireiros. Esses produtos possuem altadiversidade; em sua maioria são para uso de subsistência e mercado local; tem uma distribuição espalhada, produção inconsistente, qualidade e quantidade instável; representam um conflito com o uso madeireiro; não há informações sobre o seu manejo; e, em muitos casos, os preços são baixos e os mercados instáveis. No entanto, o mercado para PFNMs estão em expansão e pode constituir uma importante fonte de renda adicional para as comunidades. Por exemplo, o mercado de fitoterápicos movimenta USD 20 bilhões anuais, USD 260 milhões só no Brasil, com crescimento anual do 15% em comparação com um 4% para a industria farmacêutica convencional. Alem disso o mercado para produtos certificados constitui uma outra opção promissória, porem é importante lembrar que este nicho de mercado traz uma contradição inerente uma vez que os produtos florestais não-madeireiros são usados pelas populações rurais como economia de subsistência enquanto a certificação é um instrumento de mercado (economia capitalista). No final, alem do potencial econômico, os PFNMs constituem o plano de saúde e de nutrição mais seguro para milhões de famílias na Amazônia. Por elo é fundamental coordenar as atividades madeireiras com o manejo de produtos não-madeireiros, pois de um lado o ciclo da madeira tem rotação de 30 anos e o trabalho é sazonal (6 meses) e os produtos não-madeireiros podem ofertar renda e produção contínua durante os 30 anos. Desta forma, no manejo diversificado o trabalho e a renda são constantes.
A pesquisa futura sobre os produtos florestais não-madeireiros deve responder perguntas sobre os produtos que são utilizados mais amplamente pelas comunidades, sua abundância, produção e manejo; a sua contribuição para a renda e subsistência; além de investigar os recursos utilizados tanto para a produção de produtos não-madeireiros como para madeira. E o plano de manejo deve atender aos seguintes critérios: (i) diâmetro e idade mínima para iniciar a extração: (ii) quantidade do produto a ser extraído; (iii) freqüência da extração; (iv)período do ano; (v) densidade e abundância das espécies (% indivíduos a ser explorada); (vi) técnicas de extração. O manejo florestal comunitário diversificado está em sua infância, mas permite a obtenção de benefícios múltiplos de vários recursos, alem de incrementar os benefícios econômicos derivados do uso diversificado da sua base de recursos, proporcionar economias mais estáveis ao reduzir os riscos, oferecer menor pressão em recursos individuais e promover o uso de valores locais da biodiversidade.
Estudo de caso: Projeto de Manejo Florestal Comunitário do PAE- Chico Mendes (Patrícia Roth –[email protected])
O Projeto de Manejo Florestal Comunitário do PAE-Chico Mendes em Xapuri, no Acre, diversificou a produção florestal; reduziu o desmatamento; duplicou a renda anual do produtor agroextrativista; melhorou a qualidade de vida das famílias (estradas, sanitários, bombas d’água, placas solares, aparelhos de televisão, motocicletas etc.); promoveu a volta de pessoas jovens à floresta; fortaleceu a organização social; promoveu a certificação – FSC da madeira; gerou capital de giro através do recolhimento de 10% do valor do produto; e gerou outros benefícios como reconhecimento e renda através do turismo ecológico e histórico.
Os grupos de trabalho discutiram os seguintes temas: (1) os critérios para a incorporação dos PFNM nos planos de manejo, (2) os obstáculos a essa incorporação e elaboraram, a partir desta análise (3) recomendações para políticas públicas e instituições de apoio. Finalmente discutiram os obstáculos para a certificação de produtos não madeireiros (4).
Para tomar a decisão sobre a inclusão de PFNM nos planos de manejo, o grupo recomenda tomar dois passos prévios:
- fazer uma caracterização dos usos e da importância dos recursos deveria identificar os usuários dos recursos, a época e que se usam, os tipos de usos existentes, a escala de uma eventual comercialização dos produtos e a importância para a subsistência.
- realizar um mapeamento dos recursos para identificar a localização e a existência de conflitos sobre o uso.
Realizar estes passos prévios ajuda evitar conflitos de uso, otimizar a base dos recursos, efetivar a participação da população e ampliar o leque de produtos não reconhecidos pelos planos de manejo para madeira.
Foram identificados os seguintes critérios para a incorporação dos PFNM nos planos de manejo:
- se existe um uso em escala de economia empresarial
- em caso de conflitos sobre o uso dos recursos naturais
Como principais obstáculos à incorporação dos PFNM nos planos de manejo, o grupo identifica:
- problemas legais, como a indefinição fundiária, a falta de diretrizes técnicas e científicas, a dificuldade do licenciamento, a ausência de uma legislação específica;
- a distribuição dos PFNM na floresta pode dificultar o seu uso;
- entraves devidos à biopirataria;
- a viabilidade econômica pode ser dificultada por altos custos e pequenos retornos, e dificuldades de comercialização;
- a concepção dos planos de manejo para produtos madeireiros e não madeireiros é diferente, devido também à complexidade dos diversos produtos florestais;
O grupo faz as seguintes recomendações para políticas públicas e instituições de apoio:
- desenvolver o poder de decisão da comunidade;
- criar mecanismos para incluir mulheres e jovens no manejo florestal comunitário;
- considerar as diversidades e especificidades;
- buscar bases científicas;
- documentar o conhecimento tradicional;
- capacitar técnicos para trabalhar com produtos florestais não-madeireiros;
- criar normas sem burocracia;
- promover a divisão justa de benefícios entre comunidade e empresa;
- regular uso dos recursos naturais.
O grupo identifica Obstáculos para a Certificação desses produtos, por exemplo:
- ausência de produtos com boa qualidade;
- falha na produção por ano e por espécie;
- a não valorização do bom manejo pelo mercado local;
- ausência de informação sobre mercados para os produtos florestais não-madeireiros certificados;
- custos altos e complexidade da certificação de PFNM.
Os PFNM têm um papel importante na economia e na vida das comunidades rurais e urbanas. Já que proporcionam alimentos, medicamentos e materiais para a construção, entre outros. Nos últimos anos se vem dando um interesse crescente por parte das comunidades, indústrias e governo na promoção de sistemas florestais de gestão diversificada que inclua além da madeira, outros produtos e benefícios derivados das florestas como ferramenta para conservar os ecossistemas florestais.
DECLARAÇÃO DE PARAÍSO
América Latina está experimentando um processo sem precedentes de democratização do acesso aos recursos florestais. Comunidades indígenas, ribeirinhas e camponesas, que têm manejado suas florestas há décadas, senão séculos, formam parte destes processos de reconhecimento oficial e formalização de seus direitos territoriais em vários países da região. Para estas comunidades as florestas funcionam como redes de segurança, que proporcionam bens e serviços críticos para sua subsistência. Além disso, o conhecimento tradicional sobre o manejo dos recursos naturais, acumulado por estas populações rurais, pode contribuir de forma decisiva à conservação dos ecossistemas florestais, assim como a uma melhor qualidade de água e ar para o planeta.
Os avanços na legislação e certificação florestal, junto com uma maior articulação de base social, constituem um novo marco institucional para o manejo florestal comunitário (MFC) e para o desenvolvimento de empresas florestais comunitárias, como ferramentas para o desenvolvimento sócio-econômico das comunidades e para a conservação das florestas. Neste contexto, o manejo florestal comunitário deve ser tratado como um processo social que incorpora múltiplas visões e processos históricos o que exige novas capacidades de implementação. Tal processo social, abarca a definição e aplicação de normas técnicas e sociais para o manejo florestal e reconhecimento do capital social existente, dos valores culturais das florestas, de seus bens e serviços, assim como também da organização comunitária e empresarial e o estabelecimento de vínculos político-institucionais e comerciais. A identificação das múltiplas facetas deste processo social e das diferentes estratégias para fortalecer o manejo florestal comunitário, constitui um ponto crítico para a construção de modelos de gestão dos recursos naturais mais eqüitativos e adaptados à complexidade social em que se encontram inúmeras florestas.
Esta é a mensagem central do seminário “O Manejo Florestal Comunitário e Certificação na América Latina”, realizado em Belém, Brasil, de 28-31 de outubro de 2003. Representantes de governos nacionais, projetos, técnicos, agências de cooperação e de comunidades envolvidas no manejo florestal se reuniram para identificar e analisar uma amplagama de casos de manejo florestal comunitário na região, com ênfase especial nos seguintes temas:
- Oportunidades e desafios do manejo e da certificação florestal;
- Mudanças nos marcos jurídico-legais para o MFC;
- Formas de organização comunitária e sua importância para o MFC;
- Papel das agências de desenvolvimento e dos serviços técnicos e empresariais no acompanhamento de iniciativas de MFC;
- Oportunidades de mercado e a criação de cadeias de valor para produtos florestais;
- Vínculos comerciais entre comunidades e empresas;
- Papel dos produtos florestais não-madeireiros e uso diversificado dos recursos no MFC.
Apesar da existência de tendências promissoras, existe uma série de desafios para consolidar as iniciativas de manejo comunitário existentes, uma vez que se promovem novas iniciativas. Os principais desafios encontrados para aumentar os benefícios sociais, econômicos e ambientais ligados ao MFC foram agrupados em:
- Pouco poder de negociação das comunidades;
- Pouca representação e controle das comunidades nas iniciativas de MFC;
- Falta de reconhecimento dos sistemas de manejo tradicional e do conhecimento das comunidades;
- Limitação nas capacidades técnica, organizativa, financeira e gerencial das iniciativas comunitárias;
- Prestação de serviços técnicos, empresariais e financeiros orientada apenas para oferta, mas que demandam falta de serviços pontuais e acordos com as necessidades específicas de cada comunidade;
- Falta de confiança entre comunidades e empresas florestais;
- Acesso a mercados difíceis (canais restritos de distribuição, falta de informação de mercado e de facilidades de transporte);
- Mercados de produtos florestais pouco transparentes (e.x.: competição desleal com exploração ilegal, subsídios a plantações);
- Falta de incentivos fiscais, financeiros e creditícios para desenvolver empresas florestais comunitárias;
- Regulamentações que penalizam a pequena indústria e ao modelo organizativo comunitário no mercado;
- Políticas públicas inadequadas (e.x.: incentivos para conservação de florestas, insegurança fundiária e normas técnicas desenhadas para concessões industriais e transferidas para o MFC).
Durante as discissões foram intensificadas as seguintes medidas para atacar os obstáculos acima mencionados:
- Aumentar a capacidade de autogestão das comunidades para implementar as iniciativas de MFC;
- Fortalecer a capacidade técnica e gerencial das comunidades envolvidas no manejo florestal, incluindo as organizações e redes de apoio;
- Identificar os mecanismos para incorporar o conhecimento local no manejo de recursos dentro das iniciativas;
- Desenvolver e implementar estratégias de comunicação e intercâmbio de experiências de MFC;
- Modificar o currículo dos programas de ensino, pesquisa e extensão florestal para incluir o MFC;
- Ressaltar o MFC como um componente chave nos planos de desenvolvimento local, regional e nacional;
- Acelerar os processos de regularização de terras comunitárias e reconhecimento de direitos tradicionais;
- Adequar os marcos político-institucionais (leis, regulamentos e instrumentos fiscais) para que reflitam o papel do MFC nas economias locais e regionais, bem como para o bem-estar de populações locais, conservação de florestas e para a função social dos mesmos;
- Redefinir o marco institucional e legal para favorecer e promover o MFC;
- Promover o compromisso dos governos nacionais para o manejo florestal sustentável: redução da competência desleal e redefinição do equilíbrio entre as políticas à indústria e para o desenvolvimento do MFC;
- Aumentar a competitividade das iniciativas de MFC através de acordos entre comunidade e empresas, comunidades entre si e redes de comércio justo, promovendo sua inserção em cadeias produtivas;
- Criar sistemas de inteligência de mercado no âmbito regional e nacional com linguagem acessível às famílias e organizações de apoio ao MFC;
- Redefinir as funções das agências de desenvolvimento, organizações não-governamentais, serviços técnicos, empresariais e financeiros para poder catalisar mais processos e criar menos projetos dependentes de apoio externo;
- Encaminhar tais propostas aos doadores para facilitar o desenvolvimento de metodologias e estratégias de financiamentos inovadores.
Para fomentar estes processos sociais, que caracterizam o manejo comunitário, é fundamental intensificar o diálogo e intercâmbio entre as iniciativas comunitárias, os empresários e os tomadores de decisão locais e regionais, assim como entre estas e as agências de desenvolvimento e os serviços técnicos, empresariais e financeiros. Além disso, torna-se necessário incorporar a ampla experiência e conhecimento local sobre as florestas como estratégia para fortalecer o manejo florestal comunitário convertendo-o, deste modo, em um motor efetivo para um verdadeiro desenvolvimento sustentável.
Belém do Pará, 31 de outubro de 2003