Em 2003, depois de muitos anos de pressão, prefeitos conseguiram uma concessão fiscal do governo federal: o direito de fiscalizar o Imposto Territorial sobre a Propriedade Rural (ITR), que é cobrado de posseiros e proprietários de terras rurais. Após emenda constitucional, as prefeituras que participarem da fiscalização por meio de convênio com a Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil (RFB) podem ficar com 100% do valor arrecadado, enquanto aqueles sem convênio continuarão a receber apenas 50%.
O ITR, além de servir para coletar dinheiro para serviços públicos, foi criado para estimular o melhor uso das terras agrícolas. Para isso, prevê que imóveis grandes e pouco produtivos paguem alíquotas mais altas. Essa regra é especialmente importante na Amazônia onde vastas áreas desmatadas são mal-usadas. Por exemplo, em 2014 havia 12 milhões de hectares de pastos degradados no bioma Amazônia, segundo a Embrapa e Inpe. Além disso, o Índice de Progresso Social (IPS) da região em 2018, que depende de investimentos em serviços públicos, foi menor do que no restante do Brasil (respectivamente 56,5 e 67,2).
Neste estudo mostramos que alguns prefeitos aproveitaram parcialmente as novas regras e aumentaram a arrecadação do ITR na Amazônia Legal, seguindo a tendência do resto do Brasil. O valor arrecadado na região saltou de R$ 17 milhões em 2000 para R$ 240 milhões em 2017. O aumento ocorreu principalmente depois que as prefeituras puderam participar da fiscalização da arrecadação. Entretanto, até 2018, apenas 38% das prefeituras na região haviam assinado convênios para fiscalizar. Os sessenta e dois por cento que não assinaram deixaram escapar a possibilidade de incrementar receitas e aplicar nos seus diversos setores necessitados, tais como educação, saúde e infraestrutura.
Mato Grosso, onde 93% dos municípios, que detêm 95% da área tributável, são conveniados, foi o estado onde se verificou aumento mais significativo de arrecadação. Lá, o valor foi multiplicado por nove entre 2007 (antes do convênio) e 2017 (depois do convênio). A principal medida observada naquele estado para aumentar a arrecadação foi atualizar o Valor da Terra Nua (VTN). Para tanto, algumas prefeituras contrataram consultores para ajudar na atualização do VTN com base no preço de mercado de terras.
Apesar desse incremento na coleta do ITR na Amazônia, verificamos que a arrecadação ainda está abaixo do seu potencial. Estimamos que o valor poderia ser de quatro (R$ 986 milhões) a seis vezes maior (R$ 1,5 bilhão) do que o arrecadado em 2017 apenas considerando que as prefeituras usassem o preço de mercado de terra como base para o VTN, que é uma das bases do cálculo do ITR. Em nossa análise estimamos que o VTN médio declarado por fazendeiros e agricultores correspondeu a apenas 10,5% do valor médio de mercado de terras em 762 municípios. Nos municípios conveniados, os valores declarados corresponderam, em média, a apenas 14% dos de mercado, e nos sem convênio, a 6%.
Outro fator que impede uma maior arrecadação do ITR pelos municípios é o fato de o governo federal não atualizar o índice de produtividade da terra, que também é usado para o cálculo do imposto – O índice atual é baseado em dados de 1985, assim, mesmo áreas pouco produtivas atingem o grau mínimo de utilização. Dessa forma, pagam alíquotas menores. Por exemplo, de acordo com o índice utilizado atualmente, uma propriedade na Amazônia é considerada produtiva se tiver 0,5 cabeça de gado por hectare, que é abaixo da média da região de 1,9 cabeça por hectare (Silva & Barreto, 2014; IBGE, 2018).
A forte pressão dos ruralistas contra o ITR é o principal fator que influencia presidentes da República a não atualizarem os índices de produtividade para fins da determinação da alíquota e prefeitos a não atualizarem adequadamente o VTN de seus municípios.
Em 2009, o então presidente Lula prometeu atualizar os índices de produtividade (defasados desde 1980), mas foi bloqueado por pressão de ruralistas. Nenhum outro presidente sequer mencionou atualizar o índice. Nosso estudo revelou também que ruralistas pressionam prefeitos de municípios conveniados para estabelecer tetos de VTN abaixo do preço de mercado, mesmo quando consultores são contratados para pesquisar os valores de mercado. Um consultor declarou que não propõe reajuste igual ao valor de mercado pois seria um “tiro no pé”, isto é, seus trabalhos seriam descontinuados por causa da pressão ruralista.
Além do lobby ruralista para não aumentar o ITR, a falta de uma melhor coordenação entre prefeituras e a RFB para compartilhamento de dados, capacitação e estabelecimento de procedimentos também prejudica a arrecadação do imposto.
Por fim, o ITR é um imposto pouco significante na arrecadação total da RFB e há pouca atenção ao tema. As medidas para melhorar a arrecadação são esporádicas e houve pouco investimento para capacitar as prefeituras. O julgamento de irregularidades é demorado e as penas raramente são aplicadas ou são insuficientes – por exemplo, prefeitos não são condenados pessoalmente por não atualizarem o valor das terras, o que representa uma renúncia fiscal informal.
Para que a arrecadação do ITR seja eficaz e promova o desenvolvimento rural serão necessárias melhorias técnicas e políticas, que incluem:
Transparência e filtros para estimular o uso de valores de terra de mercado. Para coibir a sub-declaração de valor de uso da terra é necessário promover a coleta e compartilhamento de dados de mercado. Além de demandar que municípios coletem dados, como já vem sendo feito, a RFB poderia coletar ou adquirir dados de mercado como referência para checar os valores fornecidos pelos municípios e declarados pelos contribuintes. A Secretaria de Agricultura do Estado de São Paulo coleta e divulga os valores de terra nua para fins do ITR e já identificou que alguns municípios do estado cederam à pressão de ruralistas para a redução de valores.
Focar na fiscalização de municípios com indícios de baixa produtividade. O alto índice de terras subutilizadas, como os pastos degradados, pode ser usado para priorizar a fiscalização da cobrança do ITR. Entre os campeões de áreas de pasto degradados estão municípios conveniados. Além de alto estoque de terras mal-usadas, alguns desses municípios continuam sendo campeões de desmatamento, como Altamira e São Félix do Xingu, no Pará. Portanto, a fiscalização nessas regiões poderia tanto ajudar a melhorar o uso das terras já abertas quanto prevenir novos desmatamentos.
Usar mapas de propriedades para a fiscalização do ITR. A área tributável pode ser estimada cruzando-se imagens de satélite de uso das áreas com os mapas das propriedades que são disponibilizados no Cadastro Ambiental Rural (CAR). Atualmente, a legislação só pede que os declarantes informem o número do cadastro. A RFB e os municípios poderiam acessar os mapas do CAR para cruzá-los com mapas de uso do solo. O cruzamento de mapa dos imóveis (como o CAR) e de outras jurisdições (assentamentos de reforma agrária, unidades de conservação, terras indígenas) também serviria para avaliar as causas da redução de área declarada que vem ocorrendo. Apesar do número do CAR já estar sendo exigido na Declaração do Imposto Territorial sobre a Propriedade Rural (DITR), a RFB ainda não conseguiu convênios com gestores do CAR para cruzamento das informações.
Atualizar o índice de produtividade para estabelecer o grau de uso da terra. O Incra, que é responsável direto por atualizar o índice, poderia priorizar a atualização dos índices da pecuária, pois é o uso que ocupa maior área e um dos mais ineficientes. Para tanto, poderia usar dados já existentes. Entretanto, a atualização do índice dependeria de a presidência da República entender a importância estratégica do ITR e estar comprometida com o desenvolvimento rural mais sustentável e inclusivo. Além disso, a presidência deveria estar disposta a vencer a resistência do setor rural – uma forma de fazer isso seria mostrar aos líderes rurais mais produtivos que o aumento afetaria principalmente os produtores rurais que usam a terra de forma especulativa.
Fiscalizar e responsabilizar os gestores públicos. Prefeitos que não usam dados de mercado para cobrar o ITR e presidentes que não atualizam os índices de produtividade estão abdicando de suas funções de governar e concedendo informalmente renúncias fiscais. Além de irregulares, essas renúncias não são transparentes e justificadas e contribuem para agravar a injustiça fiscal e social. Por exemplo, a redução de serviços públicos afeta mais significativamente os mais pobres. Para que a arrecadação possa proporcionar benefícios à população mais pobre, é essencial que a RFB e outros órgãos fortaleçam a fiscalização e punição das prefeituras que não cumprem suas funções. A perda de receita é um problema para os municípios, mas não necessariamente para um prefeito sem compromisso com o bem-estar da população – uma vez que preferiu atender às demandas de um grupo limitado de eleitores que possuem terras. Ademais, outros órgãos investigativos como os Tribunais de Contas, Câmaras de Vereadores e os Ministérios Públicos devem fiscalizar o desempenho dos responsáveis pela cobrança correta do ITR. As punições a quem não cumpre as regras devem ser pessoais, além de institucionais
This post was published on 18 de agosto de 2019
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