Os frigoríficos vão ajudar a zerar o desmatamento da Amazônia?

Barreto, P., Pereira, R., Brandão, A. & Baima, S. 2017. Os frigoríficos vão ajudar a zerar o desmatamento da Amazônia? (p. 158). Belém: Imazon.
Os frigoríficos que compram gado da Amazônia têm sido pressionados por campanhas ambientais e processos legais a combater o desmatamento praticado pelos fazendeiros. A pressão para zerar o desmatamento, legal ou ilegal, é crescente, pois esta é a atividade mais poluidora do país se considerarmos a emissão de gases da queima de florestas que contribuem para o aquecimento global. Algumas empresas frigoríficas se comprometeram a comprar apenas de fazendas sem desmatamento após 2009. Sete anos depois do primeiro acordo, fomos a campo para responder se os frigoríficos, de fato, podem contribuir para zerar o desmatamento na região. Com base em dados inéditos e na revisão de estudos, mostramos que os acordos avançaram, mas muito ainda precisa ser feito para que o setor contribua efetivamente para ajudar a zerar o desmatamento na Amazônia.
Em 2009, o Ministério Público Federal (MPF) e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) processaram frigoríficos no estado do Pará que compravam de fazendas embargadas por desmatamento ilegal e o MPF também ameaçou processar empresas, como supermercados e indústrias de couro, que continuassem a comprar desses frigoríficos. Na mesma época, o Greenpeace fez uma campanha global que alertou compradores de produtos dos frigoríficos que estavam associados ao desmatamento ilegal.
Para se livrarem de processos criminais e do boicote de parte do mercado, vários frigoríficos, incluindo os quatro maiores na época, assinaram acordos (Termos de Ajustamento de Conduta – TAC) com o MPF e um compromisso público com o Greenpeace. O TAC é um compromisso legal que, se descumprido, autoriza o MPF a executar as sanções sem necessidade de intervenção judicial. Os frigoríficos signatários do TAC se comprometeram a só comprar de fazendas livres de desmatamentos após 2009, fora da lista de trabalho análogo a escravo do Ministério do Trabalho, registradas no Cadastro Ambiental Rural (o CAR  reúne um mapa da fazenda e informações do detentor do imóvel e serve como carteira de identidade da fazenda) e que não estejam em Áreas Protegidas. Depois, outros frigoríficos assinaram TAC em outros estados da Amazônia, criando a expectativa de que esse tipo de acordo pode ser um instrumento promissor contra o desmatamento. A seguir, resumimos a situação dos acordos, os avanços e os desafios.
 
Metade dos frigoríficos ativos, responsáveis por 70% da capacidade de abate, assinaram acordos contra o desmatamento
110 empresas são responsáveis por 93% dos abates na Amazônia Legal. Começamos com um mapeamento para descobrir onde estão os frigoríficos signatários e não signatários do TAC na Amazônia Legal e quais suas características. Usando dados governamentais e imagens de satélite, encontramos 157 plantas frigoríficas registradas no SIE e SIF, que foram responsáveis por 93% dos abates em 2016 na Amazônia Legal segundo o IBGE – Os frigoríficos registrados no Sistema de Inspeção Estadual (SIE) podem vender somente nos estados onde se localizam e os registrados no Sistema de Inspeção Federal (SIF) podem vender para todo o país e, se atenderem critérios adicionais, podem exportar.
Entrevistas com representantes das empresas proprietárias dos frigoríficos revelaram que as 157 plantas mapeadas na Amazônia Legal pertenciam a 110 empresas, mas somente 128 plantas, pertencentes a 99 empresas, estavam ativas em 2016.
Os frigoríficos com registro no SIF (que podem vender em todo Brasil e exportar) têm, em média, maior capacidade de abate (708 animais/dia), demandam mais fornecedores e percorrem, em média, 360 km para comprar gado, de acordo com entrevistas e nossas estimativas. Um frigorífico registrado no SIF precisaria de, em média, cerca de 580 mil hectares de pasto para abastecer sua demanda anual, considerando o uso total da sua capacidade média de abate e a produtividade média dos pastos.
Já os frigoríficos com registro no SIE (que só vendem no estado de localização) podem abater, em média, 181 animais/dia, podem comprar gado até uma distância média máxima de 153 km e precisariam de 25% da área de pasto de um frigorífico com registro no SIF para abastecer sua demanda anual.
99 empresas podem comprar de zonas que atingem 390 mil fazendas detentoras de 93% do rebanho amazônico. Estimamos que as zonas potenciais de compra de todos os 128 frigoríficos ativos se estendem por regiões que atingem 91% dos pastos existentes na Amazônia – o que é compatível com o fato de que eles são responsáveis por 93% do abate de gado na região. Assim, estimamos que as 99 empresas, proprietárias das 128 plantas ativas, podem influenciar, direta ou indiretamente, 390 mil fazendas que somam um rebanho aproximado de 79 milhões de reses (93% do total).
Estimamos ainda que as zonas potenciais de compra dos frigoríficos atingem regiões onde está contida a maior parte dos problemas associados ao desmatamento na Amazônia Legal: 88% do total de áreas embargadas pelo Ibama, 88% da área desmatada entre 2010-2015 que não foi embargada (apesar de que grande parte pode ser ilegal) e cerca de 90% das áreas sob maior risco de desmatamento entre 2016-2018 (de um total de 1,68 milhão de hectares de florestas).
Portanto, cobrar que as 110 empresas frigoríficas – que são as portas para o mercado – cumpram a lei ou se comprometam com o desmatamento zero parece um caminho mais promissor para reduzir o desmatamento do que vigiar individualmente os 390 mil fazendeiros.
 
Os avanços e desafios dos acordos contra o desmatamento
Nossas análises revelaram vários avanços dos acordos e muitos desafios.
70% da capacidade de abate são de frigoríficos que assinaram TAC. Cruzando nossa lista de frigoríficos com os registros dos Ministérios Públicos na Amazônia, descobrimos que 49% dos frigoríficos ativos (63 dos 128) com registros no SIF e SIE assinaram TAC e que eles detêm 70% da capacidade de abate de todas as plantas frigoríficas. Trinta e oito empresas controlam esses frigoríficos. As zonas de compra dessas empresas conjuntamente cobrem 86% do total de áreas embargadas pelo Ibama, 83% da área desmatada entre 2010-2015 que não foi embargada (apesar de que grande parte pode ser ilegal) e cerca de 85% das áreas sob maior risco de desmatamento entre 2016-2018 (de um total de 1,68 milhão de hectares de florestas). Assim, se todas cumprissem os acordos, o potencial de redução do desmatamento seria expressivo.
Há evidências de que algumas das empresas estão boicotando compras de fazendas irregulares, incluindo um estudo científico sobre uma empresa frigorífica (JBS) e auditorias independentes do compromisso público das três maiores empresas frigoríficas operando na região (JBS, Marfrig e Minerva). Entretanto, ainda não foi verificado se todos os signatários estão controlando os fornecedores, seja por causa de atrasos nas auditorias independentes que deveriam ter sido feitas por todos os signatários ou por falta de divulgação dos resultados de auditorias feitas em Mato Grosso.
Mesmo as empresas que assinaram TAC estão expostas aos riscos associados ao desmatamento. O primeiro problema é que fazendeiros têm burlado os boicotes por mecanismos de lavagem. Por exemplo, fazendeiros arrendam fazendas embargadas para outros fazendeiros, os quais vendem o gado usando documentos (CPF, CNPJ, CAR) diferentes do constante nas listas de embargo do Ibama ou dos estados. As fraudes são facilitadas porque os gestores públicos dificultam ou proíbem o acesso a informações públicas sobre o CAR e às informações sobre o transporte de gado entre as fazendas e das fazendas para os frigoríficos (as Guias de Trânsito Animal-GTA). As GTAs são obrigatórias e são emitidas por agências estaduais de controle sanitário animal. O Pará é o único estado da região que permite acesso público completo aos dados do CAR das fazendas.
O segundo maior desafio é que a maioria dos frigoríficos não controla as fazendas fornecedoras indiretas, ou seja, aquelas onde o gado nasceu e passou algum tempo antes de chegar às fazendas de engorda, que vendem o gado gordo para os frigoríficos. Uma empresa frigorífica avaliou que cerca de metade das fazendas fornecedoras diretas compra o gado de outras fazendas antes de engordá-lo e vendê-lo aos frigoríficos. Há meios para controlar os fornecedores indiretos, como demonstram projetos piloto na região e experiências em outros países, mas nem o mercado nem o MPF cobram ainda efetivamente o controle dos indiretos.
Após a primeira auditoria piloto do TAC no Pará, em 2014 o governo do estado iniciou uma abordagem inovadora que facilitaria o controle de todas as fazendas, inclusive das indiretas: só emitir a autorização de transporte de animais (GTA) para as fazendas que tivessem registro no CAR. Porém, por resistência da agência de controle sanitário do Pará, a Adepará, e dificuldades de coordenação entre a Adepará e Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Pará (Semas), o calendário inicial não foi cumprido. Após novas cobranças do MPF, um novo calendário foi instituído e a vinculação da emissão da GTA ao CAR deveria ser exigida de todas as fazendas no Pará até outubro de 2018, mas informantes declararam que esta vinculação foi paralisada novamente.
O terceiro desafio é que 30% da capacidade de abate é de frigoríficos que não assinaram o TAC. São 65 frigoríficos ativos, pertencentes a 63 empresas. Em geral, esses frigoríficos compram nas mesmas zonas que os frigoríficos com TAC. Assim, parte dos fazendeiros boicotados pelas empresas com TAC consegue vender para os frigoríficos sem TAC – o que caracteriza um vazamento do efeito dos acordos e uma competição injusta com as empresas que estão tentando assumir custos para excluir os fazendeiros que desmatam. Por exemplo, os fazendeiros do Pará podem vender tanto para frigoríficos no próprio estado como para frigoríficos de estados vizinhos, como o Tocantins, Amapá, Amazonas e Maranhão. Frigoríficos do Amazonas sem TAC também compram de Rondônia e, portanto, podem “exportar” o risco de desmatamento para aquele estado.
Essas barreiras aos avanços dos acordos e o fato de que o poder público vem reduzindo a proteção ambiental, facilitam o aumento do desmatamento. Por exemplo, desde 2012 a taxa de desmatamento aumentou 75% depois que o Congresso e a então presidente da República perdoaram uma parte do desmatamento ao mudar o Código Florestal e reduziram o tamanho e o grau de proteção de Unidades de Conservação e o número de fiscais no Ibama e no Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) da Amazônia.
 
As empresas mais expostas aos riscos associados ao desmatamento
A grande maioria das empresas continua exposta aos riscos associados ao desmatamento: as signatárias de TAC porque sofrem os efeitos das fraudes e não controlam os fornecedores indiretos; e as não signatárias, porque não adotam qualquer controle dos fornecedores.
As empresas mais expostas aos riscos possuem várias plantas distribuídas na região, atendem ao mercado nacional e podem exportar (SIF) ou atendem a um mercado estadual grande em regiões com pouca oferta local de gado e, assim, compram de áreas distantes por meio de transporte fluvial barato.
As empresas com TAC que estão no topo do ranque de risco provavelmente seriam as que mais se beneficiariam com os esforços para melhorar o controle. Elas já adotam algum tipo de controle e teriam custos menores para avançar e poderiam ser premiadas mais rapidamente pelo mercado. Além disso, se beneficiaram da fiscalização à competição injusta daqueles que não adotam nenhum controle. Neste grupo está a JBS, a empresa potencialmente mais exposta aos riscos associados aos desmatamento, pois possui 32 plantas na região, das quais 21 estão ativas. Nas zonas potenciais de compra dessas plantas estão 4,6 milhões de hectares com algum tipo de risco, incluindo 1,7 milhão de hectares embargados, 1,6 milhão de hectares de área desmatada entre 2010-2015 e 1,2 milhão de hectares de floresta com risco de desmatamento entre 2016 e 2018.  Outras quatro empresas ocuparam um segundo nível de exposição de risco. O frigorífico Redentor, no norte de Mato Grosso, ocupou a segunda posição no ranque com apenas uma planta, mas situada em região com altos índices de embargos de desmatamento recente e com alto risco de desmatamento futuro. As outras três empresas possuem mais de uma planta: Marfrig (5 plantas), Vale Grande (3 plantas) e Frigorífico Mercúrio (2 plantas).
É notável que várias empresas sem TAC também ocupem posição de destaque no ranque de exposição potencial ao risco de desmatamento. Fazer essas empresas boicotarem gado associado ao desmatamento poderia resultar em ganhos rápidos no controle do desmatamento. No topo deste ranque está o frigorífico Frigo Manaus, que se destaca por comprar em uma zona que alcança, no período das cheias, animais a até mais de 1.000 km de distância, no Pará e Rondônia, quando fica escassa a oferta de animais no entorno de Manaus. Um segundo grupo com maior exposição inclui dez empresas, nove delas registradas no SIF – isto é, podem vender carne e subprodutos no mercado nacional e, se habilitadas, também no mercado externo –, que compram de longas distâncias (p. ex., Bovinorte, em Manaus-AM) ou que possuem mais de uma planta (p. ex., Total, em Rolim de Moura e Ariquemes e Distriboi, em Cacoal e Ji-Paraná, todas em Rondônia), ou que estão localizadas em áreas sob grande pressão por novos desmatamentos (p. ex., T. M. da Silva de Carvalho, em Novo Progresso-PA).
 
A pecuária continuará associada ao desmatamento na Amazônia?
Depois de avaliar os avanços e desafios até agora, refletimos sobre o futuro: os acordos feitos pelas empresas serão consolidados e ampliados e levarão à redução drástica do desmatamento? Ou uma parte do mercado vai continuar comprando de fazendeiros que desmatam? Para responder a estas perguntas analisamos as forças a favor e contra o desmatamento e sua relação com os acordos da pecuária. O histórico do setor mostra que mudanças significativas de comportamento dos fazendeiros e das empresas frigoríficas só ocorreram quando as empresas foram boicotadas ou estavam na iminência de ser e/ou quando estavam em risco acentuado de penas legais e/ou de reputação (que poderiam levar à perda futura de mercado ou de financiamento).
Considerando as lições do passado e as possibilidades futuras, concluímos que as forças favoráveis ao desmatamento estão em vantagem no curto prazo, mas há possibilidades para virar o jogo. Há várias promessas de compromissos nacionais e internacionais para zerar ou reduzir drasticamente o desmatamento entre 2020 e 2030. Entretanto, os avanços ainda são modestos e o cumprimento das metas é incerto.
 
Retrocessos e possibilidades no curto prazo
Em 2016, as exportações aumentaram a partir da abertura do mercado chinês, o que pode aumentar a pressão para desmatar. Ao mesmo tempo, o poder público continua negando o acesso aos dados sobre a identificação dos detentores de imóveis rurais registrados no CAR e do transporte de gado (GTAs), que poderiam facilitar o controle de gado vendido direta e indiretamente. Além disso, o presidente da República e o Congresso estão aprovando leis que reduzem o grau de proteção de Unidades de Conservação e que estendem o prazo para ocupantes ilegais solicitarem a regularização de posses de terras públicas.
Em abril de 2017, uma operação do Ibama no Pará (a Carne Fria) embargou frigoríficos e um exportador de gado vivo acusados de comprar gado de áreas embargadas. Entretanto, esses resultados imediatos foram enfraquecidos por ações do governo federal, de políticos regionais e pelo Judiciário. Apesar disso, o Ibama demandou que as empresas desembargadas administrativamente apresentem em 90 dias soluções para evitar compras de áreas irregulares. Depois disso, alguns dos grandes supermercados têm cobrado informações de frigoríficos acusados pelo Ibama e indicado que podem deixar de comprar se as respostas não forem satisfatórias.  Essa cobrança está ajudando a acelerar o desenvolvimento de um projeto piloto de controle de fornecedores indiretos que vinha sendo discutido por fazendeiros no Pará. As reuniões que o governo do Pará convocou para avaliar as opções para aperfeiçoar a implantação do TAC após a operação Carne Fria podem ser um espaço para ampliar as iniciativas piloto. As primeiras reuniões incluíram Ibama, Ministério do Meio Ambiente (MMA), MPF, produtores e frigoríficos. O projeto poderia ser acelerado com a participação de grandes compradores de produtos dos frigoríficos e os outros setores necessários do governo como o Ministério da Agricultura, Pecuária a Abastecimento (Mapa). A Associação Brasileira de Supermercados (Abras), que assinou compromisso com o MPF, também deveria se engajar para fortalecer o papel do varejo. Como nossos dados mostram, menos de 50 empresas são responsáveis pela grande maioria dos abates.
A operação Carne Fria pode ainda resultar em outros impactos indiretos. O Ibama sugeriu ao MPF do Pará a execução das sanções estabelecidas no TAC contra os frigoríficos que descumpriram o acordo. O MPF pode aplicar as sanções extrajudicialmente (sem intervenção de um juiz), o que poderia acelerar a adoção de melhores práticas. Portanto, o efeito da operação no curto prazo dependerá, em grande medida, da decisão do MPF, que informou que está aguardando as manifestações dos frigoríficos para decidir sobre as recomendações do Ibama.
No curto prazo, as auditorias do TAC e as sanções do TAC decorrentes da operação Carne Fria podem ser os eventos mais promissores contra o desmatamento. Vinte e duas empresas que assinaram o TAC no Pará e 12 em Mato Grosso contrataram auditorias independentes. Se o MPF e o mercado punirem os frigoríficos que eventualmente violarem os acordos, as empresas tenderiam a fortalecer o controle, inclusive dos fornecedores indiretos.
Entretanto, as reações contra a operação Carne Fria mostram que é necessário barrar as pressões políticas contra órgãos ambientais. O setor ambiental poderia aprender com a experiência recente de combate à corrupção no Brasil. O uso de estratégias de comunicação tem ajudado os investigadores da Lava Jato a obter apoio da população e barrar as pressões políticas.
Um plano de comunicação poderia ter duas vertentes. Uma que ressalta os impactos sociais, ambientais e econômicos negativos do desmatamento. A outra que demonstra que o combate ao desmatamento não tem impedido e nem impedirá o desenvolvimento econômico do país, pois é possível aumentar a produção nas vastas áreas desmatadas mal utilizadas, tanto na Amazônia, quanto no resto do país.
O jogo contra o desmatamento também pode virar por causa de campanhas ambientais que podem ocorrer a qualquer momento e minar as forças favoráveis ao desmatamento. O Greenpeace suspendeu as negociações com a JBS sobre o Compromisso Público da Pecuária logo após a operação Carne Fria e depois suspendeu a participação do acordo com todas as empresas dada a falta de avanços, a revelação do envolvimento dos sócios controladores da JBS em corrupção e os retrocessos de políticas ambientais. Em virtude do aumento do desmatamento na Amazônia, é plausível que ocorram novas campanhas focadas nos frigoríficos que operam na região.
 
Promessas e regras de médio e longo prazos contra o desmatamento
Várias promessas do setor privado, de governos e de organismos multilaterais contra o desmatamento têm 2020 e 2030 como prazos limites. Por enquanto essas medidas têm pouco efeito imediato no campo. Se as promessas forem cumpridas, podem ter efeito especialmente em relação às maiores empresas.
Acordos e iniciativas internacionais. Em 2010, o Fórum de Bens de Consumo (Consumers Goods Forum-CGF), composto por grandes corporações internacionais como Unilever, Walmart e MacDonalds, prometeu atingir o desmatamento líquido zero em sua cadeia de suprimentos até 2020. O desmatamento líquido zero implica que a perda de floresta deve ser compensada por meio de reflorestamento ou regeneração natural.
Em 2014, governos, empresas e sociedade civil aprovaram a Declaração de Nova Iorque sobre Florestas (NYDF), que é uma declaração internacional voluntária e não vinculativa para tomar medidas para reduzir o desmatamento global. A meta dois da NYDF é apoiar e ajudar o setor privado a eliminar o desmatamento vinculado à produção de mercadorias agrícolas como óleo de palma, soja, papel e carne até no máximo 2020. Dentre as empresas estão a Cargill, Unilever, Procter & Gamble, McDonald´s, Johnson & Jonshon e a Nestlé. O governo brasileiro não é signatário, mas os estados do Acre, Amapá e Amazonas são.
Em 2015 o governo brasileiro e outros países aderiram às Metas do Desenvolvimento Sustentável da Organização das Nações Unidas (ONU), que incluem parar o desmatamento em 2020. O Brasil, como signatário, acordou apresentar anualmente uma Revisão Nacional Voluntária sobre os avanços para os atingimentos das metas. Embora voluntário, este acordo é mais ambicioso do que as políticas nacionais sobre mudanças climáticas cuja meta é reduzir o desmatamento amazônico a menos de 3.800 quilômetros quadrados até 2020 e de zerar o desmatamento ilegal até 2030 (referente ao acordo de Paris do qual o Brasil também é signatário).  A revisão anual exporá os países que não avançarem rumo às metas, mas as consequências são incertas.
Políticas nacionais. Os governos brasileiro e estaduais têm instituídas outras metas. O Conselho Monetário Nacional e o Banco Central, por meio da Resolução nº. 4.327/2014, demandam que instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil estabeleçam e implementem a Política de Responsabilidade Socioambiental (PRSA) a partir de fevereiro de 2015. O governo de Mato Grosso prometeu reduzir em 90% o desmatamento até 2030 e zerar o desmatamento ilegal até 2020. Em 2016, os governos federal e o estadual aumentaram a fiscalização no estado, mas 95,4% da área desmatada em Mato Grosso não possuía autorização do órgão ambiental. Em 2016 o desmatamento caiu apenas 6% em Mato Grosso em relação a 2015. O poder dissuasório das fiscalizações provavelmente tenha sido enfraquecido por causa das anistias recentes.
No Pará, em 2012, o governador do estado estabeleceu como meta zerar o desmatamento líquido até 2020. Apesar dos programas do estado, como o Programa Municípios Verdes e a estratégia Pará 2030, o desmatamento no estado continua elevado e subiu 75% entre 2012 e 2016. O caso do Pará parece mostrar que planos locais são insuficientes para lidar com as forças do mercado e planos nacionais que favorecem o desmatamento, como a redução de proteção legal e grandes projetos de infraestrutura que atraem imigrantes sem a execução de medidas de mitigação.  Esta situação é grave uma vez que parece improvável que os atuais chefes dos poderes Executivo e Legislativo federais irão reforçar espontaneamente as medidas contra o desmatamento. Os avanços dessas políticas dependerão de aumento da pressão sobre esses agentes públicos, da sociedade civil brasileira, agentes do mercado e da comunidade internacional.
 
Avanços insuficientes das promessas de médio e longo prazo
Entretanto, as promessas internacionais de médio e longo prazo apresentam avanços insuficientes. Uma análise global de 500 empresas, investidores e governos revelou que os compromissos como o do CGF e da NYDF não serão cumpridos até 2020 ou 2030 se for mantido o ritmo de progresso observado até 2016. A maioria dos países importadores de produtos vinculados ao desmatamento não possui medidas restritivas de compras.
As forças contra o desmatamento podem mudar se essas avaliações dos compromissos inspirarem ações concretas no curto prazo. Por exemplo, oito empresas estão trabalhando com o Carbon Disclosure Project (CDP) para coletar informações de seus principais fornecedores sobre como eles estão gerenciando os riscos associados ao desmatamento. A análise dos dados de fornecedores coletados no ano piloto de 2017 será publicada no relatório anual da cadeia de suprimentos do CDP em janeiro de 2018. Dentre as oito empresas estão a JBS e a Arcos Dorados, franquia da McDonald’s na América Latina.
Em síntese, o sucesso das promessas e acordos dependem de passos ou marcos de implementação mais contundentes no curto prazo – como punições e restrições de mercado se determinadas metas não forem cumpridas. As experiências anteriores mostram que os fazendeiros e a agroindústria respondem de forma pragmática quando as pressões e incentivos são claros e consistentes. Sem uma pressão clara de fora do setor (do mercado, da sociedade e de agentes públicos), é provável que muitos frigoríficos não assumam compromissos e que os acordos não sejam implementados efetivamente. Neste cenário, milhares de fazendeiros na Amazônia continuariam derrubando e queimando florestas para criar gado.
 
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This post was published on 13 de julho de 2017

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