Unidades de Conservação mais desmatadas da Amazônia Legal ( 2012-2015)

Araújo, E., Barreto, P., Baima, S. & Gomes, M. 2017. Unidades de Conservação mais desmatadas da Amazônia Legal ( 2012-2015) (p. 92). Belém: Imazon.
As Unidades de Conservação cobrem 22% da Amazônia Legal e são uma estratégia eficaz para conservar animais, plantas e serviços ambientais, conter o desmatamento e manter o equilíbrio climático do Planeta. Contudo, as taxas de desmatamento em UCs vêm aumentando – em 2015 já superava a de 2012 em 79% –, assim como sua participação no desmatamento total da Amazônia, que passou de 6% em 2008 para 12% em 2015. Como consequência do desmatamento de 237,3 mil hectares em UCs entre 2012 e 2015, que equivalem a R$ 344 milhões em terras apropriadas, aproximadamente 136 milhões de árvores foram destruídas, causando a morte ou o deslocamento de aproximadamente 4,2 milhões de aves e 137 mil macacos. Ademais, estimamos que a queima da vegetação nessa área desmatada tenha emitido 119 milhões de toneladas de gás carbônico equivalente por ano – que se compara às emissões de 80% da frota de automóveis do Brasil em setembro de 2016; e que esse desmatamento tenha gerado uma renda bruta de R$ 300 milhões com a venda da madeira (valor da madeira em pé), criando um enorme potencial de investimento no desmatamento.
Nesse contexto, identificamos as 50 UCs mais desmatadas entre 2012 e 2015 na Amazônia Legal, que representam apenas 16% do total de UCs da região. Juntas, elas perderam 229,9 mil hectares de floresta, isto é, 97% da área desmatada em UCs entre 2012 e 2015. Essas UCs críticas em desmatamento estão em área de expansão da fronteira agropecuária e sob influência de projetos de infraestrutura, como rodovias, hidrovias, portos e hidrelétricas. Os estados do Pará e de Rondônia concentraram a maior parte do desmatamento detectado no período, 49,8% e 38,9%, respectivamente. As UCs federais estão em maior número no ranking (27), mas as estaduais apresentaram maior área desmatada (68%).
As 10 primeiras posições do ranking concentraram 79% do total desmatado dentro de UCs da Amazônia Legal entre 2012 e 2015 e 82% do total desmatado no ranking. As Áreas de Proteção Ambiental (APA) ocupam cinco das 10 primeiras posições. Elas visam conciliar a ocupação humana com a proteção ambiental, mas isso não é possível sem instrumentos de
gestão. Entre as UCs estaduais, destacamos a APA Triunfo do Xingu, que é a UC mais desmatada da Amazônia Legal. Entre as UCs federais, a Flona Jamanxim é a mais desmatada e está na 3ª posição do ranking.
A vulnerabilidade dessas áreas decorre de falhas sistêmicas do poder público, que tem o dever de protegê-las. Entre essas vulnerabilidades, destacamos: i) a estratégia errática e limitada do governo, que consiste em mudar regras e enfraquecer a legislação ambiental conforme interesses de momento e em tolerar o desmatamento ilegal até 2030; ii) os escassos recursos humanos para gestão e a preocupante tendência de redução no número de analistas ambientais federais lotados na Amazônia, de 40% no ICMBio (2010-2016) e de 33% no Ibama (2009-2015); iii) os recursos financeiros insuficientes para realizar os investimentos necessários à implementação das UCs – somente as 16 UCs federais críticas deste estudo precisariam de R$ 10,6 milhões anuais, valor 3,26 vezes maior do que a média de recursos de investimento do ICMBio entre 2014 e 2016 para todo o país e 3,42 vezes maior do que o projetado para 2017; iv) a ineficácia na execução, que se revela na baixa aplicação de recursos financeiros disponíveis. Por exemplo, entre 2009 e 2014, o ICMBio executou apenas 35% dos R$ 218 milhões recebidos para compensação ambiental; na morosidade no combate a ocupações irregulares, que causa danos ambientais e sociais; e na baixa punição de criminosos ambientais e fundiários.
Para zerar o desmatamento e garantir uma proteção efetiva dessas áreas no longo prazo, será necessário construir uma estratégia consistente, aportar recursos humanos e financeiros e melhorar a eficácia da sua execução. Mas é improvável que a liderança para executar essas tarefas venha isoladamente do poder público, pois parte dele age claramente contra o interesse público. A proteção e uso sustentável das UCs demandará também um envolvimento vigoroso e contínuo de vários setores da sociedade, setor privado e comunidade internacional. Há potencial para um envolvimento mais forte pela conservação no Brasil, pois 91% dos brasileiros são favoráveis à conservação florestal e outros 91% dos brasileiros se orgulham do país, motivados, em grande medida, pelas riquezas e belezas naturais. Concluímos explorando oportunidades para esse engajamento em torno de três objetivos:
Garantir proteção imediata das áreas mais críticas e de suas populações. É necessário proteger as populações locais da Amazônia, como indígenas e seringueiros, que lutaram e lutam pela criação e manutenção de áreas protegidas. Vários atores, além da polícia, poderiam contribuir para isso. ONGs socioambientais, governos e doadores internacionais e nacionais poderiam ampliar o apoio a essas populações e à implementação das áreas com base nas experiências do PPG7 (Programa de Proteção das Florestas Tropicais do G7) e do Arpa (Programa Áreas Protegidas da Amazônia), que permitiram a criação de dezenas de milhões de hectares de áreas protegidas na Amazônia. Além disso, também poderiam apoiar a implementação de longo prazo de UCs, como o Arpa visa fazer. Líderes religiosos e seus seguidores poderiam intensificar o apoio à conservação com base na Carta Encíclica do Papa Francisco, que clama pela conservação da floresta como parte do esforço para cuidar da casa comum (o Planeta). Forças militares poderiam intensificar sua atuação no combate ao desmatamento e à grilagem de terras públicas nas áreas de maior conflito. Além disso, o Ministério Público e os Tribunais de Contas poderiam responsabilizar os gestores públicos que reduzem a área ou o grau de proteção de UCs para atender a demandas de ocupantes ilegais que esbulham o patrimônio público, com base na Lei de Responsabilidade do Presidente da República e dos Ministros de Estado e na Lei de Improbidade Administrativa.
Bloquear a demanda e o financiamento do desmatamento ilegal. É preciso aumentar a pressão contra as empresas para que elas melhorem e ampliem seus compromissos em favor da sustentabilidade. Para isso, o Ministério Público e os órgãos ambientais poderiam ampliar a responsabilização das empresas que compram produtos oriundos de áreas desmatadas ilegalmente e das que financiam tais atividades; também poderiam monitorar a implementação da Resolução nº 4.327/2014, que demanda que instituições financeiras estabeleçam e implementem a Política de Responsabilidade Socioambiental (PRSA). Campanhas de ONGs e reportagens investigativas sobre empresas que descumprem as leis poderiam fortalecer essas ações de responsabilização e proteger da competição injusta as empresas que cumprem as leis e os acordos. Além de boicotar a produção ilegal, é essencial estimular a produção sustentável nas áreas já desmatadas fora das UCs. Contudo, o crédito público direcionado exclusivamente para as práticas mais sustentáveis no Brasil (Programa ABC – agricultura de baixo carbono) representará apenas 1,6% do total do crédito rural do país no Plano Safra 2016- 2017. Mas o setor financeiro poderia ajudar a ampliar a escala das iniciativas de produção sustentável ao se engajar mais fortemente com governos, produtores e parceiros das cadeias de suprimento (como traders, frigoríficos, redes de supermercados) para identificar as oportunidades e eliminar as barreiras.
Assegurar a sustentabilidade no longo prazo das Unidades de Conservação. Várias abordagens poderiam sustentar a conservação no longo prazo. O envolvimento tenderá a ser mais forte quando envolver experiências sensoriais e emocionais, como o turismo, expedições educacionais, eventos artísticos e esportivos. Tais atividades poderiam fortalecer a economia regional e criar um ciclo virtuoso – as UCs aumentariam o turismo que, por sua vez, aumentaria o desejo de conservar. Estima-se que o turismo em UCs já movimenta aproximadamente R$ 4 bilhões por ano, gera 43 mil empregos e agrega R$ 1,5 bilhão ao Produto Interno Bruto (PIB). Essa abordagem poderia juntar interesses ambientais, culturais e comerciais, de modo semelhante à experiência norte-americana com a criação de parques nacionais. Além de benefícios locais, a pesquisa científica mostra que conservar a Amazônia é estratégico para o desenvolvimento do país por causa das suas contribuições para a formação de chuvas que abastecem a agricultura, as hidrelétricas e o consumo industrial do Centro Sul do país. Para engajar líderes nacionais que desconhecem a Amazônia, cientistas, educadores e outros profissionais poderiam desenvolver programas que combinam a apresentação das evidências científicas sobre a Amazônia com as experiências sensoriais e emocionais por meio de visitas de campo e outros meios (espetáculos, filmes etc.).
 
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This post was published on 18 de março de 2017

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