O futuro das florestas no Brasil foi discutido em audiência pública realizada ontem, 2 dedezembro, na Procuradoria Geral da República, em Brasília. Diversos setores da sociedade estavam representados e todos tiveram espaço para manifestar suas opiniões.Compuseram a mesa de abertura a coordenadora da 4ª Câmara de Coordenação e Revisão, Sandra Cureau, seu substituto, Mário Gisi, o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Antônio Herman Benjamin, os deputados federais Aldo Rebelo e Sarney Filho, o pesquisador do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon)Paulo Barreto e o coordenador do Instituto Socioambiental (ISA), Raul Silva Telles.

Ministério Público – Sandra Cureau abriu o evento, falando sobre os diversos projetos de lei que estão em trâmite no Congresso Nacional buscando alterar a legislação ambiental vigente. De acordo com ela, o Ministério Público Federal (MPF) tem acompanhado os debates com preocupação, já que aspectos centrais desses projetos representam retrocessos, como a flexibilização das normas de preservação permanente. Para a coordenadora da 4ª CCR, o Código Florestal é uma tradição jurídica, coerente com a responsabilidade do Brasil, e seus princípios foram acolhidos pela Constituição Federal. “Meio ambiente ecologicamente equilibrado é direito de todos, defendeu.

O subprocurador-geral da República Mário Gisi falou do papel do Ministério Público de representar diversos setores da sociedade, que pediram a realização da audiência já que não estavam se sentindo representados nas discussões sobre os projetos de lei. Segundo ele, a legislação ambiental existe estabelecendo obrigações há muitos anos, com tolerância grande para implementação, e o MP busca seu cumprimento. “Parece que existe uma elite que quer que a lei não se aplique a eles, disse.

Princípios – De acordo com o ministro Antônio Herman Benjamin, do STJ, o debate parlamentar até agora tem sido fragmentado.Para o ministro, a questão principal é saber se é preciso ou não haver uma reforma do Código Florestal e ele acredita que sim, para incorporar todos os pontos positivos do debate que já dura mais de dez anos.

Ele apresentou princípios da perspectiva jurídica para servirem como pano de fundo para o debate: o primeiro é deixar claro que a reforma do Código não é para facilitar ou ampliar o devastamento de florestas; o segundo é fazer clara separação entre regras para o passivo ambiental, que estabeleçam compromisso com as florestas existentes.

O princípio 3, segundo o ministro, é o tratameto diferenciado entre rural e urbano. Para ele, não faz sentido juntar o urbano e o rural em texto legal que trata do Código Florestal. O quarto princípio seria dar tratamento diferenciado também entre o pequeno e o grande produtor. “Esse tratamento diferenciado é histórico, mas precisa ser aperfeiçoado, declarou. O princípio 5 seria de ampliar o uso dos instrumentos econômicos para casar com os mecanismos de comando e controle; o 6, de estabelecer sanções rigorosas para o desmatamento. O último princípio citado pelo ministro foi o de fortalecimento da gestão estadual. “Não vamos conseguir avançar no rumo da sustentabilidade se não tivermos envolvimento direto dos estados, concluiu.

Deputados – O deputado Aldo Rebelo, relator da Comissão Especial instalada na Câmara para fazer a reforma do Código Florestal, defendeu os pequenos produtores, que, segundo ele, sentem-se desprotegidos pela legislação e pelos órgãos públicos. Ele criticou o termo de compromisso proposto no Pará pelo MPF a criadores de gado e frigoríficos para adequar as atividades do setor à lei ambiental, porque entende que o acordo abaixa o preço da arroba do boi. E também falou que o Brasil não deve adotar agenda ambiental de outros países do mundo, considerando a luta comercial entre agricultura dos países ricos e dos países em desenvolvimento. “Como vamos basear a lei do país em algo que está sendo discutido em outro país?, questionou.

O deputado também acrescentou que a discussão do Código Florestal deve considerar duas preocupações: a preocupação social que veja no meio ambiente um patrimônio do processo civilizatório brasileiro e o interesse nacional. Para ele, a globalização pode ter sentido e valor como ideologia, mas o mundo continua sendo dividido entre interesses, culturas e valores. “Acho que é possível promover o esforço para, pelo debate, produzirmos, aperfeiçoarmos, atualizarmos uma legislação ambiental que compatibilize o bem estar material e espiritual do nosso povo, sustentou. Segundo explicou, a lei deve contemplar o rigor, mas também deve contemplar a heterogeneidade do campo.

O deputado Sarney Filho defendeu o uso inteligente da terra, usando avanços do conhecimento científico. Ele disse acreditar que a natureza vive sem o homem, mas o homem não pode viver sem ela. Para o deputado, essa visão marca um posicionamento de ação no Congresso diferente do pensamento do deputado Aldo Rebelo. Segundo afirmou, o Brasil construiu uma legislação moderna, que está vivendo um momento de instabilidade, já que tramitam cerca de 30 projetos de lei buscando alterar o Código Florestal. Ele vê alguns deles como tentativa de flexibilização no sentido de possibilitar ampliação do desmatamento e não recuperação das áreas devastadas.

De acordo com o deputado, uma das propostas visa regularizar todos os desmatamentos ocorridos até 2001. “Isso nos parece um total absurdo, tendo em vista que muitos deles aconteceram de forma ilegal, declarou. Para ele, é preciso construir um modelo econômico baseado na sustentabilidade.

Pesquisadores – Já o pesquisador Paulo Barreto, do Imazon, explicou que o momento de turbulência em relação à questão florestal tem a ver com o valor da lei, que está sendo desrespeitada e o Brasil está tentando ficar mais civilizado. De acordo com ele, o Ministério Público tem tido papel importante nisso. O pesquisador destacou que a ideia de diferenciar pequeno produtor do grande é importante, por causa da capacidade que cada um deles tem para cumprir a lei.
O coordenadora do ISA, Raul Telles, apresentou a visão do processo de modificação da legislação florestal desde a sociedade civil. Ele explicou que o Código Florestal foi uma inovaçao na época em que foi criado, no ano de 1934, porque não havia nenhum outro no mundo que partisse das mesmas premissas. “Havia clareza de que conservar recursos naturais era fundamental para que país pudesse seguir crescendo, afirmou. Ele disse também que o Brasil optou por um modelo de que deveria haver conservação do meio ambiente em propriedades privadas, com uma área de produção agropecuária e outra diferenciada.

Ele mostrou uma imagem com áreas do país onde existe passivo ambiental que precisa ser recuperado, principalmente onde está concentrada a população brasileira. Para resolver o problema, segundo ele, é preciso assumir que esse é um problema de todos (produtores rurais e sociedade em geral) e compartilhar o ônus da conservação/recuperação. O coordenador sugeriu caminhos como o de atualizar o Código Florestal ao século XXI, mantendo seus princípios mas ajustando seus instrumentos, e fazer ajustes como equiparar populações tradicionais a agricultores familiares para efeito da lei, definir metas de conservação por bacias, coibir novos desmatamentos em todos os biomas e oferecer prêmios e incentivos a quem conserva.


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