RESUMO

As florestas de várzea do estuário amazônico são abundantes em recursos naturais de importância econômica como madeira, frutas, palmito, lenha, peixes, fibras e borracha. No entanto, a população local é uma das mais pobres da Amazônia. Neste artigo, sugerimos que a formação de Florestas de Produção nessa área, em particular de Reservas Extrativistas (RESEXs), seria a melhor forma de gerar renda para a população local. A região de várzea na Amazônia enquadra-se nos requisitos exigidos por lei para a criação de Florestas de Produção, além de ser mais produtiva que a região de terra firme.

O sucesso econômico baseado no extrativismo dependerá da capacidade de explorar sustentavelmente os recursos naturais, diversificar a produção, produzir com qualidade, bem como da habilidade dos moradores para o trabalho em associações e cooperativas. Simulações utilizando programação linear de Florestas de Produção hipotéticas com diferentes características (baseadas na exploração e processamento de madeira, palmito, tijolos, frutas e alguns animais domésticos) mostram que a renda líquida anual poderia variar de US$ 475 a US$ 1.710 por família.

INTRODUÇÃO

A criação de Florestas de Produção na Amazônia tem sido mencionada como modelo de desenvolvimento para a região, pois conseguiria integrar três grandes objetivos: conservação dos recursos naturais, desenvolvimento econômico sustentado e distribuição mais eqüitativa da renda, priorizando as populações locais.

Contudo, boa parte das Florestas de Produção, em particular as RESEXs, enfrenta problemas. Essas reservas freqüentemente estão localizadas longe dos mercados consumidores, não alcançam a viabilidade econômica sem subsídios e mostram-se incapazes de competir com produtos domesticados e cultivados (Homma, 1993). As chances de sucesso das atuais RESEXs no longo prazo são questionadas por economistas e cientistas políticos (Browder, 1992). Mas a maioria dessas críticas refere-se a reservas estabelecidas em terra firme baseadas apenas no extrativismo florestal não-madeireiro de poucas espécies de plantas. Neste trabalho, argumentamos que as várzeas do estuário amazônico são locais apropriados para a forma-ção de reservas agroextrativistas baseadas em sistemas agroflorestais diversificados, e que as chances de sucesso econômico nesses locais são maiores.

Inicialmente, destacamos os problemas de posse e superexploração dos recursos naturais que existem nas várzeas do estuário. Em seguida, mostramos as vantagens do estuário para a formação de RESEXs como a aptidão ecológica, presença dos requisitos exigidos por lei e a possibilidade de essas reservas trazerem soluções para os problemas de posse e superexploração dos recursos. Posteriormente, descrevemos as características essenciais para que o sucesso econômico das reservas seja alcançado. Por fim, apresentamos quatro modelos hipotéticos de reservas que poderiam ser adotados, considerando diferenças em quantidade de mão-de-obra, recursos naturais, distância ao mercado e disponibilidade de capital para investimentos.

CARACTERIZAÇÃO DO ESTUÁRIO AMAZÔNICO

As florestas de várzea do estuário amazônico englobam uma área de aproximadamente 25.000 km², compreendendo as ilhas do arquipélago de Marajó e as margens dos rios que compõem o estuário desde sua foz até o rio Xingu (Figura 1) (Lima, 1956). As várzeas são áreas planas e de baixa altitude, sendo boa parte sujeita às inundações diárias pela variação da maré que chega a 3,50 metros em Belém e apenas 0,50 metro na foz do Xingu (Lima, 1956). O clima da região é quente, com temperaturas médias de 25-26oC, umidade relativa quase sempre superior a 80% e precipitação anual em torno de 2.300 mm (DNMET, 1992). Inúmeros rios e igarapés formam uma rede fluvial densa que facilita o acesso por barco a grande parte das áreas[1].

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Figura 1. Região do estuário amazônico.

Os habitantes desse local são conhecidos como “ribeirinhos”. Mestiços em sua etnia, vivem da extração e manejo dos recursos florestais e aquáticos, bem como da agricultura em pequena escala (Hiraoka, 1993). Muitos de seus conhecimentos sobre os recursos naturais foram adquiridos pelos antepassados indígenas, que utilizavam as florestas de várzea como fonte de alimento e moradia desde a época pré-histórica [Roosevelt (nd);citada por Hiraoka, 1993].

A exploração comercial dos recursos naturais pelos europeus teve início no século XVI. O cravo, canela, castanha, raízes aromáticas, sementes oleaginosas, madeira e cacau eram os principais produtos comercializados (Gentil, 1988). Durante os séculos XVII e XVIII o plantio e processamento da cana de açúcar e do café, bem como a pecuária também fortaleceram a economia estuarina. Entretanto, nada pode ser comparado à riqueza trazida pela borracha entre os anos de 1870 a 1920. A renda per capita da região amazônica subiu de US$ 30 em 1820 para US$ 332 no pico do boom em 1900 (Santos, 1980). Em 1912, a região tinha o oitavo maior coeficiente de comercialização (i.e., valor das exportações mais importações per capita) do mundo; maior que o da Alemanha, França, Estados Unidos e Brasil como um todo (LeCointe, 1922; citado por Barham e Coomes, 1994). Nove entre os dez municípios que mais produziam borracha no Estado do Pará estavam localizados na região estuarina (Weinstein, 1983).

Apesar dessa rica história comercial e da diversidade de recursos naturais, a qualidade de vida dos moradores é atualmente muito baixa. A taxa de analfabetismo na região dos Furos de Breves (divisão política que engloba alguns municípios de várzea) entre os maiores de 15 anos é de 55%, muito superior à média de 19% do Brasil. Os Furos abrigam 2,75% da população estadual, mas respondem por 5,85% dos casos de doença do Estado do Pará (malária, leishmaniose, hepatite, meningite e outras) (IDESP, 1990).

A migração para os centros urbanos acentuou-se nas últimas décadas. O crescimento médio anual da população rural entre 1980 e 1991 em vários municípios da várzea foi de apenas 0,69%, enquanto a população urbana desses mesmos municípios cresceu a taxas anuais de 5,55%[2]. O êxodo rural é, em parte, sinal de que a remuneração das atividades econômicas e oportunidades de trabalho nas várzeas são piores que nas áreas urbanas. Muitas podem ser as causas desse baixo retorno econômico como, por exemplo, a redução do estoque de recursos naturais, distribuição desigual da posse do recurso e perda de competitividade dos produtos locais no mercado. Como mencionado anteriormente, as Florestas de Produção podem propiciar soluções para alguns desses problemas. As análises que se seguem são baseadas nos estudos feitos por Barros e Uhl (1995), Pollak et al. (1995), Maciel e Uhl (Imazon, não publicado), Anderson e Ioris (1992) e outras publicações. Dados complementares de preços e qualidade de produtos também foram coletados em entrevistas com barqueiros e estâncias de venda de madeira e tijolos em Belém.

1) Por exemplo, no município de Muaná a densidade é de 0,3 km de rio/km² (Maciel e Uhl, Imazon, não
publicado).

2) Englobando os municípios de Abaetetuba, Afuá, Anajás, Breves, Curralinho, Gurupá, Melgaço, Muaná, Ponta de Pedras e S.Sebastião da Boa Vista.

ACESSO E SUPEREXPLORAÇÃO DOS RECURSOS NATURAIS NO ESTUÁRIO AMAZÔNICO

A pobreza e a baixa qualidade de vida dos moradores do estuário são, em parte, ocasionados pela falta de domínio claro sobre a terra e recursos naturais, bem como pela sua superexploração (Figura 2A).

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Figura 2. (A) Problemas que podem ser resolvidos com o estabelecimento de RESEXs. (B) Vantagens do estuário amazônico para o estabelecimento de RESEXs.

Controle da terra e dos recursos naturais

O controle, acesso e propriedade dos recursos naturais são pouco definidos no estuário amazônico. Por exemplo, numa comunidade de várzea no município de Abaetetuba próximo de Belém, 70% dos moradores não possuíam qualquer documento comprobatório de propriedade das áreas ocupadas (Mitschein et al., 1994). Mesmo os proprietários que declararam possuir documentos podem não ter garantido o direito legal de propriedade, pois esses documentos são antigos e podem não ter valor jurídico. Os moradores têm como amparo apenas as muitas décadas de ocupação das terras. Em municípios mais afastados de Belém, a falta de documentação é ainda mais acentuada, uma vez que o valor da terra é menor.

A questão fundiária na região do estuário é complexa. O domínio privado das terras teve início na época colonial, com a instituição das chamadas capitanias hereditárias e concessões de sesmarias, ou seja, extensas áreas concedidas a personalidades da corte que deveriam explorar economicamente a terra (Santos, 1984). Porém, essas áreas não foram efetivamente ocupadas pelos donos ou herdeiros. Até o fim do período colonial, a estrutura fundiária caracterizou-se pela posse de grandes extensões de terra e pela não regulamentação da propriedade (Santos, 1984).

Em 1831, em 1946, e na Constituição Federal de 1988, o governo brasileiro determinou que todas as áreas e ilhas sob influência da maré, que é o caso da região estuarina, pertenceriam ao patrimônio da União (Éleres, 1996). As terras pertencentes a particulares, legalizadas anteriormente, não foram afetadas por essa lei. Entretanto, para comprovar o seu domínio, deve-se verificar a cadeia dominial. Através dela, obtêm-se a relação de todos os proprietários anteriores, até alcançar o título de origem que garantiu a propriedade ao primeiro dono do imóvel rural e que permitiu a sua transferência do patrimônio público para o domínio particular (Luz, 1993). No estuário, em boa parte dos casos não é possível comprovar a cadeia dominial,pois as propriedades foram sendo divididas entre os herdeiros e mesmo vendidas para outros sem que estes registrassem essas mudanças nos cartórios de imóveis, como observado pelo primeiro autor[3].

Atualmente, a terra no estuário é muitas vezes dividida em parcelas que se estendem das margens dos rios para o interior da floresta. A delimitação das propriedades é feita por rios, furos ou mesmo árvores. Os donos dessas propriedades moram nas cidades ou nas vilas. Às vezes os ribeirinhos ocupam essas áreas com o consentimento dos proprietários em troca do pagamento de um terço ou metade da produção extraída da propriedade, ocasionando uma perda de renda familiar considerável. Em outros casos, os ribeirinhos são proprietários de uma pequena parcela da terra.

A posse do recurso é um importante fator que influencia na decisão de investir, na decisão sobre a época ideal de extração e na quantidade de produto extraído. Pollak et al. (1995) citam o problema da “tragédia dos comuns” envolvendo a exploração de palmito em áreas de acesso comum, localizadas no interior da floresta. Os extratores têm o incentivo de cortar os palmitos o mais rápido possível, ao invés de deixar que a palmeira açaí cresça e atinja o tamanho ideal para o corte. Do mesmo modo, não há incentivo para investir em programas de manejo dos açaizais e da floresta para produção de madeira, pois não há garantias de que os produtos não serão extraídos por outra pessoa.

3) Na parte leste da ilha de Marajó, dominada por campos de pastagens naturais, a situação é diferente. Nessa região, onde a pecuária é a principal atividade econômica, os processos de herança foram regularmente feitos e a posse e domínio das terras estão consolidados.

A superexploração dos recursos naturais 

Existem evidências de que alguns recursos como o palmito e a madeira estão sendo explorados além da sua capacidade de regeneração. Por exemplo, Pollak et al. (1995) mencionam que as fábricas de palmito, no início da década de 90, estavam operando bem abaixo da capacidade de processamento por causa da falta de matéria-prima. Estes autores também citam que várias fábricas, que anteriormente estavam situadas nos municípios próximos de Belém, reinstalaram-se em municípios mais distantes em conseqüência do declínio da produção nos primeiros municípios.

No caso do recurso madeireiro, também existem sinais de escassez em algumas áreas de várzea do estuário. Por exemplo, em áreas próximas de Belém onde a exploração é mais antiga, como nas ilhas de Abaetetuba, os estoques de espécies madeireiras das florestas de várzea estão praticamente esgotados (Hiraoka, 1993).

Em resumo, a falta de domínio claro sobre os recursos naturais inibe investimentos em manejo, bem como o uso sustentável dos recursos. Além disso, a superexploração dos recursos não tem contribuído para o desenvolvimento da região e melhoria de qualidade de vida dos moradores locais.

AS FLORESTAS DE PRODUÇÃO COMO ALTERNATIVA DE DESENVOLVIMENTO

As Florestas de Produção são áreas de conservação onde a exploração e uso direto dos recursos naturais são permitidos mediante planos de manejo. Nessa categoria, encontram-se as Áreas de Proteção Ambiental (APAs), as Florestas Nacionais (FLONAS) e as Reservas Extrativistas (RESEXs). As RESEXs parecem ser a categoria mais promissora para as várzeas, pois oferecem potencial para a solução dos problemas de controle, posse e superexploração dos recursos naturais. Além disso, a região enquadra-se nos requisitos exigidos por lei para a criação de reservas[4].

As RESEXs são áreas de domínio público (pertencentes à União) concedidas às populações tradicionais extrativistas para sua subsistência, bem como para a exploração econômica sustentável (Decreto Lei 98.897/90). Essa concessão de uso é dada à uma associação ou cooperativa formada pelos extrativistas.

Três características são exigidas por lei para que a formação de RESEXs seja possível: i. a área a ser transformada em RESEX deve abrigar população extrativista; ii. que haja possibilidade de exploração auto-sustentável dos recursos naturais; e iii. que haja interesse ecológico e social sobre a área (Figura 2B). As várzeas apresentam essas três características, portanto estão qualificadas para a formação de RESEXs.

A presença de população agroextrativista pode ser observada por todo o estuário, até mesmo em locais próximos aos grandes centros urbanos (Anderson e Ioris, 1992). A coleta de frutas, produção de fibras vegetais e artesanato, pesca, extração de palmito, madeira e lenha são algumas das inúmeras atividades que fornecem renda e alimento para as famílias ribeirinhas. Não existem estimativas sobre o número de pessoas vivendo do extrativismo nessa região. Contudo, 70% dos 137.000 habitantes da microrregião de várzea dos Furos de Marajó vivem no meio rural, e grande parte desses moradores depende total ou parcialmente do extrativismo vegetal e animal (IBGE, 1991).

A exploração sustentável e economicamente viável já é desenvolvida para alguns produtos. Um tipo de manejo largamente utilizado pelas famílias ribeirinhas é o da palmeira açaí (Euterpe oleracea), tanto para produção do fruto como de palmito (Anderson e Ioris, 1992). A combinação de plantio de espécies frutíferas, desbaste, anelamento de espécies indesejáveis e favorecimento de espécies nativas de valor econômico tem trazido retornos econômicos e se mostrado sustentável (Anderson e Jardim, 1989). O manejo da floresta de várzea para produção de madeira, apesar de não ser largamente utilizado, é possível de ser feito. Aparentemente, este manejo é mais vantajoso que o manejo das florestas de terra firme, por causa da simplicidade florística, crescimento mais rápido e menor presença de cipós nas florestas de várzeas, o que reduz os danos durante a extração (Barros e Uhl, 1996).

O interesse ecológico também já é reconhecido. A própria Constituição Estadual do Pará considera a região das ilhas do estuário como uma área de proteção ambiental.

Além de ter todos os pré-requisitos para o estabelecimento de RESEXs (população extrativista, possibilidade de extração sustentável e interesse ecológico), as várzeas são mais produtivas que as áreas de terra firme. A causa dessa maior produtividade é, em parte, a maior fertilidade dos solos dessa região quando comparada com a maioria dos solos na Amazônia. O fluxo e refluxo da maré deposita nutrientes carregados pelas águas barrentas do Amazonas e seus afluentes, fertilizando o solo (Lima, 1956). Os solos da região de várzea em geral são eutróficos (saturação de base de 60%), com alta presença de teores de cálcio e magnésio (Falesi, 1986). A maior produtividade deve-se também à composição das florestas de várzea, que geralmente são dominadas por espécies de valor econômico (Peters, 1992).

A formação de RESEXs traz a solução para o problema da posse da terra. Pois, a concessão da terra dada à associação de moradores delega a eles o seu controle. Neste caso, a distribuição da terra não seria afetada: os moradores continuariam com uma área própria ao redor da casa, junto às margens dos rios, onde a agrosilvicultura ou sítio doméstico são usualmente estabelecidos (Anderson, 1990), e teriam uma área de floresta em comum, em geral localizada nos fundos dos terrenos, onde a extração de produtos florestais madeireiros e não-madeireiros poderia ser feita. A vantagem das RESEXs é que elas não constituem um assentamento, ou seja, transferência de pessoas de um lugar para outro. As RESEXs são baseadas em uma regularização fundiária de áreas historicamente ocupadas pelos moradores locais (Allegretti, 1989).

A criação de RESEX também pode contornar o problema da superexploração dos recursos naturais, uma vez que transfere o usufruto desses recursos para os moradores. Assim, elimina-se a característica de “recursos abertos”, normalmente mais sujeitos à exploração excessiva. Além disso, no ato da criação de uma RESEX é necessário apresentar um plano de utilização dos recursos naturais. Esse plano, elaborado por técnicos e moradores da RESEX e aprovado pelo Ibama, estabelece como os recursos naturais devem ser utilizados de modo que não comprometa a sua regeneração. Por exemplo, na reserva do Cajari, no Amapá, o plano de utilização da reserva não permite o uso de explosivos e substâncias tóxicas na pesca e a captura de ovos e filhotes de animais em determinados locais que servem de berçários. Do mesmo modo, a extração de madeira e palmito deve obedecer a um plano de manejo (Brasil, 1996).

Em resumo, as áreas de floresta de várzea do estuário amazônico seriam locais indicados para o estabelecimento de RESEXs, pois essa região atende aos requerimentos exigidos por lei. Além disso, as florestas de várzea são provavelmente mais produtivas e mais fáceis de serem manejadas que as florestas de terra firme.

4) Existem outras categorias semelhantes de uso da terra como os Assentamentos Extrativistas e Reservas Sustentáveis. Neste trabalho, citamos as RESEXs como uma possibilidade. Entretanto, dependendo do caso, outras categorias podem ser mais apropriadas.

OS INGREDIENTES NECESSÁRIOS PARA O SUCESSO ECONÕMICO DE UMA RESEX

Sucessos e fracassos na comercialização de produtos florestais amazônicos e na formação de RESEXs nas últimas duas décadas ensinaram lições importantes a serem consideradas para o estabelecimento de RESEXs futuras (veja Clay, 1992).

Diversificação da produção

Incerteza e irreversibilidade do investimento são os principais problemas que qualquer investidor enfrenta. Assim, o sucesso econômico das RESEXs dependerá, em grande parte, da habilidade de seus moradores em adotar estratégias contra possíveis quedas nos preços dos produtos.

A diversificação é uma estratégia comum no mercado financeiro para contornar incertezas em relação aos preços futuros e diminuir o impacto de investimentos mal sucedidos. As RESEXs devem adotar o mesmo procedimento, pois os preços dos principais produtos florestais comercializados atualmente têm se mostrado bastante voláteis.

As variações nos preços de produtos florestais explorados nas várzeas ocorrem tanto ao longo do ano (sazonais) como ao longo de uma década. Por exemplo, Barros e Uhl (1995) fizeram um levantamento das serrarias estabelecidas no estuário amazônico e encontraram que 16% do total de 1.230 serrarias estavam desativadas, sendo que 7% tinham menos de cinco anos de funcionamento. Utilizando os dados deste trabalho, verificamos que uma queda de 21% no preço da madeira serrada, na época US$ 27/m³, levaria ao fechamento temporário das pequenas serrarias no curto prazo (preço do produto menor que o custo variável médio). Os preços da madeira variaram muito ao longo do tempo. Tomando os anos de 1980 a 1987 como ilustração, verificamos que o preço mínimo observado da madeira serrada durante esse período foi de US$ 13,29/m³ e o máximo de US$ 37,27/m³ em valores reais, uma variação de 48% e 46% em relação à média de US$ 25,52 (SEFA, 1980 a 1987). Certamente durante esse período diversas serrarias suspenderam a produção na época de preços mais baixos.

As olarias no município de Muaná, localizado na ilha de Marajó, também estavam passando por uma fase de baixos rendimentos no ano do seu levantamento (1991). Entretanto, depoimentos de entrevistados confirmam que a rentabilidade dessa atividade foi maior na década de 80. No ano de 1991, as olarias estavam operando com preços abaixo dos custos médios totais. Vinte por cento do total das olarias levantadas em Muaná já estavam desativadas. Os preços dos tijolos teriam que subir pelo menos 6,5% para cobrir os custos (lucro zero). No início de 1995, os preços eram equivalentes a US$ 28 (em valores reais de 1991), 12% mais altos que quatro anos antes.

Os preços do palmito têm se mostrado mais estáveis (pelo menos para exportação). De 1985 a 1995, o preço médio foi US$ 3,36/kg (s = US$ 0,58/kg), e em oito anos durante esse mesmo período ficou entre US$ 3 a US$ 4/kg.

Com a exploração de diversos produtos que se destinam a mercados diferentes (externo, regional e local), a renda total não sofre grandes variações, uma vez que cada produto provavelmente possui elasticidades de demanda diferentes (em relação à renda, preço de produtos substitutos e preço próprio).

Qualidade dos produtos

A melhoria na qualidade dos produtos é importante para obter preços mais baixos e aumentar as possibilidades de venda para um número maior de consumidores (aumentar a fatia do mercado). Os produtos florestais oriundos das várzeas em geral não são de boa qualidade. No caso da madei-ra, por exemplo, selecionamos aleatoriamente 75 tábuas produzidas em cinco serrarias de várzea e 75 tábuas em cinco serrarias de terra firme. Para cada tábua, medimos o erro de corte do comprimento, largura e espessura. O erro de corte é a diferença entre a maior e a menor medida da tábua. Em seguida, conduzimos testes t para avaliar a hipótese de que a média do erro de corte era igual tanto para as tábuas da várzea como para as da terra firme. No caso da largura, a média de erro de corte foi significativamente maior (p < 0,05) para as tábuas oriundas da várzea: 1,11 cm (s = 0,84) versus 0,75 cm (s = 0,67) das tábuas da terra firme. No caso do comprimento e espessura, as médias de erro no corte das tábuas da várzea também foram maiores, mas não foram estatisticamente diferentes das tábuas da terra firme. Isso não significa que as tábuas da varzea são de boa qualidade, mas que os erros no corte são similares entre os locais. Esses erros de corte ocasionam desperdícios de madeira e, conseqüentemente, reduzem a lucratividade das serrarias (Gerwing e Uhl, 1997).

Os tijolos produzidos na várzea também não são de boa qualidade. Observamos que esses tijolos possuem em média uma superfície cerca de 12% menor do que o padrão exigido pelas normas técnicas (significativo no nível de 0,05)[5]. Neste caso, o custo de construção do metro quadrado é mais alto em virtude da maior necessidade de material e de mão-de-obra. As propriedades físicas dos tijolos como resistência à pressão também são questionáveis[6]. Desta maneira, as grandes firmas construtoras não compram esses tijolos, e o mercado fica restrito a pequenos compradores.

Assim, os preços e margens de lucro para os produtores de tijolos na várzea são menores por causa da baixa qualidade do produto. Em geral, os tijolos produzidos na várzea eram vendidos no varejo por pouco mais da metade do preço dos tijolos produzidos na terra firme (58%). A diferença era ainda maior quando consideramos o preço pago ao produtor. Os produtores de tijolos na várzea recebiam apenas 37% do preço pago aos produtores na terra firme. Essa diferença pode ter como causa a baixa qualidade do tijolo mas também a pouca competição na compra e transporte de tijolos da várzea.

5) Medimos a largura e comprimento de tijolos em 6 olarias da terra firme e 12 olarias da várzea com 0,5 cm de precisão. Em cada olaria, medimos 15 tijolos e selecionamos o tijolo padrão, representado pela moda (medida mais freqüente). Calculamos o valor da área (largura x comprimento) do tijolo representativo de cada olaria. Descartamos o maior e o menor tijolo e aplicamos um teste t para determinar se as médias entre os grupos (tijolos da várzea e terra firme) eram diferentes.

6) Prof. José A. S. Souza, Centro de Tecnologia Mineral, Universidade do Pará, comunicação pessoal.

Boa organização coletiva

Talvez o fator mais importante para o sucesso de uma RESEX seja a organização coletiva. A criação de RESEXs nos Estados do Acre e Amapá mostrou que a organização das comunidades e o interesse dos seus membros são imprescindíveis. De fato, somente com uma associação ou cooperativa formada pelos moradores, uma RESEX pode ser legalmente instituída (Ibama, 1994). Essa associação é responsável por elaborar o plano de utilização da reserva, estabelecer regras, fiscalizar e monitorar a adoção do plano e até mesmo aplicar penalidades àqueles que não cumprirem os acordos (Brasil, 1996). É evidente, portanto, a necessidade de uma boa organização social entre os membros das comunidades e habitantes que formarão a reserva. Existem iniciativas que estão incentivando a organização social em toda a bacia amazônica. As alas mais progressistas de algumas Igrejas estão desempenhando um papel importante nesse sentido. Vários grupos religiosos possuem uma postura social e política mais ativa, trabalhando para a conscientização dos direitos dos agricultores (Pace, 1992). A participação em sindicatos e em eleições políticas são também bastante encorajadas pelos líderes religiosos. Assim, existe uma relação forte e positiva entre a participação nos movimentos religiosos e nos sindicatos, associações e organizações não-governamentais (ONGs).

Os Sindicatos dos Trabalhadores Rurais (STR) é outro importante instrumento de organização social e política dos agricultores. Após a abertura política ocorrida no país em meados da década de 80, vários sindicatos rurais foram estabelecidos no Pará. Esses sindicatos têm sido atuantes na questão da posse da terra e reforma agrária. Entretanto, o pragmatismo e a questão econômica também fazem parte de suas prioridades.

Além disso, algumas ONGs têm trabalhado para construir esse capital social. Na prática, elas auxiliam comunidades que se dispõem a trabalhar em conjunto na forma de mutirões e que possuem metas em comum, decididas em reuniões periódicas entre os seus membros. Outras ONGs atuam na formação de associações de produtores e cantinas, voltadas para a comercialização de produtos agrícolas e aquisição de insumos de forma exclusivamente coletiva (por exemplo, FASE, Cáritas, Manitese e outras).

Em resumo, um alto grau de organização social é fundamental para a formação de RESEXs. No Pará, existem iniciativas que estão estimulando e fortalecendo essa organização coletiva entre os agricultores e populações extrativistas.

Uso dos recursos de forma sustentável

A diversificação dos produtos no futuro só é possível caso o recurso seja utilizado de maneira sustentável. Como veremos, conservar o estoque e a diversidade de recursos naturais é uma estratégia ex-ante para estabilizar a renda e o consumo, pois possibilita o uso de diferentes fontes de renda em anos de baixos rendimentos. Além de ser uma estratégia econômica, o uso sustentável dos recursos naturais é uma exigência legal para a formação de RESEXs.

Assim, o sucesso de uma RESEX depende de alguns ingredientes como estratégias econômicas (diversificação), melhorias técnicas (qualidade do produto), organização social e aspectos ecológicos (uso sustentável dos recursos). Desta maneira, é importante a existência de grupos que trabalhem de forma multidisciplinar no apoio às comunidades ribeirinhas.

MODELO DE RESEX

Existe uma variedade de ambientes e tipos de ocupação nas várzeas do estuário: com densidades populacionais diferentes, quantidade de mão-de-obra distinta, locais distantes e próximos dos mercados e pouca ou muita área disponível. Assim, vários modelos de RESEX podem ser elaborados, contemplando cada tipo de situação. Fizemos simulações utilizando programação linear baseadas principalmente em quatro atividades típicas da várzea: i. extração e processamento de palmito; ii. extração e processamento de madeira; iii. fabricação de tijolos; iv. onde possível, por causa da proximidade ao mercado, extração e venda de açaí e um conjunto de outros produtos como cacau, borracha, peixe, camarão e pequenos animais domésticos (aves e porcos). Usualmente, os ribeirinhos participam apenas da etapa de extração (em alguns casos, não são donos nem do recurso). Aqui, simulamos o que ocorreria caso participassem também do processamento de palmito e madeira, agregando valor ao produto. Logicamente, as estratégias adotadas pelos ribeirinhos são inúmeras e impossíveis de serem totalmente reproduzidas em modelos simples como esses.

A programação linear consiste em tornar ótima uma equação, conhecida como função objetivo, respeitando-se ao mesmo tempo um conjunto de restrições. Tanto a função objetivo como as restrições são equações lineares. No presente caso, a função objetivo é a soma das rendas líquidaspor hectare das atividades mencionadas acima. A renda líquida foi calculada subtraindo-se da renda bruta os custos com mão-de-obra, capital, depreciação, matéria-prima e outros custos. Detalhes dos cálculos dos coeficientes de cada atividade estão no Anexo. O conjunto de restrições é: i. área total da reserva; ii. mão-de-obra disponível; e iii. disponibilidade de capital para investimento. Para simplificar o problema, assumimos que as ocorrências de recursos na floresta eram excludentes. Por exemplo, que áreas destinadas para a exploração madeireira não continham palmito e vice-versa. Mas isto é apenas uma simplificação. Na realidade, a floresta é um mosaico de plantas, com predominância maior de cada planta de acordo com o manejo adotado.

A seguir, descreveremos alguns modelos de RESEX que poderiam ser adotados nas várzeas.

Modelo 1. O caso favorável: RESEX próxima do mercado

O Modelo 1 simula RESEXs que poderiam ser criadas em locais próximos do mercado regional. Essa proximidade possibilita a comercialização de frutas, pequenos animais domésticos, artesanatos, plantas ornamentais, madeira, tijolos, palmito etc (Tabela 1).

Anderson e Ioris (1992) mostraram que em duas comunidades próximas de Belém a renda familiar bruta anual poderia atingir até US$ 4.195. Hiraoka (1993), estudando outra comunidade próxima de Belém, calculou uma renda entre US$ 1.870 a US$ 2.590. A economia de ambas as comunidades era baseada principalmente na comercialização do fruto do açaí. Outras atividades também ajudavam na composição da renda como coleta de cacau, borracha, miriti, produtos de fibra vegetal como paneiros e matapis, peixes e camarão, além da criação de aves e porcos. Como esses produtos são dependentes de um mercado maior e dos custos de transporte, sua importância como fonte de renda é restrita às ilhas e comunidades próximas aos centros urbanos. Neste primeiro modelo, consideramos uma comunidade de 1.500 hectares de área total e população residente de 580 pessoas (39 hab./km²), sendo 290 economicamente ativas. Essas características são semelhantes às da comunidade estudada por Anderson e Ioris (1992).

As simulações feitas prevêem que a renda líquida anual dessa RESEX imaginária seria de US$ 165.837, ou US$ 1.710 por família, a mais alta de todos os modelos. Grande parte da renda (87%) seria proveniente da comercialização do fruto do açaí. O restante seria proveniente da venda de cacau, borracha, animais domésticos que são extraídos ou criados nas áreas restantes (900 ha), além de peixes e camarões.

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Tabela 1. Desempenho econômico de quatro modelos diferentes de RESEX no estuário amazônico.

a. Caso da ilha do Combu, descrito por Anderson e Ioris (1992) e Anderson e Jardim (1989). A densidade demográfica da comunidade é de 39 hab/km², a localização é próxima do mercado, sendo possível a extração e comercialização do fruto do açaí, cuja renda líquida é de US$ 239.48/ha/ano, e comercialização de cacau, peixe, camarão, porco, borracha e outros; fornecendo uma renda de US$ 26.88/ha/ano.

b. Caso mais freqüente, comunidade com 6.140 hectares, densidade demográfica de 5,86 hab./km². Consideramos um capital disponível suficiente para empregar todas as pessoas (180). Esse modelo está descrito em detalhes no Anexo.

c. Identifica o caso otimista onde a densidade demográfica é menor. Consideramos 0,721 hab/km² mais capital disponível para investimentos e aumento na rentabilidade líquida das atividades.

d. Caso mais conservador onde há diminuição da rentabilidade líquida do palmito e da atividade madeireira em 10% e apenas US$ 35.000 para investimentos.

É interessante notar a pouca necessidade de capital para investimentos. Apenas US$ 6.750 seriam necessários para a adoção desse modelo, uma vez que a maioria dos produtos vendidos é in natura e necessita praticamente apenas de mão-de-obra. Diferentemente das serrarias, olarias e fábricas de palmito que exigem investimentos. A densidade demográfica “alta” quando comparada aos outros modelos fornece mão-de-obra suficiente para as atividades econômicas.

A área de açaizais foi limitada, neste modelo, a 40% da área total [porcentagem observada por Anderson e Ioris (1992)]. Cada hectare a mais de açaí poderia aumentar a renda líquida em US$ 215. Por que então os ribeirinhos não plantam mais açaí ao invés de manter a mata? Como vimos anteriormente, oscilações nos preços dos produtos de várzea são freqüentes. Assim, a manutenção das florestas em boa parte dos lotes permite a diversificação das atividades principais em épocas de baixos retornos econômicos, funcionando como um hedge. Essa estratégia foi observada por Anderson e Ioris (1992) na ilha do Combu, cuja economia estava baseada na extração do açaí. Eles observaram que os habitantes desse local diversificavam suas atividades agroflorestais na época em que a renda proveniente do açaí era baixa (época de entressafra) e especializavam-se na coleta do açaí na época de safra. A diversificação só foi possível porque em geral havia um alto grau de conservação e manejo dos recursos. Assim, a manutenção da floresta parece ser uma estratégia ex-ante para evitar variações bruscas na renda e consumo, pois alternativas ex-post, como crédito e trabalho fora do lote, não são amplamente disponíveis à população ribeirinha caso ocorram baixas nos preços dos produtos e, conseqüentemente, na sua renda.

Modelo 2. O caso típico: RESEX localizada longe do mercado

O Modelo 2 descreve o caso de grande parte dos moradores da várzea localizada longe do mercado central (Belém, Macapá), onde a comercialização de frutas e peixes não é expressiva na renda familiar. Deste modo, consideramos apenas a extração e processamento de madeira, extração e processamento de palmito e a atividade oleira. Neste modelo, consideramos uma área total disponível de 6.140 hectares. Essa área corresponde ao tamanho de uma comunidade típica da região com 60 famílias e população de 360 pessoas, das quais 180 seriam economicamente ativas (veja detalhes na nota-de-rodapé 4 do Anexo).

A renda líquida total deste modelo de RESEX seria US$ 59.050/ano, ou aproximadamente US$ 985/ano por família. Essa renda seria proveniente de 1.475 hectares de açaizais destinados à extração do palmito e 4.665 hectares destinados à exploração madeireira (Tabela 1). A atividade oleira não seria uma opção neste modelo: sua rentabilidade líquida teria que dobrar para que se tornasse economicamente atrativa.

Área total e capital disponível para investimentos são as restrições limitantes no Modelo 2. Cada hectare adicional de área, caso fosse disponível, somaria US$ 0,18 à renda líquida, e uma unidade extra de capital somaria US$ 0,83. Por exemplo, a renda líquida subiria para US$ 63.210/ano com US$ 5.000 a mais investidos.

Neste modelo, a quantidade de capital (US$ 69.650) foi determinada de modo que todas as 180 pessoas economicamente ativas tivessem emprego. Quando variamos a quantidade de capital investido, a participação do palmito na renda total permanece sempre superior a 80%, chegando a 98% quando são investidos US$ 90.000 (Figura 3). Mesmo assim, somente 35% da área no máximo seria destinada à produção de palmito. O restante estaria disponível para uma reserva. Quando se dispõe de US$ 100.000 para investimentos, o cenário de atividades modifica-se, e a atividade madeireira dá lugar à atividade oleira.

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Figura 3. Contribuição percentual de cada atividade à renda líquida em diferentes níveis de investimento para o Modelo 2.

Logicamente, existem combinações de capital disponível, área, quantidade de mão-de-obra e rentabilidade líquida em que todas as atividades coexistem. Por exemplo, caso a rentabilidade líquida da madeira subisse para US$ 3,3/ha e das olarias para US$ 30,6/ha e se houvesse US$ 70.000 para investimentos, as três atividades gerariam uma renda líquida total de US$ 66.827. A maior parte da área (76%) seria destinada à exploração madeireira, e a maior parte da renda ainda seria proveniente da fábrica de palmito (76%), seguido da madeira (23%) e olarias (1%).

Modelo 3. O caso típico: pressupostos otimistas

No terceiro cenário, simulamos mudanças baseadas no Modelo 2. Primeiro, aumentamos a disponibilidade de área para 240.000 hectares (metade do tamanho da RESEX do Cajari) e diminuímos a densidade demográfica para 0,721 hab./km². Essa densidade demográfica é equivalente à da RESEX do Cajari, no Amapá (R. Bushbacher, comunicação pessoal ). A população economicamente ativa nessa área seria de aproximadamente 865 pessoas. Além disso, consideramos neste modelo um aumento de 10% na renda líquida de todas as atividades em relação ao Modelo 2. Finalmente, aumentamos a disponibilidade de capital para investimentos para US$ 400.000.

Nessa situação otimista, a renda líquida subiria para US$ 369.780/ano, ou aproximadamente US$ 1.285/família. A área utilizada seria de apenas 18.880 hectares, dos quais 49% seriam destinados ao palmito e 51% à exploração madeireira. Os 221.120 hectares restantes estariam disponíveis para uma reserva. As olarias seriam estabelecidas somente com mais capital disponível (> de US$ 450.000). As restrições são mão-de-obra e capital. Todas as 865 pessoas economicamente ativas estariam envolvidas em alguma atividade. Cada trabalhador extra, caso fosse disponível, adicionaria US$ 19,33 à renda líquida. Uma RESEX com essas características poderia empregar até 2.972 pessoas, correspondente a uma densidade demográfica de 2,48 hab./km², gerando US$ 410.500 de renda líquida. Com uma densidade demográfica igual a essa, a extração e processamento de madeira seria a única atividade, ocupando 93% da área da reserva (Figura 4).

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Figura 4. Variação na renda líquida e área destinada à exploração de palmito e de madeira, em diferentes níveis de mão-de-obra disponível, de acordo com o Modelo 3.

Modelo 4. O caso típico: pressupostos pessimistas

No quarto modelo descrevemos o que ocorreria se houvesse uma diminuição de 10% na rentabilidade das fábricas de palmito e na atividade madeireira. Consideramos também que essa RESEX está localizada longe do mercado regional, não sendo possível a comercialização de frutas e pequenos animais domésticos. A disponibilidade de capital foi reduzida para a metade do capital disponível no Modelo 1 (US$ 35.000).

Nesse novo quadro pessimista, a rentabilidade cairia para US$ 27.204/ano, ou US$ 453/família. Cento e vinte e um empregos seriam gerados para uma população economicamente ativa de 180 pessoas. Novamente, as duas atividades principais seriam a extração madeireira (30% da renda e 90% da área) e exploração de palmito (70% da renda e 10% da área). As olarias seriam uma alternativa viável caso a rentabilidade do palmito caísse aproximadamente 50% (para US$ 17,53/ha).

Como era previsível, área total e capital são os fatores limitantes deste modelo. Cada unidade de capital e terra extra, caso fossem disponíveis, gerariam uma renda líquida extra de US$ 0,75 e US$ 0,16, respectivamente. Por exemplo, se houvesse 9.500 hectares disponíveis, a renda líquida seria US$ 27.750; 157 empregos seriam gerados; e 95% dessa área seria utilizada para a produção de madeira (Figura 5).

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Figura 5. Número de empregos gerados e área destinada à exploração de palmito e madeira; em diferentes níveis de área total disponível, de acordo com o Modelo 4.

Implementação dos modelos

Os resultados de nossas simulações sugerem que a formação de RESEX nas várzeas do estuário poderia gerar uma renda razoável para as populações ribeirinhas através do manejo, extração e processamento de produtos agroextrativistas. A necessidade de capital é alta na maioria dos casos, com exceção de locais próximos de mercados regionais, onde a comercialização de produtos in natura fornece um retorno econômico satisfatório. A renda líquida anual por família variaria de US$ 453 a US$ 1.710. Esses valores são 27% a 380% maiores que a renda líquida obtida em uma RESEX no Acre, descrita por Anderson (1992)[7].

O primeiro passo para estabelecer RESEXs seria identificar comunidades organizadas que se disponham a trabalhar em associações ou cooperativas em locais onde a propriedade privada não é caracterizada, facilitando desta maneira a regularização fundiária[8]. Antes da formação da reserva, é necessário trabalhar no fortalecimento dessa associação e na capacitação dos moradores para o seu bom gerenciamento (Ibama, 1994).

A implementação desses modelos poderia ser feita inicialmente através de projetos pilotos. A vantagem desses projetos é que os erros são cometidos em pequena escala e a correção e o aperfeiçoamento são mais fáceis e baratos de serem feitos. O Programa Piloto para Proteção das Florestas Tropicais (PPG-7) poderia ser uma fonte de recursos para testar essa idéia. Atualmente, cerca de US$ 9 milhões estão destinados aos projetos de RESEXs (FOE/GTA, 1996). O Banco da Amazônia (BASA) também possui crédito para a execução de atividades agroextrativistas. Até dezembro de 1997, 120 projetos extrativistas tinham sido aprovados no Estado do Pará, mas nenhum até o momento havia recebido financiamento (Conamaz, 1998). No Estado do Acre, 96 projetos receberam em média US$ 20.000 em financiamento.

7) Anderson (1992) calcula a renda líquida em US$ 872.35, sem descontar o custo de oportunidade do trabalho [199 dias x US$ 2,60/dia=US$ 517.40]. As percentagens mostradas no texto incluem tal custo.

8) Caso haja proprietários no local, eles teriam que ser indenizados, o que aumentaria o custo de implementação.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Existe espaço para aumentar ainda mais a renda líquida dos modelos. Isso poderia ocorrer em três casos: i. se houvesse aumento nos preços dos produtos e/ou diminuição nos preços dos insumos; ii. aumento da produtividade; ou iii. domínio de outras fases de comercialização. No primeiro caso, os ribeirinhos pouco podem fazer para manipular os preços, uma vez que os mercados parecem ser competitivos. No segundo caso, a produtividade tanto do trabalho como da “natureza” pode ser incrementada. A produtividade do trabalho, bem como a qualidade dos produtos podem aumentar principalmente através da melhoria do nível educacional, de saúde e treinamento (Psacharopoulos e Woodhall, 1985). A produtividade da “natureza” pode aumentar através do manejo. Por exemplo, em nosso modelo consideramos um ciclo de corte suficientemente longo de 50 anos para repor o estoque de madeira extraída. Entretanto, experiências recentes na terra firme têm mostrado que o ciclo de corte em áreas manejadas pode ser reduzido em até três vezes, tornando a floresta mais produtiva (Barreto et al., no prelo).

O domínio de outras fases de produção também pode aumentar a renda. Em nossas simulações, analisamos os casos onde os ribeirinhos dominam as fases de extração e de processamento. No entanto, em alguns casos, a fase mais lucrativa é a fase seguinte, de distribuição e comercialização, especialmente para a exportação. No caso do palmito, por exemplo, firmas que comercializam o palmito enlatado para os mercados interno e externo conseguem aumentar em quatro vezes o lucro em relação à fase anterior de processamento (US$ 40 mil para US$ 150 mil por ano) com a mesma quantidade comercializada (Pollak et al., 1995).

O domínio da fase de distribuição requer habilidades especiais de gerenciamento, finanças, conhecimento de leis e desembaraços burocráticos, além de mais capital. Dificilmente essa fase estará ao alcance dos ribeirinhos sem o auxílio de instituições que os orientem e os capacitem.

O funcionamento econômico das RESEXs dependerá do bom funcionamento do trabalho cooperativo ou associativo. Como vimos, os investimentos para o processamento, os quais agregam valor aos produtos, são altos e dificilmente seriam viáveis individualmente.

Nossas análises focalizam as várzeas do estuário amazônico, mas acreditamos que outras áreas poderiam ser adequadas ao modelo de Florestas de Produção. Por exemplo, por toda a extensão do baixo e médio Amazonas encontram-se comunidades com problemas e vantagens similares às comunidades do estuário: posse da terra e da água problemática, alguns recursos superexplorados, população agroextrativa (pescadores, pequenos agricultores), possibilidade de uso sustentável dos recursos (por exemplo, manejo de lagos) (McGrath et al., 1993) e alta fertilidade dos solos (Falesi, 1986). Entretanto, os modelos apresentados não devem ser vistos como “receitas”, pois de modo algum esgotam as inúmeras variações existentes. Cada localidade na várzea possui uma combinação única de talentos humanos, conhecimento da floresta e base de recursos naturais. Os modelos servem para mostrar que a extração e o processamento dos produtos florestais podem gerar uma renda econômica para os ribeirinhos e que a conservação dos recursos naturais é fundamental, uma vez que possibilita diversificar a produção diante da volatilidade dos mercados para produtos florestais.

A criação de Florestas de Produção, em particular a formação de RESEXs nas várzeas, seria um caso exemplar de desenvolvimento econômico aliado à igualdade na distribuição de renda, onde a conservação dos recursos naturais funcionaria como uma estratégia econômica.

Observação: Após o Plano Real (Agosto/1994) os preços equivalentes em dólar de insumos e produtos mudaram consideravelmente. O fim das altas taxas de inflação também devem ter mudado os preços relativos. Deste modo, todos os números monetários devem ser analisados com cautela. Acreditamos, entretanto, que as conclusões ainda são válidas.

AGRADECIMENTOS 

Gostaríamos de agradecer a Marcos P. Gama pela ajuda na coleta de dados e aos colegas do Imazon, em particular Paulo Barreto e Adalberto Veríssimo pelas críticas e sugestões. Este trabalho teve o apoio da Fundação Ford e do Fundo Mundial para a Natureza (WWF).

ANEXO

Descrição do caso base (MODELO 2).

Maximizar a renda líquida por hectare proveniente das atividades: extração e processamento de palmito (P), extração e processamento de madeira (M) e olarias (T).

MAX34.77 P[1] + 1.67 M [2] + 19.1 T [3]

sujeito às seguintes restrições:

Área total[4]:

P + M £ 6,140

Mão-de-obra total[5]:

0,08 P + 0,0133 M + 0,0417 T £ 180

Crédito para investimento[6]:

41,58 P+ 1,79 M + 47,40 T £ 69,650

OBS: o modelo linear de rentabilidade e produção implica em retornos constantes de escala. Utilizamos o programa LINDO® para resolver o sistema de equações.

1. Renda líquida hectare-1 ano-1 de exploração de palmito. Pollak et al. (1995) consideram que são necessários 1.144 hectares de palmeiras para suprir uma fábrica média de palmitos. Essa área foi utilizada para transformar todos os outros dados para a unidade de hectare. A renda proveniente do processamento do palmito na fábrica é de US$ 34,77/ha (Pollak et al., 1995). Consideramos que nesse caso tanto a extração como o processamento seriam feitos dentro da RESEX.

2. Renda líquida hectare-1 ano-1 pela exploração madeireira. Uma serraria típica necessita de 1.850 m3 de tora/ano (Barros e Uhl, 1996). Considerando que as florestas de várzea possuem 56 m3/ha de madeira (Maciel, Imazon, não publicado) e que o ciclo de corte necessário para repor esse estoque é de 50 anos, temos uma área de 1.650 hectares destinada à exploração madeireira [(1850/56)*50]. A renda líquida de uma serraria é de US$ 2.755, ou US$ 1,67/ha, já descontados os custos de extração e processamento.

3. Renda líquida/ ha-1/ ano-1 pelas olarias. Uma olaria típica necessita de 331 m³ de lenha ao ano, com 40% de espaços vazios, dando 200 m³/ano; o que requer uma área de 7,7/ ha/ ano-1 (Maciel, Imazon, não publicado). Considerando a mesma taxa de crescimento acima (56/50=1,12 m³ ano-1), são necessários 20 anos para recompor esse volume. Ao todo, são necessários 154 hectares para suprir uma olaria de lenha sustentavelmente. Em 1995, a renda líquida de uma olaria era de US$ 2.941, ou US$ 19,10/ha.

4. Área total igual ou menor que 6.140 hectares. Fizemos um levantamento de 27 comunidades de várzea. A moda da amostra foi no grupo entre 51 a 65 (oito comunidades), média de 59 famílias com seis pessoas por família. Assim, existiam em média 360 pessoas/comunidade. A densidade média, de acordo com o IBGE (1991), é de 0,0586 hab./ha. Portanto, a área estimada de uma comunidade “típica” é de 6.140 hectares. Em termos práticos, as olarias não impõem uma restrição na área, pois pode-se aproveitar as sobras da serraria para alimentar o forno ou mesmo retirar lenha (madeiras de diâmetro pequeno) das áreas destinadas à exploração madeireira.

5. Mão-de-obra – Palmito: a) extração: é necessária 0,05 pessoa/ ha-1/ano-1 para fazer anelamento das árvores indesejáveis, limpeza do sub-bosque e espalhar sementes; 19,85 pessoas para fazer a extração do palmito em uma área de 1.144 hectares (0,017/ha); b) fábrica: são necessárias 15 pessoas na fábrica (0,013/ha) (Pollak et al., 1995). Total: 0,08 pessoa/ ha-1/ano-1. Atividade madeireira: a) extração: as equipes de extração são formadas por quatro pessoas e conseguem extrair 4,85 m³/dia. Para extrair 1.850 m3 ano-1 são necessárias 17 pessoas, considerando que trabalham 90 dias durante época de cheia {[1850/(4.85*90)]*4}; b) serraria: as serrarias necessitam de cinco pessoas (Barros e Uhl, 1996). Total: [(17+5)/1144]=0,0133 pessoa ha-1/ano-1. Olarias: são necessárias, em média, 6,42 pessoas para extrair lenha e trabalhar na olaria (Maciel, nd e dados de campo). Total: 6,42/154 ha = 0,0417 pessoa ha-1/ano-1. Disponibilidade de trabalhadores: a densidade demográfica das regiões rurais de várzea (microrregião dos Furos de Marajó) é de 5,86 hab./km². Considerando que 50% dessa população é economicamente ativa (entre 15 e 55 anos), temos em 6.140 hectares aproximadamente 180 trabalhadores.

6. Investimentos – Palmito: uma fábrica de palmito exige um investimento em torno de US$ 20.000 (US$ 17,48/ha). Consideramos também como investimento os retornos negativos no primeiro ano do manejo das palmeiras no valor de US$ 24,10/ha. Total: 41,58 ha-1. Madeira: uma serraria requer investimentos de US$ 2.950 ou US$ 1,79/ha. Olaria: uma olaria exige investimentos de US$ 7.300, ou US$ 47,40/ha. Todos os investimentos estão subestimados, pois não se considerou a necessidade de capital de giro. 

 


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